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TítuloA obra literária de Hilda Hilst e a categoria do obsceno (Entre a convenção e a transgressão: o erótico pornográfico, o social e o espiritual)

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Academic year: 2020

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FACULTADE DE FILOLOXÍA

DEPARTAMENTO DE GALEGO-PORTUGUÉS, FRANCÉS E LINGÜÍSTICA

A OBRA LITERÁRIA DE HILDA HILST E A CATEGORIA DO OBSCENO

(ENTRE A CONVENÇÃO E A TRANSGRESSÃO:

O ERÓTICO-PORNOGRÁFICO, O SOCIAL E O ESPIRITUAL)

TESE DE DOUTORAMENTO

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FACULTADE DE FILOLOXÍA

DEPARTAMENTO DE GALEGO-PORTUGUÉS, FRANCÉS E LINGÜÍSTICA

A OBRA LITERÁRIA DE HILDA HILST E A CATEGORIA DO OBSCENO

(ENTRE A CONVENÇÃO E A TRANSGRESSÃO:

O ERÓTICO-PORNOGRÁFICO, O SOCIAL E O ESPIRITUAL)

ALVA MARTÍNEZ TEIXEIRO

TESE DE DOUTORAMENTO

ORIENTADA PELO PROFESSOR DOUTOR

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RESUMO(PORTUGUÊS)

Esta Tese de Doutoramento pretende tratar a extensa e singular produção da escritora brasileira Hilda Hilst (1930-2004) nos parâmetros da convenção histórica e da trangressão contemporânea, ao relacionar a obra hilstiana com uma das realidades literárias mais notáveis desde a imaginação libertina até as poéticas da pós-modernidade: a perturbadora hegemonia da escrita de inspiração obscena como veículo da condição física e metafísica do ser humano.

Contudo, relativamente à obra da autora paulista servimo-nos do termo obsceno como um adjectivo valorativo, não relacional, isto é, não fazemos referência a um conjunto de textos que configuram um género literário particular – como, por exemplo, a escrita pornográfica, a que se vincula, numa taxonomia redutora, a denominada ‘tetralogia obscena’ hilstiana –. Para superar essa avaliação limitadora e restritiva a respeito de certas vertentes de uma escrita de rara profundidade filosófica, procurámos compor um material reflexivo que permitisse ponderar a verdadeira profundidade e o sinuoso sentido unitário da plural produção literária de Hilda Hilst.

Aplicámos, assim, a categoria do obsceno como chave interpretativa a um conjunto de textos que converge na nossa análise por volta da constatação da presença multímoda da obscenidade e da comprovação do diferente valor reivindicatório, crítico e indagador que esta categoria adquire na escrita.

Este valor literário da dissonância, unido à conceptualização da obscenidade foram, portanto, as chaves para ultrapassar a aparente divergência entre os diferentes códigos retóricos, formais e temáticos e, com isto, analisar e interpretar a obra de Hilst com base na evolução e não na quebra no interior do seu percurso literário.

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Assim, o processo crítico, desenvolvido num equilíbrio entre a descrição e a explicação, teve como propósito central o contacto directo com os textos, mas também com o substrato teórico ecléctico de que nos servimos, evitando as ponderações idealizadas ou simplificadoras relativamente a qualquer perfeita e/ou distorcida coerência escritural.

De facto, na sequência do submetimento a provas de refutação das proposições e hipóteses de que partimos, tentámos contestar qualquer dependência mecanicista dos textos de interpretações psicologistas e biográficas. Assim, distanciando-nos do impressionismo crítico, apresentámos a atípica biografia desta escritora megalómana como mecanismo de aprofundamento, desde uma certa perspectiva, na génese literária da obra hilstiana, por exemplo, com relação à escrita do eu cultivada pela autora.

Igualmente, um conveniente e rigoroso diálogo entre a psicologia e a literatura possibilitou a contestação das interpretações superficiais da obra e do processo genético hilstiano, orientadas por critérios extrínsecos não fundamentados, como a aparente loucura da autora ou certas adições que explicariam a singularidade e o hermetismo da sua escrita.

Do mesmo modo, a abordagem imanente dos textos foi relativizada mediante a contribuição de uma perspectiva analítica orgânica e contextualizada a partir dos factores do contexto sociocultural e do sistema literário e as suas relações extrínsecas e intrínsecas com a figura da escritora e com a sua escrita. Esta aproximação centrou-se, assim, em questões diversas como a dialéctica entre convenção e transgressão na obra da autora, os vínculos entre literatura, história e realidade na literatura hilstiana ou, por exemplo, a ambígua posição literária e sistémica da escritora a respeito da influência do elemento económico no âmbito literário.

Perante a complexidade de um discurso complicado e, como acabamos de indicar, por vezes também ambíguo, procurámos igualmente a contribuição ocasional de outras linhas teoréticas, como a retórica e a estilística que possibilitaram uma mais profunda compreensão da coerência discursiva na construção literária hilstiana, voltada para a procura da eficiência comunicativa para um pensamento artístico preponderantemente hermético e fragmentário.

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comparatismo e às relações de analogia. Neste sentido, estabelecemos um conjunto de comparações literárias e também, ocasionalmente, pictóricas, musicais ou cinematográficas numa escala nacional e supranacional com o objectivo de aperfeiçoar o aprofundamento na difícil produção individual de Hilda Hilst, assim como de esboçar uma rede de possíveis modelos efectivos e de influências e afluências relevantes para a obra da escritora paulista.

Em síntese, a amplitude e diversidade do objecto de estudo determinou a opção por uma análise complexa e ecléctica articulada num discurso digressivo e demonstrativo que procurou avaliar a proposta literária de Hilda Hilst sob a perspectiva unificadora do princípio de obscenidade.

Com este objectivo último, partimos de três linhas de pesquisa da noção de obscenidade em relação à natureza humana na escrita hilstiana: a filiação terrestre no âmbito do corporal, a filiação social no âmbito do colectivo e a filiação divina no âmbito do espiritual.

Estas três filiações permitiram agrupar num painel transmodal e transgenérico as diferentes vertentes da escrita hilstiana à volta de um relacionamento dialéctico e de um movimento binário e antagónico a respeito das duas possibilidades de avaliação do obsceno na contemporaneidade.

Neste sentido, a primeira das referidas filiações manifesta-se por meio da relação de assimetria mantida na escrita hilstiana pelos conceitos de obscenidade, pornografia e erotismo. Assim, muitos dos sujeitos protagónicos da escrita hilstiana ensaiam uma afronta ao corpo social através do enaltecimento, em diferentes tons, do erótico ao pornográfico, da volúpia e da lubricidade, que atinge um alto valor crítico e reivindicatório, entre outros elementos, da vulgaridade da sociedade burguesa, do submetimento da arte aos imperativos económicos ou da autonomia literária e amorosa da voz poética feminina, respectivamente.

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repressivas que preservem uma moral vitoriana que estimula a pornografia literária, artística e social como negócio, mas, para manter as aparências, censura fervorosamente aquilo que não afecta à lógica de mercado: a libertinagem – literária ou vital – individual e improdutiva.

Esta censura numa dinâmica a dois tempos da lógica social contemporânea intensifica-se na segunda das filiações. É a filiação social – privilegiada especialmente no teatro e na crónica hilstiana – a que prova de modo definitivo que o obsceno assume neste discurso literário uma dimensão ética e moral.

Nesta, o retrato histórico e social revela-se através de duas orientações diferenciadas pela natureza oblíqua ou recta do discurso veiculado nelas: a profecia anti-utópica e a indignação satírica. Nestas duas vertentes, a perspectiva distópica e crítica materializa-se, respectivamente, através de um conjunto de heróis que lutam contra uma sociedade opressora que acabará por aniquilá-los, por considerar o seu messianismo pernicioso para a ordem social imposta, ou através da atitude mordaz e provocadora da narradora das crónicas hilstianas, onde o pessimismo radical deriva numa sátira que, novamente, pretende revelar o cinismo dos detentores do poder e a cegueira do povo perante a alienação e a crueldade que dominam os fundamentos políticos, económicos e sociais da contemporaneidade.

Por último, quanto à filiação espiritual da escrita hilstiana, esta é representada tanto pelos heróis do teatro hilstiano, quanto pelos místicos que protagonizam diferentes obras de poesia e prosa da autora. Todos eles resultam obscenos por defender um pensamento distante do estreito racionalismo assumido pela contemporaneidade, inspirado pela infértil procura de um sentido para a existência.

O conjunto destas meditações, no caso dos místicos obsessivas, estrutura uma compreensão lúcida, mas impiedosa a respeito da vida, centrada na ideia do desamparo do ser humano destinado à degenerescência e à morte, na qual a ideia de Deus converte-se na da sua indiferença que com frequência se pretende resolver através de um ascetismo radical ou de uma atitude blasfema que procura a sua atenção.

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somos conscientes de que a existência é delimitada pelos conceitos de tempo, deterioração, finitude e morte.

Estas conclusões parciais do nosso estudo demonstram como a situação literária apresentada por Hilda Hilst muda no seu contrário e se revela como testemunho da utilização inapropriada, simplista e tartufista dos princípios da moral e da decência na contemporaneidade.

A conclusão última é, portanto, que, nos exercícios hilstianos, as três vinculações possíveis do homem, que aprofundam nos oscilantes e confinantes contornos do erotismo e da pornografia, de um certo engajamento literário e do misticismo, podem ser interpretados desde uma perspectiva unificadora como um retrato anti-utópico da humanidade.

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RESUMO(GALEGO)

Esta Tese de Doutoramento pretende abordar a extensa e singular produción da escritora brasileira Hilda Hilst (1930-2004) nos parámetros da convención histórica e da trangresión contemporánea, ao relacionar a obra literaria hilstiana cunha das realidades literarias máis notábeis desde a imaxinación libertina até as poéticas da posmodernidade: a perturbadora hexemonía da escrita de inspiración obscena como vehículo da condición física e metafísica do ser humano.

Non obstante, no relativo á obra da autora paulista servímonos do termo obsceno como un adxectivo valorativo, non relacional, isto é, non facemos referencia a un conxunto de textos que configuran un xénero literario particular –como, por exemplo, a escrita pornográfica, a que se vincula, nunha taxonomía redutora, a denominada ‘tetraloxía obscena’ hilstiana–. Para superar esa avaliación limitadora e restritiva respecto a certas vertentes dunha escrita de rara profundidade filosófica, procuramos compor un material reflexivo que permitise ponderar a verdadeira profundidade e o sinuoso sentido unitario da plural produción literaria de Hilda Hilst.

Aplicamos, así, a categoría do obsceno como chave interpretativa a un conxunto de textos que se agrupan nun painel transmodal e transxenérico, que converxe na nosa análise por volta da constatación da presenza diversa da obscenidade e da comprobación do diferente valor reivindicativo, crítico e indagador que esta categoría adquire na escrita.

Este valor literario da disonancia, unido á conceptualización da obscenidade foron, polo tanto, as chaves para superar a aparente diverxencia entre os diferentes códigos retóricos, formais e temáticos e, con isto, analizar e interpretar a obra de Hilst con base na evolución e non na quebra no interior do seu percurso literario.

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Así, o proceso crítico, desenvolvido nun equilibrio entre a descrición e a explicación, tivo como propósito central o contacto directo cos textos, mais tamén co substrato teórico ecléctico de que nos servimos, evitando as ponderacións idealizadas ou simplificadoras relativamente a calquera perfecta e/ou distorsionada coherencia escritural.

De feito, ao someter a probas de refutación as proposicións e hipóteses das que partimos, tentamos contestar calquera dependencia mecanicista dos textos de interpretacións psicoloxistas e biográficas. Así, distanciándonos do impresionismo crítico, presentamos a atípica biografía desta escritora megalómana como mecanismo de profundización, desde unha certa perspectiva, na xénese literaria da obra hilstiana, por exemplo, con relación á escrita do eu cultivada pola autora.

Igualmente, un conveniente e rigoroso diálogo entre a psicoloxía e a literatura posibilitou a contestación das interpretacións superficiais da obra e do proceso xenético hilstiano, orientadas por criterios extrínsecos non fundamentados, como a aparente loucura da autora ou certas adiccións que explicarían a singularidade e o hermetismo da súa escrita.

Do mesmo modo, a abordaxe inmanente dos textos foi relativizada mediante a contribución dunha perspectiva analítica orgánica e contextualizada a partir dos factores do contexto sociocultural e do sistema literario e as súas relacións extrínsecas e intrínsecas coa figura da escritora e coa súa escrita. Esta aproximación centrouse, así, en cuestións diversas como a dialéctica entre convención e transgresión na obra da autora, os vínculos entre literatura, historia e realidade na literatura hilstiana ou, por exemplo, a ambigua posición literaria e sistémica da escritora respecto da influencia do elemento económico no ámbito literario.

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Por último, nun ponderado e harmónico equilibrio entre a interpretación e a reflexión, esta análise hermenéutica foi auxiliada por un ocasional recurso ao comparatismo e ás relacións de analoxía. Neste sentido, establecimos un conxunto de comparacións literarias e tamén, ocasionalmente, pictóricas, musicais ou cinematográficas nunha escala nacional e supranacional co obxectivo de perfeccionar a profundización na dificil produción individual de Hilda Hilst, así como esbozar unha rede de posíbeis modelos efectivos e de influencias e afluencias relevantes para a obra da escritora paulista.

En síntese, a amplitude e diversidade do obxecto de estudo determinou a opción de unha análise complexa e ecléctica articulada nun discurso digresivo e demostrativo que procurou avaliar a proposta literaria de Hilda Hilst baixo a perspectiva unificadora do principio de obscenidade.

Con este obxectivo último, partimos de tres liñas de investigación da noción de obscenidade con relación á natureza humana na escrita hilstiana: a filiación terrestre no ámbito do corporal, a filiación social no ámbito do colectivo e a filiación divina no ámbito do espiritual.

Estas tres filiacións permitiron agrupar nun painel transmodal e transxenérico as diferentes vertentes da escrita hilstiana ao redor dunha relación dialéctica e dun movemento binario e antagónico respecto ás dúas posibilidades de avaliación do obsceno na contemporaneidade.

Neste sentido, a primeira das referidas filiacións maniféstase por medio da relación de asimetría mantida na escrita hilstiana polos conceptos de obscenidade, pornografía e erotismo. Así, moitos dos suxeitos protagónicos da escrita hilstiana ensaian unha afronta ao corpo social a través do enaltecemento, en diferentes tons, do erótico ao pornográfico, da voluptuosidade e da lubricidade, que alcanza un alto valor crítico e reivindicatorio, entre outros elementos, da vulgaridade da sociedade burguesa, do sometemento da arte aos imperativos económicos ou da autonomía literaria e amorosa da voz poética feminina, respectivamente.

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desencontro entre a razón individual e a razón social, cega para os seus proprios defectos, interpreta como obscena a posición vital dos protagonistas da prosa e da poesía hilstiana e opta por accións represivas que preserven unha moral vitoriana que estimula a pornografía literaria, artística e social como negocio, mais, para manter as aparencias, censura fervorosamente aquilo que non afecta á lóxica de mercado: a libertinaxe – literaria ou vital – individual e improdutiva.

Esta censura nunha dinámica a dous tempos da lóxica social contemporánea intensifícase na segunda das filiacións. É a filiación social – privilexiada especialmente no teatro e na crónica hilstiana – a que proba de modo definitivo que o obsceno asume neste discurso literario unha dimensión ética e moral.

Nesta, o retrato histórico e social revélase a través de dúas orientacións diferenciadas pola natureza oblicua ou recta do discurso vehiculado nelas: a profecía antiutópica e a indignación satírica. Nestas dúas vertentes, a perspectiva distópica e crítica materialízase, respectivamente, a través dun conxunto de heroes que loitan contra unha sociedade opresora que acabará por aniquilalos, por considerar o seu mesianismo pernicioso para a orde social imposta, ou a través da actitude mordaz e provocadora da narradora das crónicas hilstianas, onde o pesimismo radical deriva nunha sátira que, novamente, pretende revelar o cinismo dos detentores do poder e a cegueira do povo ante a alienación e a crueldade que dominan os fundamentos políticos, económicos e sociais da contemporaneidade.

Por último, en canto á filiación espiritual da escrita hilstiana, esta é representada tanto polos heroes do teatro hilstiano, como polos místicos que protagonizan diferentes obras de poesía e prosa da autora. Todos eles resultan obscenos por defender un pensamento distante do estreito racionalismo asumido pola contemporaneidade, inspirado pola infértil procura dun sentido para a existencia.

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Novamente, a análise dos textos revelou unha dinámica dialéctica, pois aquilo que a sociedade interpreta como uma extravagancia delirante e indecorosa revélase coherente e fundamentado, pois é lóxico interrogar a posíbel transcendencia con desespero, cando somos conscientes de que a existencia é delimitada polos conceitos de tempo, deterioración, finitude e morte.

Estas conclusións parciais do noso estudo demostran como a situación literaria presentada por Hilda Hilst muda no seu contrario e se revela como testemuño da utilización inapropiada, simplista e hipócrita dos principios da moral e da decencia na contemporaneidade.

A conclusión última é, polo tanto, que nos exercicios hilstianos, as tres vinculacións posíbeis do home, que profundizan nos oscilantes e fronteirizos contornos do erotismo e da pornografía, dun certo compromiso literario e do misticismo, poden ser interpretados desde unha perspectiva unificadora como un retrato antiutópico da humanidade.

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ABREVIATURAS UTILIZADAS (ORDEM ALFABÉTICA)

AAN: As Aves da Noite [1968]

ABC: Auto da Barca de Camiri [1968] AE: A Empresa [1967]

Al: Alcoólicas [1990] Am: Amavisse [1989]

AMP: A Morte do Patriarca [1969] AOS: A Obscena Senhora D [1982] BA: Balada de Alzira [1951] BF: Balada do Festival [1955] Bu: Bufólicas [1992]

CCC: Cascos & Carícias & Outras Crônicas [1992-1995] CDS: Cartas de um Sedutor [1991]

CET: Contos d’Escárnio / Textos Grotescos [1990] CMO: Com os Meus Olhos de Cão [1986]

CPP: Cantares de Perda e Predileção [1983] CSN: Cantares do Sem Nome e de Partidas [1955] DA: Do Amor [1999]

DD: Do Desejo [1992]

DMO: Da Morte. Odes Mínimas [1980] DN: Da Noite [1992]

EI: Exercícios para uma Idéia [1967] EST: Estar Sendo. Ter Sido [1997] FF: Fluxo-floema [1970]

JMN: Júbilo, Memória, Noviciado da Paixão [1974] OCR: O Caderno Rosa de Lori Lamby [1990] OF: Ode Fragmentária [1961]

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ORM: O Rato no Muro [1967] OVe: O Verdugo [1969]

OVi: O Visitante [1968]

PDG: Pequenos Discursos. E um Grande [1977]

PFC: Pequenos Funerais Cantantes ao Poeta Carlos Maria de Araújo [1967] PMG: Poemas Malditos, Gozosos e Devotos [1984]

Pr: Presságio [1950] Qa: Qadós1 [1973]

RN: Rútilo Nada [1993] RS: Roteiro do Silêncio [1959]

SCP: Sete Cantos do Poeta para o Anjo [1962] STG: Sobre a Tua Grande Face [1986]

TMA: Trovas de Muito Amor para um Amado Senhor [1960] TNT: Tu Não Te Moves de Ti [1980]

TPS: Trajetória Poética do Ser [1963-1966] VE: Via Espessa [1989]

VV: Via Vazia [1989]

ARQUIVO PESSOAL DE HILDA HILST (MANUSCRITOS E FONTES DOCUMENTAIS)

AHH: Arquivo Hilda Hilst do Centro de Documentação Alexandre Eulálio da Universidade de Campinas (CEDAE)

1 Mantemos a sigla Qa, correspondente ao título original,apesar de que, a partir de 2002, este mudou em

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ABREVIATURAS UTILIZADAS (POR GÉNEROS)

CRÓNICA

CCC: Cascos & Carícias & Outras Crônicas [1992-1995]

FICÇÃO

AOS: A Obscena Senhora D [1982] CDS: Cartas de um Sedutor [1991]

CET: Contos d’Escárnio / Textos Grotescos [1990] CMO: Com os Meus Olhos de Cão [1986]

EST: Estar Sendo. Ter Sido [1997] FF: Fluxo-floema [1970]

OCR: O Caderno Rosa de Lori Lamby [1990] PDG: Pequenos Discursos. E um Grande [1977] Qa: Qadós [1973]

RN: Rútilo Nada [1993]

TNT: Tu Não Te Moves de Ti [1980]

POESIA

Al: Alcoólicas [1990] Am: Amavisse [1989]

BA: Balada de Alzira [1951] BF: Balada do Festival [1955] Bu: Bufólicas [1992]

CPP: Cantares de Perda e Predileção [1983] CSN: Cantares do Sem Nome e de Partidas [1955] DA: Do Amor [1999]

DD: Do Desejo [1992]

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EI: Exercícios para uma Idéia [1967]

JMN: Júbilo, Memória, Noviciado da Paixão [1974] OF: Ode Fragmentária [1961]

PFC: Pequenos Funerais Cantantes ao Poeta Carlos Maria de Araújo [1967] PMG: Poemas Malditos, Gozosos e Devotos [1984]

Pr: Presságio [1950]

RS: Roteiro do Silêncio [1959]

SCP: Sete Cantos do Poeta para o Anjo [1962] STG: Sobre a Tua Grande Face [1986]

TMA: Trovas de Muito Amor para um Amado Senhor [1960] TPS: Trajetória Poética do Ser [1963-1966]

VE: Via Espessa [1989] VV: Via Vazia [1989]

TEATRO

AAN: As Aves da Noite [1968]

ABC: Auto da Barca de Camiri [1968] AE: A Empresa [1967]

AMP: A Morte do Patriarca [1969] ONS: O Novo Sistema [1968] ORM: O Rato no Muro [1967] OVe: O Verdugo [1969]

OVi: O Visitante [1968]

ARQUIVO PESSOAL DE HILDA HILST (MANUSCRITOS E FONTES DOCUMENTAIS)

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I

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DA HIPÓTESE DE PARTIDA E DOS OBJECTIVOS

Hilda Hilst publicou mais de trinta obras em quase cinquenta anos de produção literária e cultivou os três géneros fundamentais – dramaturgia, poesia lírica e prosa narrativa –, num conjunto de textos cuja originalidade, conforme veremos ao situar o modo hilstiano como desvio face aos cânones literários contemporâneos, resulta quase absoluta, pois, tal e como tem indicado Alcir Pécora numa entrevista a Álvaro Kassab a respeito da escrita de Hilda Hilst e, também, de Roberto Piva:

é de legibilidade difícil no âmbito das correntes predominantes da produção e da crítica literária brasileira pós-45: não tem filiação construtivista, nem concretista; não tem enredo realista, não tem temas nacionalistas, nem tem militância política convencional, embora as obras de ambos sejam altamente políticas e intervencionistas. São obras de intensidade incômoda: performáticas, escandalosas, brutais (2007: 5).

Com efeito, numa escrita onde sempre está presente a poetisa, a narradora, a mística ou a erotóloga, a autora efectuou uma simbiose constrangedora com a determinação de provocar e de perturbar o leitor. Simbiose e determinação que, aliás, nos permitem avaliar de maneira integral um corpus heterogéneo constituído por estas obras situadas no heterodoxo espaço da periferia literária.

Uma certa impressão do subterrâneo sentido unitário da plural produção literária hilstiana, como produtiva chave analítica e interpretativa da mesma, deveu, de maneira progressiva e com o passar do tempo, convicção pessoal, um resultado evidente tanto da repetida e reflexiva leitura das diferentes vertentes e das diversas obras em que se efectiva, como da análise e ponderação das entrecruzadas reflexões que realizámos a seu respeito.

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a) A inexistência de uma divisão radical entre a obra ‘pornográfica’ e a obra ‘séria’. b) A percepção do conjunto da obra como uma reescrita pertinaz de determinadas constantes, de determinados factores invariáveis, latentes sob uma aparência de pluralidade.

c) A existência de uma celebração do valor artístico e existencial da individualidade e da dissonância e de uma estabilidade da indagação a respeito do absurdo existencial, quer do plano especulativo e transcendente, quer do plano empírico e imanente.

d) A consideração de uma escrita articulada como uma reflexão literária dos aspectos retratados, que participa, ou antes se representa, indistintamente através da comicidade ou da gravidade sempre próximas do âmbito do grotesco.

e) A presença, afinal, de uma visão pessimista sempre latente, alicerçada numa compreensão trágica da existência, que considera o homem tema central e que oscila entre as realidades concretas e individuais, entre as existências, e os conceitos universais e as ideias abstractas, isto é, as essências.

De maneira paralela fomos fixando os objectivos básicos – que não únicos – do trabalho a desenvolver. Com a passagem do tempo e o dificultoso avanço do nosso trabalho e conhecimento da obra hilstiana, delimitámos os dez objectivos que, a seguir, enumeramos:

1) Analisar e interpretar a obra de Hilda Hilst partindo da existência de uma evolução e não de quebras profundas no percurso literário, apesar da dissemelhança entre os códigos retóricos, formais e temáticos.

2) Neste sentido, avaliar as obras identificadas como pornográficas com independência de critérios extrínsecos (como a própria afirmação da autora de ter abandonado com elas a literatura a sério).

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4) Aproveitar a categoria do obsceno como filtro conceptual para aprofundar na compreensão da escrita.

5) Identificar os diferentes sentidos que a noção do obsceno adquire, assim como o seu diferente valor reivindicatório ou crítico.

6) Analisar, em relação ao anterior, a proposta literária de Hilda Hilst sob a perspectiva unificadora do princípio de alteridade, focando-a como um todo unificado pelo sentimento de estranheza e de perplexidade dos protagonistas de pertencer à sociedade contemporânea, quando não à humanidade.

7) Demonstrar o carácter parcialmente intencional dessa alteridade entendida como uma relação de confronto relativamente ao outro.

8) E ainda, no que respeita à individualidade dos protagonistas hilstianos, discernir o repositório de questões dilemáticas, obsessões e excentricidades ligadas com essa singularidade que os caracteriza.

9) Em relação a este valor literário da dissonância, distinguir os diferentes mecanismos de transformação literária da memória e de certa escrita do eu.

10) Comprovar a diferente relevância e valor específico da palavra como instrumento transgressor, crítico e indagador.

DA METODOLOGIA

A categoria e a conceptualização do obsceno como chave interpretativa

Para atingir estes objectivos e, especialmente, uma visão de conjunto que, ao mesmo tempo, permitisse compreender as especificidades características de cada um dos géneros, obras e temáticas cultivadas, propomos o conceito de obscenidade – identificado, por vezes, em sentido simplista com certa vertente da obra hilstiana onde o princípio de provocação e dissonância se manifesta mais evidente – como filtro teórico, especulativo e unificador.

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conformam um género literário específico – como pode ser a literatura pornográfica, a que se associa a denominada ‘tetralogia obscena’ hilstiana – e que, como tal, partilha um conjunto de traços temáticos e estruturais. Aplicaremos o termo, sim a um conjunto de textos que se reúnem num conglomerado transmodal e transgenérico que, através da exploração de diferentes possibilidades de interpretação do obsceno, afinal se revela uma diferente conceptualização transversalizante, perfeita e acabada, da noção de obscenidade.

Como sabemos, a percepção e a definição do obsceno particulariza-se e dificulta-se por causa da instabilidade ontológica, pela flutuação dos seus traços substanciais:

Nadie sabe qué significa. Supongamos que derivó de obscena: aquello que no puede representarse en el escenario. ¿Qué deducimos de esto? Nada. Lo que es obsceno para Pedro no es obsceno para María o Juan, por lo que, en verdad, el significado de una palabra debe esperar la decisión de la mayoría (Lawrence, 2003: 41).

Hilda Hilst aproveitou o carácter esquivo deste termo-conceito – que, segundo o psiquiatra e ensaísta Carlos Castilla del Pino, “no es sino que nos lo parece” (1993: 27) – para questionar o verdadeiro significado desta categoria que não o é de maneira intemporal.

A natureza fenoménica do obsceno complica profundamente a delimitação de um critério constante, imutável e único que permita instituir uma definição material. Esta impossibilidade de demarcar de forma categórica e a-histórica o âmbito do obsceno permite à autora paulista articular a sua obra como uma dialéctica prolongada e pormenorizada que, desenvolvendo-se, segundo um ritmo binário e opositivo, entre duas percepções da obscenidade, uma colectiva e complacente e outra invulgar e desarmonizadora, se resolve sempre em favor desta última.

Para distinguir as coordenadas desta polarização e na procura da precisão conceptual, examinaremos o assunto desde uma perspectiva sincrónica, segundo os diferentes significados que o termo veicula na actualidade.

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Esta delimitação do obsceno dentro do espaço do material explicita-se mais, entre outros, no Diccionario da língua espanhola de María Moliner que identifica também o obsceno com o pornográfico.

Sem dúvida, a categoria do obsceno fica satisfatoriamente delimitada quando a restringimos ao âmbito sexual, como sinónimo de pornografia ou, quando menos, de falta de pudor. Esta é a interpretação complacente e superficial, atribuída na escrita hilstiana à sociedade, por oposição à compreensão mais problemática e complexa que os protagonistas hilstianos revelam a respeito dela.

Por oposição a estas acepções que se restringem às obscenidades de conteúdo sexual, o dicionário Novo Aurélio da Língua Portuguesa vincula os actos obscenos aos pensamentos, palavras e obras desacreditados pela impureza e o despudor, mas acrescenta a estes a desonestidade, presente também na definição do Dicionário da Língua Portuguesa

da Porto Editora, onde o obsceno é definido como contrário à decência e ao pudor, como torpe, indecoroso, desonesto e/ou lascivo.

Estas definições sugerem já a ligação do obsceno com a moral, perspectiva reforçada, por exemplo, pela interpretação oferecida pelo The New Shorter Oxford English Dictionary, que define o adjectivo obsceno como altamente ofensivo e moralmente repugnante ou profundamente indecente e lascivo, evidenciando a natureza essencialmente ética do problema e o facto de que a obscenidade é um conceito dependente da moralidade, como pretendem transmitir os textos hilstianos através das suas diferentes conjunturas.

Assim, esta visão polarizada da obscenidade origina uma dinâmica cruzada onde cada um dos pólos censura uma das interpretações possíveis, ao mesmo tempo que representa a outra. Trata-se de uma relação de oposição, de confrontação e de antagonismo entre a sociedade retratada e os protagonistas hilstianos materializada num movimento de ofensa mútua:

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Não é, portanto, em nenhum dos dois casos uma ofensa a uma convicção individual, embora as personagens criadas por Hilda Hilst actuem de modo particular, por oposição à sociedade que age como massa, mas de uma afronta a um sentimento partilhado e comum a uma colectividade – mesmo que a dos protagonistas hilstianos seja minoritária – que interpreta algo como uma ofensa e/ou uma agressão. Trata-se, pois, sempre de uma acção de teor social, por ser pública e por estar a sua conceptualização associada ao grau de concordância dessa acção pública com os parâmetros colectivos.

Se o obsceno deve ser definido, em decorrência disto e em rigor, por relação ao conteúdo desses princípios cuja desobediência representa uma ameaça para o convívio e para a conservação do corpo social, a colectividade que resulta obscena de um modo mais imediato é a formada pelo conjunto heteróclito dos protagonistas apresentados por Hilda Hilst, pois é a que desacata os preceitos e os princípios da maioria.

Estes manifestam-se através de condutas eróticas, pornográficas, alucinadas, incoerentes, excêntricas, revolucionárias e/ou agitadoras, pois obedecendo aos princípios do obsceno, entendido como provocação que “se metamorfosea para conservar esa marginalidad: cambiando siempre de posición precisamente para mantenerla” (Barba & Montes, 2007: 57), a autora paulista modifica progressivamente os atributos das personagens de modo que estas resultem sempre o mais perturbadoras possíveis.

Não se entende, consequentemente, a obscenidade dos heróis hilstianos como um absurdo, nem sequer como algo simplesmente inconveniente ou improcedente, mas como uma acção intencional. Face à colectividade frágil e uniformizada, propagada pela apatia que caracteriza a modernidade, Hilst eleva o sujeito forte, firme e decidido na sua discordância e transgressão social, ou antes, anti-social.

E esta reintegração dos elementos perturbadores e, portanto, excluídos do discurso legitimado pela sociedade permite, afinal, expor a alienação, o embrutecimento e a intolerância imperantes na sociedade por duas vias.

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erigido como símbolo da negatividade do social – relativamente ao sistema e ao modelo de pensamento imperantes.

Em segundo lugar, e em relação com esta, outra manifestação do obsceno é introduzida no discurso através do protagonismo concedido à perspicácia, que, por vezes se aproxima da clarividência, dos sujeitos criados pela autora paulista que, com a sua particular interpretação problemática e crítica da realidade prosaica e da condição precária do ser humano, denotam a inconsciência, a irresponsabilidade, a insensatez e a leviandade que caracterizam a contemporaneidade.

Portanto, a extrema quebra destas figuras irreverentes, místicas ou messiânicas em relação aos códigos vigentes orienta o entendimento da proposta última da escrita hilstiana: a celebração da honestidade, da lucidez, do génio, da espiritualidade, da sensibilidade, da solidariedade e da liberdade individuais face a uma realidade que, constrangida pelo jogo da socialização e da aparência, resulta amoral e impudicamente adversa a qualquer valor ou virtude espiritual genuínos e legítimos.

De facto, a própria autora, nas anotações manuscritas a respeito de O Caderno Rosa de Lori Lamby, reflectiu sobre este sentido último da obscenidade na sua obra, nos seguintes termos:

mais uma coisa. livros como o Caderno Rosa podem fazer com que o outro repense os conceitos de OBSCENO, repulsivo, pornografico, imundo, sujo etc.

OBSCENO pra mim é pobreza absoluta **

Armas químicas Racismo

corrupção

e voltando aos grandes ensaios sobre pornografia:

a verdadeira natureza do OBSCENO é a vontade de converter, expulsar os rufiões do Templo2.

2 Estas anotações encontram-se num papel avulso manuscrito da autora (Pasta 42, Série O Caderno Rosa de

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Esta visão da conjuntura do ser humano em sociedade, absurda, pessimista e, em certas ocasiões, trágica, assim como a reivindicação de uma humanidade mais soberana, lúcida, permissiva e tolerante são apresentadas tanto através das cinco dimensões próprias do homem, isto é, a psicológica, a física, a moral, a social e a sentimental, como por meio das três caracterizações possíveis do ser humano: como filho da terra, filho do homem e filho de Deus.

São estabelecidas assim, três filiações para o indivíduo que, do mais axiomático ao menos óbvio, estabelecem as três hipóteses de exploração do conceito de obscenidade na escrita hilstiana, de que, nesta investigação, partimos para uma compreensão – e/ou apreensão – sinuosa e pluralmente unitária do conjunto da mesma: a filiação terrestre no âmbito do corporal, a filiação social no âmbito do colectivo e a filiação divina no âmbito do espiritual.

Eclecticismo teorético

Se admitirmos que a complexidade da obra hilstiana, como manifestação de arte e de cultura, depende, em rigor, da quantidade de interpretações e reflexões a que obriga, da problematização da realidade que transfigura e, em consequência, das múltiplas perspectivas de análise possíveis, devemos assumir também que, a respeito de uma discursividade sempre dificultosa e de um corpus dilatado, dada a perspectiva de análise por nós adoptada, é necessária a estrutura reflexiva e problematizadora pela qual optámos.

Estrutura que, aliás, encontra as linhas teoréticas desta investigação numa perspectiva basicamente ecléctica que quisemos aplicar de maneira rigorosa.

(31)

não só de conhecer a artista e o seu universo e entorno moral e intelectual, mas também como forma de aprofundar, de certo modo, na génese literária da obra hilstiana.

Embora negássemos à biografia ou às declarações auto e heterobiográficas a respeito de Hilda Hilst qualquer valor crítico, a história da escritora é indirectamente interessante e pertinente para o nosso estudo, pois projecta uma certa luz sobre a escrita, como por exemplo, no relativo à compósita escrita do eu semeada por toda a obra. Aliás, esta cautelosa e fundamentada relação entre o literário e o biográfico permitiu-nos estabelecer uma relação dialéctica entre os testemunhos e apreciações extrínsecas que nortearam, frequentemente, a compreensão da produção e do percurso literário da autora e a verdadeira ponderação crítica da obra.

Em relação a isto, um prudente e reflectido relacionamento entre literatura e psicologia permitiu a aproximação ao estudo psicológico da autora e o rejeitamento das motivações simplistas de determinados ensaios de apreciação da escrita hilstiana e do seu processo genético à luz de levianas diagnoses de loucura, alcoolismo ou outras adições narcóticas, entorpecentes ou estupefacientes, que supostamente determinariam a obscuridade e o hermetismo característicos da obra hilstiana.

Aliás, distanciando-nos do impressionismo crítico, decidimos igualmente privilegiar, de maneira não excludente, que o nosso trabalho de investigação fosse alicerçado numa compreensão orgânica e contextualizada – social e literariamente – da produção hilstiana e que um saber e uma exposição espiralados desvendassem, quer as implicações culturais e filosóficas, quer o pensamento norteador da intentio auctoris e da

intentio textus – com o contraste da consideração crítica e a ponderada percepção prévia de uma multifacetada intentio lectoris.

(32)

Procurámos também delinear, de modo complementar, as complexas relações da escritora como membro da sociedade: a discordância a respeito do grau de consideração social e de consagração recebida no campo literário brasileiro ou a iconoclasta, ambígua e cínica assunção da natureza parcialmente económica e/ou profissional da produção literária, exprimidas quer em afirmações extraliterárias, quer no complexo crítico, censurador e/ou parodiador disseminado no conjunto da obra hilstiana.

Portanto, a operação crítica que realizámos, entre a descrição e a explicação, teve como alvo básico o diálogo directo com os textos hilstianos, mas também, de modo tácito ou explícito, com o substrato teórico ecléctico de que nos servimos, no âmbito dos contextos textuais e extratextuais em que se produziram, fugindo de considerações idealistas/idealizadas à volta de qualquer perfeita e harmoniosa coerência escritural.

De facto, na sequência do submetimento a provas de refutação das proposições e hipóteses de que partimos, tentámos relativizar e matizar a abordagem imanente dos textos e a pontual aproximação hermenêutica retórico-estilística. Neste sentido, procurámos evitar qualquer inventário simplificador de tropos e figuras. Com este fim, aplicámos uma moderada e equilibrada análise retórica que evidenciasse e avaliasse a importância da linguagem numa literatura onde o pensamento ocidental é questionado por um conjunto de personagens submergidas numa profunda crise intelectual e existencial.

Tentámos revelar, portanto, como a escrita hilstiana, consciente da insuficiência da linguagem comum para aprofundar essa interrogação intelectiva e metafísica, optou por esboçar outras maneiras discursivas de examinar e interpretar a realidade física e espiritual. Toda a construção literária da autora paulista foi, portanto, considerada sob a perspectiva retórico-hermenêutica, de modo patente ou latente, segundo esta concepção do discurso literário como procura retórica da eficácia comunicativa para um pensamento artístico complexo, obscuro e, frequentemente, fragmentário.

(33)

Contudo, e como já indicámos, a abordagem imanente dos textos e a pontual aproximação hermenéutica retórico-estilística foi incorporada e relativizada através do auxílio e da consideração, entre outros, dos factores extrínsecos do contexto sociocultural e/ou do sistema e do campo literário brasileiro, assim como dos factores intrínsecos de teor biográfico e de condicionamento autoral numa perspectiva psicanalítica, das tendências e modelos efectivos ou das influências e afluências relevantes.

Finalmente, numa dialéctica entre a prática da análise interpretativa e a reflexão abstracta, rejeitando qualquer relativismo gnoseológico, abrimos o nosso trabalho hermenêutico, toutes proportions gardées, a uma medida utilização do sugestivo e esclarecedor procedimento da analogia e a um lato comparatismo.

Assim, para melhor compreender a produção literária individual da autora e examinar o difícil complexo da sua composição, estabelecemos determinadas e pontuais comparações literárias numa escala nacional e supranacional, assim como optámos ocasionalmente por aproveitar certas e circunstanciais relações da literatura com outras artes, como as belas-artes, a música ou o cinema.

Este medido modo de tratar os potenciais paralelos entre as várias artes consistiu, ora numa avaliação do carácter compósito de certa vertente da obra hilstiana em que coexiste o elemento pictórico e o elemento verbal, ora numa aproximação ocasional alicerçada sobre um estudo dos próprios objectos artísticos e das possíveis semelhanças estruturais.

Na obra Da Morte. Odes Mínimas, o elemento pictórico conformado por cada uma das aguarelas da autora, dialoga e amplifica o significado simbólico ou alegórico de cada um dos poemas que conformam o texto verbal. Se bem que não pretendíamos forçar a importância da visualização nesta poesia, procurámos referir de maneira sintética o modo de relacionamento, complementaridade e dependência das duas vertentes desta proposta compósita para acurar a indagação das intenções da escritora e dos sentidos dessa alegoria interartística.

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assim como determinadas similitudes nos fundamentos e concepções de artistas pertencentes aos diferentes discursos artísticos.

Enfim, dado o carácter ingente e diverso do objecto de estudo, esperamos que a organização e a estrutura do nosso discurso tivessem a capacidade de pôr ordem na selva com que, em princípio, se nos apresentou a totalidade da produção literária hilstiana.

É por isto que optámos por um planeamento complexo e uma organização espiralada, mas esclarecedora e atautológica a respeito da vária realidade literária em foco, por uma exposição liberta de juízos de valor explícitos, digressiva e entrecruzada, e, finalmente, por um modo afirmativo que, às vezes, devém interrogativo e dubitativo – pois, na verdade, como Cioran, também nós nos sentimos mais seguros junto a um Pírron do que junto um São Paulo.

A ORGANIZAÇÃO DA TESE

(Estrutura dos conteúdos)

Além deste capítulo inicial de carácter introdutório e do final de teor conclusivo, assim como dos apartados em que se referem as abreviaturas e a bibliografía utilizadas3,

esta tese de doutoramento foi organizada em mais cinco grandes capítulos que constituem o núcleo do seu discurso expositivo e demonstrativo, especialmente, no caso do quarto, quinto e sexto, estruturados em obediência às três filiações derivadas do obsceno que antes referimos.

O segundo capítulo – «A figura e a fortuna literárias de Hilda Hilst (Uma aproximação biobibliográfica)» – ocupa-se das obsessões literárias e das interferências da biografia hilstiana que, condicionando de uma ou outra maneira a análise e a interpretação da escrita, lhe dizem respeito, contemplando também uma cartografia genérica dos temas e

3 O apartado bibliográfico está organizado em duas secções: uma primeira, “Bibliografia citada de Hilda

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conteúdos de todas e cada uma das obras hilstianas, assim como uma breve nota sobre os anómalos usos linguístico-expressivos da autora e, em apêndice, uma cronologia das edições das suas obras.

O terceiro capítulo – «A singularidade da escrita hilstiana no contexto literário brasileiro (O desvio genérico face à norma)» – contextualiza os diferentes espaços literários que a autora cultivou, centrando-se nas afinidades e divergências da sua obra poética, o engajamento em diferença da sua obra teatral e a revolta e a iconoclastia da sua obra ficcional e cronística.

O quarto capítulo – «A categoria do obsceno no corporal (Amor, sexualidade, erotismo e pornografia)» – examina a apropriação e o distanciamento das convenções lírico-amorosas da produção poética hilstiana, a provocação e o sentido último da ‘tetralogia obscena’ e os outros sentidos da devassidão na restante obra da autora paulista.

O quinto capítulo – «A categoria do obsceno no social (O teatro e as crónicas como modalidades de intervenção)» – analisa a obra de maior evidência interventiva: ora a subversão ontológica, a poeticidade e experimentalidade e a antiutopia escatológica do teatro, ora a subversão satírica a respeito do grotesco panorama da sociedade brasileira da altura da escrita cronística.

O sexto capítulo – «A categoria do obsceno no espiritual (Misticismo, loucura, messianismo e iluminação)» – estuda de maneira interpretativa o papel messiânico e/ou a experiência mística que dão sentido aos protagonistas heróicos, desvairados e iluminados no conjunto da diversificada obra literária hilstiana.

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DO PROCESSO E DOS AGRADECIMENTOS

Foi em 2002 quando tive acesso pela primeira vez à escrita de Hilda Hilst, através da leitura do volume Ficções que reunia os contos dos Pequenos Discursos. E um Grande

(1977) e as narrativas Fluxo-floema (1970) e Qadós (1973).

A publicação de 1977, adquirida num ‘sebo’ carioca e enriquecida com interessantes notas marginais manuscritas de diverso teor – observações, comentários e juízos críticos –, provavelmente, devidas ao seu anterior proprietário, permitiu-me uma primeira aproximação mediada ao complexo universo ficcional da autora. Em paralelo, a consulta demorada do número monográfico dedicado à escritora paulista pelos excelentes

Cadernos de Literatura Brasileira (1999) propiciou, na altura, uma fácil contextualização do conjunto da obra, assim como promoveu tanto o meu interesse pela sua bizarra figura como a minha curiosidade pela atestação da sua atitude, com um toque de megalomania, a respeito da mais-valia da obra literária por ela edificada.

Desafiada pelo seu hermetismo e atraída pela sua inegável qualidade e pelo fascínio da sua invulgar estatura intelectual, procurei outras obras de que dispunha na biblioteca familiar. E foi assim que prossegui com a progressiva e anárquica leitura, por um lado, com os livros da editora paulistana Nankin Cascos e Carícias: Crônicas Reunidas (1992/1995)

(1998) e o primeiro volume do Teatro Reunido (2000), e, por outro lado, com o peculiar texto pornográfico O Caderno Rosa de Lori Lamby e com a obra poética Cantares do Sem Nome e de Partidas, publicados respectivamente em 1990 e em 1995 pela editorial Massao Ohno de São Paulo.

Só um ano mais tarde e graças ao Programa ‘Sócrates/Erasmus’, no curso académico 2003-2004, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, retomei a leitura da diversificada obra hilstiana, assim como consegui ampliar os meus conhecimentos a respeito da literatura contemporânea brasileira, especialmente com o auxílio dos excelentes fundos que, neste âmbito, possui a Biblioteca da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

(37)

publicada pela editora Massao Ohno em 1962 – e uma versão em provas de imprensa de 1964 de Trajetória Poética do Ser – publicada pela Editora Sal três anos depois no volume

Poesia (1959/1967) –, profusamente modificadas e corrigidas pela própria mão da autora que a remitira ao crítico e escritor português, promoveu uma outra visão do processo genético da escrita hilstiana. Anos depois, a consulta exaustiva do importante arquivo pessoal da escritora, no Centro de Documentação ‘Alexandre Eulálio’ da Universidade de Campinas, não fez mais do que ratificar com contundência esse cuidado desmedido pela (re)escrita apurada da própria criação literária, revelando-me uma escritora de teor horaciano, notoriamente preocupada pelo acabamento e pela perfeição das suas obras, por vezes aparentemente caóticas no seu hermetismo.

Um problema de não pequena magnitude foi derivado da dificuldade de conseguir na íntegra algumas das diferentes edições do córpus hilstiano, assim como certos trabalhos académicos e críticos dedicados à autora e à sua obra. A distância, a raridade e a difícil acessibilidade que explicam a referida dificuldade, foram em grande parte ultrapassadas graças ao apoio do Doutor Henrique Marques-Samyn, escritor e pesquisador carioca a quem agora só posso agradecer aqui, além das certeiras opiniões e dos produtivos juízos críticos que me fez chegar, a disponibilidade e a prontidão em pôr ao meu dispor muitos dos materiais que, no Brasil ou deste lado do oceano, repetidamente lhe solicitei.

(38)

resultantes do confronto com as prévias edições originais, a decidi utilizar para este trabalho como vulgata de referência editorial a respeito da obra e a textualidade hilstianas.

Com posterioridade à minha licenciatura em Filologia Portuguesa pela Universidade de Santiago de Compostela, já no decurso dos anos 2005 a 2007, como estudante de terceiro ciclo do programa interuniversitário Literatura e Construção da Identidade na Galiza – promovido pelas Áreas de Conhecimento de Filologias Galega e Portuguesa dos Departamentos de Galego-Português, Francês e Linguística da Universidade da Corunha, de Filologia Galega da Universidade de Santiago de Compostela e Filologia Galega e Latina da Universidade de Vigo –, decidi centrar a minha tese de doutoramento na obra de Hilda Hilst.

Uma vez conseguida a suficiência investigadora e o correspondente Diploma de Estudos Avançados, aprofundei no trabalho de investigação tutelado “Campo Literário e Campo de Poder (A Escrita da Narrativa Policial Carioca)” que realizara, e apresentei em 2007 a Tese de Licenciatura O Discurso da Violência na Literatura Brasileira Contemporânea (O Policial Carioca: Rubem Fonseca e Luiz Alfredo Garcia-Roza), dirigida pelo Prof. Doutor Francisco Salinas Portugal.

Com esta investigação, exercitei uma aproximação a um corpus concreto e restrito, privilegiando, além da análise literária tout court empreendida, mais uma via secundária a respeito das relações sistémicas no plural espaço ficcional da literatura brasileira contemporânea.

Esta produtiva experiência levou-me a contemplar de novo as teorizações metodológicas de base sistémica e comparatista como uma das partes da tese de doutoramento que, de início, foi matriculada também sob a orientação do Doutor Salinas Portugal, sob o significativo título de A Obra de Hilda Hilst no Sistema Literário Brasileiro (Entre a Convenção e a Trangressão: Pornografia, Erotismo e Obscenidade).

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uma produção tão ingente e prolongada no tempo quanto, não poucas vezes, difícil e obscura fez com que alterasse o elemento basilar da investigação, secundarizando a perspectiva antes referida de carácter sistémico – que foi reduzida e reorientada nos limites de parte do segundo e o terceiro capítulos deste trabalho – e privilegiando uma abordagem mais centrada na compreensão da(s) linha(s) mestra(s) do obsceno que, na minha opinião, explicavam a dilatada, diversa e complexa escrita hilstiana no seu conjunto. É este o motivo que explica a mudança de título para o definitivo A Obra Literária de Hilda Hilst e a Categoria do Obsceno (Entre a Convenção e a Transgressão: o Erótico-Pornográfico, o Social e o Espiritual).

No último trimestre do ano 2009, beneficiei de novo da facilidade de acesso à especializada bibliografia ad hoc das diferentes bibliotecas lisboetas, quando regressei à Universidade Nova para realizar, no Departamento de Estudos Portugueses, uma estada investigadora com a intenção de finalizar e completar certos aspectos deste trabalho de doutoramento sob a generosa orientação do Prof. Doutor Abel Barros Baptista. Como resultado desta estada – em que fui beneficiária de uma bolsa do Programa de Recursos Humanos da ‘Dirección Xeral de Investigación, Desenvolvemento e Innovación’ da ‘Xunta de Galicia’ –, foi recentemente publicada, como capítulo de um volume colectivo, uma primeira aproximação de conjunto à escrita cronística hilstiana.

A referida publicação, junto com as que a precederam de um ensaio sobre o teatro hilstiano e da abordagem parcelar de certos aspectos do labor poético da autora num relatório congressual – das quais as referências concretas figuram no curriculum adjunto –, permitiram-me publicitar resultados provisórios, hipóteses iniciais e linhas explicativas da investigação que, com o debate, a discussão e a crítica de diferente teor – que, aliás, muito agradeço –, foram produtivamente contrastados, enriquecidos e apurados: ora ratificados ou redimensionados, ora rectificados ou alterados, em todo ou em parte.

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Contudo, devo agradecer, em particular, o apoio recebido tanto das pessoas já referidas com anterioridade, como, também de Joana Pimentel e Ricardo Brites, do conjunto dos integrantes da Área de Conhecimento de Filologias Galega e Portuguesa da Universidade da Corunha, dos funcionários das bibliotecas nacionais de Lisboa e do Rio de Janeiro e, em especial, pela disponibilidade e atenção da supervisora do acervo Flávia Carneiro Leão e pelo acompanhamento e as sugestões oferecidas pelo coordenador da orientação dos pesquisadores Cristiano Diniz, nas demoradas e, por vezes, dificultosas consultas do valioso Arquivo Pessoal de Hilda Hilst no Centro de Documentação ‘Alexandre Eulálio’ da Universidade de Campinas.

Por último, mas com um carácter muito particular, devo expressar a minha sincera gratidão para com o orientador desta tese de doutoramento, o Professor Doutor Francisco Salinas Portugal, pelo seu labor impagável de aprimorada direcção e pela total disponibilidade na já demorada e dificultosa elaboração da mesma.

A todos eles, devem-se os possíveis acertos deste estudo, mas nenhum dos seus eventuais e talvez numerosos erros que são totalmente da exclusiva responsabilidade de quem isto escreve.

(41)

II

A FIGURA E A FORTUNA LITERÁRIAS DE HILDA HILST

(UMA APROXIMAÇÃO BIOBIBLIOGRÁFICA)

1. AS OBSESSÕES LITERÁRIAS

1.1. DAS DECLARAÇÕES MEGALÓMANAS AO ESTIGMA DA

OPACIDADE: A MALDIÇÃO DE POTLACH

1.2. A RECEPÇÃO DA OBRA HILSTIANA E AS TENTATIVAS DE

APROXIMAÇÃO AO PÚBLICO

1.3. O CADERNO DE LORI LAMBY COMO LITERATURA DO ESTIGMA

1.4. O ABANDONO DA ESCRITA

2. AS INTERFERÊNCIAS DO BIOGRÁFICO

3. RESUMO POR GÉNEROS DA OBRA HILSTIANA: TEMAS E CONTEÚDOS

4. BREVE APONTAMENTO SOBRE A LÍNGUA LITERÁRIA HILSTIANA

5. APÊNDICE (AS EDIÇÕES DAS OBRAS LITERÁRIAS DE HILDA

(42)
(43)

1

AS OBSESSÕES LITERÁRIAS

Na nossa época, oscilante entre a permissividade e as tentativas moralizantes no âmbito artístico, Hilda Hilst (Jaú, Estado de São Paulo, 1930 – Campinas, Estado de São Paulo, 2004) é talvez o nome mais controverso da literatura brasileira contemporânea. Autora de quarenta e um livros em prosa, poesia e peças teatrais, é considerada hoje, quase pela unanimidade da crítica brasileira, como uma das mais importantes autoras de Língua Portuguesa do século XX.

É difícil o enquadramento da sua obra na literatura brasileira contemporânea, devido em parte à sua singularidade, que nunca se afinou com nenhum movimento ou corrente literária da sua época e do seu país; tudo isto imprimiu à sua biografia uma singular trajectória literária.

Em quase 50 anos de produção literária, além da cronística, esta autora consagrou- -se nos três géneros fundamentais: na poesia lírica, na dramaturgia e na prosa lírica, num culto, profundo e minucioso labor, unificado do ponto de vista temático pelos multiformes esforços para verbalizar diversos problemas filosóficos e especulativos, como, por exemplo, o do conhecimento humano, para afinal reconstruir a Ideia e o Homem dentro de novos limites.

No início, a autora dedicou-se somente à poesia, de 1950 a 1966, estreando o labor literário em São Paulo com a publicação dos livros Presságio (1950), Balada de Alzira

(1951) e Balada do Festival (1955). Na década seguinte, comesçando a sua pausa como poetisa, Hilda Hilst principiou a dramaturgia no ano de 1967 com a série de oito peças teatrais que escreveria até 1969, e, por fim, também a ficção, a partir de 1970, ano do lançamento da obra Fluxo-floema.

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A finales de los años sesenta y fundamentalmente durante la década siguiente, la forma del cuento es uno de los materiales privilegiados del repertorio utilizado en el sistema literario brasileño. Bien por tratarse de una forma adecuada a periodos de experimentación [...] bien por otro tipo de condicionantes, lo cierto es que en ese camino de reformulación en que se encontraba la vida literaria brasileña la presencia del cuento, como tema de debate o como texto de creación, fue cada vez más fuerte a medida que entraba la década del setenta (2006: 87).

Ao iniciar a sua ficção, embora Hilda Hilst acompanhe as tendências da escrita contemporânea, inaugura uma circunstância anómala na literatura brasileira da altura pela veemente renovação subversiva da linguagem, que utiliza como meio de fragmentação, de rearticulação e de catarse.

Face ao regime de frequente novidade característico da contemporaneidade, Hilda Hilst cultivou uma escrita coerente, voltada para um mesmo problema basilar: a alteridade, o sentimento de raridade.

A vivência da inadaptação serve para interrogar, de um modo visceral o absurdo, com voracidade e desespero. A filosofia reduz-se a dois ou três problemas, precisos em aparência, indeterminados no fundo: o drama do conhecimento, a compreensão espiritual do valor da vida, do sentido da ‘outridade’ ou os conceitos de tempo, deterioração, finitude e morte ligados às relações do homem com o possível eterno.

Foi todavia em nome de um impulso e exigência éticos e ontológicos que Hilda cultiva uma reflexão dominada pelas interrogações radicais – sendo o silêncio absoluto a resposta que recebem muitos dos sujeitos –, pois como afirmara Caio Fernando Abreu numa carta à autora:

Sem ser panfletária nem dogmática, você é a criatura mais subversiva do país. Porque você não subverte politicamente, nem religiosamente, nem mesmo familiarmente – o que seria muito pouco: você subverte logo o âmago do ser humano (Abreu, 1999: 22).

(45)

O silêncio poético pelo qual a autora optou entre 1967 e 1974 permitiu, como já indicámos, o nascimento da ficcionista e da dramaturga de linguagem metafórica e febril. Nestes dois géneros, Hilst concentra-se na sondagem do eu situado no mundo, face aos outros e aos enigmas da existência, a finitude ou o conhecimento de Deus.

(46)

1.1

DAS DECLARAÇÕES MEGALÓMANAS AO ESTIGMA DA OPACIDADE:

A MALDIÇÃO DE POTLACH

Eu acho que sou diferenciada, sim. Tem pouca gente que pensa e escreve como eu. Eu sempre digo isso e aí sou considerada megalômana. Mas eu sei quem sou.

[Hilda Hilst]

A este posicionamento invulgar da escritora, do ponto de vista estritamente literário devemos acrescentar ainda outros aspectos que a singularizaram dentro do espaço literário brasileiro – entendido agora como espaço social –, como, por exemplo, a autodefesa, a resistência e a admiração de si própria que susteve contra qualquer crítica.

Hilda Hilst teve sempre a ousadia de se defender a si própria, com assiduidade e contumácia, por via de declarações desconcertantes, como aquela na qual afirmava ser consciente de ter escrito um excelente trabalho, chegando a afirmar, numa entrevista, que era mesmo megalómana:

Fiz um excelente trabalho de primeira qualidade. Sou meio megalômana. Não entendo nada de teoria literária, mas sinto que o que escrevo é bom. Desde o início sentia que ia ser um grande poeta (Duarte, 2008: 1)4.

E com esta atitude, paralela à sua produção literária, à sua biografia e ao subsidiário florescimento e intumescimento do seu anedotário, iniciou a escritora a consentânea ficcionalização de si mesma nos média culturais, televisivos e escritos.

4 Ideia, aliás, em que insistiu em diferentes depoimentos e entrevistas durante a sua carreira literária, como

(47)

Até ao ano de 2001, Hilda Hilst, que sempre foi porta-voz do seu próprio elogio, em diferentes entrevistas realizadas ao longo do seu percurso literário, declarou que não era reconhecida. Afirmava sentir-se ignorada, comparando-se, por exemplo, com uma “tábua etrusca” (Vogt, 1999: 19) ao referir-se ao silêncio que, segundo ela, circundava a sua obra.

Este intenso desassossego, com traços particularmente egocêntricos, aproxima-se da atitude assumida por outros grandes escritores de suma sensibilidade a respeito da consideração social que recebiam, como, por exemplo, a experimentada por Strindberg em relação aos círculos literários oitocentistas:

Está en todo momento sumamente interesado en la opinión pública, es decir, en lo que dicen los teatros y periódicos, y recurre a todos los medios disponibles para afianzar su carrera. Sin embargo, esto no debe entenderse como hábil cálculo; de hecho, Strindberg muchas veces mostró escasa habilidad en este campo. Antes bien, se trata en su caso de una suerte de manifestación vital y elemental: sólo se siente vivo cuando el mundo literario europeo lo considera el líder de las últimas novedades (Jaspers, 2001: 122).

Contudo, a autora não foi a única que empreendeu este labor reivindicativo: críticos e especialistas como Jorge Coli5 ou Alcir Pécora6 divulgaram e generalizaram a

circunstância adversa que acompanhou durante anos a produção hilstiana. De facto, mesmo certos trabalhos de teor académico, como a Dissertação de Mestrado de Inês da Silva Mafra, defendida no ano de 1993, foram influenciados também por esse mesmo tópico:

[…] aposto na lucidez de um breve futuro que trará mais à luz os textos de Hilda Hilst. Na imagem difusa de miríade de leitores aguardando o momento exato da chegada / do encontro. Creio que o destino dos textos de Hilda Hilst guardará alguma semelhança com o sucedido com os de Clarice Lispector. Se reporto-me a duas décadas atrás, lembro-me das palavras com que editores, críticos e leitores se referiam à ela: “Difícil”, “Hermética”… (Reparem que são os mesmos adjectivos que hoje são usados para qualificar a escrita de Hilda Hilst). Clarice, por muitos anos, experimentou enorme dificuldade em conseguir editor. Seus livros raramente logravam uma segunda edição. Hoje, é surpreendente o grande número de edições

5 No seu período como colaborador no jornal Le Monde, nos inícios da década de ’80, o professor e crítico de

arte Jorge Coli afirmara: “Espantei-me com o fato de que uma obra tão importante estivesse numa orla de meia-penumbra, sem o reconhecimento que lhe era devido” (Coli, 2008: 1).

6 Por sua vez, o professor Alcir Pécora introduz o matiz do claro-escuro: “Embora a autora tenha alcançado

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