rev bras reumatol.2016;56(3):240–251
ww w . r e u m a t o l o g i a . c o m . b r
REVISTA
BRASILEIRA
DE
REUMATOLOGIA
Artigo
original
Mielopatia
no
lúpus
eritematoso
sistêmico:
achados
clínicos,
laboratoriais,
radiológicos
e
evolutivos
em
uma
coorte
de
1.193
pacientes
Beatriz
Lavras
Costallat
a,
Daniel
Miranda
Ferreira
b,
Lilian
Tereza
Lavras
Costallat
ae
Simone
Appenzeller
a,∗aFaculdadedeCiênciasMédicas(FCM),UniversidadeEstadualdeCampinas(Unicamp),Campinas,SP,Brasil
bHospitaldasClínicas,FaculdadedeCiênciasMédicas(FCM),UniversidadeEstadualdeCampinas(Unicamp),Campinas,SP,Brasil
informações
sobre
o
artigo
Históricodoartigo:Recebidoem14desetembrode2015 Aceitoem8dedezembrode2015
On-lineem9demarçode2016
Palavras-chave:
Lúpuseritematososistêmico Mielopatia
Mielitetransversa Ressonânciamagnética
r
e
s
u
m
o
Objetivo:Descrevercaracterísticasclínicas,laboratoriais,radiológicaseevolutivasde mie-lopatianolúpuseritematososistêmico(LES).
Pacientesemétodos:Foifeitaanáliseretrospectivadeumacoortede1.193pacientescom LES(critériosACR)paraidentificarospacientescommielopatia(ACRneuropsiquiátrico). Aatividadededoenc¸afoianalisadapeloÍndicedeAtividadedoLES(Sledai)nadatado eventoeacapacidadefuncionalpelaEscalaExpandidadoEstadodeIncapacidade(EDSS) naúltimaconsulta.
Resultados:Foramidentificados14(1,2%)pacientescommielopatia.Todaserammulheres commédiade30anos(DP±11,5anos).AmielopatiaocorreunodiagnósticodoLESemquatro (28%)eemnove(64%)haviaoutrotipodemanifestac¸ãoneuropsiquiátricaassociada. Recor-rênciadoquadroneurológicofoiobservadoemuma(7%)paciente.Atividadededoenc¸afoi observadaemdois(14%)pacientes.Olíquidocefalorraquidianoapresentavapleocitoseem sete(53%)pacientesanticorposantifosfolípideserampositivosemcinco(45%).A ressonân-ciamagnética(RM)demonstrouhipersinalemT2compredomíniodocomprometimento longitudinalemseis(86%)pacientes.Amaioriafoitratadacomcorticosteroidese ciclofos-famidaendovenosos.Nenhumapacientetevecompletarecuperac¸ãoequatro(36%)tinham escoresaltosdaEDSS.Óbitofoiobservadoemtrês(21%)duranteepisódiodemielopatia,por septicemiaduranteouapósterapiaimunossupressora.
Conclusões:Amielopatiaocorreuem14(1,2%)dospacientesdanossacoorteepodesera primeiramanifestac¸ãodadoenc¸aeocorrerindependentementedeatividadesistêmicada doenc¸a.Emborarara,édegrandemorbimortalidade,podeserrecorrenteeaRMé funda-mentalparaodiagnóstico.
©2016ElsevierEditoraLtda.EsteéumartigoOpenAccesssobalicençadeCCBY-NC-ND
(http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/).
∗ Autorparacorrespondência.
E-mail:appenzellersimone@yahoo.com(S.Appenzeller).
http://dx.doi.org/10.1016/j.rbr.2015.12.006
0482-5004/© 2016 Elsevier Editora Ltda. Este é um artigo Open Access sob a licença de CC BY-NC-ND
rev bras reumatol.2016;56(3):240–251
241
Myelopathy
in
systemic
lupus
erythematosus:
clinical,
laboratory,
radiological,
and
progression
findings
in
a
cohort
of
1,193
patients
Keywords:
Systemiclupuserythematosus Myelopathy
Transversemyelitis Magneticresonance
a
b
s
t
r
a
c
t
Objective: Todescribeclinical,laboratory,radiologicalandprogressioncharacteristicsof myelopathyinsystemiclupuserythematosus(SLE).
Patientsandmethods: Aretrospectiveanalysiswasperformedonacohortof1193patients withSLE(ACRcriteria)inordertoidentifypatientswithmyelopathy(neuropsychiatricACR). DiseaseactivitywasassessedbytheSLEactivityindex(Sledai)onthedateoftheeventand functionalcapacitywasassessedbytheExpandedDisabilityStatusScale(EDSS)atthelast visit.
Results: Weidentified14(1.2%)patientswithmyelopathy.Allwerewomenwithameanage of30±11.5years.MyelopathyoccurredatthediagnosisofSLEinfour(28%)patients;and nine(64%)patientshadanothertypeofneuropsychiatricmanifestationassociated. Neurolo-gicalrecurrencewasobservedinone(7%)patient.Diseaseactivitywasobservedin2(14%) patients.Cerebrospinalfluidpresentedpleocytosison7(53%)patients;antiphospholipid antibodieswerepositivein5(45%).Magneticresonanceimaging(MRI)showedT2 hyperin-tensitywithapredominanceoflongitudinalinvolvementin6(86%)patients.Mostwere treatedwithintravenouscorticosteroidsandcyclophosphamide.Nopatienthadfull reco-veryandfour(36%)hadhighEDSSscores.Three(21%)patientsdiedfromsepsisearlyinthe courseoftheirmyelopathy,duringorafterimmunosuppressivetherapy.
Conclusions: Myelopathyoccurredin14(1.2%)ofthepatientsinourcohortandthismaybe thefirstmanifestationofthediseaseoccurringindependentlyofsystemicdiseaseactivity. Althoughrare,myelopathyshowsgreatmorbidityandmortality,canberecurrentandMRI iscriticalfordiagnosis.
©2016ElsevierEditoraLtda.ThisisanopenaccessarticleundertheCCBY-NC-ND license(http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/).
Introduc¸ão
Asmanifestac¸ões neuropsiquiátricas (MNP)no lúpus erite-matososistêmico(LES)apresentam importanteimpactono prognóstico da doenc¸a pela sua frequência e gravidade.1
Amielopatiaéumamanifestac¸ãodosistemanervosocentral (CNS)raranoLESeafetade1a2%dospacientes.1–3
Em1999,oAmericanCollegeofRheumatology(ACR) esta-beleceuoscritériosdasmanifestac¸õesneuropsiquiátricasno LES,entre elas a mielopatia. Essa deve ser considerada se o paciente apresentar evoluc¸ão rápida (horas ou dias) de umoumaissinais/sintomas:fraquezamuscularbilateralnos membrosinferiores,comousemenvolvimentodos superio-res;desordemsensorial,comsimilarníveldeacometimento motor,comousemacometimentointestinalouvesical. Deve--seexcluiralesãoexpansivaquecausecompressãomedular, bemcomolesãonacaudaequina.4
Em2002,oTransverseMyelitisConsortiumWorkingGroup propôsoscritériosdemielitetransversaidiopática,definida comasmanifestac¸õesclínicasacimadescritasassociadasaos sinais inflamatórios demonstrados no líquido cefalorraqui-diano(LCR)pelapresenc¸adepleocitoseouelevac¸ão deIgG oupelaimpregnac¸ãopelocontrastegadolínionaressonância magnética(RM).5
Amielopatiapodeseapresentarcomomielopatia trans-versa com envolvimentoseccional de umnível da medula espinhaloucomoamielopatialongitudinal,naqualmaisde trêssegmentosestãoacometidos,deformacontínuaounão.6
O termo mielite ainda é uszado por muitos autores, no entanto mielopatiaé maisapropriada paracaracterizar alterac¸ões medulares associadas às doenc¸as inflamatórias, comooLES,essaéanomenclaturarecomendadapeloACR.4
AcausadamielopatianoLESnãoébemesclarecidaetanto aparticipac¸ãodetrombosecomodevasculitetemsido impli-cada nesseprocesso.3 Algunsautoressugeremqueháuma
relac¸ãoentreosanticorposantifosfolípidesemielopatia,oque reforc¸ariaahipótesedetrombose,porémoutrostrabalhosnão confirmamessaassociac¸ão.7–10
Apesar de rara, pela sua importância foi recentemente incluídanosnovoscritériosclassificatóriosdadoenc¸a.11A
lite-raturaapresentaapenasrelatosdecasos,compoucosautores quemostramsériesdecasos.8,10,12–19
Oobjetivodestetrabalhoédescreveroscasosdemielopatia noLES,provenientesdeumacoortedeumúnicohospital uni-versitárioedescreverseuquadroclínico,laboratorial,achados deimagemàressonânciamagnéticadamedulaespinhal, tra-tamentoeevoluc¸ão.
Pacientes
e
métodos
Foramanalisadosretrospectivamenteosprontuáriosdeuma coorte de 1.193 pacientes com LES,20 acompanhados no
AmbulatóriodeReumatologiadoHospitaldasClínicasda Uni-versidadeEstadualdeCampinas(Unicamp).
Foram identificados os pacientes com mielopatia, pela presenc¸a de manifestac¸ões clínicas agudas sugestivas de
242
rev bras reumatol.2016;56(3):240–251lesãomedular,comoalterac¸õessensitivas,motoras,disfunc¸ão esfincteriana ou combinac¸ãodessas, ealterac¸ões compatí-veisaoexameneurológico.4,5Foramexcluídospacientescom
outrascausasdemielopatia,comocompressão,trauma, neo-plasiaseinfecc¸ões.Foramcoletadasinformac¸õessobredados demográficos, dados clínicos do LES, tempo de doenc¸a ao episódioda mielopatia,examessubsidiários,que incluíram examesdeimagem,autoanticorposeexamedolíquido cefa-lorraquidiano.Aatividadededoenc¸afoianalisadapormeio doÍndicedeAtividadedoLES(SystemicLupusErythematosus DiseaseActivityIndex–Sledai)21nadatadoevento,quando
haviadadosparaaplicac¸ão,considerou-seatividadededoenc¸a seSledai≥6,discretaatividadequando<6einativaquando igualazero.
Informac¸ões sobre tratamento usado e evoluc¸ão desses pacientes foram também coletadas. Para avaliar a capaci-dadefuncionalapósamielopatiausou-seaEscalaExpandida do Estado de Incapacidade (EDSS) de Kurtzke aplicada na últimaconsultadoseguimentodospacientes.22 Trata-sede
ummétodousadoparaquantificarasincapacidadesocorridas duranteaevoluc¸ãoeaolongodotempo.
Aspectoséticos
FoiobtidoconsentimentodoComitêdeÉticaemPesquisa– FCM-Unicampparausodosdadosdosprontuáriosdos pacien-tes(ParecerdoComitêdeÉticaemPesquisadaFCM-Unicamp: n◦920/2007).
Resultados
Foramidentificados14de1.193(1,2%)pacientescomLEScom mielopatia,14 (100%) dosexofeminino,14 (100%) da etnia branca,médiadeidadeaoepisódiodemielopatiade30anos (DP±11,5anos), médiadotempode doenc¸a naocasiãoda mielopatiadequatroanos(DP±5,2anos)(tabela1).
As manifestac¸ões clínicas cumulativas de LES até o momentodoestudosãoapresentadasnatabela1.Emquatro de14(28%)pacientesamielopatiafoiamanifestac¸ãoinicial. Emuma(7%)delasodiagnósticodeLESsófoiconfirmadodois anosetrêsmesesdepoisdoquadromedular.
Ossintomasiniciaisdessas14pacientesincluíamretenc¸ão urinária em 10 (71%), paraplegia em sete (50%), febre em seis (42%), paraparesiaem três (21%) eparestesia emdois (14%). Nove (64%) pacientes já haviam apresentado outras manifestac¸õesneuropsiquiátricas antes doquadroda mie-lopatia,três (21%)com quadro depsicose, duas (14%)com convulsão, uma(7%) comcefaleia euma (7%)com doenc¸a cerebrovascular(acidentevascularcerebral).Duas(14%) paci-entestinhamtambémneuriteóptica(NO).Uma(7%)dessas apresentougrave neuriteóptica bilateralmuitos anosapós oquadrodemielopatia,confirmadapelopotencial evocado visualalterado,semevidênciadedoenc¸adesmielinizante à RMcerebralcomanticorpoantiaquaporina4negativo.Aoutra paciente tinha neuromielite óptica (NMO) recorrente, anti-corpoantiaquaporina 4positivo eo diagnóstico de LESfoi confirmadodois anosetrêsmeses depois,quandoocorreu nefrite,linfopenia,fatorantinúcleoeanti-DNApositivos. Nes-sas pacientes não foi possível fazer outros autoanticorpos
comoanti-MOGeantiaquaporinaI,masforamafastadas
cau-sasdesmielinizanteseoquadroemambasfoi atribuídoao LES.
Apenasduas(14%)pacientesapresentavamnefrite,uma delas concomitantemente com a mielopatia. Seis tiveram algumtipodealterac¸ãohematológicaduranteocursodoLES. Duas(14%)pacientesapresentavamatividade dedoenc¸a duranteoepisódiodemielopatia,istoéSledai≥6;emuma (7%) paciente o Sledainãofoi aplicadonessa ocasião, pois o diagnósticode LESnãoestava confirmado;emtrês(21%) nãohaviadadosdisponíveisparacálculodoSledai.Emoutras oito(57%)pacientesoSledaiera inferiora6,portantocom discretaatividadedadoenc¸a.Apenasuma(7%)pacientenão tinhadoenc¸aativa(tabela1).Nessas10pacientes,nasquais foipossívelaplicaroíndicedeatividade,apontuac¸ãodo Sle-daiocorreuporfebreemtrês(30%),complementobaixoem nove(90%),anti-DNApositivoemcinco(50%),psicoseemuma (10%),nefriteemuma(10%),plaquetopeniaemuma(10%)e leucopeniaemuma(10%).
Atabela2mostraosexamessubsidiáriosfeitosdurante
o episódio de mielopatia. Todas as pacientes tinham fator antinúcleo(FAN)positivo.Osanticorposanti-DNAeanti-Sm estavampositivosemseisde13(46%)pacientesquefizeram oexameeosanticorposantifosfolípidesemcincode11(45%) pacientesquefizeramoexame.Dezem11(90%)quefizeram oexameàépocadamielopatiaapresentavamasfrac¸õesdo complementodiminuídas.
Olíquidocefalorraquidiano(LCR)foiexaminadoemtodas (100%) aspacienteseestavanormalemsete(53%).Emseis (46%)haviapleocitosecompredomíniodelinfócitos.As cul-turas estavamnegativasnas 14(100%) pacientes.Osdados completossobreoLCRdeumapacientenãoestavam disponí-veis,emboraoexametenhasidofeito.
Quanto à ressonância magnética (RM),foi feita emsete (50%)pacientes.Asoutrassetenãofizeramoexame,quatro (28,5%)nãofizeramdevidoàinexistênciadeRMnoservic¸ona ocasiãodamielopatia,foifeitamielografiaparaafastaroutras causas,comresultadonormalemtodas.Asoutrastrês(21,5%) pacientesforamaóbitosemquetivessesidopossívelfazera RMpornãohaverestabilidadeclínicaparaoexame.
Todas as pacientes fizeram RM da medula espinhal em aparelhos de campo fechado, no momento doquadro clí-nico.Emseis(86%)casos,aspacientesapresentaramlesões longitudinaiscomhipersinalnassequênciasT2FSE(T2 fast
spin-echo) com extensão em quatro ou mais níveis verte-brais (fig.1) e apenas emuma (14%) delas em três níveis
(tabela2). Haviapredomínio de acometimentotorácicoem
seis (85%) dos casos, em quatro (57%) casos havia níveis torácicosaltos.Havia efeitotumefativonamedula emdois (28%)casos,um(14%)delestambémapresentavarealcepelo contraste. Quanto à impregnac¸ão pelo contraste, somente duas (28%) pacientesapresentaram realce, esse nomesmo nível das alterac¸ão de sinal nas sequências pré-contraste (fig.2).Nosnossoscasos,nãofoipossíveladiferenciac¸ãodo acometimentoentresubstânciabrancaecinzenta.
Com respeito ao tratamento, oito (57%) fizeram uso da combinac¸ãodepulsoterapiaemetilprednisolona(MP)seguida de ciclofosfamida endovenosa (EV); quatro (28%) usaram apenas pulsoterapia de MP; e outras duas (14%) recebe-ram corticosteroides via oral emaltas doses, associados a
r e v b r a s r e u m a t o l . 2 0 1 6; 5 6(3) :240–251
243
Tabela1–LES:Dadosdemográficos,clínicoseatividadededoenc¸ados14pacientescommielopatia
Pacientes(n=14) Etnia Idade(anos) Sintomas Durac¸ãoLES(anos) MNPprévias Manifestac¸õesclínicascumulativasa SLEDAI
1 P 31 retenc¸ão urinária/paraparesia 8 ausente artrite/foto/leucopenia/SAF 4 2 N 40 retenc¸ão urinária/paraplegia 2 ausente artrite/leucopenia/plaquetopenia 0 3 B 29 dificuldadepara deambular/ hipoestesiatátil
3 psicose artrite/rash
malar/foto 2 4 B 42 retenc¸ão urinária/tetraparesia flácida 0 convulsão rash malar/foto/úlceras orais 2 5 P 42 febre/retenc¸ão urinária/paraplegia
2 psicose artrite/rash
malar/foto/leucopenia
ND
6 B 19 retenc¸ão
urinária/parestesia
6 doenc¸acerebrovascular artrite/rash
malar/foto/plaquetopenia
3
7 P 20 febre/retenc¸ão
urinária/paraplegia
9 ausente artrite/rash
malar/foto/nefrite
17
8 B 18 paraparesia 1 ausente artrite/rash
malar/foto/serosite/linfopenia
3
9 N 16 parestesia/dificuldade
paradeambular
NA neuriteóptica nefrite/linfopenia b
10 B 9 febre/retenc¸ão
urinária/paraplegia
1 neuriteóptica artrite/rash
malar/foto/pericardite
3
11 P 45 febre/retenc¸ão
urinária/paraplegia
0 psicose,doenc¸acerebrovascular artrite/discoide/foto/leucopenia 13
12 B 31 febre/retenc¸ão
urinária/paraplegia
0 cefaleia artrite/alopecia ND
13 P 41 paraparesia 16 convulsãoeplexopatia artrite 4
14 B 30 febre/retenc¸ão urinária/paraplegia 13 ausente rash malar/foto/anemia hemolítica ND
LES,lúpuseritematososistêmico;MNP,manifestac¸õesneuropsiquiátricas;Sledai,ÍndicedeAtividade–SystemicLupusErythematosusDiseaseActivityIndex;SAF,síndromeanticorpoantifosfolípide; P,parda;B,branca;N,negra;foto,fotossensibilidade;ND,nãodisponível;NA,nãoaplicável.
a Cumulativasatéomomentodoestudo.
244
r e v b r a s r e u m a t o l . 2 0 1 6; 5 6(3) :240–251Tabela2–LES:Examescomplementareseachadosdeimagemnaressonânciamagnéticados14pacientescommielopatia
Pacientes(n=14) Anti-DNA Complemento Antifosfolípides
(LAC,ACL,2)
Outrosanticorpos AchadosdeimagemnaRM
medula(T2FSE)
LCR
1 + ↓ ACL+LAC+ - ND normal
2 - normal - anti-Sm+ HipersinallongitudinaldeC7a
T9,maldefinido,
predominandonaSC,discreta tumefac¸ão,semrealcepelo contraste
pleocitose(linfócitos)
3 - ↓ - - HipersinallongitudinaldeT1a
T6,causandoafilamento,sem realcepelocontraste
normal
4 - ↓ LAC+ anti-Sm,anti-Roeanti-LA+ HipersinallongitudinaldeC7a
T1,realcefocalpelocontraste
emC7
normal
5 - ND NR - ND normal
6 + ↓ LAC+ - ND pleocitose(linfócitos)
7 + ↓ - anti-Sm+ HipersinallongitudinaldeC5a
T2,regiãocentromedular,sem realcepelocontraste
pleocitose(linfócitos)
8 - ↓ 2+ - HipersinallongitudinaldeT1a
T12elombar,região
centromedular,semrealcepelo contraste
pleocitose(linfócitos)
9 ND ↓ ACL+LAC+ anti-AQP4IgG+ Hipersinalnobulbo,pedúnculo
cerebelaremedulaespinhal atéC5,acometeaSBeSC, s/tumefac¸ão,s/realcepelo contraste
ND
10 - ↓ - anti-Sm+ ND pleocitose
11 + ↓ NR anti-Sm+ ND pleocitose(linfócitos)
12 - ND NR - ND pleocitose(linfócitos)
13 + ↓ - anti-Sm+eanti-Ro+ HipersinallongitudinaldeT11
aL1comdiscretoefeito tumefativo,comrealcefocal pelocontraste
normal
14 + ND - - ND normal
a 6/13(45%) 10/11(90%) 5/11(45%) anti-Sm6/13(46%) 7/7(100%) 7/13(53%)
LES,lúpuseritematososistêmico;LCR,líquidocefalorraquidiano;ND,nãodisponível;NR,nãorealizado;ACL,anticorpoanticardiolipina;LAC,anticorpoanticoagulantelúpico;2,anticorpoantibeta 2glicoproteínaI;anti-AQP4IgG,antiaquaporina4;SB,substânciabranca;SC,substânciacinzenta;RM,ressonânciamagnética;T2FSE,sequênciaT2fastspin-echo.
rev bras reumatol.2016;56(3):240–251
245
Figura1–ImagenssagitaisponderadasemT2demonstramhipersinalnamedula,estende-sedobulboatéonívelC3no primeiroepisódio(A),ehipersinaleaumentodevolumemedularqueseestendeatéonívelC5nosegundoepisódio,sete mesesapósoprimeiro(B).
azatioprina.Todasaspacientesreceberamtratamento den-trodasprimeirashorasouatéquatrosemanasdoiníciodos sintomas.
Quando aplicada aEDSS após umamédiade 11,5 anos (DP±10,4 anos) de seguimento, observou-se que todas as 11(78%)pacientesnasquaisfoipossívelaplicaressaescala apresentavam algum grau de incapacidade, que variou de escores3a8,ouseja,desdepacientesquedeambulavammas mantinhamalgumgraudeincapacidadeatépacientescom bexiganeurogênicaquenecessitavamdecadeirasderodas. Nenhumapacienteapresentoucompletarecuperac¸ão.
Ocorreramtrês(21%)óbitosdurante oquadrode mielo-patia,devidoàinfecc¸ãogeneralizadaqueocorreuduranteou logoapósterapêuticaimunossupressoraprescritapara trata-mentodamielopatia,nostrêscasos.
Osdadosdetratamento,seguimentoeevoluc¸ãoestãona
tabela3.
Atabela4mostrarelevantessériesdecasosdemielopatia
noLESjápublicadosemlínguainglesa,incluindoapresente casuística,cominformac¸õessobreachadosdeimagemà res-sonânciamagnética.Sãoapresentados12sériesdecasos,com resultadosquemostramdequatroa22pacientesesuas res-pectivascaracterísticasdemográficas,clínicas,laboratoriais, àressonânciamagnética,detratamentoeevolutivas.A ativi-dadededoenc¸a,a recorrênciadosepisódioseapresenc¸ade
Tabela3–LES:Tratamento,seguimentoeevoluc¸ão dos14pacientescommielopatia
Pacientes Tratamento Seguimento EDSS
1 MPEVeCICLOEV 6anos 5,5
2 MPEVeCICLOEV 14anos 3
3 CSeAZA 15anos 6
4 MPEVeCICLOEV 22anos 7,5
5 MPEV 3anos 6
6 MPEVeCICLOEV 2meses óbito
7 MPEVECICLOEV 4meses 3,5
8 MPEVeCICLOEV 12meses 6
9 MPEV,CICLOEV,IGEVeMMF 3anos 3
10 MPEV 24anos 8
11 MPEV 2meses óbito
12 CSeAZA 1ano 8
13 MPEVeCICLOEV 2anos 8
14 MPEV 8anos óbito
LES,lúpuseritematososistêmico;EDSS,EscalaExpandidadoEstado de Incapacidade; MPEV, metilprednisolona endovenosa; CICLO EV,ciclofosfamida endovenosa;AZA,azatioprina; IGEV, imuno-globulinaendovenosa;CS,corticosteroideoral;MMF,micofenolato mofetil.
246
r e v b r a s r e u m a t o l . 2 0 1 6; 5 6(3) :240–251Tabela4–SériedecasosdemielopatianoLES
Sériesdecasos n Idadeao
diagnósticode mielopatia(anos)
Sexo Etnia TempoLES Mielopatiacomo
primeira manifestac¸ão(n)
LESAtivo MNPprévia
Salmaggietal.(1994) 5 18a46 M(5) ND 2a5anosa 2 0 ausente
Provenzaleetal(1994) 4 33a47 M(4) ND ND 1 ND ausente
Harisdangkuletal.(1995) 7 16a52 M(7) ND 3mesesa4anos 4 2 ausente
Kovacsetal.(2000) 14 23a77 M(12)H(2) ND 0a21anos 6 ND D(2)/NO(3)/OS(1)
Telles-Zentenoetal.(2001) 6 23a37 M(6) ND 7meses-16anos 0 3 ND
D’Cruzetal.(2004) 15 21a68 M(15) ND 0anosa 15 15 ausente
LuXetal.(2008) 14 15a45 M(12)H(2) A(14) 2mesesa20
anos 1 14 NO(3)/HIC(1) E(1)/OS(1)/PA(1) BirnbaunJetal.(2009) 22 15,5a48,1 (SC)e16,6a 70,5(SB) M(20)H(2) AA(8)/B(9)/ outras(5) 5,4a6,5anos 6 11(SC)e6 (SB) NO(6)
Espinosaetal.(2010) 22 12a53 M(17)H(5) ND 0a17anos 5 ND CO(3)/CE(1)/MA(1)
Schultzetal.(2012) 15 22a78 M(14)H(1) AA(8)/B(7) ND 15 ND NO(2)
Saisonetal.(2015) 20 22,9a67,3 M(17)H(3) C(12)/AA(2)/ A(3)/ND(3)
0a36anosa 8 20 NO(4)/CV(1)
Costallatetal(2015) 14 9a42 M(14) B(7)/N(2)/P(5) 0a16anosa 4 8 NO(2)/CV(2)/OS(3)c/AVC
(1)/CEF(1)/ PE(1)b
Sériesdecasos Complemento↓(%) AFL+(%) AchadosnoLCR RMmedula
espinhal (T2FSE)
Tratamento Recorrência(%) Evoluc¸ão
Salmaggietal.(1994) 40 20 bandasoligoclonais(1) hipersinal
longitudinal (2)/NL(3)
MPEV(4)/1CS(1) 60 RC(3)/RP(2)
Provenzaleetal(1994) ND ND ND hipersinal(4) MPEV(4)/CICLO
EV(2)
75 ND
Harisdangkuletal.(1995) ND ND ND hipersinal
longitudi-nal(3)/NR(4)
MPEV(4)/CS(3) 43 RC(2)/NR(2)/O(4)
Kovacsetal.(2000) 50 54 ND(8)/NL(2)/↑proteína(4) alteradas
(9)/NL(5)
CICLOEV(9)/P(4) ND RC(3)/RP(2)/
NR(9)
Telles-Zentenoetal.(2001) 50 66 ↑proteína(2) hipersinal
longitudinal(6)
MPEV(6)/CICLO EV(5)
50 5SR
(5)/RP(1)
D’Cruzetal.(2004) ND 73 pleocitose(2)/NL(13) alterados
(11)/NL(2)/NR(1)
MPEV(7)/CS (6)/AZA(6)
6 RC(6)/RP(9)
LuXetal.(2008) 28 11 pleocitose(6) hipersinal
longitudinais(6) focais(5)/NL(1)/NR(2)
CS(14)/CICLO EV(2)/P(1)
r e v b r a s r e u m a t o l . 2 0 1 6; 5 6(3) :240–251
247
Tabela4–(Continuac¸ão)Complemento↓(%) AFL+(%) AchadosnoLCR RMmedula
espinhal (T2FSE)
Tratamento Recorrência(%) Evoluc¸ão
BirnbaunJetal.(2009) ND 54 pleocitose(SC) Hipersinal
longitudinal 92%(SC)e 74%(SB) GrupoSCterapia maisagressiva 9(SC)e73(SB) GrupoSC mais inca-pacidade (Média EDSS>no grupoSC)
Espinosaetal.(2010) 74 50 predomíniodepleocitose hipersinal
longitudi-nal(22) MPEV(22)/CICLO EV(13)/IG EV(4)/P(4)/RTX(2) 18 RC(3)/RP(13)/ SR(6)
Schultzetal.(2012) 87 11 ↑proteína predomínio
lesãofocal
MPEV(14)/CICLO EV(2)/P(1)
ND ND
Saisonetal.(2015) 87 45 pleocitose(5) hipersinal
longitudi-nal(9)/NL(3) MPEV(18)/CICLO EV(11)/IG EV(2)/P(3)/RTX(3) 50 RC(5)/RP(12)/ SR(1)/O(1)
Costallatetal(2015) 90 45 pleocitose(7)/NL(6) hipersinal
longitudi-nal(7) MPEV(12)/CS (2)/CICLO EV(10)/AZA(1) 7 RC(0)/RP(7)/ SR(4)/O(3)
LES,Lúpuseritematososistêmico;MNP,manifestac¸ãoneuropsiquiátrica;AFL,anticorpoantifosfolípide;LCR,líquidocefalorraquidiano;T2FSE,sequênciaT2fastspin-echo;M,mulher;H,homem; AA,afro-americana;P,parda;N,negra;A,asiático;B,branca;ND,nãodisponível;NR,nãorealizado;NL,normal;SC,substânciacinzenta;SB,substânciabranca;CO,coreia;CE,cerebrite;CF,cefaleia; CV,convulsão;MA,meningiteasséptica;HIC,hemorragiaintracraniana;PA,perdaauditiva;PS,psicose;PE,plexopatia;E,epilepsia;CONV,convulsão;NO,neuriteóptica;D,depressão;AVC,acidente vascularcerebral;MPEV,metilprednisolonaendovenosa;CICLOEV,ciclofosfamidaendovenosa;AZA,azatioprina;IGEV,imunoglobulinaendovenosa;CS,corticosteroide;P,plasmaferese;RTX, Rituximab;RC,remissãocompleta;RP,remissãoparcial;R,remissão;SR,semremissão;O,óbito.
a ComcasosdemielopatiaprecedendoLES. b Comconvulsão.
248
rev bras reumatol.2016;56(3):240–251Figura2–A,imagemsagitalponderadaemT2,demonstrahipersinalediscretoaumentodevolumemedular,estende-se deT11aoconemedular.B,imagemsagitalponderadaemT1apósainjec¸ãodecontraste,apresentafocosderealcemedular (seta),estende-sedeT11aL1.C,imagensaxiaisponderadasemT2demonstrammedulacomsinalnormalobtidanonível deT10(1)emedulacomhipersinalobtidanoníveldeT12(2).
outrasmanifestac¸õesneuropsiquiátricas,alémdaocorrência demielopatiacomoprimeiramanifestac¸ãodadoenc¸a, tam-bémsãodestacadasnessatabela,quandomencionadaspelos autores.
Discussão
Amielopatiaéumadasmaisrarasmanifestac¸ões neuropsi-quiátricasnoLES,afeta1a2%dospacientes,porémbastante relevantepelasuaaltamorbimortalidade,efoiincluídanos novoscritériosdoLES.11
Nossas 14 pacientesperfizeram1,2% dacoorte de 1.193 pacientes com LES, porcentagem similar àquela observada previamente.1,2
Todosospacienteseramdosexofeminino,comoobservado portodososautoresepertinenteaoperfilde gênerodessa doenc¸a.8,10,12–19,23Mielopatiapodeafetarindivíduosdetodas
asidadesenossaspacientestinhammédiade30anos, infe-rioràobservadaporalgunsautores8,10,12,13,15,17–19,23esimilar
àquelas descritas emduas séries.14,15 Quanto à etnia, não
há referência à prevalência maior dessa manifestac¸ão em qualquergrupoétnicoemuitosautoresnãodestacaramessa
característicademográfica.Noentanto,Schutzetal. compara-ramamielopatianoLESàmielopatiaidiopáticaecomentaram amaiorfrequênciademulheresnegrasnoLES,masessefato podeseratribuídoàprevalênciadaprópriadoenc¸anaquela região.18
Ossintomasiniciaissãoinespecíficosepodemincluirum curtopródomoviral:febre,fotofobia,náusea,vômito,tontura edornucal.Aseguirpodemocorreralterac¸õessensitivase motorasedisfunc¸ãoesfincterianaesuainstalac¸ãopodelevar horas,diasouatésemanas.Nossaspacientesapresentaram mielopatia comquadrode retenc¸ãourinária efebre,oque foiconfundidoinicialmente,emalgunscasos,cominfecc¸ão urinária.Osindíciosdelesãomedularforamparestesia, difi-culdadeparadeambular,paraplegiaedisfunc¸ãoesfincteriana, cominstalac¸ãosúbitaemhorasoudias.
Emumarevisãosistemáticade22casosreportadosna lite-ratura,analisadosporEspinosaetal.,osautoresobservaram em23% delesquadroprodrômico defebre,tosse, sintomas gripais e constitucionais alguns dias antes do quadro de mielopatia,17oquefoiobservadotambémporHarisdangkul
etal.11Apresenc¸adefebreeretenc¸ãourináriaseassocioua
rev bras reumatol.2016;56(3):240–251
249
Amielopatiapodesermanifestac¸ãoinicialdoLES,como aconteceucom quatro de nossaspacientes,e essefato foi observado por todos os autores listados na tabela 4, com excec¸ãodeTéllez-Zenteno etal.15 Algunsautores
conside-ramquequandoamielopatiaocorrenoLES,essa podeser manifestac¸ão inicial ematé 39% dos pacientes dentro dos cincoprimeirosanos.10Aoanalisarassériesdecasos
publica-dos(tabela4),considerandoomomentoemqueamielopatia
podesurgirduranteaevoluc¸ãodoLES,observa-seuma por-centagemvariáveldetempodedoenc¸adoLES,houvecasos emqueopacientetinhaLEShavia36anosquandoocorreu mielopatia.19ÉpossíveltambémamielopatiaprecederoLES, oqueocorreucomumcasodenossasérie,queapresentou oquadromedulardoisanosetrêsmesesantesdo diagnós-ticoLES.Todosos15casosdescritosporD’Cruzetal.8tiveram
mielopatiacomomanifestac¸ãoinicialdoLES,somentequatro (26%)preenchiamoscritériosdoACRparaLESnomomento damielopatia.DoscincocasosdeSalmaggietal.,12emduas
pacientesamielopatiaprecedeuoLESeomesmoocorreucom quatro(20%)dos20casosdeumestudomulticêntrico fran-cês,doisdelescommaisde10anosdemielopatiaantesdo LES.19Emmulherescommielopatiasemetiologiadefinidasão
necessáriasavaliac¸õesclínicaselaboratoriaisexaustivaspara tentardefinirLES,concluiSalmaggietal.12
EmboraamielopatianoLESpossaserrecorrente,6,10 em
nossasérie13(93%)pacientesapresentaramepisódioúnico dessamanifestac¸ãoeapenasuma(7%)teveumquadro recor-rente.Arecorrênciafoiobservadaemmuitassériesdecasos, emalgunsdelescomaltafrequência,em50-75%doscasos, conformedestacadonatabela4.8,10,12–19,23Essasignificativa
possibilidadederecorrênciademandaumaterapêutica imu-nossupressorademanutenc¸ãonessespacientes,natentativa deevitarnovascrises.
Outrasmanifestac¸õesneuropsiquiátricastêmsido correla-cionadasàpresenc¸ademielopatianoLES10eelasocorreram
emnove(64%)pacientesdapresentecasuística.Namaioria delas,aMNPfaziapartedahistóriaclínicadadoenc¸a,masnão ocorreunomesmomomento,comexcec¸ãodeumadas paci-entes,queteveimportantequadrodepsicoseconcomitante com o quadromedular eevoluiu para óbitoapós terapêu-tica imunossupressora.Duas (14%)pacientes apresentaram neuriteóptica.Aneuriteópticaéumamanifestac¸ão neuropsi-quiátricafrequentementeassociadaàmielopatia,conhecida comodoenc¸adeDevicouneuromieliteóptica,efoirelatada emalgumasdas séries de casos apresentadas natabela4. Paraalguns,aassociac¸ãocomneuriteópticapodeestar pre-senteem21a48%doscasosde mielitenoLES.10,16,23 Tem
sidodescritarecorrênciadeneuromieliteópticaempacientes anticorposantiaquaporina4(antiAQP4-IgG)positivos.24Uma
denossaspacientestinhaNMOassociadaaoanticorpo antia-quaporina4positivoeeraoúnicocasocomquadrorecorrente demielopatia.UmaoutrapacientecomNMOapresentou qua-drobilateraldeneuriteópticamuitosanosdepoisdamielite, confirmadaporpotencialevocadovisual,emboraoanticorpo antiaquaporina4estivessenegativo,oquepodeocorrer na NMO.Emambososcasosforamafastadasdoenc¸as desmieli-nizanteseosquadrosforamatribuídosaoLES.
Amielopatiapodeestarassociadaàatividadededoenc¸a. Emnossa série,duas pacientes estavam com doenc¸a ativa (umacomnefriteeaoutracompsicose)eumacomdoenc¸a
inativa;asdemaispacientesapresentaramdiscretaatividade dedoenc¸a.Algumaspacientesnãotinhamdadosclínicose laboratoriaisparasecalcularesseíndiceeemumapaciente nãoseaplicouoSledaiporquenomomentodamielopatiao diagnósticodeLESaindanãohaviasidoconfirmado.Alguns autoresdestacamofatodequemielopatiapodeocorrercom doenc¸a inativa em um terc¸o dos casos.25 Isso se reveste
deimportância,poiscomquadroclínicopertinentedeve-se sempreconsiderarapossibilidadedemielopatia, independen-tementedaatividadedoLES.Quantoaosdemaisautoresde sériesdecasosapresentadosnatabela4,nemtodos oferece-ramdadossobreatividadededoenc¸a.
Quanto aosexames subsidiários,o complementoestava diminuídoem10(90%)pacientesdosnossoscasos,emalguns casosacompanhadodeoutrasalterac¸õeslaboratoriais,foio únicoescoredepontuac¸ãodoSledaiemtrêscasos.
Osanticorposantifosfolípidestêmsidoassociadosà mie-lopatia no LES7,10 e em nossa série encontramos esses
anticorpos em cinco (45%) dos casos, exatamente como observado por Saison et al.17 Apenas uma (7%) de
nos-saspacientes,noentanto,preenchiacritériosparasíndrome antifosfolípide(SAF).Osdemaisautorestêmencontrado por-centagemvariável,entre11a73%doscasos,segundomostraa
tabela4.Osanticorposantifosfolípidespodemser
importan-tesnapatogênesedaneuromieliteóptica,segundoBirnbaum et al.16 Emumaextensarevisãosistemática,feita por
Kat-siari etal., sobreaocorrênciadessesanticorpos namielite transversaeousodeanticoagulac¸ãoemvigênciade mielo-patia,concluiu-sequeemboraosanticorposantifosfolípides possamteralgumpapelnapatogênesedamielopatia,a sim-plespresenc¸adessesanticorposnãoésuficienteparaindicara anticoagulac¸ão.26
Os achados da análisedo líquido cefalorraquidiano são inespecíficos.Algunsautoresencontraramaumentoda celu-laridade e também proteinorraquia,18,23 mas muitas vezes
o LCR está normal em pacientes com mielopatia.7,10,27 Na
nossasérieoLCRfoicolhidoemtodas(100%)aspacientes, aalterac¸ãomaisfrequentefoiapleocitose(53%),com predo-míniodelinfócitos.
Aressonânciamagnéticaéoexamedeimagemmais sen-sível na avaliac¸ão da lesão medular, incluindo os quadros demielopatiaassociadaaoLES.Oprotocolodoexame ima-gem de RMdeve abrangero nívelcorrespondente aodano neurológicoobservadoaoexameclínico,masserecomenda quetodameduladevaserestudada.Osachadosdeimagem podemvariar,destacam-seohipersinalemT2damedula espi-nal,o efeitotumefativo noscasosde edemamedular,bem comoimpregnac¸ãopelocontraste.Entreesses,oachadomais frequente éa alterac¸ão de sinal, como também foi obser-vado na nossacasuística. Destaca-seque emalguns casos aressonânciamagnéticapodeestarnormal,principalmente nas fases iniciais.8,10,12 Noscasos em que exame de
ima-gemporressonânciamagnéticacomcontrasteestivernormal, recomenda-serepetiroexameapósdoisasetediasdoquadro inicial.5
Ressalte-sequeatomografiacomputadorizada nãodeve serusadaparadiagnósticodemielopatiapelasuabaixa sen-sibilidade, deve ser empregada na impossibilidade de RM, somenteparaexclusãodecausascompressivasnamedular espinhal.5
250
rev bras reumatol.2016;56(3):240–251Aregiãotorácicaéamaisfrequentementeacometida,o quetambém ocorreu nos nossoscasos.10,23 Esse fato pode
seratribuídoaotipodesuprimentovascularquenutreessa região,destacam-seosramosdasartériaslongitudinais,que sãomenoscalibrososnaregiãotorácicaquandocomparados comosdaregiãocervicaloulombar,acarretaaporte vascu-larlimitado,comoconcluiuKovacsetal.10Nosúltimosanos,
comamelhorianaqualidadedasimagensedosaparelhos, notou-seumaumentonaidentificac¸ãodaslesões longitudi-naismedularesnosquadrosdemielopatianoLESvistasàRM, oqueobservamosnamaioriadasnossaspacientes.15,18
UmestudofeitoporBirnbaumetal.comparoupacientes comlesõesmedularesnasubstânciabranca(espasticidadee hiperreflexia)comaquelescomlesõesnasubstânciacinzenta (flacidezehiporreflexia)econcluiuqueaslesõesna substân-ciacinzentaestãorelacionadascomparaplegiairreversívele commaioratividadededoenc¸a.16Nãofoipossívelfazeressa
distinc¸ãoemnossaspacientes.
Emboramuitoimportanteparaodiagnósticodesses paci-entes,aRMparecenãocolaborarparaoseuseguimento,pois não seobserva correlac¸ão clínicanas fasesiniciais após o tratamento.18 Quantoaoprognóstico,parecehaverumpior
prognósticoempacientescomalterac¸õesàRMnoiníciodo quadroquandocomparadoscomaquelescomRMnormal,10
especialmentequandoestãopresenteslesõesextensas.15
Otratamentodamielopatiadeveserinstituído imediata-menteapós o diagnóstico, poisessa manifestac¸ão tem um prognósticoreservado,comaltamorbidadeematé50%dos casos10,23ealtamortalidade.Oretardonoiníciodotratamento
adequadofoiofatordedesfechodesfavorávelressaltadopor todososautores.Acombinac¸ãodepulsosde metilpredniso-lonaeciclofosfamidaendovenososéotratamento conside-radopadrãoparaessesdoentes.6,27Ousodehidroxicloroquina
diminuiuosflaresneurológicosnoscasosdemielopatiapor LES, embora sem significância estatística, segundo Saison et al.19 Em algunscasos énecessário usarimunoglobulina
endovenosa,plasmafereseouRituximabe,28 principalmente
noscasosnãoresponsivosourecorrentes,masasrespostas sãovariáveis.Doze(85%)denossaspacientesreceberampulso deMPe10(71%)receberamciclofosfamidaEVdentrodeaté ummêsdoiníciodossintomas.Onossoúnicocasocom qua-drorecorrenteusou,aolongodaevoluc¸ão,imunoglobulinaEV emicofenolatomofetil (MMF).Nenhumade nossas pacien-testevecompletarecuperac¸ão.Aavaliac¸ãodessaspacientes pelaEDSSmostraescoresde7,5a8emquatrodelas,ouseja, pacientescomdificuldadeparadeambularquenecessitamdo usodacadeiraderodasecombexiganeurogênica.Todasas quatro(28%)pacientesfizeramusodepulsodeMPemaltas doseseduas(14%)delastambémciclofosfamidaEV.Mesmo assimodesfechonãofoifavorável,talvezporquenemtodas tenhamusadoambasasmedicac¸õesdentrodeatéduas sema-nasdesde oiníciodoquadro.Emnossogrupotivemostrês (21%)casosdeóbitos,todosporinfecc¸ãoduranteoulogoapós tratamento imunossupressorinstituído paratratamento da mielopatia.Issoreforc¸aagravidadedessamanifestac¸ão.
Osfatoresprognósticosdamielopatianãosãototalmente conhecidos, mas disfunc¸ão esfincteriana,16,23 alterac¸ões à
ressonânciamagnética,10,16envolvimentodasubstância
cin-zenta (flacidez e hiporreflexia)16 e severidade inicial com
paraplegia19 são citados comofatores demauprognóstico.
Forc¸amusculargrau3oumaiornaadmissãoeterapêutica agressivainstituídaaténomáximoduassemanasapós epi-sódiodemielopatiasãofatoresdemelhorprognóstico.23Em
resumo,mielopatianoLESémuitorara,porémmuitograve. Ocorreuem14 (1,2%)dosnossospacientes.Podesera pri-meiramanifestac¸ãodadoenc¸aouocorrerapósmuitosanos de LES ou mesmo preceder a doenc¸a. Embora rara, é de grandemorbimortalidadeepodeestarpresente independen-tementedaatividadedadoenc¸a.Podeserrecorrenteeporisso recomenda-seterapêuticaimunossupressorademanutenc¸ão paraevitarnovosepisódios.ARMéfundamentalparao diag-nóstico,maspodeestarnormalnosquadrosmuitoiniciais.
Financiamento
Coordenac¸ãodeAperfeic¸oamentodePessoaldeNívelSuperior (Capes),bolsademestrado,eConselhoNacionalde Desen-volvimentoCientíficoeTecnológico(CNPq)(302205/2012-8e 304255/2015-7).
Conflitos
de
interesse
Osautoresdeclaramnãohaverconflitosdeinteresse.
r
e
f
e
r
ê
n
c
i
a
s
1.WestSG.Neuropsychiatriclupus.RheumDisClinNorthAm.
1994;20(1):129–58.
2.TheodoridouA,SettasL.Demyelinationinrheumatic
diseases.JNeurolNeurosurgPsychiatry.2006;77(3):290–5.
3.AllenIV,MillarJH,KirkJ,ShillingtonRK.Systemiclupus
erythematosusclinicallyresemblingmultiplesclerosis
andwithunusualpathologicalandultrastructuralfeatures.
JNeurolNeurosurgPsychiatry.1979;42(5):392–401.
4.TheAmericanCollegeofRheumatologynomenclature
andcasedefinitionsforneuropsychiatriclupussyndromes.
ArthritisRheum.1999;42(4):599–608.
5.GroupTMCW.Proposeddiagnosticcriteriaandnosologyof
acutetransversemyelitis.Neurology.2002;59(4):499–505.
6.BertsiasGK,IoannidisJP,AringerM,BollenE,BombardieriS,
BruceIN,etal.EULARrecommendationsforthemanagement
ofsystemiclupuserythematosuswithneuropsychiatric
manifestations:reportofataskforceoftheEULARstanding
committeeforclinicalaffairs.AnnRheumDis.
2010;69(12):2074–82.
7.LavalleC,PizarroS,DrenkardC,Sánchez-GuerreroJ,
Alarcón-SegoviaD.Transversemyelitis:amanifestation
ofsystemiclupuserythematosusstronglyassociatedwith
antiphospholipidantibodies.JRheumatol.1990;17(1):34–7.
8.D’CruzDP,Mellor-PitaS,JovenB,SannaG,AllansonJ,TaylorJ,
etal.Transversemyelitisasthefirstmanifestationof
systemiclupuserythematosusorlupus-likedisease:good
functionaloutcomeandrelevanceofantiphospholipid
antibodies.JRheumatol.2004;31(2):280–5.
9.MokCC,LauCS,ChanEY,WongRW.Acutetransverse
myelopathyinsystemiclupuserythematosus:clinical
presentation,treatment,andoutcome.JRheumatol.
1998;25(3):467–73.
10.KovacsB,LaffertyTL,BrentLH,DeHoratiusRJ.Transverse
myelopathyinsystemiclupuserythematosus:ananalysis
of14casesandreviewoftheliterature.AnnRheumDis.
rev bras reumatol.2016;56(3):240–251
251
11.PetriM,OrbaiAM,AlarcónGS,GordonC,MerrillJT,FortinPR,
etal.DerivationandvalidationoftheSystemicLupus
InternationalCollaboratingClinicsclassificationcriteria
forsystemiclupuserythematosus.ArthritisRheum.
2012;64(8):2677–86.
12.SalmaggiA,LampertiE,EoliM,VenegoniE,BruzzoneMG,
RiccioG,etal.Spinalcordinvolvementandsystemiclupus
erythematosus:clinicalandmagneticresonancefindingsin5
patients.ClinExpRheumatol.1994;12(4):389–94.
13.ProvenzaleJM,BarboriakDP,GaenslerEH,RobertsonRL,
MercerB.Lupus-relatedmyelitis:serialMRfindings.AJNRAm
JNeuroradiol.1994;15(10):1911–7.
14.HarisdangkulV,DoorenbosD,SubramonySH.Lupus
transversemyelopathy:betteroutcomewithearly
recognitionandaggressivehigh-doseintravenous
corticosteroidpulsetreatment.JNeurol.1995;242(5):326–31.
15.Téllez-ZentenoJF,Remes-TrocheJM,Negrete-PulidoRO,
Dávila-MaldonadoL.Longitudinalmyelitisassociatedwith
systemiclupuserythematosus:clinicalfeaturesandmagnetic
resonanceimagingofsixcases.Lupus.2001;10(12):851–6.
16.BirnbaumJ,PetriM,ThompsonR,IzbudakI,KerrD.Distinct
subtypesofmyelitisinsystemiclupuserythematosus.
ArthritisRheum.2009;60(11):3378–87.
17.EspinosaG,MendizábalA,MínguezS,Ramo-TelloC,
CapelladesJ,OlivéA,etal.Transversemyelitisaffectingmore
than4spinalsegmentsassociatedwithsystemiclupus
erythematosus:clinical,immunological,andradiological
characteristicsof22patients.SeminArthritisRheum.
2010;39(4):246–56.
18.SchulzSW,SheninM,MehtaA,KebedeA,FluerantM,Derk
CT.Initialpresentationofacutetransversemyelitisin
systemiclupuserythematosus:demographics,diagnosis,
managementandcomparisontoidiopathiccases.Rheumatol
Int.2012;32(9):2623–7.
19.SaisonJ,Costedoat-ChalumeauN,Maucort-BoulchD,IwazJ,
MarignierR,CacoubP,etal.Systemiclupus
erythematosus-associatedacutetransversemyelitis:
manifestations,treatments,outcomes,andprognosticfactors
in20patients.Lupus.2015;24(1):74–81.
20.HochbergMC.UpdatingtheAmericanCollegeof
Rheumatologyrevisedcriteriafortheclassification
ofsystemiclupuserythematosus.ArthritisRheum.
1997;40(9):1725.
21.BombardierC,GladmanDD,UrowitzMB,CaronD,ChangCH.
DerivationoftheSLEDAI.Adiseaseactivityindexforlupus
patients.TheCommitteeonPrognosisStudiesinSLE.
ArthritisRheum.1992;35(6):630–40.
22.KurtzkeJF.Ratingneurologicimpairmentinmultiple
sclerosis:anexpandeddisabilitystatusscale(EDSS).
Neurology.1983;33(11):1444–52.
23.LuX,GuY,WangY,ChenS,YeS.Prognosticfactorsoflupus
myelopathy.Lupus.2008;17(4):323–8.
24.DroriT,ChapmanJ.Diagnosisandclassificationof
neuromyelitisoptica(Devic’ssyndrome).AutoimmunRev.
2014;13(4-5):531–3.
25.LiXY,XiaoP,XiaoHB,ZhangLJ,PaiP,ChuP,etal.Myelitis
insystemiclupuserythematosusfrequentlymanifestsas
longitudinalandsometimesoccursatlowdiseaseactivity.
Lupus.2014;23(11):1178–86.
26.KatsiariCG,GiavriI,MitsikostasDD,YiannopoulouKG,
SfikakisPP.Acutetransversemyelitisandantiphospholipid
antibodiesinlupus.Noevidenceforanticoagulation.EurJ
Neurol.2011;18(4):556–63.
27.BarileL,LavalleC.Transversemyelitisinsystemiclupus
erythematosus–theeffectofIVpulsemethylprednisolone
andcyclophosphamide.JRheumatol.1992;19(3):370–2.
28.ScottTF,FrohmanEM,DeSezeJ,GronsethGS,Weinshenker
BG.NeurologyTaTASoAAo.Evidence-basedguideline:clinical
evaluationandtreatmentoftransversemyelitis:reportofthe
TherapeuticsandTechnologyAssessmentSubcommitteeof
theAmericanAcademyofNeurology.Neurology.