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Políticas da comunicação em Portugal: actores, decisões e não decisões

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Políticas da Comunicação em Portugal: Actores, decisões e não decisões

Helena Sousa Professora Associada helena@ics.uminho.pt

Universidade do Minho

Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade Campus de Gualtar

4710-057 Braga Portugal

SOUSA, H. (2001) “Políticas da Comunicação em Portugal: Actores, decisões e não

decisões”, comunicação apresentada na Sessão Temática «Políticas de Comunicação» do I Congresso Ibérico de Comunicação, Málaga, 7 – 9 de Maio de 2001

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Palavras-chave

Políticas da Comunicação, Regulação, Reformas, Actores, Decisões, Não decisões,

Resumo

Com este trabalho, pretendemos apresentar os aspectos mais relevantes da política de comunicação, em Portugal, nos últimos tempos. Começaremos por fazer uma breve abordagem às reformas estruturais introduzidas durante as legislaturas de Cavaco Silva e, de seguida, analisaremos criticamente a intervenção dos governos de António Guterres (no poder desde Outubro de 1995) na imprensa, rádio, televisão, telecomunicações e na chamada sociedade da informação. Numa fase de acelerada convergência tecnológica, a intervenção política e reguladora tem primado pela fragmentação e progressiva diluição de poderes. Para além da apresentação dos principais actores envolvidos nesta esfera, das mais relevantes linhas de acção política, este artigo abordará também a ausência de intervenção como forma de exercício de poder.

Políticas da Comunicação em Portugal:

Actores, decisões e não decisões

Comunicação apresentada na Sessão Temática «Políticas de

Comunicação» do I Congresso Ibérico de Comunicação, Málaga, 7 – 9 de

Maio de 2001.

1. Com este trabalho, pretendemos apresentar os aspectos mais relevantes da política de comunicação, em Portugal, nos últimos tempos. Começaremos por fazer uma breve abordagem às reformas estruturais introduzidas durante as legislaturas de Cavaco Silva e, de seguida, analisaremos criticamente a intervenção dos governos de António Guterres (no poder desde Outubro de 1995) na imprensa, rádio, televisão, telecomunicações e na chamada sociedade da informação. Numa fase de acelerada convergência tecnológica, a intervenção política e reguladora tem primado pela fragmentação e progressiva diluição de poderes. Para além da apresentação dos principais actores envolvidos nesta esfera, das mais relevantes linhas de acção política, este artigo abordará também a ausência de intervenção como forma de exercício de poder.

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2. Os programas dos dois governos maioritários de Cavaco Silva (v. Assembleia da República, 1987 e Assembleia da República, 1992) apresentavam as profundas mudanças que os media e as comunicações em Portugal deveriam sofrer. A percepção da inevitabilidade das reformas estava relacionada com factores externos e internos. Nos anos 80, decorreram na Europa importantes mudanças que iriam ter um claro impacto em Portugal. A televisão e a rádio estavam, até então, concentradas nas mãos dos Estados. A noção de serviço público na esfera mediática foi dominante durante décadas e, salvo raras excepções, não era permitida a entrada de actores privados nos media electrónicos. Esta tradição europeia - bem distinta da norte-americana - foi claramente posta em causa e as pressões para abrir o mercado a novos actores intensificaram-se.

O poder político numa Europa então dominada por governos conservadores não estava disposto a aumentar as taxas de televisão e de rádio. Os serviços públicos começavam a sentir cada vez maiores dificuldades de financiamento. Os governos conservadores viam na redução de impostos um importante factor de popularidade e as taxas de televisão tenderam a estagnar. Como os custos de produção não baixavam, os serviços públicos encontravam dificuldades em desempenhar as suas funções. Formas alternativas de financiamento e mesmo outros modelos de sistemas audiovisuais começavam a ser seriamente equacionados.

No plano tecnológico, houve igualmente uma grande transformação. O desenvolvimento das tecnologias do cabo e do satélite fizeram com que fosse tecnicamente possível um grande número de canais de rádio e televisão. Quando os canais eram transmitidos exclusivamente por via hertziana, a escassez do espectro era um dos argumentos frequentemente utilizado pelos governos para justificar o reduzido número de canais disponíveis. As novas tecnologias do cabo e do satélite tornaram esse argumento obsoleto.

Estas transformações constituíram o pano de fundo no qual se podem ler as reformas estruturais que viriam a ocorrer em Portugal no final dos anos 80 e no início dos anos 90. Mas, internamente, Portugal reunia também - pela primeira vez desde o 25 de Abril - as condições indispensáveis à mudança. Em 1987, Portugal teve o seu primeiro governo maioritário. A estabilidade política favoreceu o crescimento económico, o que contribuiu para a expansão do mercado publicitário, possibilitando a criação de importantes periódicos (ex: Público e Independente) e dando confiança a vários actores para investirem nas comunicações. Nesta fase, tornava-se também cada vez mais difícil justificar a forte concentração dos media e das telecomunicações nas mãos do Estado. Esta concentração ocorrera num contexto pós-revolucionário e inúmeros líderes de opinião defendiam que não havia qualquer justificação para a manutenção do status quo. Obviamente, os actores que mais esperavam beneficiar com a abertura dos mercados e com as privatizações eram os primeiros a mover-se no sentido de exercer pressão para que a situação fosse alterada.

Foi neste contexto nacional e internacional que Cavaco Silva definiu as suas linhas de acção para os media. Propôs-se privatizar a imprensa que havia sido nacionalizada no período revolucionário, liberalizar o sector radiofónico, privatizar a Rádio Comercial e abrir a televisão à iniciativa privada. Ainda esfera mediática, Cavaco Silva entendeu manter um serviço mínimo de rádio e televisão e manter pública a agência noticiosa LUSA. Estes programas do governo não deixaram também de dar considerável atenção às comunidades portuguesas no estrangeiro e aos países de língua oficial Portuguesa, nomeadamente através da RTP Internacional (RTPi). A re-organização do sector radiofónico foi uma das primeiras medidas estruturais tomadas pelos Sociais Democratas na esfera mediática. A rádio operava, na prática, num regime de duopólio (Radiodifusão Portuguesa e Rádio Renascença) desde a Revolução até meados dos anos 80. Ainda que tenham surgido pedidos de legalização de rádios locais e regionais desde meados dos anos 70, nenhum governo se mostrou capaz de reformar o sector. Perante o número crescente de rádios que proliferavam por todo o país sem qualquer enquadramento legal, o XI governo Constitucional atribuiu, em 1989, 310 frequências locais e duas regionais. Esta atribuição de frequências não foi precedida de qualquer estudo de viabilidade financeira e cedo ficou provado que a maioria das estações de rádio legalizadas não reunia condições mínimas para sobreviver: algumas mudaram de mãos; outras encerraram as suas portas. As frequências anteriormente concedidas à Radiodifusão Portuguesa (RDP) e à Rádio Renascença (RR) foram mantidas.

Tendo-se optado por restringir a presença do Estado no sector da rádio à prestação do serviço público, suportado exclusivamente pela cobrança de taxas, procedeu-se ao destaque da Rádio

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Comercial da empresa pública Radiodifusão Portuguesa e à sua reprivatização em 1993, depois da revisão constitucional que pôs termo à irreversibilidade das nacionalizações (Silva, 1995).

Ao contrário dos media electrónicos, o Estado não colocava entraves ao livre estabelecimento de periódicos. Porém, na sequência da onda de nacionalizações do pós-25 de Abril, alguns dos mais importantes jornais nacionais - controlados pelos bancos - foram nacionalizados. O governo de Cavaco Silva procurou inverter esta situação, afastando o Estado da propriedade dos órgãos de comunicação social escrita. Em 1998 e 1989, foram realizados os concursos públicos de venda dos jornais A Capital e Diário Popular e das participações públicas na Sociedade Editora Record (proprietária do jornal Record), na Empresa do Jornal de Notícias e na Sociedade O Comércio do Porto, SA. Em 1991, foi vendida a empresa proprietária do Diário de Notícias. A aquisição dos dois mais importantes diários (Jornal de Notícias e o Diário de Notícias) pelo grupo Lusomundo foi particularmente controversa.

Para além das reformas introduzidas no sector radiofónico e na imprensa, a mais complexa reestruturação teve lugar no sector televisivo. A abertura da televisão à iniciativa privada foi, sem dúvida, o aspecto mais marcante da intervenção dos governos de Cavaco Silva na esfera mediática. A Constituição de 1976 só permitia a existência de televisão pública e foi apenas em 1989 que os obstáculos à entrada de operadores privados na actividade televisiva foram retirados do texto constitucional. Ultrapassado este problema, e no contexto de uma grande polémica sobre o processo de atribuição de frequências, Cavaco Silva (que geriu pessoalmente este dossier) decidiu atribuir - em 1992 - duas frequências de televisão nacionais: uma à

Sociedade Independente de Comunicação (SIC), liderada por Pinto Balsemão e outra à

Televisão Independente (TVI), um canal de inspiração cristã, então associado à Igreja Católica. O sistema de televisão hertziana, em Portugal Continental, passou assim a dispor de quatro canais (dois públicos e dois privados). Tal como no sector radiofónico, esta transformação no sector televisivo não foi precedida de um estudo cuidado sobre as implicações desta reforma. Todas as atenções estavam centradas nos actores que iriam ser contemplados com estas frequências e nas implicações políticas de tal decisão. Questões absolutamente cruciais, num momento de abertura de um mercado desta natureza, foram relegadas para segundo plano. A dimensão do mercado publicitário, fontes alternativas de financiamento dos canais, clarificação das regras de concorrência, limites e obrigações ao nível da programação de canais públicos e privados, entre muitas outras questões, foram negligenciadas.

A abertura do mercado televisivo teve um grande impacto no Serviço Público de Televisão. A RTP passou a competir pelo mesmo bolo publicitário com mais dois operadores. Tendo sido também abolida a taxa de televisão e vendida à Portugal Telecom a sua rede de transmissores, a RTP sofreu uma drástica redução das suas receitas e um aumento das despesas, relacionado não só com o pagamento da transmissão de sinal, mas também com a necessidade de competir pelos mesmos produtos audiovisuais e recursos humanos. A disputa por programas, formatos e estrelas inflacionou o seu preço.

As sérias dificuldades da RTP começaram a sentir-se imediatamente após a entrada dos novos operadores no mercado. A 25 de Janeiro de 1995, o então presidente do Conselho de Administração da RTP, Freitas Cruz, revelou ao jornal Público que o deficit acumulado da empresa, no fecho das contas de 1994, se elevou a 25 milhões de contos. As dificuldades financeiras da RTP refletem também o sucesso comercial de um dos operadores privados. Dois anos e sete meses depois de ter iniciado as suas emissões, a SIC ultrapassa o share semanal do Canal 1 da RTP (Pinto et al., 2000: 147). Seguindo uma agressiva estratégia de programação, a SIC arrastou audiências e, consequentemente, uma parte significativa do bolo publicitário. Dividida quanto aos seus objectivos, a TVI não teve o sucesso comercial da SIC e enfrentou sérios problemas financeiros.

Se, por um lado, a reestruturação do sector televisivo agravou seriamente a situação financeira da RTP; por outro lado, a reestruturação não trouxe novidades quanto à independência política da estação de Serviço Público. Tal como no passado, a RTP continuou a ser vista como uma estação dependente dos interesses dos governos do dia e incapaz de garantir um tratamento equilibrado dos diversos actores políticos. Estes e outros problemas da RTP estão directamente relacionados com o facto da empresa nunca ter clarificado o seu papel, enquanto Serviço Público de Televisão. Ainda que o segundo governo maioritário de Cavaco Silva tivesse tentado regulamentar alguns destes aspectos, fê-lo de forma inepta e sem qualquer

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resultado positivo através da celebração do Contrato de Concessão de Serviço Público de Televisão, em 17 de Março de 1993. O governo de Cavaco Silva considerou que uma televisão seria de Serviço Público enquanto cumprisse um determinado número de tarefas. Na cláusula 5 do contrato de 1993, pode ler-se que a RTP ficava obrigada a pautar a sua programação, com respeito pelo interesse do público, por exigências de qualidade e de diversidade para assim promover o esclarecimento, formação e participação cívica e política dos cidadãos; ficava também obrigada a contribuir para a informação, recreio e promoção educacional e cultural do público em geral, no respeito pela identidade nacional e ainda obrigada a promover a produção e emissão de programas educativos ou formativos, especialmente os dirigidos a crianças, minorias e deficientes auditivos. Entre as inúmeras tarefas que um Serviço Público de Televisão deveria, segundo este contrato, executar, nada de concreto é apresentado relativamente à programação. Não há qualquer tentativa de explicitar o que se pretende dizer com respeito pelo interesse do público nem por exigências de qualidade e de diversidade. Sem recursos financeiros e insegura quanto aos seus objectivos, a RTP não foi capaz de conquistar o seu espaço num mercado aberto aos operadores privados.

3. No plano das telecomunicações, houve também grandes mudanças no tempo de Cavaco Silva. Em linha com o que estava a ser discutido e aprovado na União Europeia, os sociais democratas começaram por criar um organismo de regulamentação do sector, o Instituto das Comunicações de Portugal (ICP)1. O ICP deveria funcionar como um organismo de regulação independente, num mercado que se tornaria - dentro de pouco tempo - altamente competitivo. A União Europeia e outros actores internacionais, empenhados em liberalizar as telecomunicações, argumentavam que os estados não poderiam acumular as funções comercial e de prestação de serviços com as funções de regulamentação do sector das telecomunicações. O inevitável conflito de interesses implicava a criação de organismos autónomos. No entanto, e ainda que esta tivesse sido a lógica que presidiu à criação do ICP, este organismo nunca se tornou verdadeiramente independente.

Após a criação do ICP, foi aprovada a Lei Básica das Telecomunicações (88/89 de 11 de Setembro) que abriu as portas à liberalização do sector. De acordo com esta lei, competia ao Estado a provisão dos serviços básicos de telecomunicações, nomeadamente o telefone fixo e o telex, mas os serviços que envolvessem o uso complementar das infraestruturas de telecomunicações poderiam ser prestados por empresas públicas ou privadas, desde que devidamente licenciadas. Os actores que desejassem entrar neste mercado, nesta fase inicial, tinham que cumprir vários requisitos, mas a Lei de Bases previa que a utilização da rede pública para a prestação de serviços complementares fosse feita de forma a que as leis da concorrência não fossem distorcidas. Estas previsões legais não impediram, no entanto, as frequentes alegações de abuso da posição dominante por parte do Estado.

A implementação dos princípios previstos na Lei de Bases implicou o desenvolvimento e aprovação de inúmeros instrumentos legais. Apesar do enorme significado de que se revestiam estas mudanças, pode afirmar-se que houve um grande consenso politico-partidário quanto à necessidade e à inevitabilidade destas alterações. Tanto a criação do ICP como a liberalização dos serviços complementares e de valor acrescentado eram entendidos como o desenvolvimento natural deste sector. O ministro responsável pelo sector, Ferreira do Amaral, afirmou num discurso proferido no quinto Congresso da Associação Portuguesa para o Desenvolvimento das Comunicações (APDC), em 1994, que a liberalização era inevitável e que não se vislumbravam quaisquer alternativas a este movimento (in Sousa, 1996).

Para além da abertura gradual das telecomunicações a novos actores, o segundo governo maioritário de Cavaco Silva entendeu ainda que era necessário re-organizar o sector, que compreendia na época três operadores públicos: os Correios e Telecomunicações de Portugal (CTT), Telefones de Lisboa e Porto (TLP) e Marconi2. Estes operadores tradicionais estavam organizados, por razões históricas, numa base geográfica3, o que passou a ser entendido pelo governo como inadequado. Por isso, foi criada uma holding, Comunicações Nacionais (CN) que tinha a responsabilidade de coordenar o sector e de o preparar para a privatização. A CN

1 Formalmente, existia um ICP desde 1981, criado pelo Decreto-lei 181/81 de 2 de Junho, mas esta entidade não passou do

papel até 1989. Após a aprovação do Decreto-lei 283/89 de 23 de Agosto, o ICP foi efectivamente implementado.

2 Apesar da Marconi ser considerado um operador público, 49% das suas acções estavam nas mãos de privados.

3 Com a excepção de Porto e Lisboa, os CTT prestavam, para além de serviços de telecomunicações em todo o país, serviços de

longa distância para a Europa e Norte de África; os TLP prestavam serviços de telecomunicações em Lisboa e no Porto e a Marconi tinha o monopólio das comunicações por cabo e satélite para o resto do mundo.

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começou a operar em 1993, compreendendo cinco empresas públicas: os CTT (ramo dos correios), a Portugal Telelecom (PT) (ramo das telecomunicações da antiga empresa CTT), a Teledifusora de Portugal (TDP), os TLP e a Marconi.

A criação da CN foi defendida pelo seu responsável máximo, Cabral da Fonseca, como sendo a opção mais racional para o sector. As outras alternativas seriam a manutenção do cenário tradicional ou a fusão das companhias numa empresa de maior dimensão, mas - de acordo com Cabral da Fonseca - só esta solução traria pequenas desvantagens (v. Público, 9 de Dezembro de 1992). Esta perspectiva, porém, não iria vencer, uma vez que cedo a Portugal Telecom (então denominada Telecom Portugal) desenvolveu uma clara estratégica para se tornar o actor dominante das telecomunicações portuguesas. O presidente da PT, entre 1990 e 1992, tinha já defendido publicamente que Portugal precisava de um único grande operador de telecomunicações nacional (Expresso, 19 de Dezembro de 1992: Economia). No entanto, foi o presidente seguinte da PT, Luís Todo Bom (vice-presidente do Partido Social Democrata, então no poder) que persuadiu a CN e o governo de que só a PT teria condições para liderar o processo de reorganização do sector. O plano era a assimilação da TDP, dos TLP e da Marconi.

Apesar da feroz oposição da Marconi e de influentes figuras dentro do próprio governo, a fusão entre as quatro empresas de telecomunicações foi aprovada. No dia 20 de Novembro de 1993, numa longa entrevista ao jornal Expresso, Cabral da Fonseca, defendeu que era impensável mais do que uma empresa a prestar serviços básicos de telecomunicações num país com apenas dez milhões de habitantes. Num ambiente altamente competitivo, pequenas empresas estavam condenadas a desaparecer. Luís Todo Bom, o vencedor deste processo, também nunca apresentou claramente as razões pelas quais num país que tradicionalmente tinha três operadores de telecomunicações apenas um prestaria serviços de melhor qualidade. Em termos muito genéricos, afirmou que Portugal deveria seguir o modelo Holandês e que a criação de um único operador de serviços básicos de telecomunicações era essencial para combater a competição internacional, quando ocorresse a total liberalização do mercado entre 1998 e 2003 (Público, 10 de Setembro de 1993: 35).

De facto, nem o governo nem o operador que mais beneficiou com esta opção política, a PT, foram capazes de explicar o paradoxo de argumentarem simultaneamente a favor da liberalização e consequente entrada de novos actores no mercado e da concentração das empresas que levaram a cabo. Por um lado, defendiam que um mercado aberto e competitivo só poderia beneficiar o consumidor; por outro lado, defendiam que só um grande operador poderia enfrentar os desafios impostos pela liberalização.

Estando consumada a concentração das várias empresas públicas de telecomunicações numa só, o próximo passo dos sociais democratas no governo foi a privatização da PT. A este propósito, o ministro da tutela Ferreira do Amaral afirmou que - queiramos ou não - o sector das telecomunicações ficaria exclusivamente nas mãos de privados, porque as empresas públicas não tinham agilidade nem vocação para enfrentar o mercado. Numa comunicação apresentada no Congresso da APDC, em Novembro de 1994, Ferreira do Amaral explicou que as privatizações estavam a acontecer em todo o mundo e que ele não conhecia nenhum país que estivesse a pensar em nacionalizar. Pelo contrário, quase todos estavam a pensar em privatizar as suas telecomunicações.

Apesar destas afirmações, os responsáveis pelo sector nunca sentiram necessidade de fundamentar as vantagens da privatização, uma vez que estas eram entendidas como óbvias e naturais. Também nunca lhes pareceu necessário explicar as razões pelas quais os operadores públicos - cujos responsáveis máximos foram nomeados pelos sociais democratas durante uma década - não tinham capacidade de resposta no novo contexto. De qualquer forma, a primeira fase da privatização da PT foi, de facto, levada a cabo pelos sociais democratas.

A primeira fase da privatização da PT decorreu em Junho de 1995. Imediatamente após este processo, o Conselho de Ministros decide extinguir a CN, entidade que tinha coordenado a reestruturação do sector e que preparou a privatização da PT. Ferreira do Amaral afirmou - poucos meses antes das eleições legislativas de Outubro - que a CN tinha chegado ao fim precisamente porque tinha cumprido a sua missão (Público, 14 de Julho de 1995:32). Cabral da Fonseca, por seu turno, explicou ao mesmo jornal, no mesmo dia, que assistiria calmamente à evolução do sector, porque o essencial já estava feito e era irreversível.

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4. Como tivemos oportunidade de verificar, quando António Guterres chegou ao governo, as reformas estruturais no sector televisivo, radiofónico e na imprensa tinham sido já executadas. O programa do governo (Assembleia da República, 1995) demonstrava com clareza que não era intenção do governo inverter qualquer reforma e que as suas propostas não passavam de tímidos retoques a instrumentos legais e a organismos de regulamentação.

Considerando prioritário i) o direito à informação e as suas garantias institucionais, ii) a revitalização do tecido industrial do sector, iii) o rigor e a independência na gestão do sector público da comunicação social e iv) a presença activa nas relações internacionais, o primeiro governo de António Guterres propôs as seguintes medidas:

a) Uma nova Lei de Imprensa que garanta de forma inovadora a liberdade de informação e os direitos dos jornalistas;

b) Alteração da composição da Alta Autoridade para a Comunicação Social, passando os quatro membros cooptados pelos representantes do governo e da Assembleia da República a ser indicados por organismos representativos da opinião pública e da cultura;

c) Revisão das competências da Alta Autoridade para a Comunicação Social que deverá ter poderes mais amplos na salvaguarda da independência dos órgãos de comunicação social do Estado, na garantia da isenção do licenciamento dos novos operadores de rádio e de televisão; d) Alargamento às rádios locais do sistema de incentivos actualmente existente para a imprensa regional;

e) Revisão do Contrato de Concessão de Serviço Público que passará por um novo quadro de exigências para esta empresa e, simultaneamente, por um financiamento adequado à natureza do serviço público a prestar;

f) Estabelecimento de um Contrato de Concessão do Serviço Público de Radiodifusão entre o Estado e a RDP;

g) Garantia de independência dos serviços públicos de televisão e rádio, com modelos de gestão de representatividade social para as respectivas empresas;

h) Definição de uma política integrada que abranja o audiovisual, o cinema e as telecomunicações;

i) Alteração do estatuto jurídico e da estrutura do capital da LUSA;

j) Promoção da ratificação da Convenção Europeia de Televisão Transfronteiras; k) Incremento da coordenação dos serviços internacionais da RDP, RTP e LUSA;

l) Alteração de alguns dos objectivos e características da RTP Internacional, garantindo uma informação isenta e pluralista, uma maior participação directa das comunidades portuguesas e uma maior atenção à divulgação da língua e da cultura portuguesa e às relações com os PALOPs.

Ainda que estas propostas não impliquem qualquer mudança significativa ou ruptura com o passado, os media, em geral, e a televisão, em particular, constituem inevitavelmente uma arena de conflito político. Precisamente para tentar gerir de forma silenciosa as tensões inerentes a esta esfera, o governo criou comissões e organismos que deveriam estudar os diversos sub-sectores e contribuir para legitimar a sua intervenção. Assim, foram criadas, por exemplo, a Comissão de Reflexão sobre o Futuro da Televisão, a Comissão Inter-ministerial para propor acções nos sectores do cinema, audiovisual e telecomunicações, o Instituto da Comunicação Social (em substituição do Gabinete de Apoio à Imprensa) e o Conselho de Opinião da RTP.

Estes novos organismos e comissões não tiveram qualquer efeito concreto no desenvolvimento e implementação de políticas e os seus estudos e sugestões não têm tido outra função que não a promoção do diálogo. Aliás, nos últimos anos, tem-se assistido a uma progressiva fragmentação do poder na área da comunicação social. Não só aumentou o número de entidades ligadas ao sector como tem crescido, dentro do próprio governo, o número de actores que se pronuncia de forma diversa e, por vezes, contraditória sobre esta área.

Neste sensível sector, um dos problemas de mais difícil resolução herdado da legislatura anterior foi, sem dúvida, a RTP. A apressada abertura do mercado à iniciativa privada criou,

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conforme já referimos, grandes dificuldades à empresa e o Secretário de Estado da Comunicação Social, Alberto Arons de Carvalho, dizia-se disposto a dedicar-lhe grande atenção. Foram aprovados planos de reestruturação da empresa, foram colocados na Direcção da Informação profissionais conhecidos pelo seu rigor e independência, foi assinado um novo Contrato de Concessão do Serviço Público de Televisão. Estas medidas foram, porém, inconsequentes. A empresa não conseguiu resolver os seus problemas, registando-se, em vários planos, um agravamento da situação.

Ainda que o novo Contrato de Concessão, assinado em Dezembro de 1996, defina mais claramente os objectivos da RTP enquanto Serviço Público, esta clarificação não foi acompanhada das medidas necessárias para a viabilização deste projecto. A questão absolutamente crucial da dívida e do financiamento da empresa foi adiado. Para além de continuar sem taxa, este executivo reduziu, a partir de Janeiro de 1997, o volume de publicitário na RTP. A RTP1 passou a ter um máximo de 7,5 minutos de publicidade por hora e a RTP2 ficou sem anúncios comerciais. A esta medida não foram criadas quaisquer alternativas transparentes de financiamento do Serviço Público e a proposta do Secretário de Estado da Comunicação Social de financiar a RTP, através de uma percentagem do PIB, não passou disso mesmo.

As permanentes dificuldades da empresa, para as quais o executivo de António Guterres não encontrou resposta adequada, serviram de arma de combate para a oposição e para os restantes operadores privados. Estes criticavam frequentemente o apoio financeiro do Estado e a oposição, argumentando que a RTP não prestava um verdadeiro Serviço Público, defendia a sua privatização. No panorama audiovisual, tal como foi desenhado por Cavaco Silva e mantido pelo governo de António Guterres, a RTP está condenada à indefinição quanto ao projecto de Serviço Público e à inviabilidade financeira.

A aprovação de uma nova Lei da Televisão (31-A/98 de 14 de Julho) - apesar de abrir novas possibilidades - não veio contribuir para a resolução dos problemas existentes no sector televisivo. Esta lei introduziu alterações no acesso e no exercício da actividade televisiva. Pela primeira vez, a lei possibilitou a criação de canais locais, regionais e temáticos. Esta abertura permitiu que as estações existentes se associassem aos operadores de cabo e aos produtores internacionais de conteúdos televisivos no sentido de desenvolver novos projectos. A SIC, por exemplo, associou-se à rede Globo e à TV Cabo para a criação da Premium TV, entidade que começou a oferecer dois canais codificados de cinema (Telecine1 e Telecine2) a partir de Junho de 1998. A RTP, por seu lado, assinou um contrato com a TV Cabo e com Olivedespostos para a criação de um canal codificado sobre desporto, a Sport TV, que começou a operar em Setembro de 1998. De facto, a proliferação de canais temáticos (em regime de pay TV ou outro) veio fragmentar ainda mais as audiências, não contribuindo para a melhoria da situação financeira das estações de televisão hertziana.

Em Maio de 2000, Armando Vara, então ministro com a tutela da Comunicação Social, anunciou a necessidade da criação da Portugal Global, uma holding do Estado que agrupa a RTP, a RDP e a Lusa, para o desenvolvimento de sinergias a todos os níveis. Tal objectivo suscitou as maiores críticas mesmo dentro do próprio governo e Oliveira Martins que assumiu a pasta no final do ano reorientou a importância da Portugal Global no âmbito da evolução da Sociedade da Informação e definiu sinergias como «a integração, sob a forma empresarial, das participações do Estado» (Público 13 de Abril de 2001). Neste momento, a tutela está a considerar a hipótese de criar uma sub-holding para abrigar as empresas participadas da estação pública de televisão e alojar os novos negócios de produção de conteúdos para várias plataformas (internet, televisão digital). É também no âmbito da holding que está a ser trabalhada a reestruturação financeira da RTP com o Ministério das Finanças.

Na esfera radiofónica, foram igualmente introduzidas algumas alterações em instrumentos legais. Uma vez que, por dificuldades de natureza financeira e de recursos humanos, a maioria das rádios locais estava a operar em cadeia e sem qualquer produção própria, o governo de António Guterres reviu a legislação no sentido de obrigar todas as rádios locais generalistas a emitir seis horas diárias de programação própria, incluindo três noticiários. As rádios locais foram também contempladas com vários incentivos, nomeadamente apoio à modernização tecnológica, colocação de publicidade institucional e descontos nas telecomunicações. Na segunda legislatura, em 23 de Fevereiro de 2001, foi aprovada, na Assembleia da República a Lei da Rádio (Lei nº4/2001) que, para além de apresentar um quadro global para o funcionamento do sector, introduz algumas alterações relativamente às revisões anteriormente

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feitas. A título de exemplo, o número de horas de programação própria das rádios locais passa de seis para oito e as rádios locais via hertziana ficam obrigadas a emitir 24 horas por dia. O direito à informação (e suas garantias) e a independência do sector público faziam parte das grandes linhas do governo nesta área. O governo defendia a necessidade de desgovernamentalizar a comunicação social através do reforço das competências de uma entidade reguladora com uma composição mais independente, mediante garantias formais de pluralismo no sector público e reforçando os direitos dos jornalistas. Assim, a Lei da Alta Autoridade para a Comunicação Social foi alterada. Esperava-se que, com a nova composição dos seus membros e com o alargamento dos seus poderes, o prestígio e a credibilidade desta entidade reguladores fossem reforçados. A AACS operou, desde a sua criação, sem meios legais, humanos e financeiros para desempenhar um papel de relevo na área da comunicação social. A Lei de Imprensa (Lei 2/99) e o Estatuto dos Jornalistas (Lei 1/99) foram também revistos, numa tentativa de expandir o pluralismo e a independência. Apesar das revisões feitas a inúmeros documentos, está ainda por provar a eficiência destas medidas.

Apesar das formas bem diferenciadas de intervir politicamente nos media, tanto os governos de Cavaco Silva como o primeiro executivo de António Guterres deram grande importância às emissões internacionais da RTP e da RDP. As bases de uma política de divulgação da língua e da cultura portuguesas através das emissões internacionais dos órgãos de comunicação social públicos foram lançadas no início dos anos 90 (a primeira emissão da RTP Internacional foi transmitida no dia 10 de Junho de 1992), mas a intervenção nesta esfera foi-se consolidando na segunda metade dos anos 90. O canal RDP África foi inaugurado em Abril de 95 e o canal RTP África nasce - como desdobramento da RTP Internacional - em Janeiro de 1997. Ao contrário do canal RTP Internacional que se destina a todos os falantes da língua portuguesa, a RTP África destina-se aos 25 milhões de habitantes dos cinco países africanos de língua oficial portuguesa. O canal RTP África distingue-se também da RTP Internacional, porque as emissões são codificadas em Lisboa, sendo descodificadas nas capitais africanas para serem posteriormente re-transmitidas para os respectivos países, via terrestre.

O empenho dos últimos governos nas emissões internacionais está, aliás, bem patente não apenas nos programas dos governos, mas também nos dois Contratos de Concessão do Serviço Público de Televisão estabelecidos entre o Estado Português e a RTP. O Contrato de 1993 tem uma cláusula dedicada às emissões internacionais da RTP, mas o Contrato de Concessão de 31 de Dezembro de 1996 é mais pormenorizado. No âmbito dessa missão de serviço público, a RTP fica obrigada à emissão de programas de difusão internacional destinados aos portugueses espalhados pelo mundo e, em geral, a todos os que se exprimem na língua portuguesa. Concretamente no plano da programação, o contrato estabelece que a RTP deve contribuir, através das suas emissões internacionais, para a caracterização da identidade nacional e dos seus valores culturais, para a difusão da língua e o alargamento da solidariedade e cooperação com todos os povos comunidade lusófona. Os media foram considerados a ‘ponte’ necessária, senão indispensável, para dar corpo a um espaço de língua e para contribuir para a afirmação de Portugal no mundo.

5. Ainda que no seu livro As Reformas da Década (1995) Cavaco Silva tenha dedicado apenas três breves parágrafos às reformas das telecomunicações (enquanto que dedica integralmente o primeiro capítulo do seu livro à Comunicação Social), este sector sofreu igualmente grandes transformações durante os seus mandatos. Quando António Guterres chegou ao governo, propôs-se, uma vez mais, dar continuidade a um trabalho. No programa do seu governo (1995), fica clara a intenção de aprofundar o processo de liberalização do mercado das telecomunicações e de garantir uma cada vez maior competição nestes serviços. Para concretizar estes objectivos, o primeiro governo de António Guterres destacou as seguintes linhas programáticas:

- Promoção das medidas necessárias para que a regra geral da prestação de serviços de comunicação seja a concorrência;

- Liberalização progressiva dos serviços de comunicação, de acordo com as directivas comunitárias e a evolução do mercado;

- Estabelecimento de alianças com parceiros estrangeiros;

- Estímulo à conservação, criação e instalação em Portugal de indústrias produtoras de equipamentos;

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- Apoio ao lançamento de uma indústria nacional de criação de conteúdos, visando novas aplicações e produtos multimédia.

De particular importância foi, sem dúvida, o Decreto-lei 381-A/97, de 30 de Dezembro. Este decreto-lei estabeleceu um novo regime de acesso à prestação de serviços de telecomunicações. A partir da publicação deste instrumento legal, um vasto número de serviços de telecomunicações deixou de precisar de autorização por parte do Instituto de Comunicações de Portugal para entrar no mercado. À excepção do telefone fixo, redes públicas e serviços que impliquem a atribuição de frequências, todos os serviços de telecomunicações podem ser prestados sem a autorização do ICP, mas apenas com o registo nesta entidade reguladora do serviço a ser prestado. O princípio da liberdade de estabelecimento patente neste decreto-lei tem como principal objectivo a redução da burocracia e a facilitação da entrada de novos actores no mercado das telecomunicações. O decreto-lei 381-A/97 não corresponde apenas ao desejo do governo de aprofundar o processo de abertura do mercado das telecomunicações. Ele é, em si mesmo, a transposição de directivas comunitárias para a legislação nacional, nomeadamente a directiva 96/2/CE (comunicações pessoais e móveis), 96/19/CE (introdução de competição total no mercado das telecomunicações) e 97/13/CE (quadro comum para as autorizações e licenças no acesso ao mercado das telecomunicações) (Sousa, 1999b).

Este decreto-lei constituiu um importante passo no processo de abertura do mercado nacional das telecomunicações. No entanto, a liberalização total do mercado estava prevista apenas para Janeiro de 2000. Para que tal objectivo pudesse ser cumprido, o processo de licenciamento dos operadores de telefone fixo foi iniciado em 15 de Junho de 1999. No dia 10 de Agosto de 1999, o ICP atribuiu a primeira licença para operar telefone fixo à E3G - Telecomunicações, SA. Seis dias depois, a Sonae – Redes de Dados, SA. recebe também a sua licença. Entretanto, outras companhias apresentaram já as suas candidaturas e foram licenciadas para operar.

Ao contrário do sector televisivo, que tem enfrentado sérias dificuldades financeiras, o sector das telecomunicações esteve e continua a estar em ampla expansão. A PT tem apresentado lucros consideráveis e tem procurado re-organizar-se no sentido de se preparar para um mercado cada vez mais competitivo e aberto a novos produtos. Desta forma, a PT apresentou, em Julho de 1999, a holding PT Multimedia voltada para a televisão interactiva e a internet de alta velocidade, e que passa a integrar as seguintes empresas: TV Cabo, Páginas Amarelas, Telepac e PT Conteúdos. Os telefones móveis constituíram também um sub-sector de forte crescimento. A TMN e a Telecel dividiram este lucrativo mercado entre si até Setembro de 1998, quando entrou no mercado a terceira operadora de comunicações móveis, a Optimus do grupo Sonae. Em apenas três meses, a Optimus afirma ter conseguido 300 mil clientes.

É obviamente impossível estabelecer uma relação directa entre as políticas governamentais (e a actividade reguladora do ICP) e o desenvolvimento do mercado das telecomunicações. Nenhum governo determina o sucesso comercial dos serviços e produtos em oferta nem determina os padrões de consumo. No entanto, o quadro legal e regulador pode (ou não) condicionar o crescimento do mercado. Os actuais actores ligados às comunicações operam num ambiente legal e regulador que - por pressões internas e externas - começou a ser desenhado no tempo de Cavaco Silva. Hoje, devido à intervenção da União Europeia, o espaço de manobra dos Estados é cada vez menor e grande parte da actividade política e legislativa nesta esfera resume-se à transposição das directivas comunitárias para a legislação nacional. Se na área das telecomunicações não houve mudanças de grande significado na condução política do sector durante o primeiro mandato de António Guterres, o mesmo não pode afirmar-se em relação à chamada Sociedade da Informação. Pela primeira vez, um governo deu grande importância às tecnologias da informação. Argumentando que a competitividade das nações está intimamente ligada à forma como estas incorporam nos tecidos produtivo e social os avanços verificados no domínio tecnológico e, particularmente, aqueles que se verificam na área das tecnologias da informação (Assembleia da República, 1995), o XIII governo constitucional considerou marca distintiva e prioridade do governo a aposta na definição e aplicação de uma política de desenvolvimento das tecnologias da informação.

Mais concretamente, e de acordo com o seu programa governamental, este executivo pretendeu usar as potencialidades da nova realidade tecnológica para atingir os seguintes objectivos:

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b) Desenvolvimento da oferta e utilização das Tecnologias da Informação (TI); c) Utilização das TI para racionalizar/modernizar a Administração Pública; d) Formação para a Sociedade da Informação.

Em Abril de 1997, o governo apresentou publicamente o Livro Verde para a Sociedade da Informação. A apresentação deste documento constituiu um importante passo. A partir de então, sucederam-se as medidas políticas nesta arena. Foi desenvolvida uma rede científica nacional no sentido de aproximar os investigadores portugueses e incrementar a investigação e desenvolvimento; foram feitos esforços para garantir que, dentro de poucos anos, todas as escolas portugueses estariam ligadas à Internet; foram tomadas medidas para facilitar a integração das empresas nas redes globais e para facilitar o acesso dos cidadãos às redes telemáticas. Têm ainda sido implementadas medidas tais como acções de formação e criação de centros de tele-trabalho.

6. Ao longo deste trabalho, procurámos demonstrar que é impossível analisar os governos de António Guterres, sem uma leitura atenta das reformas introduzidas pelos governos anteriores. Na realidade, das telecomunicações à imprensa, todos os sub-sectores da comunicação social e das comunicações foram transformados pelos últimos executivos liderados por Cavaco Silva. As reformas, ainda que criticadas pelos socialistas quando estavam na oposição, estavam feitas e foi nesse contexto que os socialistas se movimentaram. O legado precisava de ser aperfeiçoado, mas parecia não haver alternativa clara às controversas transformações.

Ainda que as reformas estruturais estivessem feitas, o crescimento do poder e do número de actores envolvidos nos media e nas comunicações, o desenvolvimento da oferta e do consumo de produtos e serviços televisivos, informáticos e de telecomunicações contribuíram para uma intensificação da actividade reguladora nesta esfera. As privatizações, a liberalização dos mercados e a convergência tecnológica criaram novas exigências às diversas entidades responsáveis pela regulamentação dos órgãos de comunicação social e das telecomunicações. Pode, por isso, argumentar-se que nos últimos anos tem havido mais regulamentação, ou seja, definição de regras no sentido de implementar linhas de acção previamente definidas, do que

política, entendida como a definição das grandes linhas de acção de um governo.

Na área das telecomunicações e dos projectos desenvolvidos no âmbito da chamada Sociedade da Informação, é interessante notar que a intervenção governamental não suscitou grande controvérsia. Os desenvolvimentos nestes sectores tendem a ser entendidos como “naturais“. Pelo contrário, a intervenção política (ou falta dela) na esfera da comunicação social tem sido alvo de uma constante atenção da oposição e de várias associações quer de profissionais da área (ex: Associação dos Produtores Independentes de Televisão, Associação Portuguesa de Argumentistas, Associação de Realizadores de Cinema e Audiovisuais, etc.) quer de defesa dos consumidores dos produtos audiovisuais (ex: Associação de Telespectadores e Associação Portuguesa de Espectadores de Televisão). A atenção dedicada pelos próprios media, e pela sociedade em geral, à comunicação social tem vindo, de resto, a registar um crescimento constante, em nada alterado pelo significativo aumento do consumo dos produtos de telecomunicações e multimedia.

Naturalmente, o desenvolvimento das comunicações não depende apenas da acção governativa. O quadro político e económico concebido no tempo de Cavaco Silva e mantido no tempo de António Guterres permitiu o desenvolvimento de um conjunto de dinâmicas não totalmente controláveis por esses mesmos governos. Inúmeras transformações não resultam directamente de opções políticas. Estamos a falar do crescimento do número de actores nacionais e internacionais ligados às comunicações, do desenvolvimento dos grupos multimedia e da convergência tecnológica e, consequente, desenvolvimento de dinâmicas inter-sectoriais.

A liberalização dos diversos sub-sectores mediáticos e das telecomunicações permitiu a entrada de actores cujo acesso ao mercado estava vedado. Assim, na rádio, televisão e telecomunicações multiplicam-se as empresas e aumentam os investimentos. Paralelamente, aumentaram em número e em importância as entidades reguladoras, as associações de produtores e consumidores de conteúdos e os centros/associações de Investigação e Desenvolvimento (I&D). Aumentando a diversidade e o poder destes actores, o sistema de comunicações nacional tornou-se progressivamente mais complexo.

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O desenvolvimento de novos produtos e o acesso a novos mercados está também relacionado com um fenómeno que tem, em Portugal, maior expressão nos anos 90 - a criação de grupos multimedia. Para além do Estado e da Igreja Católica que tinham já o controle de vários órgãos de comunicação social impressos e electrónicos, a partir do início desta década começam a formar-se, através do lançamento de novos media, aquisições, fusões e acordos, verdadeiros grupos multimedia tais como a Impresa, a Lusomundo, a Media Capital e a Sonae.com. A formação dos actuais grupos multimedia foi possível, porque os mercados foram liberalizados e inúmeras empresas foram privatizadas. O poder político criou as condições para este crescimento, mas cada grupo desenvolveu as suas próprias estratégias de desenvolvimento. A convergência tecnológica - nomeadamente ao nível das telecomunicações, audiovisual e tecnologias da Informação - tem contribuído para a complexificação do mercado. De facto, os grupos multi-media procuram cada vez mais fazer alianças como empresas de telecomunicações e de novas tecnologias da comunicação. Por seu lado, mais do que nunca, as grandes operadoras de telecomunicações preocupam-se com conteúdos. A holding PT Multimedia, por exemplo, integra empresas com interesses no distribuição de sinal televisivo, na internet e na produção de conteúdos. A Lusomundo vendeu também, no início do ano 2000, uma parte importante do seu grupo à PT Multimedia. Estas movimentações não são exclusivas de Portugal, elas seguem padrões internacionais de fusão de empresas de conteúdos com empresas de telecomunicações e de acesso à Internet. A fusão da American Online com a Warner é talvez o melhor exemplo desta tendência.

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