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Nicolas Behr: uma viagem pela cidade de Brasília: extensões do sujeito e da poesia

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Academic year: 2021

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NICOLAS BEHR

UMA VIAGEM

PELA CIDADE DE

BRASÍLIA:

EXTENSÕES DO

SUJEITO E DA

POESIA

Gilda Maria Queiroz

Furiati*

* M estranda em Teoria da Literatura na Universidade de Brasília. Jornalista.

R ESU M O : O texto analisa os form atos usados por Nicolas Behr na produção

de seus poem as, que teve início na poesia m arginal dos anos 70, até a atualidade. Ao passar do mimeógrafo para o offset, e da máquina de escrever R em ington para o editor de texto, a linguagem p oética e o su jeito se transformam através de uma viagem por diferentes letras e corpos e pelo suporte físico da cidade de Brasília.

P a la v ra s -c h a v e : N ico la s B eh r, p o e sia m a rg in a l, te o ria das materialidades

A B ST R A C T : the text analyses the patterns used by Nicolas Behr in the

production o f his poems that began with the M arginal Poetry in the 70s until today. Going through the mimeograph to the offset, and from the Remington typewriters to the text editors, the poetic language and the subject transform themselves through a trip traced by different letters and bodies and by the physical structure o f the city ofB razilia.

K e y w o rd s : N ico la s B eh r, m a rg in a l p o e try , m a te ria litie s of communication theory

A p o é tic a de N ico la s B eh r p e rm ite um a ab o rd a g em considerando-se as duas fases de produção do poeta brasiliense. A prim eira - ligada à geração de poetas que surge nos anos 70 (também conhecida como poesia marginal) e que questiona o mercado editorial trad icio n al e a p rópria m ídia - resu lta num a co letân ea de nove livrinhos m im eografados, ainda em plena ditadura m ilitar; a outra - em cenário dem ocrático a partir da década de 90 - quando a fase artesanal sai de cena para dar vez a uma produção m adura e o poeta (aos 30 anos) se revela antenado à descoberta de novos suportes para a poesia contemporânea.

Estudos fu n d am en tad os na teoria das m aterialid ad es da com unicação possibilitam uma investigação da relação das formas textuais desta poesia com a evolução dos formatos gráficos usados - a impressão em mimeógrafo e em offset - e a incorporação de elementos físicos da cidade de Brasília como meios de extensão do próprio corpo para a obtenção de uma nova compreensão da atualidade. Ao fazer uma descrição histórico-literária que transporta o leitor ao reino de Castela, na Idade Média, Hans Ulrich Gumbrecht mostra as mudanças ocorridas na mentalidade da Espanha dos séculos XV e XVI como resultado da

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[...] todo m eio de com unicação novo em si m esm o tra n sfo rm a a m e n ta lid a d e c o le tiv a , im primindo-se na relação que as pessoas mantêm com seus corpos, com sua consciência e com suas açõ es. [...] Em n o sso c a so , n ão se trata sim p le sm e n te de a d m itir - com b a se nu m a dedução agradável aos estudiosos da literatura - que se pode estabelecer uma conexão entre um modo perform ativo e uma mudança nos meios de comunicação. Ao contrário, uma série de fatores nos perm ite estabelecer uma relação entre o novo meio e as políticas dos Reis C atólicos.21

G um brecht argum enta que sua reflexão remonta aos trabalhos de M arshall M acluhan ao estudar as m udanças dos "m eios de comunicação como elem entos constitutivos das estruturas, da articulação e da circulação de sentido." MacLuhan descreveu, no pioneiro A galáxia de Gutenberg, os modos pelos quais as form as de experiência e de visão e exp ressão m en tal foram m od ificad as, p rim eiro p elo alfab eto fo n ético e depois pela im pressão tipográfica. No livro, o precursor da teoria da materialidade cita um trecho de The Silent

Language, do antropólogo Edward T. H all, para explicar o fundam ento de sua proposta:

O homem hoje em dia desenvolveu para tudo que costum ava fazer com o próprio corpo, extensões ou prolongam entos desse mesmo corpo. A evolução de suas arm as com eça pelos dentes e p u n h o s e term in a com a b o m b a atô m ica . In d u m e n tá ria e c a sa s são e x te n sõ e s dos mecanismos biológicos de controle da temperatura do corpo. A mobília substitui o acocorar-se e sentar

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21 G U M BREC H T. M odern ização dos Sentidos, p. 71-72.

no chão. Instrumentos mecânicos, lentes, televisão, telefones e livros que levam a voz através do tempo e do espaço constituem exem plos de extensões materiais. [...] De fato, podem os tratar de todas as coisas materiais feitas pelo homem como extensões ou prolongam entos do que ele fazia com o corpo ou com alguma parte especializada do corpo.22

Transgressão no cerrado

O uso da cidade de Brasília (sempre em caixa baixa) como tem ática prim ordial na poesia de Nicolas Behr teve início ainda de forma tímida na época da produção dos prim eiros livrinhos alternativos das décadas de 70 e 80 - mas quando já se percebia a veia da crítica social e uma forte im pressão de lirismo. Inicialm ente o poeta usa o seu próprio corpo para contestar o poder imenso que a nova capital exercia sobre os m oradores do planalto central.

Prod u zid a num a m áqu ina de escrev er Rem ington quando o m enino nascido em Cuiabá, M ato Grosso, ainda tinha 18 anos - a prim eira coletânea de livrinhos - Iogurte com farinha, Grande

circular, Chá com porrada, Caroço de goiaba, Bagaço, Te am o 24 horas por segu n do - era d istrib u íd a pessoalmente em escolas e bares da capital federal, à margem do mercado editorial, como relata Carlos M arcelo ao traçar o perfil de N icolas Behr.23 Uma in v estid a co rp o -a-co rp o que se m ostro u bem su ced id a , v en d en d o m ilh a res de exem p lares durante a repressão política.

22 M acLU H A N . a G aláxia de G utenberg, p. 21-22.

23 C A R L O S M A R C E L O . C o le ç ã o B r a s ilie n s e s - v o lu m e l , perfil, p. 24.

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Nicolas Behr uma viagem pela cidade de Brasília: extensões do sujeito e da poesia

enfim , era preciso saber quanto cim ento será gasto num a ponte por onde ninguém

passará de m ãos dadas24

A estratég ia do poeta do cerrad o era aparentemente simples mas continha uma operação de transgressão implícita, a de se tornar um elemento de ligação entre uma situação de restrição, de censura (a da ditadura militar) e o cotidiano das p essoas, im p ed id as de m an ifestarem seus verdadeiros sentimentos diante da repressão política. Era como se N icolas - guardadas as diferenças h istó ricas - exercesse o p ap el atrib u íd o por Gumbrecht a Guilherme IX (o primeiro trovador), quando este, quebrando regras, "atrav esso u a fronteira entre a vida cotidiana e o jogo cortesão" para recitar às platéias a sua poesia provençal:

Se o retrospecto da história literária e a imaginação histórica investida nela não enganam, então esta realização com unicativa cujos traços subsistentes chamados de "lírica trovadoresca" foi experienciada durante um longo período como um excesso autorizado, como um cruzar de um limite para desem boca numa situação que suspendeu a agressividade da transgressão de determ inados "lim ites d e".25

Mesmo não se caracterizando como poesia engajada (com viés id eológ ico e p o lítico ), era in egável a postu ra de p ro vo cação e o tom de contestação nos versos carregados de situações do cotidiano e de expressões populares impregnadas

24 BEHR. Iogurte com Farinha.

25 G U M BRETC H . op. c itv p. 36.

de um hum or crítico, em bora ainda juvenil: "ser brasileiro é comer iogurte com farinha". Em apenas sete v o cá b u lo s, N ico las c o n seg u ia resu m ir a formação m ultifacetada do brasileiro, usando um jogo dialético de palavras que resulta da oposição sim bólica entre duas cu ltu ras tão d istan tes (o io g u rte e a fa rin h a re p re se n ta m re a lid a d e s distintas da sociedade brasileira).

Mas o confronto (real, entre uma cultura de consumo e a artesanal) é am enizado pela ausência de probabilidade da situação (a de com er iogurte com farinha) e acaba facilitando a "d igestão" pelo receptor. A leveza é, portanto, outra característica im portante desta nova poesia muito presente na poética de Nicolas. A retirada do peso em favor da lev eza tem um v a lo r de d e sta q u e , sen d o co n sid erad a a p rim eira p ro v a da h a b ilid a d e contem porânea, de acordo com as propostas de ítalo Calvino, quando escolhe um sím bolo para saudar o novo milênio. Para ele, a leveza na poesia estaria triplamente caracterizada: é levíssima, está em movimento e é um vetor de informação:

[...] a leveza para mim está associada à

precisão e à determinação, nunca ao que é vago ou

aleatório. [...]. Se quisesse escolher um sím bolo votivo para saudar o novo milênio, escolheria este: o salto ágil e im previsto do poeta-filósofo que sobreleva o peso do mundo, demonstrando que sua gravidade detém o segredo da leveza, enquanto aquela que m uitos julgam ser a vitalid ade dos tempos, estrepidante e agressiva, espezinhadora e estrondosa, pertence ao reino da morte, como um cemitério de automóveis enferrujados26.

26 CALVINO. Seis propostas para o próxim o m ilênio, p. 24 e 28.

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Não por acaso Behr via o país como filho > de im igrantes (o pai é alemão e a mãe, lituana) e assistia a uma fusão de culturas que se iniciava com a construção de Brasília. A impertinência dos p rim eiro s tex to s, em p len a v ig ên cia do A I-5, acabou levando o poeta à prisão e à abertura de um processo. Na dúvida sobre como definir os textos, a delegacia do DOPS qualificou de "livretos de cunho pornográficos". Nesta época de censura, com os m eios de com u n icação co n tro lad o s, a literatura assum e um duplo papel - o artístico, e uma função alternativa à contestação ao regime, como explica Flora Sussekind.27

se é para o bem de todos e felicidade geral da nação diga ao povo

que o buraco é m ais em baixo28 SQS

ou SOS? eis a questão!29

Na prim eira antologia da nova geração, H eloísa Buarqu e de H ollan da lem bra o recuo estratégico da geração 70 ao m odernism o de 22, cu jo d e sd o b ra m e n to e fe tiv o a in d a não fora suficientem ente perseguido. E observa um valor lírico na incorporação poética do coloquial (e da gíria) com o fator de inovação e ruptura com o discurso nobre acadêm ico (presente no

27 SU SSEK IN D . Literatura e vida literária, p. 114 28 BEHR. Caroço de goiaba.

29 BEHR. Grande circular.

parnasianismo e no concretismo). Ao listar as ca racterísticas dos au tores esco lh id os para figurar no livro, Heloísa Buarque enfatiza:

Se agora a poesia se confunde com a vida, as possibilidades de sua linguagem naturalm ente se desdobram e se diversificam na psicografia do absurdo cotidiano, na fragm entação de instantes aparentemente banais, passando pela anotação do mom ento político. [...] A freqüência de m etáforas de grande abstração convive com a agressão verbal e m oral do p alav rão e da p o rn o g rafia. N esta poesia, observe-se que o uso do baixo calão nem sempre resulta num efeito de choque, mas que, na m aior p arte das v ezes, ap arece com o d ialeto naturalizado e, não raro, como desfecho lírico.30

Com raízes muito fortes na contracultura, a nova poesia retoma projetos vinculados aos anseios do sujeito (o confessionalismo, o sentimentalismo) e sugere alternativas em relação ao futuro: "o que você vai fazer agora? / vou continuar vivendo, posso?"31 A variedade do cenário poético deste período - onde tudo se transforma em poesia - é bem retratada na análise de Alfredo Bosi, considerando a atual crítica literária:

(...) a poesia vale com o pura im ediação, explosão do d esejo, da paixão, do capricho individual, do sexo à flor da pele, do instinto de morte, dos lances do acaso e das contingências a que se reduz a maior parte de uma biografia. "Poesia", diz um desenvolto pós-moderno da Califórnia, "é tudo quanto eu quero chamar de poesia."32

30 H O LLA N D A . 26 poetas hoje, pp. 11-12. 31 BEHR. Chá com porrada.

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Nicolas Behr uma viagem pela cidade de Brasília: extensões do sujeito e da poesia

Entra em cena o offset e a editoração

Ao abandonar o uso do m im eógrafo pelo o ffset na décad a de 90, N icolas d esco bre um mundo de possibilidades tecnológicas que o novo suporte tipográfico permite explorar em associação à editoração eletrônica, potencializando nuances com o uso das letras em diferentes tam anhos de corp os e fon tes. E um a fase que apon ta para m udanças na com unicação com o público, como o resu ltad o que vem os nas p u b licaçõ es deste período e principalmente na fase mais recente, com

Poesília (2002), M enino D iamantino (2003) - livro todo ilustrado pelos seus três filhos - , Peregrino do

Estranho (2004) e Braxília Revisitada (2004). Para se manter alinhado aos traços da poesia marginal, Nicolas escolhe um tipo de letra que mais se assemelha às teclas de sua máquina de escrever. No plano do conteúdo, enquanto o humor se afina (em paz com a cidade), ao mesmo tempo verifica-se um exacerbamento da postura crítica contra o status

quo e uma denúncia con stan te contra o poder político, a burocracia e o descaso com a cidade.

eu engoli brasília em paz com a cidade, meu fusca vai

por esses eixos, balões e quadras, burocráticamente, carim bando o asfalto enviando ofícios de estima e consideração ao sr. diretor33

33 BEH R. Poesília, p. 26.

Esses efeitos gráficos são bem explorados na edição do I o volum e da Coleção Brasilienses. Reunindo grande parte da obra de N icolas Behr e trazendo uma entrevista e

ensaios sobre o autor, a publicação exibe uma diagramação que combina diferentes imagens do poeta misturadas aos poemas im pressos com o m áxim o de aproveitam ento da paginação e do b ra n c o d as p á g in a s , c ria n d o um im p acto multimídia onde ganham destaque os sentimentos de dualidade presentes na poesia de Nicolas.

De um lado o medo, a prisão e a solidão convivem ao mesmo tempo com ideais de liberdade e so lu çõ es que p riv ileg iam a sim p licid ad e - inspirados nos sentimentos e natureza, aspectos da poesia "ingênua e sentimental" tratada por Friedrich Schiller.34 A cidade que Nicolas Behr "engoliu" tem sem elh an ças com a v isão d escrita por C larice Lispector em suas crônicas sobre Brasília e que o poeta u sou , assu m id am en te, com o fon te de inspiração. É um lugar onde prisão e liberdade se confundem e coabitam no mesmo espaço:

Não chorei nenhuma vez em Brasília. Não tinha lugar. - É uma praia sem mar. - Em Brasília não há por onde entrar, nem há por onde sair. [...] Uma prisão ao ar livre. [...] Aqui é o lugar onde o espaço mais se parece com o tem po35

O jo g o e stético p erseg u id o p elo poeta brasiliense em sua produção independente (Behr produz e distribui até hoje seus próprios livros) está ligado ao conceito de perform ance de poesia - co n sid e ra d a p o r si só um in stru m e n to de

34 SCH ILLER. Poesia ingênua e sentim ental.

35 LISPEC TO R. Para não esquecer, pp. 42-3.

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mudança de com portam ento. Presença forte na poética de Nicolas, a performance era muito utilizada entre os grupos que atuavam na contracultura nas d écad as de 60 e 70, tan to no B rasil, com as artimanhas do grupo de poetas da Nuvem Cigana quanto nos circuitos alternativos na Inglaterra e nos Estados Unidos, com a beat generation.

O recital de poesia - ligado à oralidade - é um denom inador com um entre esses grupos e N icolas Behr, que criou fam a na capital federal pelos atos performáticos e a leitura de versos em voz alta no lançamento de livros. Fernanda Teixeira de Medeiros conta detalhes dos bastidores da primeira leitura pública de poesia, quando Allen Ginsberg, da beat generation, leu o longo poema Howl (Uivo) no dia 7 de outubro de 1955, na Six Gallery, em São Francisco, Estados Unidos. "M ais do que outro texto, traduziu o espírito de um m om ento que com eçava a an siar por m u d an ças, tornando a perform ance um sim bólico de todo o processo reivindicatório que ocorreria na década seguinte".36 Mas o que se afigurava com o provocação ao regime político da época, ganha outra dimensão na produção de uma poesia com contornos críticos definitivos na fase m adura de

Behr. Com o m anter o lirism o, evocar as pessoas e seus am ores numa cidade tão nova e já em d e c a d ê n c ia , um id e a l de re c o n s tru çã o frustrado: "logo depois - im possível não notar - estão as ruínas de B rasília", canta ele vinte anos depois. Surge então pelas lentes do poeta Braxília, que representa a cidade com uma utopia possível para a recriação do sonho, a p ossib ilid ad e de livrar o sujeito esmagado do peso da maquete e do autoritarism o criado na cidade planejada como

36 M EDEIRO S. Afinal, o que foram as Artim anhas da década de

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70: a N uvem Cigana em nossa história cultural, p. 12.

estratégia de ocupação do Brasil central. ver Brasília é ver através do olho mágico da porta do apartamento dor arquivada felicidade protocolada utopia adiada brasília é o fracasso mais bem planejado de todos os tem pos37

O poeta se dedica a construir seus versos como quem sintoniza uma freqüência ou acerta a medida dos tem peros de um receita: as tem áticas (a crítica contundente e o desnudamento do sujeito) brotam em baladas em poem as curtos e rápidos, suavizados por expressões coloquiais habituais do convívio e da intim idade do cotidiano de cada época. Destacam -se características essenciais da idéia de subjetivação, com o o sentim entalism o, o humor e a leveza - também inseridas na "literatura do e u ", com o d en o m in a F lo ra S u ssek in d . E, a n te n a d o , o le ito r de N ico la s se fu n d e n as transform ações da poesia-cidade.

a cidade é isso mesmo que você está vendo mesmo que você não esteja vendo nada38

37 BEH R. Braxília Revisitada, p. 22 - 33. 38 BEH R Braxília Revisitada, p. 9.

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Nicolas Behr uma viagem pela cidade de Brasília: extensões do sujeito e da poesia

a superquadra nada m ais é do que a solidão

dividida em blocos39

A compreensão do conceito de subjetivação encontra-se nos debates que Alain Touraine travou com Farh ad K h o sro k h av ar. N este co n tex to , Touraine elabora a sua proposta de construção da subjetivação na m odernidade - considerando as vias do am or, co n testação e p articip ação nos movimentos culturais e sociais - , tratando conceitos como a responsabilidade e a liberdade:

Quero que o próprio sujeito conquiste sua lib e rd a d e. N ão d e se jo , de m od o alg u m , que n os a ten h a m o s a um a ru p tu ra [...] d ev e-se re c o n s tru ir, e essa re c o n s tru ç ã o tem de ser feita inicialm ente no nível no indivíduo que se torna sujeito. [...] Num prim eiro m omento, lutei durante 30 anos para defender a idéia de ator, mas hoje me parece muito mais pertinente insistir na idéia de sujeito, pois só é ator quem se constitui como sujeito de sua própria vida e de seus atos. É importante ir ao coração das coisas, à noção central - a de sujeito [...] Se não houvesse a idéia de sujeito, não h av eria as id éias de d e ssu b je tiv a çã o , de massificação ou de com unitarização.40

Incorporação: poeta, poema e sujeito se

fundem na cidade

O processo de fusão do poeta com a cidade en con tra p a ra lelo em M ário de A n d rad e. Na

39 Ibid., p. 75.

40 TOURA IN E. A busca de si: diálogo sobre o sujeito, p. 95, 107, 110 e 111.

Paulicéia devairada, a cidade de São Paulo desfila como musa concreta e moderna, como analisa João Luiz Lafetá. "A vida m oderna desvaira o poeta e esse tra n sfe re seu d e sv a irism o p ara a v id a moderna":

Insisto nesses p orm enores apenas para destacar o procedim ento que é básico na Paulicéia desvairada: diante da paisagem citadina o poeta não registra sim plesm ente a face externa que seus olhos enxergam , mas procura em suas sensações, nas im pressões que a cidade deixa dentro dele, as marcas que revelem a im agem única e dúplice de ambos.41

Na brasília de N icolas Behr, a cidade se torna o próprio caminho (suporte físico) por onde o sujeito vivência a realidade adversa e reconstrói os sonhos da prom essa de futuro para uma nova geração . A v iag em p assa p elas en tran h as da cid a d e e im p rim e n o v o s se n tid o s q u an d o subm erge rum os aos endereços definidos pelos pon tos card eais (eixo s, b a lõ es, en treq u ad ras, q u ad ras, a p a rta m e n to s), tra fe g a n as v ias de circu lação da cid ad e (ô n ib u s-g ran d e circu lar, escada rolante, rodoviária e pontes e viadutos) e se re fle te n as m e tá fo ra s do p o d e r (p a lá cio s, m inistérios, carim bos, crachá, gram ado, buritis burocráticos).

desço aos infernos pelas escadas rolantes da rodoviária

de Brasília

41 L A F E T Á A r e p r e s e n ta ç ã o d o s u je ito lír ic o na P a u lic é ia

desvairada, p. 65.

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meu corpo boiando no óleo que ferve um pedaço do seu coração num pastel de carne42

O corpo do poeta (e sujeito) se inscreve de tal m aneira sim biótica na cidade, que as ações e as transform ações (perm anentes) da capital são c o m p a rtilh a d a s e to rn a m -se sim u ltâ n e a s: a deterioração é tanto da cidade, quanto do poeta, quanto do cidadão (chega-se ao inferno ao descer a escada rolante da rodoviária; o coração ferve no óleo como o pastel de carne). A denúncia não é um ato externo, com o distanciam ento jornalístico; o poema e o sujeito também são alvo de grilagem e da ocupação desenfreada, da exploração da terra.

as m udanças no plano piloto as m udanças em m im 43 dem arcar a área do poema no planalto central, tomar posse do poema, ocupá-lo, loteá-lo e depois abandoná-lo nesta página44

A p o e sia ex p a n d e as p e rce p çõ e s dos se n tid o s e im p u ls io n a o le ito r ru m o a com preensões dos novos tempos. No processo de figuração, o poeta resiste aos três poderes que

emanam do planalto e, inconform ado, lembra aos esquecidos que a literatura faz parte do terreno da imaginação, estando portanto compromissada com a liberdade e com os interesses do público.

o poema é área pública invadida pela im aginação45 42 BEHR. Poesília, p. 33. 43 BEHR.Bra.n7w R evisitada, p. 44 ---44 Ibid, p. 34 45 Ibid, p. 23

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Nicolas Behr uma viagem pela cidade de Brasília: extensões do sujeito e da poesia

REFERÊNCIAS

BIBLIOGRÁFICAS

BEHR, N icolas. Iogurte com farin ha (agosto de 1977), Grande

circular (1978), Chá com porrada (1978) Caroço de goiaba (1979), Poesília (2002), Braxília Revisitada (vol I - 2004).

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Referencias

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