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Do discurso ao projecto urbano de reinvenção da ruralidade

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Academic year: 2022

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Ana Côrte-Real de Matos Fernandes

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Universidade de Barcelona Faculdade de Geografia e Historia

Departamento de Geografia

Programa Doutoral: Geografia, Planeamento do Território e Gestão Ambiental

Tese de Doutoramento

Do discurso ao projecto urbano de reinvenção da ruralidade

Ana Côrte-Real de Matos Fernandes

Janeiro de 2011

Orientação:

Professora Doutora Nuria Benach Rovira (Universidade de Barcelona).

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Trabalho de investigação totalmente financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia e pelo Programa Operacional Potencial Humano da União

Europeia POPH/FSE

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Índice

Agradecimentos ... 9

Resumo ... 11

Abstract ... 13

Resumen ... 15

Resum ... 17

I. Introdução ... 19

II. O discurso de reinvenção da ruralidade ... 31

1. Os principais questionamentos e objectivos de investigação. (o que se quer saber) ... 33

2. Premissas e caminhos teóricos e metodológicos para a pesquisa. (como quero saber) ... 39

III. O discurso nos seus diferentes registos – poder, ideologia e projecto ... 43

1. A Estratégia. O discurso político e técnico pelo desenvolvimento rural ... 48

2. A Matéria-Prima. O Ideal Rural ou o discurso cultural de romantização da ruralidade ... 60

3. O Rural enquanto produto e os produtos rurais. O discurso promocional e comercial em torno do rural consumível. ... 69

4. Ponto de Situação (Estratégia → Matéria-Prima → Produtos) ... 81

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IV.

Preservar o passado e garantir o futuro – os argumentos e valores que

sustentam o discurso e precipitam as missões do mundo rural ... 83

1. O Património e os valores culturais - identidade, tradição, memória. (Preservar o Passado) ... 87

2. A Sustentabilidade e os valores ambientais - natureza e ecologia. (Garantir o Futuro) ... 98

3. Ponto de Situação (Eixos → Valores → Missões) ... 106

V. A urbanidade deste projecto de ruralidade – estratégia, representações e interesses ... 111

1. Uma estratégia urbana de reinvenção da ruralidade? A analogia com as estratégias de requalificação dos centros históricos das cidades ... 113

2. Um campo para a cidade – a valorização e reinvenção da ruralidade à luz das necessidades e expectativas urbanas ... 123

3. O rural como um problema em que se quer pensar – os interesses culturais, económicos e políticos que sustentam este projecto de ruralidade ... 132

VI. As marcas do discurso no corpo da cidade – Uma etnografia urbana ao encontro da ruralidade recriada ... 139

1. Notas Metodológicas ... 145

2. Dois Projectos de recriação da ruralidade idílica? ... 150

2.1 A Quinta do Mata-Sete ... 150

2.2 O Núcleo Rural de Aldoar (NRA) ... 166

3. Reflexões e cruzamentos finais ... 186

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VII.

Conclusões. Do discurso ao projecto de ruralidade reinventada ... 199

1. Os contornos desta ruralidade reinventada. (o que se espera das áreas rurais) ... 201

2. As possíveis consequências deste projecto de ruralidade. (o que podem as áreas rurais esperar neste contexto) ... 207

3. Considerações finais e propostas para futuras pesquisas. ... 213

Bibliografia ... 217

Anexos Anexo 1 – Mata-Sete ... 243

1.1 Mapas ... 243

1.2 Tabelas ... 247

1.3 Fotos ... 257

Anexo 2 – NRA ... 269

2.1 Mapas ... 269

2.2 Tabelas ... 273

2.3 Fotos ... 283

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Agradecimentos

O trabalho de escrita de uma tese de Doutoramento, apesar de se traduzir num processo muito solitário que, pela exigência de dedicação exclusiva, tantas vezes nos leva a um isolamento quase conventual, faz-nos dever sempre muito a contribuições, apoios e motivações externas. Neste sentido, é importante agradecer às pessoas ou entidades que, pelo incentivo ou suporte dado, facilitaram o seu desenvolvimento e, sem as quais, tudo teria sido, certamente, mais difícil.

Em primeiro lugar agradeço aos meus pais por tudo, por me terem convencido a concorrer a uma bolsa de doutoramento e, especialmente, pelo apoio incondicional, mesmo nas horas mais desesperadas.

Deixo também um forte agradecimento à Fundação para a Ciência e Tecnologia, que através do fundo POPH, patrocinou generosamente os meus estudos doutorais e a elaboração deste trabalho.

Agradeço à Professora Doutora Nuria Benach Rovira e ao Professor Doutor Paulo Peixoto, por terem aceitado o trabalho de orientação desta pesquisa e por terem cumprido essa tarefa com toda a disponibilidade, simpatia e exigência crítica.

Obrigada pela paciência, por partilharem comigo estas páginas, mas sobretudo por terem sido os meus únicos “cúmplices” neste longo caminho.

Não posso deixar também de prestar a minha gratidão a todos os autores cujas obras foram consultadas e a todas as pessoas que possibilitaram o trabalho de campo, que serve de base ao sexto capítulo desta dissertação. Pelos motivos óbvios, sem a disponibilidade de todos os entrevistados, sem os contributos de todos os que forneceram material documental sobre os objectos ou que prestaram esclarecimentos, visitas guiadas, informações, etc., esta pesquisa estaria certamente mais pobre. Agradeço em especial à Doutora Teresa Andresen, não só pelas ajudas no trabalho de campo, mas principalmente pela sugestão valiosa em incluir o caso do Mata-Sete na abordagem; bem como ao Arq. João Rapagão que se mostrou sempre muito generoso, partilhando um grande número de fotografias e muito material documental do seu arquivo pessoal.

Importante é também agradecer a Joana Martins, pela preciosa ajuda com os

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como a Tiago Romeu e a Alexandra Côrte-Real pelo trabalho de tradução do resumo desta dissertação.

Quero também louvar as sugestões e críticas de todas as pessoas que debateram comigo este trabalho, nas conferências, seminários e congressos em que participei nos últimos anos e, especialmente, na Summer School da Associação Europeia de Sociologia Rural (realizada em Córdoba em Outubro de 2010), pelo facto de terem sido essenciais para a sua evolução e questionamento crítico.

Agradeço calorosamente a todos os professores do Master em Planeamento Territorial e Gestão Ambiental, da Faculdade de Geografia e História da Universidade de Barcelona, que frequentei no âmbito da parte lectiva do programa doutoral. Uma palavra especial vai para a Professora Doutora Rosa Tello, pelas suas importantes sugestões durante o processo de formação da problemática que serviu de mote a este trabalho, bem como para a Professora Doutora Dolores Sanchez Aguilera, pelo apoio e pela simpatia com que me recebeu em Barcelona.

Não posso deixar de agradecer à minha grande amiga Berezi Elorrieta, que tantas vezes me ajudou com papelada, secretaria e matriculas, bem como aos restantes companheiros de Master: Rafa, Gartzen, Riccardo, Veronica, Pilar, Ana, Carlos, Alexis, Joan, Paula… Obrigada pelos jantares, pelas viagens, pelos trabalhos de grupo, pela companhia e por terem sido a minha “primeira” Turma!

(muxu bat/petons/besitos)!

Finalmente, agradeço à Professora Isabel Duarte (obrigada por me ter ensinado porque é que “isto das cidades” é importante), a Ana Pires e Pedro Areias (obrigada pelo apoio em Barcelona), Alexandre Pólvora e Susana Nascimento (obrigada pelos conselhos importantes), a Jorge Vieira, Joana Botelho, Sandra Costa, Pedro Quintela e Mariana Bessa (obrigada por termos sido uma família), a Marta Bateira e todos os amigos do Rap (obrigada pelos essenciais momentos de evasão) e a Pedro Geraldes (obrigada pela força, pela companhia e, sobretudo, pela paciência!).

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Resumo

A presente tese tem como núcleo temático o discurso de reinvenção da ruralidade. Partindo da premissa de que vem sendo disseminada e institucionalizada, em diversas esferas da vida social, uma valorização discursiva da ruralidade e do seu potencial de reinvenção (perante uma suposta crise demográfica e funcional generalizada e igualmente forte nos discursos políticos, mediáticos e sociais), pretendemos ir ao encontro do projecto de ruralidade que se precipita neste contexto. Da assunção da crise do mundo rural parece brotar um discurso optimista por relação às suas perspectivas de reinvenção, do qual deriva a proposta de uma determinada versão de ruralidade. Ora, importa discutir este projecto e o seu programa funcional para as áreas rurais, pelo seu poder e influência, já que é a partir dos discursos e do seu trabalho de definição de significados para os lugares, que se define o modo como vemos, valorizamos, gerimos e projectamos os territórios.

Discutimos o discurso em três dimensões fundamentais, ou seja, no seu registo político e técnico (mais precisamente no âmbito das políticas de desenvolvimento rural), na sua raiz cultural (a bateria de representações bucólicas que compõe o chamado Ideal Rural) e, finalmente, no seu registo comercial (naquilo que é a promoção dos produtos rurais e do rural enquanto produto). Posto isto, verificamos que a estratégia política de desenvolvimento para as áreas rurais, fortemente baseada no seu potencial natural e patrimonial, se alimenta do ideal rural, para fazer vender um conjunto de produtos, num processo de transformação destes territórios em espaços de consumo e não mais de produção.

Esta perspectiva de desenvolvimento baseia-se na valorização dos patrimónios naturais e culturais e sai legitimada pelo binómio axiológico que sustenta o discurso de reinvenção da ruralidade. De facto, património e sustentabilidade ambiental gozam, nas sociedades ocidentais, de uma sacralidade e de uma centralidade discursiva, que facilita a legitimação da ruralidade idílica, no sentido em que esta é apresentada como uma reserva dos valores culturais e ambientais que estão em risco nas cidades e na civilização. Desta feita, os argumentos e os valores por detrás do discurso, ao mesmo tempo que reforçam o seu poder e a sua

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aceitação social, precipitam as grandes missões do mundo rural – preservar o passado e garantir o futuro.

Por fazer sentido enquanto alteridade a um modelo de cidade próspera, dominante, mas muito demonizada discursivamente, por responder às expectativas de recreação e consumo urbanas e às suas representações idílicas de ruralidade, por favorecer o alargamento dos negócios e mercados urbanos e a reintegração dos recursos rurais nas lógicas de rentabilização do capitalismo, por resultar em estratégias de requalificação territorial muito próximas das aplicadas aos centros históricos das cidades, entre outras razões, somos levados a pensar neste discurso/projecto pela sua origem urbana. Assim sendo, para além de analisar o conjunto de interesses culturais, económicos e políticos que sustentam este discurso, sempre à luz das relações territoriais e tendo em conta a forte dominação urbana, importava ir ao corpo da cidade para palpar as materializações deste discurso.

Escolhemos estudar espaços de recriação da ruralidade idílica, para perceber os contornos do projecto que se impõe aos territórios rurais, ou seja, conhecer as paisagens desejadas (e, portanto, as expectativas que pairam sobre as paisagens reais), a partir da sua materialização cenográfica em lugares temáticos, para usufruto urbano. Assim, através de uma incursão etnográfica, conhecemos a quinta do Mata-Sete e o Núcleo Rural de Aldoar, que constituem pequenos nichos de ruralidade recriada, nos dois maiores parques urbanos da cidade do Porto, “capital”

do Norte de Portugal. Encontrámos uma ruralidade educativa, patrimonial, depurada e cómoda, adaptada às exigências de conforto urbano e derivada do ideal rural.

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Abstract

This thesis’ core theme is the rurality reinvention discourse. The starting point is the assumption that the valuation of rurality and its reinvention potential is being discursively disseminated (facing a supposedly generalized demographic and functional crisis in rural territories, very centralized in political and social discourses as well as in the media). This valuation of rurality is being institutionalized in several layers of society. Our intention is to meet the rurality project emerging from this context.

From the assumption of crisis in the rural world seems to grow an optimist discourse related to its reinvention perspectives, from which the proposal of a specific version of rurality comes out. So, considering its power and influence, it becomes important to discuss this project and its functional programme for rural areas. It is actually from discourse, and its job to define meanings for the places, that we are able to define the way we see, value, manage and project territories.

We handled the discourse in three fundamental dimensions, that is, its political and technical feature (more precisely in the scope of rural development policies), its cultural root (the range of bucolic representations which build the so-called Countryside Ideal) and finally, its commercial feature (the promotion of rural products and of the rural as a product). That being said, we have noticed that the political development strategy for rural areas, strongly based on their natural and patrimonial potential, supports itself with the rural idyll, in order to sell a series of products, in a process of transformation of these territories in consumption areas, and not of production anymore.

This development perspective is based on the valuing of natural and cultural patrimony and is legitimated by the axiological binomial which sustains the discourse of rurality reinvention. In fact, patrimony and environmental sustainability enjoy, in western societies, a holiness and a discursive centrality that facilitates the validation of the idyllic rurality, in the sense that it is presented as a reserve for cultural and environmental values at risk in cities and civilization. So, the arguments and the values behind the discourse reinforce its power and social acceptance at the same

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time they hasten the big missions of the rural world – preserve the past and grant the future.

Because it makes sense as an alternative to a model of prosperous city, dominant, but very discursively demonized; because it responds to urban recreation and consumption expectations and their idyllic representations of rurality; because it encourages business and urban market growth; because it results from territorial requalification strategies very close to the ones used in historical city centres, among other reasons, it makes sense to think of this discourse/project as having an urban origin. That being so, besides analysing the group of cultural, economical and political interests that sustain this discourse, always in the light of the territorial relationships and their remission to urban dominance, it was important to go deep into to the city (as an empirical object) in order to grasp the discourse’s materializations.

We have chosen to study spaces of idyllic rurality thematization in order to understand the outlines of the reinvention project imposed to rural territories. That is, getting to know the desired landscapes (and thus the expectations floating over the real landscapes), from their scenographic materialization, in thematic places for urban fruition. Thus, through an ethnographic incursion, we have gone to the Quinta do Mata-Sete and to the Núcleo Rural de Aldoar, which are small niches of recreated rurality in two of the biggest urban parks in the city of Porto, “capital” of Northern Portugal. We have found an educational, patrimonial, purified and comfortable rurality, adapted to the urban comfort demands and arisen from the rural idyll.

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Resumen

Esta tesis tiene como núcleo temático el discurso de reinvención de la ruralidad. Partiendo de la premisa de que, en diversas esferas de la vida social, se viene diseminando una valoración discursiva de la ruralidad y de su potencial de reinvención (delante de una supuesta crisis demográfica y funcional generalizada e igualmente fuerte en los discursos políticos, mediáticos y sociales), queremos ir al encuentro del proyecto de ruralidad que se nos depara en este contexto. De la asunción de la crisis del mundo rural, parece brotar un discurso optimista relacionado con sus perspectivas de reinvención, del cual deriva la propuesta de una determinada visión de la ruralidad. Aquí nos interesa debatir este proyecto y su programa funcional para las áreas rurales, por su poder e influencia, ya que es a partir de su discurso y de su trabajo de definición de significados para los lugares que se define el modo como vemos, valoramos, gestionamos y proyectamos los territorios.

Discutimos el discurso en tres dimensiones fundamentales, es decir, en su registro político y técnico (precisamente en el ámbito de las políticas de desarrollo rural), en su raíz cultural (el conjunto de representaciones bucólicas que componen el llamado Ideal Rural) y, finalmente, en su registro comercial (en lo que es la promoción de los productos rurales y del rural en cuanto producto). Dicho esto, verificamos que la estrategia política de desarrollo para las áreas rurales, fuertemente basada en su potencial natural y patrimonial, se nutre del ideal rural para hacer vender un conjunto de productos, en un proceso de transformación de estos territorios en espacios de consumo y no más de producción.

Esta perspectiva de desarrollo se basa en la valoración de los patrimonios naturales y culturales y sale legitimada por el binomio axiológico que sostiene el discurso de reinvención de la ruralidad. De hecho, patrimonio y sostenibilidad ambiental ganan, en las sociedades occidentales, una sacralidad y una centralidad discursiva que facilita la legitimación de la ruralidad idílica, en el sentido en el que esta se presenta como una reserva de valores culturales y ambientales que están en riesgo en las ciudades y en la civilización. Los argumentos y valores por detrás del

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discurso, en cuanto refuerzan su poder y su aceptación social, precipitan las grandes misiones del mundo rural - preservar el pasado y garantizar el futuro.

Por tener sentido en cuanto alteridad a un modelo de ciudad próspera, dominante, aunque muy demonizada discursivamente; por responder a las expectativas de recreación y consumo urbanas y a sus representaciones idílicas de ruralidad; por favorecer la expansión de los negocios y mercados urbanos y la reintegración de los recursos rurales en las lógicas de rentabilización del capitalismo;

por resultar en estrategias de recalificación territorial muy próximas de las aplicadas a los centros históricos de las ciudades; entre otras razones, somos llevados a plantear este discurso/proyecto por su urbanidad. Así, más allá de analizar el conjunto de intereses culturales, económicos y políticos que sostienen este discurso, siempre a la luz de las relaciones territoriales y teniendo en cuenta la dominación urbana, nos importaba ir al cuerpo de la ciudad para palpar las materializaciones de este discurso.

Elegimos estudiar espacios de recreación de la ruralidad idílica para entender los contornos del proyecto que se impone a los territorios rurales, o sea, conocer los paisajes deseados (y por lo tanto las expectativas que flotan sobre los paisajes reales), a partir de su materialización escenográfica, en lugares temáticos para usufructo urbano. Así, a través de una incursión etnográfica, conocemos la granja del Mata-Sete y el Núcleo Rural de Aldoar, que constituyen pequeños nichos de ruralidad recreada, en los dos más grandes parques urbanos de la ciudad de Oporto,

“capital” del Norte de Portugal. Encontramos una ruralidad educativa, patrimonial, depurada y cómoda, adaptada a las exigencias de conforto urbano y derivada del ideal rural.

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Resum

La present tesi te com a nucli temàtic el discurs de reinvenció de la ruralitat.

Partint de la premissa de que s’està disseminant i institucionalitzant, en diverses esferes de la vida social, una valoració discursiva de la ruralitat i del seu potencial de reinvenció (davant d’una suposada crisi demogràfica i funcional generalitzada i igualment forta en els discursos polítics, mediàtics i socials), volem arribar al projecte de ruralitat que es precipita en aquest context. De l’assumpció de la crisi del mon rural sembla brotar un discurs optimista en relació a les seves perspectives de reinvenció, del qual deriva la proposta d’una determinada visió de ruralitat. Ara, ens importa discutir aquest projecte i el seu programa funcional per a les àrees rurals, pel seu poder i influència, ja que és a partir dels discursos i del seu treball de definició de significats per els llocs que es defineix la forma mitjançant la qual veiem, valorem, gestionem i projectem els territoris.

Discutim el discurs en tres dimensions fonamentals, és a dir, en el seu registre polític i tècnic (més precisament en l’àmbit de les polítiques de desenvolupament rural), en la seva arrel cultural (el conjunt de representacions bucòliques que composen l’anomenat Ideal Rural) i, finalment, en el seu registre comercial (en allò que consisteix en la promoció dels productes rurals i del rural com a producte).

Arribats aquí, verifiquem que l’estratègia política de desenvolupament per a les àrees rurals, fortament basada en el seu potencial natural i patrimonial, es nodreix de l’ideal rural, per fer vendre un conjunt de productes, en un procés de transformació d’aquests territoris en espais de consum i no més de producció.

Aquesta perspectiva de desenvolupament es basa en la valoració dels patrimonis naturals i culturals i surt legitimada pel binomi axiològic que sosté el discurs de reinvenció de la ruralitat. De fet, patrimoni i sostenibilitat ambiental gaudeixen, en les societats occidentals, d’una sacralitat i d’una centralitat discursiva que facilita la legitimació de la ruralitat idíl·lica, en el sentit en que aquesta és presentada com una reserva dels valors culturals i ambiental que estan en risc en les ciutats i en la civilització. En aquest cas, els arguments i els valors darrera el discurs, mentre reforcen el seu poder i la seva acceptació social, precipiten les gran missions

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Per tenir sentit com a alteritat a un model de ciutat pròspera, dominant però demonitzada discursivament, per respondre a les expectatives de recreació i consum urbanes i a les seves representacions idíl·liques de ruralitat, per afavorir l’allargament dels negocis i mercats urbans i la reintegració dels recursos rurals en les lògiques de rendibilització del capitalisme, per resultar en estratègies de requalificació territorial molt properes de les aplicades als centres històrics de les ciutats, entre altres raons, som portats a pensar en aquest discurs/projecte per la seva origen urbana. Així, més enllà d’analitzar el conjunt d’interessos culturals, econòmics i polítics que sostenen aquest discurs, sempre sota la llum de les relacions territorials i tenint en compte la forta dominació urbana, ens importava anar al cos de la ciutat per palpar les materialitzacions d’aquest discurs.

Hem triat estudiar espais de recreació de ruralitat idíl·lica, per entendre els contorns del projecte que s’imposa als territoris rurals, o sigui, conèixer els paisatges desitjats (i, conseqüentment, les expectatives que pairen sobre els paisatges reals), partint de la seva materialització escenogràfica en llocs temàtics, per gaudi urbà.

Així, mitjançant una incursió etnogràfica, coneixem la granja del Mata-Sete i el Nucli Rural d’Aldoar, que constitueixen petits nínxols de ruralitat recreada, en els dos més grans parcs urbans de la ciutat d’O Porto, “capital” del Nord de Portugal. Hem trobat una ruralitat educativa, patrimonial, depurada i còmoda, adaptada a les exigències del confort urbà i derivada de l’ideal rural.

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I.

Introdução

Mas que paz se desdobra a toda a anchura do horizonte a que o olhar se faz?

Esta página em branco (ou sem leitura) não terá uma chave por detrás?

Eu sei ler a cidade, mas, aqui sou um dedo parado em letra morta.

Uma guerra haverá, com o álibi

da paisagem que a outras me transporta.

1972, Alexandre O´Neill1

Começamos por esclarecer que o argumento central a destacar da tese que apresentamos é o de que o discurso de reinvenção da ruralidade parece ter, pelo menos, tanto a ver com a crise do mundo rural, como com as necessidades do mundo urbano. Assim sendo, sublinha-se que neste processo de reinvenção satisfazem-se mais os interesses e as expectativas de consumo urbanos, do que se encontram soluções para os problemas das áreas rurais. Por este motivo, tomamos o discurso/projecto de reinvenção da ruralidade, no quadro de dramatização da crise rural, pela sua urbanidade e ilustramos a pesquisa com o estudo de dois objectos empíricos que remetem para o corpo da cidade.

O presente trabalho constitui um percurso reflexivo, progressivo e crítico, que tem como ponto de partida a centralidade dos discursos de valorização da ruralidade e do seu potencial de reinvenção, perante uma suposta crise funcional e demográfica generalizada. Pela força que vem assumindo na actualidade, em diversas esferas da vida social, esta perspectiva optimista e estimuladora do valor estratégico e simbólico da ruralidade, deve ser tomada como objecto de interesse, questionamento e desconstrução. Sobretudo se tivermos em conta os problemas sociais, funcionais, demográficos e económicos associados ao mundo rural,

1 Excerto do poema “Pelo Alto Alentejo /2”, retirado de O’Neill, Alexandre (2005), Poesias Completas, Lisboa,

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principalmente nos países do Sul da Europa, e o protagonismo que as cidades e os recursos urbanos auferem, no seio da Globalização.

Importa perceber esta valorização discursiva e identificar a sua versão de ruralidade, apresentada como a salvação do mundo rural, considerada essencial para um mundo eminentemente urbano e condicionadora dos territórios, enquanto arquétipo orientador do desenvolvimento. É essa a proposta deste trabalho de investigação, que partirá do discurso, enquanto estrutura ideológica, suportada por determinados valores e interesses e promotora de um determinado projecto de território, para tentar perceber o que se espera e o que podem esperar as áreas rurais neste contexto. Por outras palavras, pretendemos perceber e antecipar as expectativas que configuram e precipitam os territórios, através do poder e da influência dos discursos políticos, sociais, culturais e comerciais, que alimentam o projecto dominante de ruralidade.

Neste sentido, assume-se a existência do discurso e de um projecto de ruralidade derivado e inerente, como uma premissa que serve de base para todo o caminho reflexivo. É precisamente sobre os contornos do núcleo temático deste trabalho que se desenvolve o Capítulo II, já que, para além de explicar a origem do questionamento que serve de mote à reflexão, as suas premissas e objectivos fundamentais, enuncia os principais tópicos de discussão que estimulam e orientam a sua progressão.

Para concretizar a desconstrução do discurso (já no Capítulo III), começamos por definir teoricamente a sua identidade conceptual e aquilo que constitui e contém enquanto noção genérica, para depois debater cuidadosamente as suas principais dimensões, no que diz respeito, especificamente, à ruralidade. Ou seja, passamos à análise dos seus diferentes registos e vozes (que afinal funcionam como camadas em sobreposição), mais concretamente pela discussão da sua dimensão estratégica (no que se constitui como o discurso político e técnico pelo desenvolvimento rural), cultural (a bateria de representações positivas em redor da ruralidade, enraizada nos nossos imaginários colectivos, através da arte, da literatura, etc.) e comercial (associada aos esforços de promoção dos produtos e territórios rurais).

Desta feita, este capítulo é dedicado à reflexão em torno das orientações estratégicas das políticas de desenvolvimento rural e sua filosofia de intervenção, do chamado Ideal Rural e do seu poder de influência nos olhares e nas expectativas que se impõe aos territórios, bem como dos produtos rurais que são promovidos

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neste contexto. Sintetizando, discute-se uma estratégia de desenvolvimento, a sua

“matéria-prima” cultural e os produtos que pretende rentabilizar, naquilo que se vislumbra como o processo de reinvenção da ruralidade, de espaço de produção (ou em crise funcional) a espaço de consumo.

Destaca-se o pendor patrimonialista do discurso e a importância da associação de ruralidade a cultura e a natureza, quase como uma elevação do mundo rural a reserva do que está em risco nas cidades e no nosso tempo histórico.

Prosseguindo com esta desmontagem do discurso, no Capítulo IV remetemos o debate para os valores que legitimam a valorização da ruralidade, dando-lhe sentido e historicidade. De facto, pensada no quadro das grandes inquietações e necessidades da civilização, esta ruralidade conservacionista que funciona como um santuário ou um refúgio, é legitimada por dois valores/chavões essenciais na estrutura axiológica das sociedades ocidentais – património histórico e sustentabilidade ambiental.

Pelo consenso e sacralidade que aufere, no quadro da globalização e num momento em que tanto cepticismo se concentra, em torno da viabilidade futura do nosso modelo de desenvolvimento, este binómio é quase inquestionável e legitima, por associação, o aparente consenso que paira sobre a importância do mundo rural, enquanto repositório das identidades culturais e das relações harmoniosas entre o Homem e a Natureza. Nesta lógica, importa reforçar que, com esta legitimação, são precipitadas as grandes missões para as áreas rurais: preservar o passado e garantir o futuro.

No Capítulo V, há lugar para justificar a afirmação da urbanidade deste discurso, no sentido em que se explica a origem da valorização do rural, da sua estratégia de reinvenção (em analogia com as manobras de requalificação dos centros históricos das cidades), dos consumidores dos seus produtos e até do aproveitamento que é feito do potencial de rentabilização do (reforçado) valor simbólico associado à ruralidade. Por outras palavras, reitera-se a ideia de que estamos perante um discurso urbano de reinvenção da ruralidade, da estratégia ao consumo, das representações às expectativas, dos valores aos interesses, mas principalmente porque esta existe como contraponto à cidade, como sua alteridade essencial e como sua referência estável, num contexto de grandes e rápidas transformações.

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Propõe-se, portanto, um ensaio de integração do discurso no quadro das relações territoriais e um exercício de concretização da sua desconstrução, já que importa identificar a sua origem, justificar o seu poder e resistência e discutir os interesses culturais, económicos e políticos que o motivam e sustentam. Nesta lógica, estando assumido que estamos perante um discurso urbano de valorização do rural, decidimos procurar na anatomia da cidade, espaços que servem a alimentação do projecto de ruralidade reinventada, por via da recriação e materialização do bucolismo veiculado. Ora, no Capítulo VI, haverá espaço para expor as reflexões que resultam de uma abordagem etnográfica a dois espaços de suposta encenação de ambientes campestres, na cidade do Porto (no Norte de Portugal).

Desenvolvemos uma incursão empírica à quinta do Mata-Sete, que faz parte do Parque da Fundação se Serralves, bem como ao Núcleo Rural de Aldoar, dentro do Parque da Cidade do Porto, no sentido de perceber as motivações por detrás ambos os projectos paisagísticos, os seus contornos cenográficos, a sua arquitectura, a cultura material característica, a iconografia associada, etc., com o intuito de os questionar enquanto exemplos de recriação da ruralidade idílica, veiculada no discurso dominante, e identificar as suas funções sociais, usos e principais actividades.

Conhecendo e analisando a história e configuração paisagística dos dois lugares, ensaia-se a sua desconstrução enquanto materializações do projecto urbano de ruralidade dominante, enquanto exemplos de hiper-ruralidade, espaços de tematização ou de concretização do sonho bucólico. Constituindo lugares criados com uma certa liberdade criativa ou com uma selectividade consciente, e acumulando o carácter de paisagens imaginadas com a condição de espaços reais e quotidianos, podem traduzir-se em materializações do sonho rural e permitir, assim, o reforço da discussão em torno dos contornos do projecto de ruralidade, que se dissemina discursivamente como arquétipo.

Acrescentando, e após todo este caminho reflexivo, pretendemos sistematizar as conclusões pontuais de cada capítulo, fazendo desembocar a discussão em torno do discurso, na enunciação dos traços que definem o seu projecto de ruralidade.

Desta feita, no Capítulo VII, além de ensaiarmos uma concretização das principais características da ruralidade discursiva proposta para os territórios reais, pretendemos conjecturar algumas das possíveis consequências que podem derivar

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da sua aplicação. Resumindo, dissertaremos em torno do que é esperado dos territórios rurais e do que podem estes esperar neste contexto. Haverá ainda oportunidade para reforçar a pertinência da abordagem e para apresentar algumas propostas de investigação complementar.

Posto isto, pode ser dito que começaremos por assumir a existência, a relevância e a centralidade do discurso de reinvenção da ruralidade e por desconstruí-lo nos seus diferentes registos e dimensões essenciais (estratégia, matéria-prima e produtos). Analisaremos também os dois grandes axiomas que servem de argumentos para a sua legitimação (cultura e natureza, através do binómio património/sustentabilidade ambiental) e que precipitam a funcionalidade social desta ruralidade reinventada: preservar o passado e garantir o futuro. Para, posteriormente, reforçar a constatação da urbanidade do discurso, discutindo o quadro de representações, expectativas, necessidades e interesses (culturais, económicos e políticos) que o motivam e sustentam.

Finalmente, procuraremos no corpo da cidade materializações do projecto de ruralidade dominante e ensaiaremos a identificação dos seus contornos, sem esquecer a apresentação das suas eventuais consequências para os territórios rurais. Cumprindo o trilho que parte do discurso para chegar ao seu projecto territorial, somos animados pela convicção que é essencial conhecer as paisagens sonhadas, desejadas, imaginadas, simbólicas e discursivas, para poder antecipar e entender as paisagens reais. Neste sentido, reforça-se esta proposta reflexiva, enquanto se sublinha a sua pertinência teórica e a sua utilidade, como ferramenta para o debate em torno das questões territoriais e das estruturas ideológicas que orientam as estratégias de desenvolvimento.

Deve ser dito que não se pretende circunscrever a abordagem à circunstancialidade de um contexto definido, já que queremos debater o discurso dando conta do seu carácter generalista, disseminado e aéreo. Dizendo respeito a uma ruralidade genérica, apontando uma crise supostamente transversal às áreas rurais, simplificando a complexidade e a diversidade territoriais e apresentando uma estratégia de reinvenção a aplicar de forma indiferenciada, por via da valorização de um potencial supostamente comum a todos os lugares que cabem no conceito (também ele vago) de “mundo rural”, este discurso generaliza-se, precisamente por ser generalista.

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Sendo a abrangência uma das suas características estruturais, ao contextualizar a abordagem, enquadrando-a numa realidade concreta, estaríamos a podar a margem reflexiva que se exige para tomar um objecto tão etéreo e pulverizado. Ou seja, para dar atenção à circunstancialidade e aos particularismos de um âmbito (social ou geográfico) circunscrito, reduziríamos demasiado o espectro do debate. Portanto, não se pretende discutir o discurso dentro de uma realidade territorial restrita, já que estamos sensíveis ao seu carácter generalista e assumimos a estratégia de tomá-lo como objecto, numa abordagem que se pauta por uma abrangência correspondente.

Queremos ainda salvaguardar que um dos objectivos de fundo que estimula este trabalho, é o de construir uma reflexão ampla e um quadro teórico polivalente, que articule variadas temáticas (muitas vezes tratadas de forma dispersa) que derivam do discurso de reinvenção da ruralidade, mas sobretudo, que estimule a interpretação de diversas realidades empíricas. Ora, a amplitude do espectro de discussão facilita o seu cruzamento com realidades múltiplas e a sua aplicação a vários âmbitos territoriais. Também por isso, ou seja, pela abrangência da reflexão teórica a que nos propomos e pela infinitude do seu universo temático, poderíamos ilustrar a pesquisa com incontáveis casos empíricos.

De facto, reforça-se a intenção de desenvolver um debate teórico que articule diversos temas, dinâmicas, questões e fenómenos que, segundo cremos, orbitam em torno da fonte maior, que constitui este discurso de reinvenção da ruralidade, no sentido de criar um quadro teórico robusto e organizado, que estimule o estudo de diversos objectos empíricos. Assim, sublinhamos que a incursão ao terreno proposta não deve ser encarada como o núcleo central deste percurso reflexivo, mas antes como mais um input de informação para animar o debate, como um ensaio de aplicação destas proposições teóricas (entre as múltiplas hipóteses possíveis) e como um exercício ilustrativo, sem qualquer pretensão de produzir dados que alcancem a representatividade.

Acrescentando, o trabalho de campo que suscita o sexto capítulo desta tese acaba por reforçar, enquanto escolha e selecção de enfoque, a intenção de considerar a urbanidade do projecto de ruralidade reinventada e por fazer avançar a discussão para o plano das materializações do discurso na paisagem. Nesta lógica, precipita a identificação dos contornos desse projecto no seu contexto de produção

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e alimentação primordial – a cidade, naquilo que acaba por ser o adiantar do percurso reflexivo proposto.

Salvaguarda-se ainda, que centraremos o enfoque etnográfico no lado da produção dos lugares e não no seu consumo e interpretação. Em primeiro lugar, porque se pretende animar a discussão em torno dos contornos do projecto que alimenta expectativas urbanas de ruralidade idílica, fazendo sentido priorizar a abordagem em torno da produção da paisagem (enquanto modelo ou lugar de consagração do sonho), mas também porque a perspectiva do consumo e da interpretação do quadro suscitaria todo um novo espectro de estudo e debate, que seria demasiado exigente e ambicioso, para o âmbito desta pesquisa. De qualquer forma, teremos oportunidade de justificar todas as escolhas e de explicar estas questões com mais detalhe à medida que for oportuno.

Como outra salvaguarda importante, deve ser dito que estamos conscientes da recorrência e da centralidade assumidas pelas categorias territoriais ao longo deste texto, onde se apresentam tantas vezes em contraponto e cruzamento. Longe de querer reiterar a sua rigidez e sabendo que as realidades territoriais não se coadunam com a “pureza” e a compartimentação que estas sugerem, enquanto estruturas conceptuais, não desmerecemos a sua utilidade teórica nesta problemática e, principalmente, o seu poder de influência ao nível das representações e dos discursos em torno dos lugares.

De facto, mesmo que as realidades territoriais sejam complexas, híbridas e fluidas, não cabendo facilmente em categorias estanques (de rural ou urbano, por exemplo) e tendo em consideração o quão difícil é definir os critérios que criam e atribuem esses rótulos, a verdade é que, no plano das ideias, dos discursos e das representações culturais, essa compartimentação dicotómica é dominante. As categorias territoriais servem a organização e a formulação de significados em torno dos lugares, fornecem ferramentas para os discursos (palavras, conceitos, oposições, etc.), orientado a forma como consideramos as suas funções, valores, utilidades, conotações, etc.

A importância da categorização dualista rural/urbano é patente, tendo em conta que funciona como base para a formação do imaginário popular em torno dos territórios, mas também para a construção do património conceptual científico, técnico e político. As categorias territoriais culturalmente estabelecidas não são

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agimos dentro dele. Ora, estando os territórios compartimentados e organizados, política e institucionalmente, segundo critérios (de uso, valor, etc.) que derivam directamente das categorias culturalmente estabelecidas e suas conotações, as nossas vidas são fortemente influenciadas pelo seu poder e implementação detalhada (Vandergeest & DuPuis, 1996).

Estando a problemática do discurso hegemónico de valorização e reinvenção da ruralidade dependente da noção de “rural”, em contraponto com a noção de

“urbano” e partindo esta discussão, precisamente, da ideia de que as estruturas de significados, imagens e representações, em torno dos territórios, precipitam projectos e orientações para o seu desenvolvimento, a relevância destas categorias é inquestionável, por ser intrínseca ao próprio objecto de debate. Podendo não funcionar para definir e compartimentar os territórios, estas categorias servem certamente para organizar os discursos que se organizam em seu redor, residindo nesse poder e utilidade, o seu interesse teórico e a sua pertinência conceptual.

A propósito, deve ser igualmente esclarecido que faremos uso dos termos

“rural”, “urbano”, “ruralidade”, “urbanidade”, “áreas/espaços/territórios rurais/urbanos”, “mundo rural”, “cidade”, “campo”, etc., sem precisar com rigor definições ou limites conceptuais, com a consciência de que essa seria uma tarefa demasiado exaustiva e já extensamente ensaiada na literatura, precisamente pelo facto de os territórios serem realidades dinâmicas e complexas, que dificilmente facilitam uma reificação teórica. O mesmo acontece em relação à distinção entre os territórios apelidados de “urbanos” ou “rurais”, no sentido em que, como foi dito, a dualidade simplificada das categorias discursivas não corresponde à realidade híbrida e processual dos espaços concretos, o que torna inglória a tarefa de rotulá- los cabalmente.

“A distinção entre meios rurais e meios urbanos não é um dos objectivos deste texto. Aliás, a transformação acelerada que uns e outros enfrentam caracteriza-se pela impossibilidade crescente em delimitá-los, distingui-los e, inclusivamente, aceitá-los como categorias operativas. A delimitação dos dois conceitos, sendo necessária para facilitar a análise, conduz a resultados que não podem nunca ser desligados dos critérios que presidem a essa delimitação e que fazem com que esta tenha que ser relativizada. A utilização do termo ‘meios rurais’

neste texto é, assim, um mero expediente operativo de construção de um discurso

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científico que não nos afasta da consciência do carácter difuso das fronteiras desses espaços.” (Peixoto, 2002, pág.3).

Na mesma lógica, tomaremos a liberdade de utilizar “espaço”, “território” e

“lugar” como sinónimos, para facilitar a fluidez do texto, com a consciência de que divergem conceptualmente, por dizerem respeito a realidades distintas. Com isto não queremos, de modo nenhum, descurar a importância da sua definição e distinção. No entanto, para além de esse não ser o âmbito deste trabalho, seria de certa forma despropositado alongarmo-nos com este tipo de esclarecimento semântico que, para além de não ser vão, nem sequer consensual (exigindo um extremo rigor conceptual), acumula já um vasto rol de material científico e epistemológico. Pedimos, portanto, ao leitor quer releve o uso indiferenciado dos termos em causa e que compreenda que, neste caso, serve o favorecimento da variedade de vocabulário empregue e a fluência da prosa.

Muito importante é esclarecer que, ao tomarmos este discurso como objecto central para o debate e ao apresentá-lo como hegemónico na sua centralidade e transversalidade, não queremos passar a ideia de que não existem contra-discursos, ou que esta perspectiva de ruralidade é alvo de uma unanimidade esmagadora. Pelo contrário, estando sensíveis à existência de outras vozes e interesses, nomeadamente do sector agrícola (para o qual interessa a manutenção dos apoios ao rural produtivo, por exemplo), queremos questionar a predominância deste projecto e a sua disseminação. Ou seja, pretende-se desconstruir a sua aparente consensualidade, revelando as origens, interesses e factores que motivam e sustentam a força deste discurso em concreto, questionando assim a retórica altruísta que o legitima e promove.

Não queremos, de todo, ignorar a polifonia que rodeia a ruralidade e a multiplicidade de perspectivas e interesses antagónicos, que animam a disputa pelo controlo dos seus recursos e das suas estratégias de desenvolvimento, no entanto, parece-nos importante destacar o projecto que institucionalmente se converte na tónica dominante, através do discurso aglutinador e hegemónico, que condiciona as agendas políticas a diversas escalas, dentro deste contexto de dramatização da

“crise” rural. O acentuar dos problemas funcionais, económicos e demográficos ao nível local (ou pelo menos do seu protagonismo mediático), a consequente fragilização dos patrimónios culturais e naturais nas áreas rurais, em paralelo com a

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memória e das identidades colectivas, levam à radicalização deste discurso e das soluções que apresenta, no que se converte na legitimação do projecto de reinvenção da ruralidade.

A propósito, importa esclarecer que, apesar do registo generalista desta abordagem, estamos sensíveis ao facto de este discurso não ter expressão em todos os contextos e realidades e, portanto, de que este questionamento acaba por perder sentido em muitos âmbitos geográficos. Não temos pretensões de fazê-lo reportar a todos os territórios, lembrando que remetemos sempre o discurso para contextos de dramatização da chamada “crise das áreas rurais”. Desta feita, sublinha-se a ligação entre o discurso e a crise dos territórios rurais (em toda a sua eminência e protagonismo mediático e político), no sentido em que é a partir da sua elevação a problema, em que se quer pensar e que urge resolver, que se precipita, tanto a valorização da ruralidade, como o projecto de reinvenção.

Por outras palavras, o discurso que tomamos como objecto diz respeito a contextos onde a desertificação, a desadequação funcional, a estagnação económica, a delapidação da actividade agrícola, a fragilização ecológica e patrimonial e o conjunto de problemas associados, são assumidos como flagelos que assolam as áreas rurais e cuja solução é apresentada como essencial. Ou seja, âmbitos em que é dado protagonismo mediático e político e se dissemina a consideração colectiva da crise ou da decadência do mundo rural agrícola, produtivo e habitado. Neste ambiente de preocupação, e misturada com alguma retórica do desenvolvimento local, brota a valorização do mundo rural como algo que está em risco, estando criadas as condições para o reforço do discurso de reinvenção e para a legitimação do seu projecto de ruralidade patrimonial e consumível.

Ora, esta situação é patente dos países do Sul da Europa, nomeadamente em Portugal onde o declínio da agricultura e a parca industrialização do interior do país, a sua desertificação galopante e estagnação económica, levam a que sejam criadas, na ausência de modernidade (motivada por inúmeros factores históricos), as condições ideais para a disseminação do projecto pós-moderno de ruralidade (Figueiredo, 2003). Já não é agrícola este mundo rural e, nunca tendo chegado a ser industrial, passa de (in)produtivo a potencialmente consumível, patrimonial, recreativo. “Esta situação parece, assim, poder conduzir a ‘uma recodificação das áreas rurais portuguesas de pré-modernas em pós-modernas’” (Figueiredo, 2003, pág. 153).

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Posto isto, não sendo exclusivo, nem omnipresente, o discurso hegemónico de reinvenção da ruralidade (em contextos de suposta decadência das áreas rurais) que assumimos como objecto de discussão, autoriza (enquanto pretexto, trilho e posicionamento teórico) a interpretação e a desconstrução destas questões, ao mesmo tempo que não exclui outras realidades. A perspectiva do discurso estimula a sensibilidade a diferentes registos, valores e interesses, permitindo diversas leituras, articulando diferentes dinâmicas, temáticas e fenómenos, num enquadramento teórico maior e organizado. Do seu desdobramento estender-se-á um caminho reflexivo intenso, rumo ao projecto de ruralidade que se propõe, pela expectativa, aos territórios.

Registos, suportes, estratégias, representações, argumentos, valores, programas e funções, origens, interesses, expectativas, paisagens, orientações e consequências. Discurso. Projecto. Cultura. Território. Muitas palavras (sugestivas e poliédricas) para fazer jus à complexidade de interessantes dinâmicas culturais, sociais e geográficas, cuja inteligibilidade se ambiciona explorar, ao longo de um percurso que se avizinha estimulante, aberto e fértil, em múltiplas ramificações.

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II.

O discurso de reinvenção da ruralidade

Vejo as paisagens sonhadas com mais clareza com que fito as reais. Se me debruço sobre os meus sonhos é sobre qualquer cousa que me debruço. Se vejo a vida passar, sonho qualquer cousa.

Sem data, Bernardo Soares (Fernando Pessoa)2

Num contexto em que as cidades parecem concentrar os recursos humanos, económicos, tecnológicos e culturais, competitivamente valorizados para responder às exigências estratégicas da globalização, faz sentido pensar no papel e nas possibilidades de desenvolvimento dos territórios mais desprovidos das características valorizadas pelos critérios dominantes. Assim, quando pensamos nos territórios rurais, apesar da sua definição estar longe de ser clara e alheada das

“fronteiras” urbanas, uma aparente contradição discursiva salta à vista, principalmente num contraponto forçado por relação à cidade.

Este aparente paradoxo está relacionado com o facto de, nunca como agora, a cidade concentrar tantos interesses e recursos estratégicos, mas ao mesmo tempo se ter generalizado um discurso demonizador em torno da sua irreversível insustentabilidade. Paralelamente, por correspondência, parece agigantar-se um discurso nostálgico em relação às virtudes do mundo rural, que no entanto é genericamente descrito como estando num estado de profunda crise funcional e demográfica, principalmente nos países do Sul da Europa.

Desta feita, se existe uma generalização da crise dos territórios rurais, parece existir simultaneamente uma valorização discursiva da ruralidade, quando, na verdade, as áreas rurais, para além de não serem homogéneas, são realidades muito complexas (até na própria definição). Estas crises anunciadas mediática, política e sensocomunalmente, parecem brotar de discursos geminados. Assim, sendo patente, por um lado, a disseminação do sentimento de crise que advém da

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prosperidade insustentável da cidade, precipita-se, por outro, a ideia de estagnação económica do mundo rural.

Esta simetria alimenta conveniências mútuas, cujos limites são difíceis de marcar e cuja sustentação prática e estratégica cabe a agências variadas e poucas vezes identificáveis a um primeiro olhar. Se nem todas as cidades são “cidades da globalização” e se nem todas as aldeias sofrem de crise económica, demográfica e produtiva, deve ser questionada a aparente consensualidade e unanimidade nos discursos e nas políticas territoriais. As mesmas que preparam para os territórios urbanos e rurais, baterias de medidas voltadas para o estímulo da competitividade e da reanimação, respectivamente.

É precisamente devido à centralidade e recorrência das questões associadas à ruralidade, ao facto de o mundo rural concentrar atenções de vários quadrantes (políticos, mediáticos, académicos, empresariais, sociais, etc.), de aparentemente existir muito interesse em torno do turismo, do património e dos produtos rurais e de estarmos num contexto de grande valorização do seu potencial estratégico (mesmo perante tantos problemas), que somos levados a questionar estas tendências, modas, vozes, perspectivas e interesses.

Para organizar este ensaio de desconstrução e este exercício de questionamento crítico, consideramos a existência de um discurso optimista em torno do potencial rural, que brota da assunção da crise e da necessidade de sua reversão, como uma premissa para a investigação e tomamo-lo como objecto, com o objectivo de perceber o que é esperado do mundo rural e o que podem esperar este tipo de territórios.

Assumindo que o contraponto para com a cidade (próspera mas demonizada) e a dramatização generalista da crise rural (principalmente nos países do Sul da Europa) podem funcionar como um estímulo do potencial rural e de um projecto de reinvenção, como contraste valorizador e pretexto para um reaproveitamento estratégico, temos a intenção de desconstruir o discurso que atira o mundo rural para a eminência de um processo de transformação, enquanto alteridade desejável perante uma urbanidade estruturalmente insustentável.

Entendendo que o tom pesaroso em relação à situação demográfica e económica dos espaços rurais, muito patente em Portugal, principalmente no que diz respeito ao interior do país, vem a par do discurso complementar de valorização da ruralidade e seu potencial cultural e ecológico, parece claro que o fatalismo serve de

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estímulo à reversão da crise, ou pelo menos de argumento a favor de uma reinvenção, com base em valores patrimoniais.

Importa dizer que o carácter generalista do discurso, quer do lado do alerta de crise, quer do lado da valorização do potencial rural, ao parecer desligado de territórios concretos, desespacializa as questões, à medida que as generaliza. No entanto, mesmo podendo parecer aéreo e disperso no seu registo generalista, o discurso está transversalmente consolidado em diversas esferas sociais, políticas, económicas e culturais e apresenta uma orientação estratégica clara, difundindo aquilo que parece ser um projecto de ruralidade patrimonial e consumível.

Desta feita, a retórica da crise acaba por servir as políticas culturais e territoriais associadas a este projecto, no sentido em que apela à intervenção, precipita as questões rurais e legitima-as enquanto prioridades estratégicas.

Partindo assim da ideia de que a reinvenção da ruralidade nasce deste discurso construído culturalmente, que se traduz num projecto definido de transformação territorial, através da valorização e capitalização de determinados aspectos e recursos rurais, importa expor com mais detalhe os principais questionamentos e objectivos da pesquisa a que nos propomos.

1. Os principais questionamentos e objectivos de investigação.

(o que se quer saber)

Tendo como temática este discurso/projecto, a que poderíamos chamar de

“discurso de reinvenção da ruralidade”, a intenção que orienta a pesquisa seria a de reflectir, desconstruir e discutir, por um lado, algumas das suas dimensões essenciais e os principais argumentos que o sustentam e, por outro, as origens e motivações que estão na génese da sua produção e difusão.

Assim, para facilitar e organizar a abordagem, dividimos o discurso em três eixos, destacamos dois argumentos de suporte essenciais e focamos a abordagem na sua origem e carácter urbanos.

O objectivo primário do caminho que nos propomos é o de contribuir para uma reflexão abrangente e crítica do discurso por detrás do processo de reinvenção da ruralidade, não especificamente num território, mas, tal como discursivamente, num plano teórico e genérico. A preocupação não é a de seguir um processo territorial específico de reinvenção, medir os seus impactos e consequências,

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entender a relação entre os agentes locais e seus interesses em todo o processo, etc. Mas antes a de desconstruir o discurso, por detrás dos processos de reinvenção das ruralidades e da ruralidade simbólica, no sentido de o entender como uma política cultural e não apenas como um projecto de território em concreto.

Esta intenção justifica-se pela importância de evitar uma fragmentação da análise do discurso, pois ao remeter o olhar para um lugar concreto, teríamos necessariamente de centrar a abordagem nas características específicas e circunstanciais de um projecto de reinvenção em particular, deixando escapar um dos principais traços do discurso – o seu carácter generalista, bem como um dos principais traços do projecto de reinvenção por ele promovido – existir como uma espécie de solução universal para os territórios rurais em crise, simplificados discursivamente como homogéneos.

A naturalização do discurso e a sua função de política cultural (mais do que territorial) o seu carácter transversal e generalista e as suas consequências ao nível da produção de significados simplificados e aglutinadores das especificidades locais, fazem com que se deva apostar numa abordagem ela própria abrangente, compreensiva e de certa forma desespacializada, no sentido de encarar o objecto na sua complexidade cultural e não apenas enquanto um projecto de território definido geograficamente. Discutiremos cultura, mais do que territórios concretos, mas, tendo em conta que estes se configuram a partir das concepções culturais, ideológicas, políticas e simbólicas que se projectam como dominantes, parece-nos que começar pelo discurso é começar pelo “início”.

Como foi dito, pretendemos organizar a desconstrução do discurso em três eixos fundamentais, no sentido de esclarecer a proposta reflexiva. As três dimensões do discurso seriam a estratégica, a cultural e a comercial, ou mais precisamente o discurso na sua vertente estratégica e técnica (as políticas de desenvolvimento rural), o discurso no seu registo sensocomunal e cultural (o chamado Ideal Rural) e, finalmente, o discurso na sua função promocional (dos produtos rurais e do rural enquanto produto).

Para além de pensar o discurso nestas dimensões, relacionando-as no seu encadeamento lógico – uma estratégia de desenvolvimento que se alimenta de uma bateria cultural como matéria-prima, para promover a ruralidade e seus produtos – é essencial desconstruir os valores e argumentos que o sustentam e que afinal precipitam as "novas" funções dos territórios. Identificando dois grandes valores de

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suporte, património (memória colectiva, identidades, tradições) e sustentabilidade ambiental, (natureza, ecologia) e duas grandes funções atribuídas, nesta lógica, às áreas rurais - preservar o passado e garantir o futuro, pretendemos desconstruir o seu poder e valor cultural e simbólico, em cruzamento com as dimensões acima assinaladas.

Deste trabalho reflexivo, almeja-se o alcance do conteúdo ideológico e axiológico de legitimação do discurso e do seu projecto de reinvenção da ruralidade, ao mesmo tempo que nos aproximamos das motivações que o estimulam. O suporte argumentativo do discurso remete, logicamente, para o quadro cultural, social, político e histórico em que este é produzido e que hierarquiza a axiologia que se precipita enquanto legítima, dominante e eminente, no nosso momento histórico.

Por relação às agências de promoção e motivações por detrás do discurso, não se pretende uma inventariação sistemática das instituições e actores, causas e interesses específicos, que estimulam o projecto de reinvenção da ruralidade num determinado território. Interessa discutir, sobretudo e mais uma vez, a origem, as motivações, interesses e necessidades culturais, territoriais, económicas e políticas, que funcionam como transversais, marcando o nosso tempo histórico e o nosso contexto social e que precipitam este discurso (com todas as consequências que acarreta).

Neste sentido, deve ser apresentada outra ideia ou premissa importante para o âmbito teórico deste trabalho, a de que este discurso deve ser olhado enquanto um fenómeno sobretudo urbano. Pelas motivações e agências de produção do discurso, pelo tipo de estratégia associada à concretização do projecto de ruralidade, pelo contexto em que os seus argumentos se destacam e ganham sentido, por questões comerciais e económicas, entre outros factores, somos levados a remeter para a cidade, a construção e difusão da necessidade de reinventar a ruralidade.

Os valores por detrás deste discurso representam algumas das preocupações centrais das sociedades contemporâneas, divididas entre a necessidade de uma ancoragem originária, de uma segurança ontológica e de uma estabilidade axiológica e o sentimento de instabilidade e anomia social no mundo globalizado (Bunce, 1994). Entre a busca da qualidade de vida e a insustentabilidade dos estilos de vida. Entre um passado sonhado como mais familiar, particular, local e um futuro

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modelo territorial dominante e o rural, modelo territorial valorizado cada vez mais no plano onírico, ideológico e discursivo (Williams, 2002).

Acontece que, precisamente, por rural e urbano, assim como as suas funções e fronteiras não constituírem categorias independentes e claramente separadas e, acrescendo o facto de que estas dinâmicas de “contraposição” dicotómica se caracterizarem por uma promiscuidade inerente, não podemos abordar a valorização da ruralidade enquanto um fenómeno rural (Bagli, 2006). Não parecem nascer dos territórios rurais ou mesmo das políticas locais, as estratégias e discursos de valorização do potencial cultural e natural rural, mesmo que exista muitas vezes um compromisso endógeno em concretizar os projectos que daí derivam ou tentativas de rentabilização das oportunidades que daí possam surgir.

É igualmente claro que a bateria de representações e mitos que sustenta a renovação dos olhares que elevam a ruralidade, não brota de uma auto-estima ruralista ou de um eventual “patriotismo” rural, mas antes das grandes cidades, em que de forma mais intensa se persegue uma alteridade apaziguadora das ansiedades derivadas do sentimento de “insustentabilidade” urbana, global, quotidiana, etc. (Bunce, 1994).

Por outro lado, também não são os habitantes das aldeias o público-alvo das estratégias de promoção dos territórios rurais para destinos turísticos, muito menos dos seus produtos gastronómicos, artesanais ou lúdicos. Ou seja, parece ser da esfera urbana que nascem e são alimentadas as dinâmicas discursivas, que apelam à reconfiguração do rural em espaço de consumo, com base nos valores que fazem sentido no quadro do eterno reajustamento axiológico num mundo em rápida evolução e para suprir necessidades urbanas. Necessidades de expansão de negócio (imobiliário, turístico, comercial), de lazer e evasão, de sonho e apaziguamento de consciências, de manutenção da memória, de consumo, etc.

(Barrado Tímon & Castiñera Exquerra, 1998).

Resumindo, estamos perante um discurso urbano de valorização da sua própria alteridade, que sustenta estratégias de alargamento das possibilidades de consumo e negócio, ao mesmo tempo que se apresenta como uma solução para os problemas (revalorizados) dos territórios rurais, cujos sinais do que outrora se chamava “atraso” constituem agora “potencialidades”.

Posto isto, apresenta-se como objectivo discutir o discurso dentro das relações rural-urbano e nesse “espaço sem chão”, de limites, dependências e forças

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entre as categorias, procurando no urbano esta construção do rural, quer no plano teórico, quer empiricamente, como explicaremos adiante.

Recapitulando e sistematizando, importa perceber o discurso e a estratégia de reinvenção da ruralidade, as suas prioridades e filosofias de intervenção, bem como dissertar sobre as consequências de uma estratégia baseada nestes valores e promovida por este tipo de discurso, na forma como se olha a ruralidade e também, na forma como se constrói e consome estes espaços.

Importa delinear o património imaginário que configura a ruralidade idílica, os seus limites e poder simbólico. Relacionar esta bateria de representações enraizada culturalmente com o discurso que dela se aproveita, enquanto a alimenta simultaneamente, e perceber o seu impacto e presença dentro das lógicas de promoção dos produtos da ruralidade.

Enunciar os produtos da ruralidade centralizados pela estratégia, questionar o alcance da aposta na sua promoção e discutir os argumentos e valores que a sustentam, é igualmente importante. Assim como a reflexão em torno dos mercados a que se orientam, dos veículos e estratégias de sua promoção e consumo e, também, dos elementos distintivos que os destacam no plano simbólico.

Importa igualmente e de forma quase transversal à dissertação, discutir as relações rural/urbano e o seu carácter muitas vezes dicotómico (competitividade urbana/marginalidade rural, insustentabilidade urbana/ideal rural), dentro do que se configura como o discurso cultural em torno das categorias territoriais, funções, valores e representações associadas.

Em suma poderíamos resumir as principais questões, cujas respostas representam os objectivos teóricos da pesquisa, nos pontos seguidamente apresentados:

Discutir e entender o discurso de valorização da ruralidade e as estratégias de desenvolvimento rural baseadas no potencial patrimonial rural.

Identificar e entender as linhas filosóficas, argumentativas, metodológicas, organizativas, operativas, e prioritárias da estratégia.

Relacionar o património imaginário em torno da ruralidade, culturalmente enraizado, com estes processos de valorização e reinvenção do rural.

Perceber a origem das imagens e narrativas difundidas.

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Identificar e entender a imagem de ruralidade idílica, os valores que lhe estão associados, os seus limites e paisagens simbólicas.

Pensar o seu poder simbólico enquanto base de representações, projectos e relações com o espaço, enquanto argumentos e elementos distintivos associados a produtos, paisagens, actividades, manifestações culturais, estilos de vida, etc.

Apresentar o conjunto de produtos, centralizados pelo discurso e portanto derivados da estratégia e perceber as lógicas de sua promoção.

Identificar os mercados a que se destinam.

Enunciar as características e elementos simbólicos que supostamente distinguem a sua ruralidade.

Pensar em que medida a sua promoção se alimenta dos valores do ideal rural.

Discutir as possibilidades de concretização de desenvolvimento económico através da aposta na sua promoção e consumo.

Discutir os valores que sustentam o discurso e as funções que precipitam para os territórios rurais.

Reflectir em torno da urbanidade do discurso.

Relacionar a estratégia de reinvenção dos espaços rurais com as estratégias de reabilitação dos centros históricos das cidades.

Contextualizar a valorização das características idílicas da ruralidade e as expectativas de reinvenção dos territórios rurais no quadro das inquietações, ansiedades e necessidades culturais e de consumo urbanas.

Discutir os interesses, expectativas e motivações por detrás do projecto de ruralidade apresentado pelo discurso.

Procurar no corpo da cidade espaços de materialização deste projecto/sonho de ruralidade.

Conhecer os contornos do projecto de ruralidade veiculado discursivamente.

Pensar nas possíveis consequências deste projecto para os territórios.

Referencias

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