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UNIVERSIDADE GAMA FILHO

DIREITOS DA PERSONALIDADE

FRANCISCO JOSÉ DA SILVA

RIO DE JANEIRO

2003

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UNIVERSIDADE GAMA FILHO

DIREITOS DA PERSONALIDADE

Monografia apresentada à Universidade Gama Filho como requisito parcial para conclusão dos Cursos de Pós-Graduação e Mestrado em Direito Público, Estado e Cidadania.

Francisco José da Silva

Orientador: Dr. Ricardo César Pereira Lira

Rio de Janeiro 2003

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“Los derechos de la personalidad no pueden ser separados, escindidios, de la persona, de la que no son sino una prolongación necesaria; más exactamente, no son susceptibles de cambiar de titular. Son, pues, intransmisibles”.

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SUMÁRIO Página I- INTRODUÇÃO...01 II. EVOLUÇÃO HISTÓRICA...03 III.-NATUREZA JURÍDICA...12 IV– TITULARIDADE...15 V – OBJETO...22 VI- CARACTERÍSTICAS...26 1-Direitos inatos...26 2 – Direitos Vitalícios...28 3 – Direitos absolutos...29 4- Direitos relativamente indisponíveis...29 5- Direitos extrapatrimoniais...31 6 – Direitos intransmissíveis...32 7- Direitos irrenunciáveis...33

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VII – CLASSIFICAÇÃO...35

1 – Integridade física...38

2- Integridade intelectual...43

3- Integridade moral...43

VIII – PROTEÇÃO AOS DIREITOS DA PERSONALIDADE...49

IX – OS DIREITOS DA PERSONALIDADE E O CÓDIGO CIVIL...57

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I - INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por finalidade fazer uma abordagem acerca dos direitos da personalidade incluídos na Parte Geral, Título I, Capítulo II do atual Código Civil Brasileiro, o qual na verdade não apresenta novidade em relação ao tema, uma vez que o Anteprojeto de 1.963, de autoria de Orlando Gomes  portanto, antes do advento da atual Constituição , consagrou inúmeros desses direitos nos artigos 29 a 371, estabelecendo regras para proteção aos direitos da personalidade. Já nos artigos 38 a 44, o Anteprojeto dispunha acerca de normas sobre proteção ao nome como um direito à identidade, integrante da tutela à integridade moral, sendo que tais disposições foram mantidas na revisão de 1964, precisamente nos artigos 28 a 43.

Os direitos da personalidade, quando protegem o ser humano, podem também ser chamados de direitos do homem, direitos fundamentais ou direitos personalíssimos, porque visam proteger o ser humano, não obstante estendam sua proteção também às pessoas morais, contra atos do Estado e de particulares, preservando sua

1 Orlando Gomes, na exposição acerca da reforma do Código Civil, consigna: “Seria impossível a um

Código hodierno, imbuído dessa filosofia, não emprestasse relevo aos direitos da personalidade, que os reconhecidos tradicionalmente, como o direito à vida, à liberdade e à honra, que os que surgiram como expressão de novas exigências da vida social. O direito ao trabalho, o direito à intimidade, o direito à própria imagem, o direito de constituir família constituem interesses que, dentre outros, reclamam tutela, não apenas em disposições de direito público, mas também em preceitos de direito privado, porque revelam aspectos inéditos na expansão da personalidade individual” GOMES, Orlando. A Reforma do

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integridade física, moral e intelectual. Como afirmava Pontes de Miranda2: “Direitos de

personalidade são todos os direitos necessários à realização da personalidade, à sua inserção nas relações jurídicas.”

Não obstante a relevância do tema, porque o direito se justifica em razão da existência humana, veremos que nos planos doutrinário e legislativo a matéria é de certa forma recente, já que são do final do século XIX os textos que passaram a dispor mais amiúde acerca dos direitos de proteção ao ser humano. Na doutrina, ver-se-á que o tema ainda suscita inúmeras discussões acerca da natureza jurídica, classificações e extensão da proteção dos direitos da personalidade.

No Brasil, o Código de 1916 não regulamentou a matéria devido ao entendimento de grande parte da doutrina, no sentido de que tais direitos não poderiam ser considerados como direitos subjetivos, posto que o titular seria também objeto dos mesmos direitos, não podendo, portanto, ser positivados no texto do código3 .

A occasio legis4 que levou o legislador a incluir os direitos da 2 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. Atualizado por Vilson Rodrigues Alves. Parte especial

tomo VII – Campinas : Bookseller, 2000. P 39.

3 José Carlos Moreira Alves, no artigo “A parte geral do projeto do Código Civil”, publicado na revista nº

9 do Conselho da Justiça Federal, justifica a ausência dos direitos da personalidade no Código de 1916, ar argumento que na época em que o código foi elaborado ainda se discutia se havia direitos da personalidade, porque forte corrente doutrinária não admitia que o ser humano fosse titular do direito subjetivo e ao mesmo tempo objeto deste direito, disponível em http://www.cjf.gov.br. revista nº9/artigo1.htm (22.07.2002).

4 Sobre este tema discorreu o Professor Ricardo César Pereira Lira, em debate sobre o novo Código Civil na

“EMERJ”, com o título: Alguns Aspectos do Direito das Obrigações no Novo Código Civil: “Então, a

occasio legis do Novo Código, que entrará em vigor em janeiro de 2003, resulta primeiro da necessidade de transladarmos para o patamar da legislação ordinária todas aquelas disposições que estiveram refletidas em matéria de propriedade, de família e até, de contrato, na Constituição de 1988, bem como a necessidade de reintroduzirmos no ordenamento institutos úteis como por exemplo o direito de superfície,

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personalidade no Direito Positivo foi sem dúvida alguma o advento da Constituição Federal de 1988, que em seu art. 1º, incisos II e III, estabeleceu como princípios fundamentais da sociedade brasileira a cidadania e a dignidade da pessoa humana, e dispôs no artigo 5º, Título II, que trata dos Direitos e garantias Fundamentais, vários direitos alusivos à personalidade humana, criando, como afirma Gustavo Tepedino5 “uma cláusula geral de

tutela e promoção da pessoa humana”.

II – EVOLUÇÃO HISTÓRICA

A preocupação para a proteção da integridade da pessoa humana é muito antiga, embora não haja muitos textos legislativos sistematizados neste sentido, havendo, contudo, textos fragmentados em legislações antigas protegendo direitos do homem6. O que na verdade não se encontra é um sistema de proteção generalizado da pessoa nos seus atributos pessoais7.

ou de regularmos objetivamente situações que, embora admitidas, não estavam expressamente previstas, como de assunção de dívida.”

5 Neste sentido: “Com efeito, a escolha da dignidade da pessoa humana como fundamento da República,

associada ao objetivo fundamental de erradicação da pobreza e da marginalização, e de redução das desigualdades sociais, juntamente com a previsão do § 2º do art. 5º, no sentido da não exclusão de quaisquer direitos e garantias, mesmo que não expressos, desde que decorrentes dos princípios adotados pelo texto maior, configuram cláusula geral de tutela e promoção da pessoa humana, tomada como valor máximo pelo ordenamento.” TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. – Rio de Janeiro : Renovar,

1999. p. 48

6 Neste sentido o antigo Código de Hamurabi, parágrafos 195/197 e 202.

7 Diogo Leite de Campos, afirmava que somente eram tidas como pessoas individualizadas em sua

subjetividade na sociedade antiga aquelas que ocupassem os primeiros papéis na sociedade, ou fossem os grandes heróis das guerras ou os vencedores dos jogos. CAMPOS, Diogo Leite de. Lições de Direitos da Personalidade. In Boletim da Faculdade de Direito, vol. LXVII. Universidade de Coimbra, 1991, p. 134. Gustavo Tepedino afirma que os direitos da personalidade são de construção recente, fruto de elaborações doutrinárias germânica e francesa da Segunda metade do século XIX. TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. – Rio de Janeiro : Renovar, 1999. p. 24.

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O conceito de personalidade não é visto como objeto de preocupação filosófica. Isto já acontecia no ciclo da civilização grega, desde o período arcaico, acontecendo também desta forma nos tempos de democracia e vida na pólis. Contudo o direito grego foi o que preliminarmente começou a proteger os direitos da personalidade com a idéia de hybris, que significava excesso, injustiça, justificando a sanção punitiva8, através das “dike kategorias”.

Os direitos da personalidade não foram tratados com minúcia no Direito Romano, o qual não previa um termo específico para designar personalidade jurídica, capacidade jurídica e capacidade de fato9. A preocupação que se percebe para a positivação do direito em Roma não era o ser; ao contrário percebe-se a formação legislativa voltada para o ter, para os direitos patrimoniais.

Contudo, como o cidadão, máxime o cidadão romano que reunia os

status libertatis, statuts civitatis e status familiae, necessitava de proteção dos direitos

personalíssimos, valia-se então da “actio iniurarium”. Neste sentido, escreve Elimar Szaniaawski:10

“Assim, entendemos ter razão Castan Robeñas ao negar a existência dos direitos da personalidade, sistematicamente considerados, tal como o são atualmente, entre os povos antigos, e em especial no Direito de Roma. É de idêntica opinião Pontes de Miranda, ao afirmar

8 Cf. Francisco Amaral, que afirma que a filosofia grega deu a maior contribuição para a teoria dos direitos

da personalidade, com o surgimento do dualismo das fontes do direito, direito natural e direito positivo, o primeiro como ordem superior da natureza e o segundo por leis estabelecidas nas cidades, sendo o homem a origem e razão de ser da lei e do direito. AMARAL, Francisco. Direito civil : introdução. – Rio de Janeiro : Renovar, 2003. p. 255

9 Cf. CRETELLA JÚNIOR, J. Curso de Direito Romano. – Rio de Janeiro: Forense, 1996. pp. 82-89 10 SZANIAWSKI, Elimar. Direitos da Personalidade na Antiga Roma. In Revista de Direito Civil, vol. 43.

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que o Direito Romano desconheceu o direito ao nome e ao pseudônimo, vislumbrando apenas na Lex Visifothourum, VII, § 6, a preocupação de punir criminalmente a mudança do nome”.

Com a ocorrência de alguns fatos que marcaram a história da humanidade, v.g. o Cristianismo, a evolução natural das sociedades, nos âmbitos social, econômico, tecnológico, político, levou os homens a se preocuparem em positivar regras que protegessem a pessoa contra agressões externas, públicas ou privadas.

A idéia de que a proteção aos direitos do homem estava garantida pelo direito natural, sem necessidade de positivá-la, foi perdendo adeptos como conseqüência lógica da evolução das sociedades, que criaram economias de escala, estados liberais no plano econômico, arbitrários e autoritários no plano social. Esta evolução influenciou a formação do pensamento no sentido de que o homem precisava ser protegido das agressões contra sua pessoa, com a conseqüente elaboração de uma sistema legal que disciplinasse o reconhecimento e protegesse a integridade física, moral e intelectual da pessoa.

Não se pode negar que o Cristianismo teve fundamental importância para a difusão do pensamento acerca da necessidade de preservação da integridade do homem, doutrinando desde seus primeiros momentos o indivíduo como valor absoluto, ressaltando o sentimento de dignidade da pessoa humana, distinguindo-o da coletividade e atribuindo-lhe o livre arbítrio11.

Como corolário de fatos históricos que influenciaram na positivação dos 11 Cf. TOBENÃS, Juan Castan. Los Derechos del Hombre. Madrid : Reus, 1969, p. 41.

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direitos da personalidade, Francisco Amaral12 destaca o Renascimento e o Humanismo do século XVI, e o Iluminismo nos séculos XVII e XVIII, que reconhecem o homem como valor central dos sistemas jurídicos.

Como fontes importantes de regras para garantia dos direitos da personalidade, podemos destacar: a edição da Carta Magna de 1215, na Inglaterra, que reconheceu direitos próprios do homem; a Declaração da Independência das colônias inglesas na América do Norte, de 1.776; a Declaração dos Direitos do Homem da Revolução Francesa, de 1.789; a Declaração de Direitos, de 1.793; A Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1.948; a Convenção Européia dos Direitos Humanos, de 1.950; A Convenção Européia dos Direitos Humanos, de 1.968; e a Carta dos Direitos Fundamentais da União Européia, de 2.000.

A proteção ao homem prevista em tais declarações, pode-se afirmar, é conseqüência das arbitrariedades promovidas pelo poder constituído dos Estados, tendo sido as referidas declarações occasio legis para Constituições dos países democráticos, que assumiram, principalmente após as guerras mundiais, princípios de proteção da dignidade humana como valor fundamental do sistema jurídico, garantindo ao homem valores indispensáveis à sua sobrevivência. As Constituições alemã, portuguesa, italiana e brasileira são exemplos de constituições que estabeleceram tal princípio como fundamento na sistematização constitucional.

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Embora haja previsão nos textos constitucionais, é possível observar que nos textos de direito privado a proteção aos direitos da personalidade é mais lenta, como por exemplo o Código Civil francês de 1.804 que, sem defini-los, tutelou-os superficialmente. Os Códigos Civis português, (de 1.866) e italiano (de 1865) não os contemplaram, embora aquele tenha definido direitos à existência, à liberdade, à associação, à apropriação e à defesa, conforme artigos 359 a 367. O Código Civil alemão de 1896, no artigo 12 reconheceu o direito ao nome, e no artigo 823 impôs obrigação de reparação do atentado contra a pessoa. O Código Suíço de 1.907, nos artigos 29 e 30 protegeu o direito ao nome, fixou obrigação de indenização no atentado contra a pessoa, caracterizando como irrenunciável o direito à liberdade, consoante o artigo 28. O Código espanhol de 1.902 também determinou uma indenização em caso de ocorrência de danos à pessoa. Atualmente, o Código Civil português regula os direitos da personalidade nos arts. 70 a 81, e o Código Civil italiano nos arts. 5º a 1013.

No Brasil, as constituições brasileiras14 sempre preceituaram sobre garantias individuais, iniciando com a Constituição do Império, que no art. 179 descreveu nos 35 incisos acerca de “Direitos Civis e Políticos dos Cidadãos Brasileiros”, sendo que os direitos da personalidade ali descritos, v.g. liberdade, inviolabilidade de domicílio, segredo epistolar, etc. não abrangem os escravos e estrangeiros residentes no Brasil.

13 Cf. BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999.

p 32. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. vol. I. Teoria geral do direito civil. – São Paulo: Saraiva, 2002, p.118. AMARAL, Francisco. Direito civil : introdução. – Rio de Janeiro : Renovar, 2003. pp. 256-257.

14 Cf. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. – São Paulo: Malheiros Editores,

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Na fase republicana, a Constituição de 1.891, no Título IV, Seção II, “Declaração dos Direitos”, pela primeira vez estende os direitos e garantias individuais aos estrangeiros residentes no Brasil, estabelecendo no art. 78 que o elenco dos direitos consignados na Constituição é enunciativo. A Constituição de 1.934 apresentou algumas novidades, tendo com a primeira delas a inclusão dos direitos de nacionalidade e políticos aos direitos e garantias individuais no título das Declarações do Direito. A segunda, constante no título da Ordem Econômica e Social, elenca o princípio da inviolabilidade do direito de subsistência como fundamental, protegendo o sigilo de correspondência, inviolabilidade de domicílio, direito à propriedade intelectual, e abrangendo marcas, patentes e direito autoral.

A Constituição “polaca” de 1.937 limitou os direitos da personalidade, já previstos nas Constituições anteriores, consagrando direitos e garantias individuais com reserva, como se vê do art. 122, que preserva o direito à inviolabilidade de domicílio e de correspondência, reservando as exceções previstas em lei. A aludida Constituição ampliou as hipóteses em que se poderia aplicar a pena de morte, que não ficava restrita aos casos previstos na legislação militar para épocas de guerra, mas em lei especial, sendo tal disposição, sem dúvida alguma, o retrocesso na história dos direitos da personalidade.

Com o retorno ao estado democrático de direito em 1.946, foi promulgada a nova Constituição, que voltou a resguardar os direitos da personalidade, cujo Capítulo II do Título IV estabelecia os direitos e garantias fundamentais, preservando no art. 141 a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, etc. Vale ressaltar que o art. 145

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assegurava a todos o trabalho, possibilitando uma existência digna, estabelecendo que o trabalho é obrigação social.

A Constituição de 1.967, promulgada no período da ditadura militar, dispôs acerca dos direitos e garantias individuais no art. 150, preservando entre outros os direitos à vida e à liberdade, inviolabilidade de correspondência, sigilo de comunicações telegráficas e telefônicas, inviolabilidade de domicílio, etc. No período mais violento do governo militar, foi promulgada a Emenda Constitucional nº 1 de 17 de outubro de 1969, que manteve a previsão aos direitos da personalidade em seu art. 153. Todavia, no artigo seguinte limita o exercício desses direitos dispondo que: “O abuso de direito individual ou

político, com o propósito de subversão do regime democrático ou de corrupção, importará a suspensão daqueles direitos de dois a dez anos, a qual será declarada pelo Supremo Tribunal Federal, mediante representação do Procurador-Geral da República, sem prejuízo da ação cível ou penal que couber, assegurada ao paciente ampla defesa”.

A Carta de 1988 reinsere a democracia no Estado brasileiro e consagra como princípio fundamental a dignidade humana, elencando uma série de direitos como vida privada e intimidade, criando o que os americanos chamam de “privacy” e os italianos de “riservatezza”, e também garantias não previstas anteriormente, como: “habeas data”, mandado de injunção, etc. A Constituição Federal de 1988, reiterando direitos e garantias já consagrados e prevendo novos direitos e garantias da personalidade, estabeleceu, como afirma Gustavo Tepedino15 “uma cláusula geral de tutela e promoção 15 TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. – Rio de Janeiro : Renovar, 1999. p. 48.

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da pessoa humana”. Consigna Gilberto Haddad Jabur:16

“São direitos preenchidos de absoluta eficácia. Absoluta, como um plus à plena eficácia, porque intangíveis as regras constitucionais que as reveste. Porquanto contra elas nem mesmo há o poder de emendar. Daí conterem força paralisante total de qualquer legislação que, explícita ou implicitamente, vier a contrariá-las. Distinguem-se, portanto, das normas constitucionais de eficácia plena, que, apesar de incidirem imediatamente sem necessidade de legislação complementar posterior, são emendáveis.”

A proteção aos direitos da personalidade na legislação civil infra constitucional brasileira também evoluiu mais lentamente. O Código Civil Brasileiro de 1.916 não tratou da matéria, embora em algumas passagens protegesse direitos personalíssimos, como: o art. 666, X, que regulamentava o direito à imagem; o art. 671, parágrafo único, que versava sobre o segredo de correspondência, e os arts. 649-651 e 658, que dispunham sobre direitos do autor. A matéria foi também posteriormente tratada no Anteprojeto de Orlando Gomes, em 1.963 e na Revisão de 1.964, além de ser inserida no atual Código Civil, em seus arts. 11 a 21.

Como não era possível a ausência de regras de proteção aos direitos da personalidade na legislação infraconstitucional, exigência que se impunha naturalmente em decorrência das multifacetadas relações jurídicas, o legislador pátrio passou a restabelecer regras em leis extravagantes, como por exemplo: o Decreto nº 24.559/34, que protege a pessoa e seus bens dos psicopatas; a Lei nº 7.649/88, que dispõe sobre a cessão de

16 JABUR, Gilberto Haddad. Limitações ao direito à própria imagem no novo código civil. In DELGADO,

Mário Luis e ALVES, Jones Figueirêdo. Questões convertidas no novo código civil. – São Paulo: Editora Método, 2003, p. 31

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produtos biológicos, como sangue; o Estatuto da Criança e do Adolescente; a Lei nº 8.069/90, que regulamenta direitos fundamentais nos arts. 7 a 69; a Lei nº 9.434/97, que regulamenta o transplante de órgãos; e a Lei nº 9.610/98, que estabelece regras para proteção ao direito moral do autor.

No direito penal, o legislador pátrio tem sido mais cauteloso, tipificando mais amiúde os fatos criminosos que atentam contra os direitos da personalidade, como se vê no Código Penal de 1.940 e legislação esparsa, que pune agressões contra a vida, a saúde, a liberdade sexual, a honra, etc.

III – NATUREZA JURÍDICA

Dentre os direitos subjetivos, que de acordo com Roberto de Ruggiero17: “é um poder de agir segundo as normas do direito objetivo, que pertence à pessoa em

virtude dos ordenamentos jurídicos” dos quais o homem é titular. É possível distinguir

duas categorias: aqueles que são destacáveis da pessoa de seu titular (a propriedade, a posse, o crédito, etc.) e aqueles que são inseparáveis por serem essenciais à pessoa humana, por isso a ela vinculados vitaliciamente, não se podendo conceber nas sociedades democráticas contemporâneas uma pessoa humana que não tenha direito à vida, à liberdade física, moral ou intelectual, ao seu nome, etc.

A idéia de direitos subjetivos foi construída sob a ótica dos direitos 17 RUGGIERO, Roberto de. Instituições de direito civil – Campinas : Bookseller, 1999 p.263.

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patrimoniais, nos bens destacáveis da pessoa humana, cujo objeto do direito são os bens patrimoniais, tendo como titular desses direitos a pessoa física ou moral. A construção doutrinária dos direitos da personalidade não encontrou consenso entre os doutrinadores em decorrência da visão sedimentada de que o objeto do direito deveriam ser os bens e não o próprio homem, que seria o titular e o objeto do direito concomitantemente. Este dissenso doutrinário foi, como afirma José Carlos Moreira Alves18, responsável pela omissão da proteção aos direitos da personalidade no Código de 1.916.

O dissenso doutrinário acerca da natureza jurídica dos direitos da personalidade deu azo à criação de duas correntes antagônicas. A corrente que rejeitava tais direitos como subjetivos entendia que havia contradição evidente ao estabelecer na mesma pessoa titularidade e objeto do direito, o que poderia levar o titular a dispor da própria integridade física, suicidando-se ou mutilando o próprio corpo, sem que nada pudesse ser feito para impedir tal conduta. Nesta corrente, aliam-se Roubier, Unger, Dabin, Savigny, Thon, Von Thur, Ennecerus, Zitelmann, Crome, Iellinek, Ravà, Simoncelli, Oerteman, Cabral de Moncada e Orgaz. Por outro lado, defendiam a concepção dos direitos da personalidade como direitos subjetivos: Adriano de Cupis, Tobenãs, Raymond Lindon, Ravanas, Perlingieri, Limongi França, Milton Fernandes, Orlando Gomes, Ferrara, Venzi Mazzoni, Coviello, Planiol, Messineo, Guido Alpa, Capelo de Souza, entre inúmeros outros.19

18 MOREIRA ALVES, José Carlos .“A parte geral do projeto do Código Civil” Revista nº 9 do Conselho

da Justiça Federal, disponível em http://www.cjf.gov.br. revista n9/artigo1.htm (22.07.2002)

19 Sobre as correntes doutrinária e seus defensores cf.: BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da

personalidade – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999. pp 4-5. FIUZA, César. Direito civil: curso completo. – Belo Horizonte: Del Rey, 2003. pp. 134-136. GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. – Rio de Janeiro: Forense: 1986. pp. 129-130. OLIVEIRA, J.M. Leoni Lopes de. Teoria Geral do Direito

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A tese prevalecente, como afirma Carlos Alberto Bittar20, é a da corrente positiva, ou seja, a que afirma serem os direitos da personalidade direitos subjetivos que têm por objeto os bens e valores essenciais da pessoa, em seus aspectos físico, moral e intelectual, que são a vida humana, o corpo humano na sua integridade e nas suas partes quando separadas, a honra, liberdade, recato, imagem, nome, liberdade de pensamento, direitos do autor e do inventor.

Como já consignado alhures, é antiga a preocupação da pessoa humana contra as agressões do poder público, embora não haja muitos textos legislativos neste sentido. Sob este prisma, os direitos da personalidade se situam no direito público, pois o que se almeja é defendê-los contra a arbitrariedade do Estado.

Contudo, não é apenas contra o Estado que se pretende proteger os direitos personalíssimos. Há necessidade também de estabelecer regras para proteção de tais direitos no campo do direito privado, encarando-se as relações entre as pessoas físicas ou jurídicas de direito privado, a fim de evitar que o particular utilize indevidamente a imagem, a voz, um bem de produção intelectual de outrem, viole sua vida privada ou não reconheça relação jurídica prevista em lei.

Portanto, pode-se afirmar que os direitos da personalidade são direitos Civil. vol. 2. – Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000, pp. 176-179. RUGGIERO, Roberto de. Instituições de direito civil – Campinas : Bookseller, 1999 p.442. TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. – Rio de Janeiro : Renovar, 1999. p. 25.

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subjetivos que estão situados no âmbito do direito público quando há conflito de interesses com o Estado, v.g., agressão ao estado civil político, e no âmbito do direito privado quando o conflito de interesses é entre particulares, v.g., ação de investigação de paternidade c/c alimentos e acréscimo do patronímico familiar paterno, etc.21

IV- TITULARIDADE

Titulares dos direitos da personalidade são todos os seres humanos no ciclo vital de sua existência, isto é, desde a concepção, como decorrência da garantia constitucional do direito à vida22. No estudo da abrangência dos direitos da personalidade, é preciso distingui-los da personalidade como capacidade genérica do homem de poder adquirir direitos e contrair obrigações23, uma vez que, de acordo com a legislação civil, a personalidade somente é adquirida com o nascimento com vida, enquanto os direitos da personalidade irradiam efeitos ainda antes do nascimento. Neste sentido, observa-se que o atual artigo 2º do Código Civil e o artigo 4º do código revogado estabelecem que os 21 Neste sentido, Carlos Alberto Bittar afirma que no âmbito do direito privado são denominados liberdades

públicas e, no âmbito do direito privado, são denominados direitos da personalidade. BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999. p 3, e ainda: FIUZA, César. Direito civil: curso completo. – Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p 134. RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, vol. I, parte geral – São Paulo: Saraiva, 2002, p.62.

22 Cf. AMARAL, Francisco. Direito civil : introdução. – Rio de Janeiro : Renovar, 2003. p. 253.

OLIVEIRA, J.M. Leoni Lopes de. Teoria Geral do Direito Civil. vol. 2. – Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000, p. 180. BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999. p 13.

23 Neste sentido é a lição de San Tiago Dantas: “Quando penso nos direitos da personalidade, estou

pensando na vida, na honra, na liberdade, na integridade corpórea, coisas que não são todas elas adaptáveis à simples capacidade de Ter direitos e obrigações. Quer dizer que a palavra personalidade pode ser tomada em duas acepções: numa acepção puramente técnico-jurídica ela é a capacidade de Ter direitos e obrigações e é, como muito bem diz Unger, o pressuposto de todos os direitos subjetivos; e numa outra acepção, que podemos chamar acepção natural, ela é o conjunto dos atributos humanos. Aquele pressuposto pode perfeitamente ser objeto de relações jurídicas.” DANTAS, San Tiago. Programa de

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direitos do nascituro estão preservados desde a concepção24.

Desta forma, quando a lei penal pune a gestante ou o terceiro que pratica aborto, está na verdade protegendo os direitos da personalidade do nascituro, alusivos à sua integridade física ou psíquica25, e não direitos da própria gestante. Assim é a orientação de Pontes de Miranda26:

“Direito absoluto de integridade não é só de integridade física, também o é o de integridade psíquica. Tal direito se resguarda ao nascituro, desde a concepção, inclusive mediante os atos tendentes a se evitar que alguém, ou a própria mãe, ingira substância que possa perturbar ou sacrificar o desenvolvimento psíquico do nascituro. O direito de integridade psíquica é inato, no sentido de direito que nasce antes do nascimento da pessoa”.

A personalidade humana extingue-se com a morte e, de acordo com os arts. 6º e 7º do atual Código Civil Brasileiro, também pode ser extinta com a ausência ou morte presumida. Pode-se afirmar, não obstante, que os direitos da personalidade irradiam efeitos “post-mortem”, como ocorre nos casos do direito ao corpo, à imagem, ao direito moral do autor e no direito à honra, cabendo aos herdeiros a sua defesa contra terceiros27. 24 Neste sentido cf. PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil. – Rio de Janeiro: Renovar. 2002. p.

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25 Arnaldo Rizzardo anota: “ O direito à vida não permite o aborto, pois dando-se a concepção, há uma

nova vida, surge um indivíduo novo.” RIZZARDO, Arnaldo. Parte Geral do Código Civil. – Rio de

Janeiro: Forense, 2002. p. 145. No mesmo sentido escreve Roberto Rosas: “O Direito da Personalidade vai

surgir em decorrência de um princípio constitucional do respeito à vida, a partir da concepção, protegendo, assim, o nascituro. Em conseqüência, derivam-se outros aspectos do Direito da Personalidade, como o direito ao nome, à imagem e à intimidade, proteções que a Constituição explicitamente traz e resguarda.” In “Direito Civil e Constituição. Relação do Projeto com a Constituição”. publicado na

revista nº 9 do Conselho da Justiça Federal, disponível em http://www.cjf.gov.br. revista n9/artigo1.htm (22.07.2002). Esta é também a posição de GAGLIANO Stolze Pablo e FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de direito civil : parte geral. – São Paulo: Saraiva, 2002. p. 149.

26 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. Atualizado por Vilson Rodrigues Alves. Parte

especial, tomo VII – Campinas : Bookseller, 2000. p. 54. Que também defende a aplicação dos direitos da personalidade ao nascituro no caso de crime contra a honra, pp. 72-73.

27 Neste sentido cf. PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil. – Rio de Janeiro: Renovar. 2002. p.

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O fato de os direitos da personalidade ultrapassarem o ciclo da vida humana comporta discussão doutrinária, por entenderem alguns autores que, ocorrendo a morte, encerram-se os direitos da personalidade no falecido, e que as agressões

“post-mortem” são consideradas contra os sucessores do morto, que agem em nome próprio,

como se as lesões fossem diretamente a seus direitos. Neste sentido é a posição de Pontes de Miranda28: “Com a morte, cessam os direitos, inclusive os direitos da personalidade.

Morto não tem direitos, nem deveres”.

É certo dizer que, com a morte, desaparece a personalidade; contudo, é plausível conceber a idéia de que os direitos da personalidade extinta podem irradiar efeitos mesmo após a morte do titular. Assim, como o titular já faleceu, podem seus parentes ajuizarem ações visando impedir a lesão, fazê-la cessar e ainda pleitear indenização que seria devida ao ofendido. Tal hipótese foi prevista pelo legislador português, que no artigo 71 do Código Civil estabeleceu: “Os direitos da personalidade gozam igualmente de

proteção depois da morte do respectivo titular”29. Em seguida, dispôs quais os parentes que

podem tomar as providências cabíveis para evitar a consumação do dano, da ameaça, ou atenuar os efeitos da ofensa já cometida.

No Brasil, o art. 12 e seu parágrafo único, do Código Civil, induz ao entendimento de que há irradiação dos direitos da personalidade após a morte, podendo a 28 Ob. cit. p. 70. O mesmo autor, às fls. 89, com citação de doutrina alienígena fundamenta sua posição no

sentido de que as lesões após a morte ofendem a direito dos parentes próximos.

29 Neste sentido: FERNANDES, Luis A. Carvalho, Teoria Geral do Direito Civil – Introdução

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defesa ser manejada pelo cônjuge ou parentes integrantes da sucessão hereditária30. A propósito é a lição de Fábio Ulhoa Coelho31:

“Desse modo, a expressão “direitos do falecido” só pode ser uma referência à proteção post mortem de determinados interesses extrapatrimoniais que a pessoa tinha enquanto viva. São alguns dos direitos da personalidade cujos efeitos se projetam para além da morte do titular. Quando alguém ofende, por exemplo, a honra de uma falecido, pode ser responsabilizado. Titular do direito ofendido, nesse caso, só pode ser a pessoa morta, não porque esteja em condições de adquirir direitos (que, realmente, não está) mas porque, enquanto era vivo, tinha o interesse correspondente juridicamente protegido como tal.”

Na doutrina brasileira vários outros autores se posicionam no sentido de que os direitos da personalidade sobrevivem em alguns casos ao seu titular, entre os quais: Orlando Gomes32, J.M. Leoni de Oliveira33, Arnaldo Rizzardo34, César Fiúza35, Francisco Amaral36, Carlos Alberto Bittar37, Maria Helena Diniz38, Gustavo Tepedino39, Fábio Maria de Mattia40, etc. Tais doutrinadores demonstram a tendência de que o artigo 12 do Código Civil reconhece eficácia de alguns dos direitos da personalidade após a morte de seu 30 Cf. LOTUFO, Renan. Código civil comentado : parte geral. – São Paulo: Saraiva, 2003. pp. 12-13 31 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil, vol. 1. – São Paulo: Saraiva. 2003, p.217.

32 Cf. GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. – Rio de Janeiro: Forense: 1986. pp. 132-133.

33 Cf. OLIVEIRA, J.M. Leoni Lopes de. Teoria Geral do Direito Civil. vol. 2. – Rio de Janeiro: Lumen

Juris, 2000, pp. 180-181.

34 Cf. RIZZARDO, Arnaldo. Parte Geral do Código Civil. – Rio de Janeiro: Forense, 2002. pp. 148-149. 35 Cf. FIUZA, César. Direito civil: curso completo. – Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p 134.

36 Cf. AMARAL, Francisco. Direito civil : introdução. – Rio de Janeiro : Renovar, 2003. pp. 253-254. 37 O autor, na sua obra monográfica sobre o tema em algumas passagens, fls. 82, 88 e 95, demonstra que os

direitos da personalidade irradiam efeitos após a morte do titular, embora à fl. 95 afirme que os herdeiros devem agir processualmente, defendendo direito próprio. BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999.

38 Cf. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. vol. I. Teoria geral do direito civil. – São

Paulo: Saraiva, 2002, p.121.

39 O autor, além de manifestar sua opinião, colaciona nota de Diogo Leite Campos, com a mesma

orientação em análise ao Código Civil Português. TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. – Rio de Janeiro : Renovar, 1999. p. 34.

40 Cf. MATTIA, Fábio Maria de. Direitos da personalidade: aspectos gerais. Revista de Direito Civil. vol. 3.

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titular, legitimando seu cônjuge ou parentes sucessíveis para ajuizarem ação processual capaz de impedir o dano, cessá-lo ou minorá-lo.

Ainda que a teoria dos direitos da personalidade tenha sido construída a partir da concepção antropocêntrica do direito, tendo a pessoa humana como seu fundamento, também se admite serem as pessoas morais titulares desses mesmos direitos, particularmente no caso do direito ao nome, à marca, aos símbolos e à honra objetiva, ao crédito, ao sigilo de correspondência e à particularidade de organização, de funcionamento.

O artigo 52 do Código Civil determina a aplicação dos direitos da personalidade à pessoa jurídica no que for compatível, concluindo-se, por conseguinte, que não se aplicam as regras de proteção à integridade física ou intelectual, por serem incompatíveis com a pessoa moral. O Superior Tribunal de Justiça, antes da vigência do atual código, já tinha sumulado sob o nº 227 que a pessoa jurídica pode sofrer dano moral, ou seja, extrapatrimonial41, decorrente de lesão a direito imaterial, aderindo ao entendimento posteriormente consagrado pelo código.

A questão também não é uníssona na doutrina42, havendo autores que entendem que os direitos da personalidade são exclusivos da pessoa física, e que a extensão desses direitos à pessoa jurídica pode enfraquecer seu valor, posto que visam proteger a 41 Clóvis V. do Couto e Silva demonstra que o dano moral está intimamente ligado aos direitos da

personalidade. SILVA, Clóvis V. do Couto. O conceito de dano no direito brasileiro e comparado. São Paulo. Revista do Tribunais, vol. 667, pp. 07-16.

42 Danilo Doneda afirma: “A extensão dos direitos da personalidade às pessoas jurídicas é assunto

controverso. Embora em um aceno à formação histórico-dogmática desta categoria seja virtualmente impossível vislumbrar referências à pessoa, não é menos verdade que esta operação vem sendo feita, muitas vezes ao arrepio de algumas considerações metodológicas necessárias. DONEDA, Danilo. Os direitos da personalidade no novo Código Civil. In TEPEDINO, Gustavo, coordenador. A parte geral do novo Código Civil – Estudos na perspectiva civil-constitucional. – Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 53.

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dignidade da pessoa humana. Gustavo Tepedino43 afirma que quando as lesões não atingem as pessoas dos sócios, a repercussão é exclusiva em suas atividades econômicas. Segundo Renan Lotufo44, é preciso respeitar a conquista da humanidade em torno dos direitos humanos, devendo os direitos da pessoa jurídica serem tutelados como direitos próprios e não como direitos da personalidade, por serem inerentes ao homem. Assim, também propõem Antônio Carlos Amaral Leão45 e Cesár Fiuza46.

Por outro lado, há autorizados entendimentos que admitem a incidência dos direitos da personalidade, abrangendo as pessoas jurídicas, v.g. a dissertação de Mestrado de Alexandre Ferreira de Assumpção Alves47, que após minudente análise da matéria conclui pela possibilidade de sua aplicação. Ainda no mesmo diapasão: Pontes de Miranda48, Francisco Amaral49, Arnaldo Rizzardo50, J.M. Leoni Lopes de Oliveira51 (este ressalta a decisão do Superior Tribunal de Justiça, publicada na RT 747/221, declarando expressamente que os direitos da personalidade alcançam a pessoa jurídica), Fábio Ulhoa Coelho52 e outros.

43 Cf. TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. – Rio de Janeiro : Renovar, 1999. pp. 49-53. 44 Cf. LOTUFO, Renan. Código civil comentado : parte geral. – São Paulo: Saraiva, 2003. pp. 148-154. 45 O autor chega a consignar que somente pessoas físicas podem sofrer danos morais. Pessoas jurídicas

somente poderão sofrer danos com reflexos patrimoniais. LEÃO, Antônio Carlos Amaral. Considerações em torno do dano moral e a pessoa jurídica. São Paulo. Revista do Tribunais, vol. 689 07-13, pp. 07-16.

46 Cf. FIUZA, César. Direito civil: curso completo. – Belo Horizonte: Del Rey, 2003. pp. 143-144.

47Cf. ALVES, Alexandre Ferreira de Assumpção. A pessoa jurídica e os direitos da personalidade. – Rio de

Janeiro: Renovar, 1988.

48 Cf. MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. Atualizado por Vilson Rodrigues Alves. Parte

especial tomo VII – Campinas : Bookseller, 2000. pp. 72, 111, 154-155.

49 Cf. AMARAL, Francisco. Direito civil : introdução. – Rio de Janeiro : Renovar, 2003. p. 254. 50 Cf. RIZZARDO, Arnaldo. Parte Geral do Código Civil. – Rio de Janeiro: Forense, 2002. pp. 164-165. 51 Cf. OLIVEIRA, J.M. Leoni Lopes de. Teoria Geral do Direito Civil. vol. 2. – Rio de Janeiro: Lumen

Juris, 2000, pp. pp. 253-254.

52 O autor afirma: “A proteção dos direitos da personalidade aplica-se, no que couber, à pessoa jurídica.

Tal como as pessoas naturais, ou associações, fundações, associações e sociedades têm direitos de impedir agravos ao seu nome, privacidade, imagem e honra, bem como de serem indenizadas pelos prejuízos materiais e morais.” COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil, vol. 1. – São Paulo: Saraiva. 2003,

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Não obstante a controvérsia doutrinária existente, é possível reconhecer que as pessoas jurídicas são suscetíveis de titularidade de direitos da personalidade que não sejam inerentes à pessoa humana, tais como o direito à vida, à integridade física e ao seu corpo, até porque a Constituição Federal de 1988, ao elevar a pessoa humana como valor máximo do ordenamento jurídico brasileiro, não deixa dúvida acerca de sua preferência em preservar a pessoa humana contra qualquer agressão externa. Esses direitos consagrados na Carta da República precisam ser preservados, e respeitados por todos, impedindo que percam importância ao serem estendidos às pessoas morais. Contudo, também é possível proteger as pessoas jurídicas que são criadas para desempenhar função da pessoa humana, sempre que sofrerem agressões a direitos peculiares da personalidade, como: nome, identidade (sinais distintivos), inviolabilidade da sede e segredo de correspondência, etc., sem que isso acarrete necessariamente dano material.

V - OBJETO

O objeto dos direitos da personalidade53 é a tutela à integridade física, moral e intelectual da pessoa humana, aplicando-se no que for compatível à pessoa jurídica. Alguns autores apresentam divisão diferente para classificar o objeto dos direitos personalíssimos, que não alteram substancialmente esta classificação54.

p.261.

53 Vale ressaltar, como consignado alhures, que parte da doutrina rejeitava a concepção dos direitos da

personalidade na categoria dos direitos subjetivos, justamente porque confundem na mesma pessoa titular e objeto do direito.

54 Carlos Alberto Bittar, compartilhando entendimento de Rubens Limongi França, entende que o objeto

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Portanto, o objeto dos direitos da personalidade protegidos pela lei ou jurisprudência é o direito de defender a integridade física, que engloba a vida, os alimentos, o próprio corpo (vivo ou morto), o corpo alheio (vivo ou morto), as partes separadas do corpo (vivo ou morto), a integridade intelectual, formada pela liberdade de pensamento, autoria científica, artística, literária, a integridade moral, consubstanciada na honra, na honorificiência, no recato, nos segredos pessoal, doméstico e profissional, na imagem e nas identidades pessoal e familiar.

Como se viu, na proteção à integridade física, inclui-se a vida, não obstante alguns autores destacarem o direito à vida como direito à tutela específica55. Protege-se, assim, a incolumidade corpórea da pessoa com a maior abrangência possível, de modo a impedir ou punir qualquer agressão que acarrete à pessoa dano em qualquer função biológica, como por exemplo a voz, tendo como valor supremo a própria vida, que é o bem maior protegido pelo ordenamento jurídico, sendo certo que esta tutela também se estende após a morte da pessoa, como já consignado, a fim de proteger o cadáver ou as partes separadas de seu corpo falecido.

Carlos Alberto. Os direitos da personalidade – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999, p. 64, também é a posição de GAGLIANO Stolze Pablo e FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de direito civil : parte geral. – São Paulo: Saraiva, 2002. p. 157. Pontes de Miranda dividia na seguinte ordem de preferência: direito à vida, direito à integridade psíquica e direito à integridade física . Cf. MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. Atualizado por Vilson Rodrigues Alves. Parte especial tomo VII – Campinas : Bookseller, 2000. p. 55.

55 Neste sentido, entre outros: GAGLIANO Stolze Pablo e FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de

direito civil : parte geral. – São Paulo: Saraiva, 2002. pp. 157-172. MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. Atualizado por Vilson Rodrigues Alves. Parte especial tomo VII – Campinas : Bookseller, 2000. p. 55.

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Na tutela da integridade intelectual, que para alguns autores é considerada integridade psíquica, o objeto é a proteção ao pensamento da pessoa humana e à liberdade de criação do autor, capaz de vinculá-lo à obra que produziu com sua habilidade pessoal. Apresenta no campo patrimonial duplo aspecto, já que, analisado como manifestação humana, tal direito não pode ser alienado, pois não é possível alienar o pensamento nem o poder de criatividade do autor. Por outro lado, produzida a obra, tem seu autor o direito de usufruir amplamente e até alienar o resultado de sua atividade pessoal, sem ofensa ao preceito legal que dispõe acerca da inalienabilidade dos direitos personalíssimos.

Na proteção à integridade moral, o Direito tutela a honra, valor moral que a pessoa usufrui na comunidade em que reside a liberdade, que somente pode ser suspensa se a pessoa demonstrar despreparo para viver em sociedade, ofendendo bens tutelados pela lei penal e, raras exceções, em outros ramos do direito, v.g. prisão por dívida de alimentos; imagem, que se divide em imagem-retrato, que espelha a efígie da pessoa retratada, e em imagem-atributo, que espelha a maneira de ser da pessoa em razão do conjunto de características associadas que determinam a maneira da pessoa ser; nome, que não pode ser utilizado por outrem em prejuízo ao titular e, ainda, recato, segredo, intimidade, vida privada, que têm por objeto resguardar a pessoa em suas atividades pessoal e familiar.

Importante ainda verificar neste tópico se há um único direito na proteção da personalidade, ou se existem múltiplos direitos a proteger cada integridade do titular dos direitos da personalidade. Também neste passo a doutrina não é unânime, havendo autores

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como San Tiago Dantas56 e Orlando Gomes57, que defendem a existência de vários direitos a proteger a personalidade.

Outros autores defendem haver apenas um direito geral da personalidade, o qual teria surgido na Alemanha por ocasião do fim da Segunda guerra, em conseqüência do holocausto58, com o objetivo de proteger a pessoa em seus atributos pessoais e direitos especiais que correspondem à proteção aos aspectos parciais da personalidade. É o que sustentam Francisco Amaral59, Eroulths Cortiano Junior60 e Gustavo Tepedino61, sendo que este último, em excelente trabalho, critica as teorias doutrinárias tradicionais pluralista e monista, procurando tipificar os direitos da personalidade como direitos patrimoniais, consignando que a Constituição de 1988 estabeleceu a pessoa humana como centro do ordenamento jurídico, configurando uma “cláusula geral de tutela e promoção da pessoa

humana”. Tal conclusão, porém, se aproxima da teoria monista, com tipificação nos

aspectos parciais da personalidade.

O legislador brasileiro optou pela tese monista, optando por não especificar todos os direitos da personalidade62, considerando, como afirma Gustavo Tepedino, a pessoa 56 DANTAS, San Tiago. Programa de direito civil. – Rio de Janeiro: Forense. 2001, p. 156.

57 Orlando Gomes afirma: “A teoria dos direitos de personalidade somente se liberta de incertezas e

imprecisões se a sua construção se apóia no Direito Positivo e reconhece o pluralismo desses direitos ante a diversidade dos bens jurídicos em que recaem, tanto mais quanto são reconhecidos heterogêneos.”

GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. – Rio de Janeiro: Forense: 1986. P.132.

58 Cf. Cf. LOTUFO, Renan. Código civil comentado : parte geral. – São Paulo: Saraiva, 2003. P. 56. 59 Cf. AMARAL, Francisco. Direito civil : introdução. – Rio de Janeiro : Renovar, 2003. p. 253.

60 JUNIOR, Eroulths Cortiano. Alguns apontamentos sobre os chamados direitos da personalidade. IN

FACHIN, Luiz Edson(coordenação). Repensando fundamentos do direito civil brasileiro contemporâneo. – Rio de Janeiro: Renovar, 1998. pp.31-56.

61 Cf. TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. – Rio de Janeiro : Renovar, 1999. pp. 42-49.

62 Neste sentido: “Tratando-se de matéria de per si complexa e de significação ética essencial, foi

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como centro do ordenamento jurídico. Logo trata-se de um direito geral da personalidade, que pode ter vários desdobramentos na medida em que a sociedade avance e se faça necessária a proteção a determinados aspectos da personalidade63, ficando para leis esparsas outras proteções não positivadas no atual Código Civil.

VI - CARACTERÍSTICAS

Como já se viu no decorrer do presente trabalho, não há unanimidade doutrinária acerca dos direitos da personalidade, em face da relevância do tema e da recente positivação nos ordenamentos jurídicos. Contudo, ainda que não haja unanimidade, há características que são consagradas em maioria doutrinária, como sendo direitos inatos, vitalícios, absolutos, relativamente indisponíveis, extrapatrimoniais, irrenunciáveis e intransmissíveis, características estas ampliadas em relação à regra prevista no art. 11 do Código Civil. Há outras características também citadas por alguns doutrinadores, tais como direitos essenciais, preeminentes, impenhoráveis, necessários, inexpropriáveis, inestimáveis, não sujeitos à desapropriação e ilimitados.

1 – Direitos Inatos

Esta classificação é importante na discussão entre jusnaturalistas e positivistas. Os primeiros argumentam que os direitos da personalidade são inatos e inerentes ao

desenvolvimentos da doutrina e da jurisprudência.” REALE, Miguel O projeto do novo código civil. – São

Paulo: Saraiva, 1999, p. 65.

63 No mesmo sentido é a posição adotada por César Fiúza, in Direito civil: curso completo. – Belo

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homem, antecedendo ao direito positivado, que apenas deve reconhecê-los. Os positivistas defendem justamente o contrário, ou seja, afirmam que os direitos da personalidade são liberdades inerentes às pessoas e que somente recebem status de direitos quando positivados nas legislações.

Os direitos da personalidade são considerados inatos porque, regra geral, nascem com a pessoa, pela sua essencialidade à existência humana, havendo alguns que irradiam efeitos antes mesmo do nascimento, como, por exemplo, a vida do nascituro, protegida pelo direito pátrio, que não permite a prática do aborto.

A regra pode ser excepcionada64, visto que alguns direitos protegidos como sendo direitos da personalidade podem ser adquiridos no decorrer da vida humana, sendo este o caso dos direitos morais do autor, que somente podem se materializar com o nascimento da pessoa e às quando esta já se encontra com muitos anos de vida65.

Outro direito da personalidade que somente se adquire após o nascimento com vida, em muitos casos na idade adulta, é o direito ao pseudônimo, previsto no art. 19 do Código Civil, e que não surge com o nascimento66.

64 Caio Mário da Silva Pereira, neste aspecto caracteriza os direitos da personalidade em direitos inatos e

adquiridos, aqueles sobrepostos a qualquer condição legislativa, estes como decorrência do status individual, existentes nos termos e na extensão previstos no ordenamento jurídico. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. vol. I. – Rio de Janeiro. Forense. 2004. p. 242.

65 Neste sentido: SILVA, Edson Ferreira da. Os direitos da personalidade são inatos? Revista dos Tribunais.

Vol. 694, p.p. 21/34.

66 Cf. MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. Atualizado por Vilson Rodrigues Alves. Parte

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2 – Direitos vitalícios

Os direitos da personalidade são gerais, uma vez que são titularizados por todas as pessoas, sem nenhuma condição para reconhecimento, sendo protegidos durante toda a existência da pessoa humana, irradiando efeitos para o nascituro e após a morte, como se vê nos arts. 2º e 12 (parágrafo único) do Código Civil brasileiro que, neste aspecto, segue orientação do art. 71 do Código Civil Português.

Nesta característica, é importante ressaltar a questão da imprescritibilidade, a qual deve ser analisada sob dois aspectos. No primeiro, a imprescritibilidade decorre da vitaliciedade,ou seja, por acompanhar a pessoa no ciclo de sua existência. Neste caso, não se perdem os direitos pelo não uso de alguns deles, nem se adquire a titularidade pelo uso reiterado por algum tempo, já que os direitos da personalidade são inatos. Portanto, as ações que o protegem são também vitalícias, de forma que em qualquer época pode a pessoa propor uma ação para restaurar ou retificar seu nome. No segundo aspecto, há prescritibilidade no caso de lesão se o ofendido ou seus herdeiros não agirem num determinado lapso de tempo previsto em lei, a fim de exigir que o Estado imponha sanção ao ofensor. Como exemplo, temos a prescrição para receber indenização por danos morais em virtude da exposição indevida de imagem alheia.

3 – Direitos absolutos

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omnes, ou seja, todas as pessoas devem respeitá-los por força do ordenamento jurídico, que

cria um dever geral de abstenção contra o uso do direito subjetivo absoluto, como, por exemplo, também o direito à propriedade. Obviamente que, uma vez lesado qualquer desses direitos, será instaurada uma relação jurídica própria dos direitos relativos, entre o ofendido e o ofensor, o que não retira a característica de direito subjetivo absoluto desses direitos que exigem abstenção de seu uso sem autorização do titular.

Como afirma Francisco Amaral67, hodiernamente se tem aceitado a argumentação de que os direitos da personalidade também podem se caracterizar como direitos subjetivos relativos, que permitem à pessoa exigir do Estado determinada prestação, visando resguardar sua integridade física com fornecimento de remédios, tratamentos médicos, segurança, etc.

4 – Direitos relativamente indisponíveis

A doutrina tradicional costuma caracterizar os direitos da personalidade como direitos indisponíveis, e de forma geral faz sentido tal caracterização, uma vez que não se pode imaginar de forma generalizada a possibilidade de disposição, a qualquer título, de direitos personalíssimos da pessoa, como voz, pensamento, vida, órgãos.

Todavia, necessidades no campo da biologia e da economia, entre outras, levaram a sociedade e, conseguintemente, o ordenamento jurídico a aceitarem a 67 Cf. AMARAL, Francisco. Direito civil : introdução. – Rio de Janeiro : Renovar, 2003. p. 252.

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relativização da indisponibilidade dos direitos da personalidade, permitindo a própria Constituição da República, em seu artigo 199, § 4º, a possibilidade de disposição de partes do corpo humano para fins de proteção à saúde. Tal matéria é regulamentada por leis esparsas e pelo próprio Código Civil, que permite a cessão de sangue, material humano para fecundação artificial e órgãos para transplante, conforme dispõe o seu art. 13, parágrafo único.

O que a sociedade tem repudiado e o ordenamento jurídico não permite para alguns casos, é a disposição onerosa de tais bens, ou que esta disposição atente contra o padrão médio de tolerabilidade e moralidade aceitos pela sociedade68. Assim é que se tem permitido, por exemplo, a prática de certas profissões em que a pessoa expõe sua intimidade, põe em risco sua vida, aliena parte de seus cabelos, unhas etc., e, lado outro, não se aceita prostituição, cessão onerosa de órgãos para transplante, etc.

5 – Direitos extrapatrimoniais

Os direitos da personalidade são normalmente conhecidos como extrapatrimoniais, ou seja, não são negociáveis69, penhoráveis ou mensuráveis em pecúnia. Tal afirmação faz sentido, mas, contudo, no sistema capitalista há uma tendência de 68 A este respeito, anota Eduardo Espínola: “Isso, porém, não se deve admitir de modo absoluto, e é

impossível apresentar um critério geral, mas basta afirmar que a propriedade e comerciabilidade das partes destacadas do corpo humano podem ir somente até o ponto em que não ofendam os bons costumes.”

Em nota de rodapé o autor destaca partes do corpo que poderiam ser negociadas como dentes e cabelos. ESPINOLA, Eduardo. Sistema do direito civil brasileiro. – Rio de Janeiro: Editora Rio, 1977, p. 329.

69 Paulo Nader afirma que é “nulo , de pleno direito, o negócio jurídico que tenha por objeto a alienação

de uma peça anatômica” NADER, Paulo. Curso de direito civil, parte geral. – Rio de Janeiro: Forense,

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negociação de todos os bens que forem relevantes para o homem, a fim de satisfazerem suas inúmeras necessidades, e, no caso de violação a direitos sem conteúdo patrimonial, há possibilidade jurídica de compensação da dor e do constrangimento por valores pecuniários capazes de permitir ao ofendido algum tipo de satisfação em compensação ao dano sofrido.

Assim, não se pode afirmar hodiernamente que os direitos da personalidade sejam absolutamente extrapatrimoniais. Em primeiro lugar, porque a sociedade e o ordenamento jurídico aceitam a alienação ou cessão onerosa de alguns direitos da personalidade que não atentem contra o padrão médio de moralidade de uma determinada sociedade. Desta forma, é aceitável a alienação onerosa de cabelos, unhas, exposição de pessoas nuas em revistas, filmes, peças teatrais, participação em reality shows, participação em esportes perigosos como lutas de boxe, automobilismo, participação em atividades circenses perigosas como exposição ao atirador de facas, cessão do uso de imagem ou nome para atividade recreativas, comerciais, etc.

Não se permite a alienação de bens que firam o padrão médio de moralidade e eticididade, tais como venda de órgãos para transplante, venda do próprio corpo para prostituição, etc.

Por outro lado, no caso de violação a direitos da personalidade sem implicação direta em perda material ( por exemplo, morte de uma pessoa, lesão estética em rosto de atriz famosa), há patrimonialidade para reparação moral do dano, visto que não se paga pelo direito lesionado, mas se procura mensurar um bem patrimonial que compense a dor, constrangimento, sofrimento pelo ofendido e/ou seus familiares.

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Pode-se afirmar que a regra é que os direitos da personalidade são extrapatrimoniais. Entretanto, hodiernamente é aceitável que alguns bens personalíssimos podem ser alienados onerosamente, e que a violação a eles pode importar em entrega de bens patrimoniais para compensação do sofrimento, dor ou constrangimento, permanecendo, todavia, a regra de que são absolutamente impenhoráveis e incompensáveis.

6 – Direitos intransmissíveis

Como se caracterizam em direitos inatos, os direitos da personalidade nascem com a pessoa ( regra geral) e são vitalícios, ou seja, são inerentes ao titular no ciclo de sua existência, com irradiação antes e depois da vida. Também, como regra, são adquiridos por direito próprio e não por transmissão de outro titular, visto que não é possível ao titular do direito à honra, à privacidade e à vida transferi-los a seus herdeiros, que os adquirem por direito próprio70. Até mesmo o nome que o rebento recebe ao nascer, que pode ser reiteração do nome dos ascendentes com acréscimo de agnome, na verdade não importa em transmissão de direito ao nome. Trata-se de aquisição originária do direito à identificação através do nome, que por homenagem familiar foi reiterado com acréscimo do agnome. Também no caso do cônjuge que adota sobrenome do outro ao convolar

70 O Ministro Carlos Mário da Silva Velloso, defende a intransmissibilidade pelo fato de não poderem ser

transmitidos “causa mortis”, não abordando a transmissão entre pessoas vivas. Cf. VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Os direitos da personalidade no Código Civil português e no novo Código Civil Brasileiro. ALVIM, Arruda, CÉSAR, Joaquim Portes de Cerqueira, ROSAS, Roberto, coordenadores. Aspectos Controvertidos do novo Código Civil. – São Paulo: Revista dos Tribunais. 2003. p.118.

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núpcias, não se opera transmissão, e sim, direito derivado do próprio casamento71.

Como já visto, algumas das características dos direitos da personalidade sofrem diversas exceções. Também na intransmissibilidade se constata a presença de exceção, pois como regra geral não é possível transmitir bens personalíssimos como honra, vida, intimidade. Porém, pode-se transmitir partes do corpo como órgãos para transplantes, cabelos para embelezamento estético, material genético para reprodução humana, etc72.

7 – Direitos irrenunciáveis

Esta é outra característica positivada no artigo 12 do Código Civil, que não permite a abdicação de nenhum direito da personalidade, não podendo a pessoa, portanto, renunciar à sua liberdade, honra, vida, parte de seu corpo, afora nas hipóteses de disponibilidade previstas em lei ou aceitas pela sociedade. Por esta razão, não se permite no Brasil a prática da eutanásia, ou seja, a morte pretendida pelo paciente para interromper o ciclo de sua vida por motivo de doença, importando nesta hipótese em renúncia à própria vida que, malgrado as discussões filosóficas e morais73 sobre o tema, não é a acolhida pelo ordenamento jurídico brasileiro. Este consagrou o direito à vida como direito individual fundamental, tal como previsto no art. 5º, caput, da Constituição Federal.

71 Cf. MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. Atualizado por Vilson Rodrigues Alves. Parte

especial tomo VII – Campinas : Bookseller, 2000. pp. 110-111.

72 Neste sentido, escreve Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, consignando argumentação do

Senador Josaphat Marinho. GAGLIANO Stolze Pablo e FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de direito civil : parte geral. – São Paulo: Saraiva, 2002. p. 155.

73 A discussão acerca da aceitação da eutanásia vem aumentando entre as comunidades internacionais,

havendo países que já não punem os médicos que auxiliam seus pacientes a interromperem o ciclo de suas vidas, como se vê em DWORKIN, Ronald. Domínio da vida : aborto, eutanásia e liberdades individuais. – São Paulo; Martins Fontes, 2003. p. 1-2.

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A rigor, a irrenunciabilidade decorre das demais características, já que os direitos que são inatos, vitalícios, absolutos, gerais, necessários, essenciais, intransmissíveis, não sujeitos à desapropriação e indisponíveis não podem ser renunciados, sob pena de se renunciar à própria personalidade, que é protegida por esses direitos, não tendo qualquer valor jurídico o ato de renúncia aos mesmos74.

VII - CLASSIFICAÇÃO

Como consignado alhures, a doutrina discute a existência de um direito geral da personalidade, que compreenderia todos os tipos previstos em leis ou princípios legais, sem descartar a hipótese da existência de múltiplos direitos da personalidade. Não obstante esta discussão doutrinária, várias são as classificações dos direitos da personalidade apresentadas, podendo-se destacar dentre as mais comuns a de Adriano de Cupis, citado por Alexandre Ferreira de Assumpção Alves75: I- Direito à vida e à integridade física: direito à vida; direito à integridade física e direito sobre as partes separadas do próprio corpo; II- Direito à liberdade; III- Direito à honra e ao resguardo pessoal: direito à honra; direito à intimidade e direito ao segredo; IV - Direito à identidade pessoal: direito ao nome; direito ao título e direito ao signo figurativo; V- Direito moral do autor e do inventor.

O mesmo autor76 destaca a classificação dos irmãos Mazeaud: I- Direito à 74 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil, vol. 1. – São Paulo: Saraiva. 2003, p. 183

75 Cf. ALVES, Alexandre Ferreira de Assumpção. A pessoa jurídica e os direitos da personalidade. – Rio de

Janeiro: Renovar, 1988, p. 70.

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integridade física: direito à vida e à saúde; direito ao cadáver e direito à liberdade física: II- Direito à integridade moral: direito à própria imagem; direito à liberdade intelectual; direito à liberdade de casamento; direito à honra; direito aos sentimentos de afeição; direito ao nome e direito ao segredo.

Venzi, citado por Eduardo Espinola77, classificava os direitos da personalidade em: corpo e vida, liberdade, honra, compreendidas as honras particulares da família, de profissão, de sexo, de condição, condições especiais do indivíduo (ser nobre, por exemplo), exercer determinada profissão, pertencer a determinado grupo religioso ou social, manifestação de atividade própria, proteção contra concorrência desleal, direito de monopólio, direito ou uso exclusivo de certos distintivos honoríficos( nome civil e comercial, sinais, marcas e selos), direitos do autor e do inventor.

Em Portugal, José de Oliveira Ascensão78 apresenta a seguinte classificação: direito à personalidade, direitos do patrimônio básico da pessoa (como vida e integridade física), direitos à conservação da personalidade, direitos que protegem a pessoa contra intromissões anteriores, abrangendo inviolabilidade de domicílio, confidencialidade de correspondência, intimidade e vida privada, direitos à realização da personalidade, que garantem o aperfeiçoamento do homem, como, por exemplo, direitos autorais. Luis A. Carvalho Fernandes79 classifica-os em bens da personalidade stricto sensu, que são 77 Cf. ESPINOLA, Eduardo. Sistema do direito civil brasileiro. – Rio de Janeiro: Editora Rio, 1977, p. 325 78 Cf. ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito civil teoria geral, vol. I, introdução as pessoas os bens. –

Coimbra: Coimbra Editora. 2000, p. 108-109

79 Cf. FERNANDES, Luís A. Carvalho. Teoria Geral do Direito Civil. vol. I, introdução pressupostos da

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