CRIANÇAS EM SITUAÇÃO DE RISCO SOCIAL
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A PERCEÇÃO DOS DOCENTES
Maria José D. Martins, Instituto Politécnico de Portalegre, mariajmartins@esep.pt
Ana Cristina Figueira, Instituto Politécnico de Portalegre, cristina.figueira1978@hotmail.com
Resumo: Esta investigação teve como principais objetivos: conhecer a frequência de
alunos em situação de risco social, a frequentar o ensino Básico de um concelho situado no Alto Alentejo e identificar o tipo de risco que poderão estar viver, a partir das perceções dos seus docentes. A investigação pretendia ainda estabelecer a relação entre o risco percebido e variáveis como o género, ciclo de escolaridade; insucesso escolar; apoios sociais. Para o efeito adaptou-se o questionário para deteção de crianças em situação de risco social constituído por 4 subescalas: maltrato ativo, negligência, problemas emocionais, e condutas antissociais, e aplicou-se a todos os professores titulares do 1.º ciclo e a todos os diretores de turma dos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico. Cada um dos 15 docentes respondia a tantos questionários quantos os seus alunos. A amostra alvo correspondia a toda a população escolar dos três ciclos do ensino básico desse concelho, ou seja, os questionários reportavam-se a 232 alunos, com idades entre os 6 e os 18 anos. Os resultados obtidos permitem concluir que as situações de risco social mais frequentes eram a pobreza e as carências socioeconómicas dos alunos e suas famílias. Verificou-se também que as crianças percecionadas como estando em situação de maior risco social tinham mais insucesso escolar e eram beneficiários de ação social escolar. Os alunos do 3.º ciclo foram percebidos como estando em maior situação de risco social comparativamente aos outros.
Palavras chave: crianças, risco social, docentes
Introdução
Os maus tratos infantis existem desde a Antiguidade em todo o mundo e
embora na atualidade sejam encarados como verdadeiras desumanidades nessa
época eram vistos como comportamentos triviais e aceites pela sociedade. Ao
longo dos tempos as crianças foram abandonadas, vendidas como escravas ou
exploradas laboral e sexualmente. O infanticídio foi desde sempre praticado em
todas as culturas pois além de ser socialmente aceite era utilizado como uma forma
de eliminar todos os recém-nascidos fracos ou com defeitos físicos (Magalhães,
2004; WHO, 2002, 2006).
Contudo paralelamente a esta situação surgiam grupos de caráter
filantrópico e humanitário que advogavam a proteção e o bem-estar da criança.
No entanto, foi apenas no século XX que surgiram vários documentos internacionais
nos quais: se reconhece a criança como sujeito de direitos (a Declaração e a
Convenção dos direitos da criança); e se recomenda que se enfrente o problema
dos maus tratos à criança como um problema grave de saúde pública, que pode e
deve ser prevenido através da identificação de fatores de risco e de proteção no
indivíduo, nos seus contextos próximos (família, escola, bairro) e alargados (políticas
sociais, educativas e de saúde), minimizando-se os efeitos dos primeiros e
promovendo-se os segundos (WHO/ Organização Mundial de Saúde, 2002, 2006).
Segundo a International society for the prevention of child abuse and neglect
citada nos relatórios da Organização Mundial de Saúde (WHO, 2002, p. 59), após
comparadas as definições de 58 países, chegou-se à seguinte definição para este
problema: «O abuso infantil ou mau trato à criança inclui todas as formas de mau
trato físico ou psicológico, abuso sexual, negligência, bem como todas as formas de
exploração sexual, comercial, ou laboral, ou outras que coloquem em risco a vida,
a saúde, o desenvolvimento e a dignidade da criança no contexto de uma relação
de responsabilidade, confiança e poder». Posteriormente considerou-se ainda a
exposição a modelos de comportamento desviante como uma forma de mau trato
(de que é exemplo a exposição à violência conjugal).
Em Portugal, o sistema de proteção à infância está consagrado na lei n.º
147/99 de proteção de crianças e jovens em perigo que enquadra legalmente as
respostas ao problema da criança e/ou adolescente vítima de negligência ou de
maus tratos e na lei tutelar educativa n.º 166/99 de 14 de setembro que enquadra
respostas para situações de pré-adolescentes e adolescentes que pratiquem atos
de vandalismo ou sejam eles próprios perpetradores de maus tratos a outrém. Isto
significa que tem vindo a consensualizar-se que as crianças e/ou adolescentes
estão em risco não apenas quando podem vir a ser vítimas de maus tratos mas
também quando podem vir a ser elas próprias perpetradoras de maus tratos
(Carvalho, 2013; Martins, 2008, 2012). Distingue-se ainda entre situações de perigo
iminente, perigo efetivo e risco, no sentido em que o perigo iminente configura uma
situação de urgência, o perigo efetivo se diferencia do risco na medida em que
este último representa um perigo potencial para a saúde e bem estar da criança
em termos de probabilidade de ocorrência, enquanto que o perigo configura uma
situação concreta que determina ou uma intervenção tutelar ou uma medida de
promoção e proteção por parte dos tribunais ou das comissões restritas de
proteção de crianças e jovens (Carvalho, 2013).
A maioria dos autores (e.g., Alberto, 2010; Calheiros, 2006; CNPCJR, s/d;
Diaz-Aguado, 1999; Magalhães, 2004) é unânime relativamente aos diferentes tipos de
maus tratos a considerar: negligência, que consiste na falta de atenção às
necessidades da criança (ao nível alimentação, saúde, higiene, falta de supervisão
apropriada à idade) e que pode ser ativa e intencional, ou passiva e não
intencional, quando ocorre por incompetência dos pais; abuso físico ou mau trato
ativo, que consiste em qualquer ação não acidental (espancamentos,
queimaduras, etc) que provoca dano físico à criança; abuso emocional
(indiferença, crítica excessiva, humilhação constante da criança); abuso sexual
(envolvimento da criança em práticas sexuais desapropriadas à idade, desde
visualização e envolvimento em pornografia, passando por carícias nos orgãos
genitais da criança e do adulto, até à penetração oral, anal ou vaginal);
exploração comercial ou laboral e ainda tráfico de crianças.
Na avaliação das situações de mau trato deverá levar-se em conta: se
todas ou só algumas destas formas estão presentes; em que grau de gravidade se
apresentam; qual o seu impacto na criança ou jovem. O diagnóstico pode requerer
ou não exames médicos e psicológicos da vítima e uma avaliação social dos seus
contextos próximos, nomeadamente o familiar, pelo que qualquer intervenção
nesta área requer uma abordagem multidisciplinar. A avaliação dos casos deverá
procurar clarificar se os indicadores físicos e/ou emocionais apresentam um caráter
acidental ou não acidental (segundo estes se apresentam de forma continuada,
com lesões graves e são ou não congruentes com as explicações apresentadas
pelos cuidadores); se foram infligidos intencional ou não intencionalmente (o mau
trato pode ocorrer por ignorância, o que não desresponsabiliza totalmente os
perpetradores); identificar o contexto em que são infligidos os maus tratos
(família,
instituição); e ponderar as caraterísticas da criança (idade, estado de saúde)
(Carvalho, 2013; CNCJR, s/d; Magalhães, 2004).
Os resultados da investigação (e.g., Alberto, 2010; Calheiros, 2006;
Magalhães, 2004; WHO, 2002, 2006) sobre as consequências dos maus tratos são
igualmente consistentes, para além dos riscos de morte imediata, danos corporais
irreversíveis e maior probabilidade de transmissão intergeracional da violência, as
consequências no desenvolvimento incluem: problemas emocionais de vária ordem
(depressão, ansiedade, somatização de sintomas psicológicos) associadas
sobretudo à negligência, abuso emocional e sexual; perturbação de stress
póstraumático (quer dizer experiência invulgar súbita que envolve ameaça de
morte ou à integridade física do próprio ou de outros, provocando a médio ou
longo prazo pensamentos intrusivos e recorrentes sobre essa experiência, pesadelos,
insónias, angústia e medo intenso de situações similares), está associada sobretudo
ao mau trato físico e ao abuso sexual; condutas antissociais e deliquência, em
particular, na sequência de maus físicos e exposição a modelos desviantes.
A deteção e sinalização da negligência e do mau trato compete e pode ser
feita por todos os cidadãos mas é geralmente efetuada nos sistemas de saúde,
educativo e social. Os professores, em particular, pelo tempo que passam com as
crianças e adolescentes na escola constituem interlocutores privilegiados na
deteção de situações de negligência, mau trato, problemas emocionais e
condutas agressivas ou antissociais. Além de que podem implementar programas e
estratégias educativas que contribuam para a prevenção da violência e/ou
minorem o sofrimento das crianças que já experimentarm algum tipo de violência
(Diaz-Aguado & Arias, 1999; Martins, 2008, 2011).
Dada a gravidade e consequências deste tipo de problemas revela-se de
grande pertinência a identificação dos riscos associados a determinadas
comunidades e famílias, a fim de se eleborarem programas de prevenção primária
ou universal que evitem a emergência deste tipo de problemas e minorem os seus
impactos, nomeadamente pela promoção de fatores de proteção, ao nível da
escola e da comunidade. Neste sentido Diaz-Aguado e Arias (1999) desenvolveram
um instrumento para a deteção do risco social a partir da perceção dos docentes,
cuja finalidade é detetar crianças em situação de risco social, bem como
compreender os tipos de risco social a que estão sujeitas. Nesse sentido as autoras
elaboraram um questionário para deteção de crianças em risco social, destinado a
ser preenchido pelos professores, que revelou quatro subescalas após uma análise
fatorial: maltrato ativo, negligência, problemas emocionais, condutas antissociais
(Diaz-Aguado & Arias, 1999).
Assim, a presente investigação teve como principais objetivos: conhecer a
frequência de alunos em situação de risco social a frequentar o Ensino Básico de
um concelho situado no Alto Alentejo; identificar o tipo de risco que poderão estar
a viver (problemas sócio-económicos, maus tratos, negligência, problemas
emocionais e condutas antissociais), a partir das perceções dos seus docentes; e
verificar se existiam diferenças no risco social percebido em função de variáveis
como o sexo, ciclo de escolaridade, insucesso escolar e apoios sociais recebidos.
Metodologia
Participantes
Quinze docentes, 5 titulares do 1.º ciclo, 4 diretores de turma do 2.º ciclo, e 6
diretores de turma do 3.º ciclo do ensino básico, de todos os agrupamentos de
escolas situadas num determinado concelho do Alto Alentejo, responderam a
tantos questionários quantos os alunos, ou seja, por cada um dos alunos que
frequentavam um dos três ciclos do ensino básico, num total de 232 alunos. Destes
15 docentes, 6 eram do sexo masculino e 9 do sexo feminino, com idades
compreendidas entre os 35 e os 55 anos, e tempo de serviço entre os 6 e os 28 anos.
As respostas dos docentes incidiram sobre cada uma das crianças do total
da população escolar do agrupamento de escolas de um concelho do Alto
Alentejo, 136 do sexo masculino e 85 alunos do sexo feminino, com idades entre os 6
e os 18 anos, uma média de idades de 10.99 anos e um desvio padrão de 2.94 anos.
49 crianças encontravam-se a frequentar o 1.º ciclo, 35 frequentavam o 2.º ciclo, e
56 o frequentavam o 3.º ciclo do Ensino Básico. Destes 232 alunos, 51.06%
beneficiavam de algum tipo de ação social escolar (escalão A ou B).
Instrumento
Foi utilizada uma adaptação do questionário para deteção de crianças em
situação de risco social de Diaz-Aguado e Arias (1999) elaborada pelas autoras
deste trabalho. Este questionário é composto por 80 itens que se distribuem por 4
subescalas do seguinte modo: maltrato ativo (composta por 29 itens, por exemplo
parece ter medo dos seus pais); negligência (composta por 19 itens, por exemplo
apresenta um aspeto desnutrido); problemas emocionais (composta por 8 itens, por
exemplo
está triste) e condutas antissociais (composta por 24 itens, por exemplo
destrói as coisas dos outros). Os professores assinalavam uma de seis alternativas
para cada um dos itens sendo que 1 correspondia a ausência de comportamento
ou contexto de risco percebido e 6 à exibição de comportamento ou contexto de
risco elevado.
Foi analisada a consistência interna do instrumento com o alfa de Cronbach
tendo-se obtido um valor de 0.97 para a escala total, o que revela uma elevada
fidelidade. Nas subescalas os valores foram: no maltrato ativo 0.97; na subescala
dos problemas emocionais 0.86; na negligência, 0.91; e nas condutas antissociais
0.92, valores que revelam uma boa consistência interna, logo uma elevada
fidelidade das subescalas (Figueira, 2014).
Procedimento
Foi solicitada e obtida autorização ao diretor do agrupamento de escolas, e
o consentimento informado dos docentes, e foi garantida a confidencialidade dos
dados referentes a cada aluno, através da colocação de um código em
substituição do nome a fim de cruzar resultados nas diferentes variáveis. Os
questionários foram entregues aos docentes e após um período de tempo
concedido estes responderam no local e tempo que lhes era mais favorável e
foram depositando os questionários numa caixa que se encontrava na secretaria
da escola, sendo posteriormente recolhidos pela segunda autora deste trabalho. Os
dados apresentados reportam-se ao ano lectivo de 2013/2014 (Figueira, 2014).
Resultados
A tabela 1 apresenta as médias e os desvio padrão em função do sexo na
escala total e nas subescalas do questionário.
Tabela 1- Tipo de risco social percebido em função do sexo
Tipo de risco social Género N Média
Desvio padrão Valor mínimo Valor máximo Escala maltrato ativo Masculino 138 35.86 9.67 29 174
Feminino 87 35.66 11.03
Escala negligência Masculino 139 29.65 11.42 19 114 Feminino 92 27.30 11.42 Escala problemas emocionais Masculino 139 11.68 4.28 8 48 Feminino 91 11.75 5.55 Escala condutas antissociais Masculino 139 33.04 10.25 24 144 Feminino 90 31.93 10.23
Total escala Masculino 136 109.47 31.57 80 480
Feminino 85 104.41 34.89
Verifica-se que a média dos rapazes é mais elevada que a das raparigas na
escala total e na maioria das diferentes subescalas (à exeção da subescala dos
problemas emocionais) indicando maior uma perceção de risco social nos rapazes
comparativamente às raparigas, por parte dos docentes. Contudo após se aplicar
o teste t para amostras independentes concluímos que as diferenças, nas diferentes
subescalas individualmente consideradas, não eram estatisticamente significativas
e, em particular, não eram significativas para a escala total pois
t
(219/165.051)
=1.113 p = 0.267.
Em seguida foi analisada a relação entre os tipos de risco social percecionados
pelos docentes e o facto dos alunos serem ou não beneficiários de algum tipo de
ação social. Como se pode constatar através da tabela 2, adiante apresentada, os
alunos que beneficiam da ação social escolar são percebidos pelos professores
como estando mais expostos ao risco social, comparativamente aos que não
beneficiam de ação social escolar, nas quatro subescalas e na escala total.
Aplicou-se o teste
t para saber as diferenças entre os que beneficiam e os que
não beneficiam de ação social escolar são estatisticamente significativas na
subescala de maltrato ativo e verificou-se que
t
(223/98.518) = 3.787, p < 0.05, logo
as diferenças são estatisticamente significativas, no sentido de que os beneficiam
de ação social escolar são percebidos pelos professores como mais expostos ao
maltrato ativo.
Relativamente à escala da negligência, o resultado de t (229/212,588) = 4,251, p
<0,05, permite também concluir que as diferenças são estatisticamente
significativas, no sentido de que os beneficiam de ação social escolar serem
percebidos pelos professores como mais expostos à negligência.
No que concerne aos problemas emocionais, os resultados apurados para o
teste t(228/225.178) = 2.463, p <0.05, revelam que as diferenças são estatisticamente
significativas, no sentido de que os beneficiam de ação social escolar são
percebidos pelos professores como exibindo mais problemas emocionais.
Relativamente às condutas antissociais, verificou-se que t(227/222.400) = 2.184, p
< 0.05, logo as diferenças são estatisticamente significativas, no sentido de que os
beneficiam de ação social escolar são percebidos pelos professores como exibindo
mais condutas antissociais.
Por fim aplicou-se o teste t na escala total e verificou-se que
t
(219/209.826) =
3.609,
p <0.05, logo as diferenças são estatisticamente significativas, no sentido de
que os beneficiam de ação social escolar são percebidos pelos professores como
estando mais expostos ao risco social.
Tabela 2- Tipo de risco social percebido pelos docentes em função do aluno ser ou não beneficiário de ação social escolar (ASE)
Ação social escolar N Média Desvio padrão Escala maltrato ativo Beneficia de ASE 118 38.11* 11.77
Não Beneficia de ASE 107 33.21* 7.34 Escala negligência Beneficia de ASE 122 31.58* 12.88
Não Beneficia de ASE 109 25.51* 8.59 Escala problemas
emocionais
Beneficia de ASE 121 12.43* 5.22 Não Beneficia de ASE 109 10.89* 4.19 Escala condutas
antissociais
Beneficia de ASE 120 33.98* 11.23 Não Beneficia de ASE 109 31.08* 8.81 Total escala Beneficia de ASE 116 114.81* 36.35
Não Beneficia de ASE 105 99.47* 26.53
A tabela 3 apresenta as médias e desvios padrão na escala total e nas
diferentes subescalas em função do insucesso escolar (avaliado em termos da
obtenção de aprovação ou não no final do ano escolar em que este estudo foi
conduzido). Os resultados apresentados na tabela sugerem que a perceção de
risco social associa-se ao insucesso escolar em todas as subescalas, exceto na dos
problemas emocionais, e que a média na escala total dos alunos que tiveram
aprovação no final do ano escolar foi inferior à média dos alunos que foram
reprovados.
Aplicou-se o teste
t para saber se as diferenças entre aprovados e reprovados
eram significativas na subescala do maltrato ativo e verificou-se que
t (222/50.266)
=-1.371, p = 0.529, logo as diferenças não são significativas estatisticamente.
Relativamente à subescala da negligência, verificou-se que t (228/34,940) = -
4,214, p <0,05, logo as diferenças são estatisticamente significativas, no sentido de
que os alunos reprovados são percebidos como estando mais expostos à
negligência.
Tabela 3- Tipo de risco social em função do sucesso/insucesso escolar Sucesso
escolar atual N Média
Desvio padrão Escala Maltrato ativo Aprovado 193 35.42 10.53
Reprovado 31 38.13 7.66
Escala negligencia Aprovado 199 27.22* 10.22
Reprovado 31 38.45* 14.28 Escala problemas emocionais Aprovado 199 11.66 4.98 Reprovado 30 12.10 3.57 Escala condutas antissociais Aprovado 197 32.06* 10.25 Reprovado 31 36.19* 9.70
Total escala Aprovado 190 105.20* 32.66
Reprovado 30 122.80* 31.19
No que concerne à subescala dos problemas emocionais a aplicação do teste
t
(227/47.991) = - 0.467, p = 0.641 revela que as diferenças não são estatisticamente
significativas.
Relativamente à subescala das condutas antissociais, verificou-se que
t
(226/41.261) = - 2.187, p <0.05, logo as diferenças são estatisticamente significativas,
no sentido de que os alunos reprovados exibirem mais condutas antissociais,
segundo a perceção dos docentes.
Por fim aplicou-se o teste t na escala total e verificou-se que
t (218/39.735) = -
2.854
p
<0.05, logo as diferenças são estatisticamente significativas, no sentido de
que os alunos reprovados são percebidos pelos docentes como estando mais
expostos ao risco social.
A tabela 4 apresenta as médias e desvios padrão em função do ciclo/nível de
escolaridade. Verifica-se que a perceção de risco social aumenta com o ciclo/nível
de escolaridade. Contudo, apenas são estatisticamente significativas as diferenças
entre os dois primeiros ciclos e o terceiro ciclo do ensino básico, ou seja, houve
claramente uma perceção de risco social maior nas crianças do 3.º ciclo, de
acordo com os resultados obtidos com o teste ANOVA, uma vez que F (2,218)= 20.78
p = 0.00, seguido depois de uma análise Tukey que permitiu identificar quais eram
exatamente as diferenças entre ciclos de escolaridade que eram estatisticamente
significativas.
Foi ainda conduzida uma análise de médias e de frequências item a item
que colocou em evidência o tipo de itens assinalados pelos professores com valores
mais elevados. Os itens que obtiveram uma pontuação mais elevada foram cinco
itens da
subescala da negligência, nomeadamente:
tem um vocabulário pobre;
tem dificuldades para se expressar verbalmente; tem dificuldades de
aprendizagem; o seu trabalho escolar é pobre; tem muitas dificuldades em
concentrar-se; e os três seguintes itens da subescala das condutas antissociais: a sua
família carece de rendimentos; a sua família tem dificuldades económicas; goza
com os colegas.
Tabela 4- Tipo de risco social em função do ciclo/nível escolaridade
N Média DP
Escala Maltrato ativo
1.º ciclo 85 32.33 4.72 2.º ciclo 55 32.78 4.89 3.º ciclo 85 41.16* 13.86 Total 225 35.78 10.19 Escala negligência 1.º ciclo 89 26.12 10.30 2.º ciclo 57 26.49 12.10 3.º ciclo 85 32.93* 11.04 Total 231 28.72 11.45 Escala problemas emocionais 1.º ciclo 88 10.39 4.15 2.º ciclo 57 10.49 3.02 3.º ciclo 85 13.88* 5.62 Total 230 11.70 4.81 Escala condutas antissociais 1.º ciclo 86 29.15 8.25 2.º ciclo 58 30.71 8.09 3.º ciclo 85 37.39* 11.54 Total 229 32.60 10.24 Total escala 1.º ciclo 82 95.59 23.91 2.º ciclo 54 99.67 25.07 3.º ciclo 85 124.02* 37.86 Total 221 107.52 32.90
As médias obtidas nos diferentes itens oscilaram entre 1 (ausência total de risco
percebido, por exemplo no item: já falou pelo menos uma vez em suicidar-se) e 2.10
(no item: a sua família tem dificuldades económicas).
Conclusões e Discussão
Este estudo permite concluir que o questionário para deteção de crianças em
situação de risco social de Diaz-Aguado e Arias (1999) tem boas propriedades
psicométricas e permitiu identificar o tipo de risco social mais frequente no concelho
associa a perceção de risco social, por parte dos docentes. Poderá também auxiliar
os docentes a identificar crianças em situação de maior risco social, bem como
identificar a tipologia de risco associada a cada criança.
A negligência e as dificuldades sócio-económicas constituíram o risco social
mais frequente nesta população, apesar dos valores assinalados pelos professores
terem sido baixos na globalidade dos itens da escala. Congruente com este
resultado destaca-se o facto de mais de 50% dos alunos beneficiarem de algum
tipo de apoio social escolar. Estes dados vão no mesmo sentido que os de outros
estudos efetuados noutros contextos (Almeida, André & Almeida, 2001; CNCJR, s/d).
Mais especificamente, podemos concluir que neste Agrupamento de escolas as
situações de risco social mais percecionadas pelos professores foram: as
dificuldades e carências ao nível sócio-económico dos alunos e suas famílias; as
dificuldades de aprendizagem e expressão verbal exibidas por vários alunos e a
manifestação de comportamentos de
bullying relacional por parte de alguns
alunos.
A perceção de risco social por parte dos professores foi maior: nos alunos do 3.º
ciclo quando comparados com os do 1.º e 2.º ciclos do ensino básico, à
semelhança do que se verificou na investigação de Diaz-Aguado e Arias (1999); nos
alunos beneficiários de algum tipo de ação social escolar e nos alunos com mais
insucesso escolar (entendido em termos de reprovação no final do ano letivo em
que esta investigação foi conduzida), em particular, as médias nas subescalas da
negligência e das condutas antissociais eram mais elevadas nos alunos que
reprovaram de ano, de modo estatisticamente significativo. As diferenças entre
sexos não se revelaram significativas estatisticamente, pelo que se conclui que esta
variável não se associou à perceção de risco por parte dos professores, ao contrário
do que se verificou no estudo de Diaz-Aguado e Arias (1999), no qual os rapazes
eram percebidos como estando em maior risco social.
Estes dados podem assim contribuir para a identificação de grupos de risco e
para a elaboração de programas de prevenção primária e secundária da violência
e do insucesso escolar que, embora possam e devam envolver toda a comunidade
escolar, podem incidir particularmente na redução de riscos nos grupos percebidos
como mais vulneráveis (adolescentes do 3.º ciclo do ensino básico, famílias
carenciadas economicamente, alunos com dificuldades de aprendizagem) e na
promoção de fatores de proteção no agrupamento de escolas considerado
(Martins, 2009, 2011).
A utilização deste questionário em outros concelhos poderá eventualmente
contribuir para melhorar a sua estrutura, distribuição de itens pelas subescalas e
verificar se diferencia os riscos percebidos pelos professores em diferentes
agrupamentos de escolas, comunidades e concelhos, por forma a permitir elaborar
programas de prevenção da violência interpessoal ajustados às necessidades das
escolas, comunidades, famílias e crianças (Martins, 2007; 2013).
Referências
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Retirado dehttp://whqlibdoc.who.int/publications/2006/9241594365_eng.pdf.
Legislação consultada:
Lei n.º 147/99, de 1 de setembro. Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJ). Lei n.º 166/99 de 14 de setembro. Lei Tutelar Educativa.