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Vista de Helicópteros em São Paulo. O controle do espaço aéreo e a insubordinação dos helipontos

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Scripta Nova

REVISTA ELECTRÓNICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES

Universidad de Barcelona. ISSN: 1138-9788. Depósito Legal: B. 21.741-98

Vol. XVIII, núm. 493 (56), 1 de noviembre de 2014

[Nueva serie de Geo Crítica. Cuadernos Críticos de Geografía Humana]

HELICÓPTEROS EM SÃO PAULO. O CONTROLE DO ESPAÇO AÉREO E A INSUBORDINAÇÃO DOS HELIPONTOS

Sandra Lencioni

Universidade de São Paulo

Helicópteros em São Paulo. O controle do espaço aéreo e a insubordinação dos helipontos (Resumo)

Em São Paulo, do topo dos edifícios corporativos decolam e aterrisam helicópteros que sobrevoam uma cidade congestionada, na qual nos horários de pico predomina a lentidão. Essa metrópole possui a maior frota de helicópteros do mundo e é pioneira no controle de tráfego aéreo voltado exclusivamente para helicópteros. Há um controle rígido do espaço aéreo, que com suas normas, se constitui num espaço urbano, num espaço produzido socialmente que se distancia da ideia de céu e atmosfera, pois ele é, também, um espaço social. Diferente do espaço aéreo da cidade que é rigorosamente controlado, os locais de pouso e decolagem, denominados de helipontos, são insubordinados, não seguindo às regras urbanísticas. Isso porque estão submetidos a interesses privados do setor imobiliário que constrói os edifícios com helipontos no sentido de valorizá-los, fazendo vistas grossas às normas da cidade e pressionando para a flexibilização das leis.

Palavras-chave: Helicóptero, São Paulo, espaço aéreo.

Helicopters in Sao Paulo. The airspace control and the insubordination of heliponts (Abstrat) In São Paulo, in the tops of the corporate buildings it is constant the takeoff and landing of helicopters flying over a congested city, in which dominates a huge space at rush hour. This metropolis has the largest fleet of helicopters in the world and is a pioneer in air traffic control, dedicated exclusively to helicopters. There is a strict control of the airspace, which with its rules constitutes an urban space, a socially produced space that cancels the idea of sky and atmosphere, and because of that it is also a social space. Unlike the airspace of the city that is rigidity controlled, the landing and takeoff of helicopters in the called heliponts do not follow those urban rules.

Keywords: Helicopter, Sao Paulo, airspace.

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Em meio a resíduos da Mata Atlântica, na região oeste de São Paulo, destaca-se o Pico do Jaraguá, ponto culminante da Serra da Cantareira, com cerca de 1.200 metros de altitude. De seu topo, em dia claro, a vista alcança até 55 quilômetros e a paisagem se descortina deslumbrante revelando uma das maiores metrópoles do mundo. Facilmente se percebe que estamos diante de uma metrópole socialmente muito desigual, pois os telhados de cerâmica, característicos do mercado de habitação formal, contrastam com as casas cujas coberturas são em tons de cinza, seja devido à telhas de amianto ou às lajes de cimento. Visivelmente se antepõe o vermelho das cerâmicas ao cinza do cimento.

Contudo, mais surpreendente que esse contraste de cores na paisagem, para qualquer lugar ou direção que se olhe, é possível ver edifícios de vários andares revelando uma metrópole cuja verticalização é bastante dispersa pelo território. Essa é uma característica dessa metrópole — a dispersão da verticalização — que a difere, por exemplo, de Santiago do Chile e de Tóquio, para exemplificar com dois casos muitos diferentes entre si.

Contemplar São Paulo do Pico do Jaraguá permite um olhar de conjunto até onde a vista alcança. Por isso, as aulas de Geografia dadas por Pierre Monbeig na Universidade de São Paulo, nos idos da primeira metade do século XX, começavam com uma subida nesse pico e lá ele incitava os alunos a descreverem o que viam. A observação e a descrição estavam postas como um exercício metodológico, um ensinamento fundamental para a formação de geógrafos.

Essa possibilidade de apreender a cidade como conjunto, quando vista do alto, também poderia ser realizada quando se sobrevoava a cidade de avião. Coisa rara naquele tempo. Hoje em dia, sobrevoar São Paulo de avião e decolar ou pousar no Aeroporto de Congonhas, que fica no interior da malha urbana, não é mais um fazer excepcional. Um simples dado comprova essa afirmação: o número de passageiros que saíram ou chegaram a São Paulo, por meio desse aeroporto, foi de 16 milhões em 20121. Com a expansão da aviação a visão de São Paulo, do alto, passou a ser mais acessível. Mais pessoas podem observar o gigantismo territorial da metrópole, o contraste entre o vermelho e cinza da cobertura das casas e os edifícios em altura em todas as direções que o olhar alcança.

Mas não só por meio dos aviões é possível ver São Paulo a partir dos céus. É possível, também, quando se sobrevoa a cidade a bordo de um helicóptero. E, ainda, a de voar parado, uma aparente contradição. Ou seja, podem ficar parados, mas em voo, o que é uma vantagem quando se quer fazer alguma observação, em especial quando se quer ter uma visão de helicóptero. Por isso, ele permite uma visão diferente daquela obtida de dentro de um avião ou do topo de uma montanha ou de um edifício. De um helicóptero é possível ver de perto e de longe, numa mesma coordenada. Quando um helicóptero alça voo a visão de perto vai cedendo lugar à visão de longe e se pode ter a consciência exata de que aquela parte observada e perto faz parte de um todo. Essa espécie de visão, como se fosse um zoom ótico de aproximação e distanciamento, tem uma palavra específica em alemão: helikopetrsicht, que poderia ser traduzida por visão de helicóptero.

Existe uma visão de helicóptero. Essa visão não permite tomar parte da cidade como sendo sua totalidade. Ela nos ensina que um olhar sobre a cidade não é nunca um olhar qualquer e nem um olhar parcial, pois mesmo examinando as partes de uma cidade não devemos nos

1 Infraero Aeroportos. <www.infraero.gov.br>. [4 de abril de 2014].

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esquecer que essa parte faz parte de uma totalidade, não se explicando por si mesma. Se apropriar dessa visão de helicóptero é, então, fundamental para se analisar uma cidade.

Qualquer cidade pode ser vista por meio de um helicóptero, mas não são todas as cidades que possuem um céu carregado de helicópteros que voam de cá para lá, que voam baixo ou alto, pousando ou aterrissando no topo dos edifícios. Embora o uso de helicópteros não seja novo nas cidades, quer para se ir de um ponto a outro da cidade, quer de uma cidade a outra, esse uso nunca foi tão intenso e generalizado como nos dias atuais. No caso específico da cidade de São Paulo, é mais comum ver helicópteros no céu do que aves voando. De acordo com a Associação Brasileira de Helicópteros, utilizando-se do Registro Aéreo Brasileiro e dados oficiais dos principais países, em 2012, a frota de helicópteros de São Paulo é a maior do mundo, com 411 aeronaves e cerca de 2 mil pousos e decolagem por dia. Em segundo lugar, agora, está a cidade de Nova Iorque e em terceiro, Tóquio2.

Tradicionalmente, os helicópteros são usados para emergência médica e para policiamento.

Mas, em São Paulo, esse uso é muito pequeno, diríamos ínfimo, comparado com o uso corporativo. Ou seja, o uso que caracteriza São Paulo é o uso corporativo pelos homens e mulheres de negócios que mesmo contando com toda parafernália de comunicação disponível, em grande parte virtual, ainda não dispensam, o contato face a face para os negócios.

Do topo dos edifícios corporativos decolam e aterrissam helicópteros que sobrevoam uma cidade congestionada, que possui uma frota de 7 milhões de veículos, que contrasta fortemente com a sua frota de ônibus, de 40.000, todos asfixiados pelo trânsito engarrafado. O congestionamento é tanto que a média de velocidade em horário de pico fica, em geral, entre 12 km/hora e 19 km/hora. Média essa, abaixo das carroças puxadas a dois burros que têm uma velocidade média de 26 km/hora. O deslocamento em São Paulo é difícil, obstaculizado e aterrorizador. Percorrer poucos quilômetros pode significar um dispêndio enorme de tempo.

Uma saída para se alcançar a fluidez no território é o deslocamento por meio de helicópteros.

Tempo é dinheiro, diz a máxima proferida por Benjamin Franklin. E esse princípio é perseguido. Alia-se a essa necessidade de superar os congestionamentos e maximizar o uso do tempo. São Paulo é o centro de uma macrometrópole, de cerca de 50.000 km2, equivalente à superfície da Eslovênia. Em toda a macrometrópole de São Paulo, num raio de cerca de 300 quilômetros tendo como centro a cidade de São Paulo, os fluxos são intensos. Em grande parte devido à desconcentração da produção industrial que separou, como nunca antes na história, a gestão empresarial da produção industrial, ou seja, a gestão do “chão de fábrica”, fazendo com que o segundo lugar na produção industrial do Brasil deixasse de ser o Rio de Janeiro para ser a região do entorno da região metropolitana de São Paulo.

O uso corporativo dos helicópteros agiliza os negócios. Ele revela uma questão chave dos dias atuais. Os fluxos entre os lugares necessitam ser rápidos para não comprometer a lógica da reprodução do capital e, de maneira mais ampla, a lógica contemporânea. A necessidade de deslocamento rápido, de tudo ser rápido se impõe. Todos acabam ficando sujeitos à tirania da velocidade. Aubert3, uma psicanalista francesa chamou a atenção para o fato de que, hoje em dia, o tempo aparece como uma violência contra o sujeito.

2 Associação Brasileira dos Pilotos de Helicópteros — ABRAPHE. <www.abraphe.org.br>. [31 de março de 2014].

3 Aubert, 2008.

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Em resumo, a enorme frota de helicópteros sobrevoa e domina os céus de São Paulo, uma metrópole paralisada pelos congestionamentos. Busca-se, em especial o capital e os homens e mulheres de negócios, a superação dos constrangimentos da fluidez territorial. Só mesmo o céu para os salvarem, os redimirem da morosidade dos fluxos. No inferno fica o comum dos mortais, que gastam uma enormidade de tempo para se deslocarem na cidade. Em São Paulo, a cidade mais importante do país que acompanha toda sorte de modernidade, diante do transporte público que é pífio e das vias congestionadas o que mais surpreende não é o ruído dos helicópteros, mas a paciência do povo, sua boa vontade e redenção há anos de políticas públicas e econômicas equivocadas.

O uso de helicópteros na cidade de São Paulo coloca uma questão inusitada para se refletir sobre o espaço e sobre sua produção, bem como a relação espaço e tempo. Em primeiro lugar exige pensar o espaço aéreo, enquanto uma dimensão específica do espaço, aqui, do espaço urbano. Uma simples análise a respeito da circulação de helicópteros em São Paulo evidencia a questão do espaço como problema teórico. Esse é o conteúdo da discussão do primeiro item, que ao discutir a relação entre espaço e tempo enfatiza que o espaço urbano contém o espaço aéreo.

Em seguida, enfatizamos o controle do espaço aéreo como um problema atual da metrópole de São Paulo. Particularmente analisamos as regras que normatizam o uso do espaço aéreo pelos helicópteros em São Paulo e como se dá o controle do espaço aéreo de São Paulo.

O terceiro item trata da insubordinação dos helipontos, lugares de pouso e decolagem dos helicópteros, em especial dizendo respeito aos helipontos construídos no topo dos edifícios e de seu uso corporativo. Esses são de difícil subordinação ao poder público. Como negócios imobiliários seguem a lógica do mercado prevalecendo a ótica do lucro em detrimento da cidade. Nesse sentido, a discussão chama atenção para o fato de que os helicópteros e helipontos fazem parte da questão urbana.

Em síntese, aqueles que querem conhecer São Paulo devem, também, olhar para o céu, para o espaço aéreo, que não se confunde com o céu, onde agora voam pássaros de aço que com seus roncos passam, cada vez mais, a fazer parte dos ruídos da cidade. Um céu diferente dos tempos de Pierre Monbeig, um céu que permite graças à possibilidade de um helicóptero voar verticalmente, ter noção de perto e de longe, das partes e do todo da cidade. Um olhar de helicóptero, um helikopetrsicht.

O espaço aéreo é um espaço produzido socialmente

Em qualquer metrópole do mundo quando se olha para o alto, para além dos edifícios em altura e das modernas torres de concreto, se vê o céu, se vê o espaço. Aparecem como iguais, céu e espaço. Mas esse sentido genérico e do senso comum não é o que nos interessa. Falando de céu, não interessa, aqui, se ele inclui ou não querubins e arcanjos. E, falando de espaço, não interessa, aqui, seu sentido genérico, como sendo tudo como extensão infinita.

Por isso, dizer que os helicópteros voam pelo céu e cruzam o espaço não é suficiente para compreendermos a relação entre helicópteros e cidade. Isso devido os seguintes motivos: o primeiro, é que o espaço não pode ser visto como dádiva divina ou como primeira natureza, portanto, não se confundindo com atmosfera. O segundo, porque ele não pode ser entendido no seu sentido genérico, como extensão infinita.

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Só na aparência os helicópteros voam pelos céus e atravessam o espaço. Essa é a primeira observação digna de nota. O que é fato é que os helicópteros voam sobre um espaço aéreo, sobre um espaço produzido socialmente. Já não se trata de céu, de atmosfera, de espaço, de natureza em si. Trata-se de espaço aéreo, trata-se de um espaço produzido socialmente, com regras e normas rigidamente controladas. O que é fundamental dizer e buscando o rigor necessário, é que os helicópteros voam sobre o espaço aéreo, só no sentido figurativo eles voam sobre o céu. As nuvens, as chuvas, as trovoadas, os raios, os arco-íris, o nascer do sol que ilumina e a noite que tudo encobre se dão num espaço aéreo, num espaço humanizado, que se coloca como estratégico e político. Isso nada tem a ver com primeira natureza.

Em suma, os helicópteros voam sobre um espaço aéreo e esse espaço é um produto da sociedade. Mas, esse espaço não tem apenas essa condição, de se colocar como um produto social. Ele é, também, um meio que permite a fluidez dos helicópteros, que é o que nos interessa, embora também seja meio para a fluidez das outras aeronaves.

Esse espaço aéreo está vinculado às normas, mas também está vinculado aos valores, entendido aqui como qualidade. Por exemplo, morar em São Paulo perto de área com grande número de helicópteros voando significa viver sobre ruídos ensurdecedores e se traduz em desvalorização do imóvel, já que as condições da vida urbana se tornam comprometidas. E, no sentido inverso desse exemplo, possuir um escritório num edifício que tenha na sua cobertura uma pista de pouso e decolagem de helicópteros se traduz numa valorização do imóvel

Partindo-se, portanto, dessa premissa, de que estamos a falar de espaço aéreo e não de espaço no sentido genérico e entendendo esse espaço com um produto social, produzido pela sociedade, consideramos que para se compreender o espaço aéreo há que se compreender, então, a sociedade, pois ele não tem uma lógica própria; sua lógica é a lógica da sociedade que o produziu.

Um segundo aspecto a mencionar é que embora o céu seja semelhante em Cabul, em Londres, Cairo, La Paz e Washington, todos eles com nuvens, atmosfera e chuvas, o espaço aéreo é diferente em cada um desses lugares, com normas próprias. Isso significa dizer que cada espaço aéreo dessas cidades, seja Cabul ou Londres, para ficar nos exemplos dados, não está separado de seu contexto histórico e social.

Enfim, só compreendendo o céu por onde transitam os helicópteros como espaço aéreo poderemos nos alçar para além da compreensão que entende que um helicóptero voa sobre o céu. Para além da aparência, um helicóptero voa sobre um espaço aéreo que tem como seu fundamento a normatização, as regras de seu uso.

Isso nos conduz a outra observação, a de que o espaço aéreo é imanente ao espaço urbano, no caso das cidades. Portanto, o urbano não diz respeito apenas ao terreno, à superfície terrestre, ao chão, por assim dizer e, tampouco, às águas de superfície — lagoas e rios. Ele também inclui o espaço aéreo. Embora não seja mercantilizado e não seja fragmentado, o espaço aéreo está contido no espaço urbano. Mas, ele guarda uma característica comum aos terrenos urbanos, melhor dizendo, à superfície topográfica da cidade: ele não é homogêneo. Tem vias e regras de uso e compartilhamento de uso específico. Em resumo, o espaço aéreo não é mercantilizado e nem é fragmentado como a superfície topográfica da cidade, mas, como essa superfície ele é heterogêneo.

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O espaço aéreo se constitui num meio de circulação por onde fluem aviões e helicópteros. Ele é, embora seja óbvio dizer, uma condição indispensável para que os fluxos ocorram. Por meio dele se alcança a máxima fluidez nos deslocamentos. A máxima velocidade; e isso é um aspecto chave na sociedade contemporânea. Chave, no sentido de importantíssimo, pois uma das características da sociedade atual que não encontra semelhança com nenhuma fase da história das civilizações é, justamente, a velocidade. Não que a velocidade não tenha se colocado anteriormente na história, mas o foi como ganho de tempo e não como um imperativo social como na sociedade contemporânea. Como bem expressou Paul Valery4, na década de 30 do século passado, portanto, com extrema precocidade em relação ao que a sociedade viria a ser, no passado “o que aparecia como novidade eram soluções ou respostas a problemas ou perguntas muito antigas, senão, imemoriáveis...”. Hoje, “a novidade consiste no inédito dos problemas em si e não nas soluções: nos enunciados e não nas respostas”. Nesse sentido, entendemos que a questão da velocidade se insere como um problema inédito, uma questão a desafiar o nosso tempo.

Estamos a falar da velocidade como uma questão central da sociedade contemporânea.

Estamos a falar da relação espaço e tempo, porque a velocidade se define pela distância percorrida num dado (num certo) tempo. Hoje em dia para que um indivíduo seja senhor de seus espaços-tempos, deve se deslocalizar e se relocalizar. Mas, deve, também, ser capaz de se desincronizar e se resincronizar, como chamou atenção Ascher5 se deslocando por helicóptero, um indivíduo pode se sincronizar a outras via celular. Nesse sentido, uma das características da contemporaneidade é que os indivíduos podem, pelo menos potencialmente, se assenhorarem de seus espaços-tempos.

A possibilidade de se dessincronizar e se resincronizar aparece como uma decorrência da revolução das comunicações e da informática. Mesmo com uma distância geográfica, duas pessoas podem se sincronizar por meio do uso de um celular e pelo simples clicar de um botão podem se desincronizar. No caso das mensagens via celular, a conjunção tempo e espaço é rompida, é negada, uma vez que a mensagem pode ser respondida pelo sujeito, quando (tempo) ele quiser e de onde (espaço) ele desejar. Diferente do telefone fixo, o celular não está relacionado a um endereço. Esfuma-se a localização, o espaço. Ele está relacionado ao indivíduo. Do antigo telefone resta pouco. Ele que era público, nas priscas eras, passou para o interior das casas, dos escritórios, das fábricas... Agora ele já não tem um endereço, o que ele tem é um portador. Essa individualização do celular é reveladora da crescente individualização da sociedade contemporânea. De forma um pouco semelhante, mas só um pouco, podemos dizer o mesmo para os helicópteros, na medida em que ele dá autonomia aos indivíduos em relação aos horários de voo para aqueles podem pagar, não dependendo de horários pré- estabelecidos, como no caso dos aviões.

O acesso à velocidade, ao deslocalizar e se relocalizar, ao desincronizar e se resincronizar constituem aspectos importantes de diferenciação social. No caso dos deslocamentos, do partir e do chegar, o uso do helicóptero, excetuando-se os casos de emergências médicas ou policiais, se constitui num traço de diferenciação social.

4 Valery, 1962, p. 135-136.

5 Ascher, 2009.

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O uso do helicóptero impõe uma questão fundamental, a da acessibilidade física. Para se voar de helicóptero é necessário um ponto de partida e um ponto de chegada que passam a se constituírem como novos elementos de diferenciação do espaço.

O controle do espaço aéreo subordina os voos de helicópteros

Embora o que nos interessa seja o espaço aéreo da cidade de São Paulo, vale mencionar que o espaço aéreo brasileiro compreende o espaço aéreo territorial, com cerca de 8,5 milhões de km2 e o espaço aéreo sobrejacente à área oceânica que se estende até o meridiano de 10º a oeste, elevando esse número para 22 milhões de km2. Compreende, portanto, espaços sobrejacentes à terra e ao mar e tem dimensões magnânimas.

Mas não são todos os 22 milhões de km2 que são controlados. Há o espaço aéreo não controlado, sem prestação de controle de tráfego, havendo apenas serviços de informação de voo e de alerta. Um segundo tipo de espaço aéreo é o espaço aéreo condicionado, onde há proibição de voos, a exemplo das áreas de treinamento de aeronaves militares, das áreas de lançamento de mísseis e foguetes, das áreas sobre presídios e das áreas de proteção de instalações portuárias.

No que diz respeito à discussão em pauta, os voos de helicópteros sobre a cidade de São Paulo, estamos diante de um espaço controlado em que todos os movimentos aéreos são regulados por um órgão de tráfego aéreo, no caso, pelo Departamento de Controle Aéreo — DECEA — que controla o voo de aviões e helicópteros. Esse departamento é importante e relevante na história do controle do espaço aéreo brasileiro, pois foi nele que se desenvolveu o Serviço de Tráfego Aéreo com Radar no Brasil, em 1962, sistema pioneiro na América do Sul.

Esse Departamento tem uma unidade especial, denominada Serviço Regional de Proteção ao Voo de São Paulo, que é responsável por todo o fluxo aéreo de São Paulo, além de gerenciar os terminais aéreos de São Paulo e Rio de Janeiro, onde se situam os aeroportos de maior volume de fluxo aéreo do Brasil. São eles, o aeroporto de Congonhas, Guarulhos/Cumbica e Campo de Marte, em São Paulo; Tom Jobim, Santos Dumont e Jacarepaguá, no Rio de Janeiro.

Foi nesse Departamento que se desenvolveu um sistema de controle aéreo específico para helicópteros. Esse sistema, de 2004, foi o primeiro a ser concebido no mundo. São Paulo foi pioneira, pois foi a primeira cidade do mundo a ter um controle do espaço aéreo específico para helicópteros. Esse espaço rigidamente controlado compreende um quadrilátero de 60 km2 de extensão, que é delimitado pela Avenida Paulista, pela ponte Estaiada, pelo Estádio do Morumbi e pelo Parque do Ibirapuera. Por meio de uma torre localizada no aeroporto de Congonhas, se controla rigidamente o tráfego aéreo nessa região, nesse quadrilátero. Nele podem voar, simultaneamente, até 6 helicópteros. O helicóptero tem que informar o seu número de inscrição, a rota que irá fazer e aguardar a autorização para prosseguir. Há a espera e o controle de entrada nesse quadrilátero do espaço aéreo. Nessa área voos de treinamento não são permitidos e os voos panorâmicos sobre a cidade recentemente ficaram restritos a 3 horários: das 9 até às 13 horas, das 16 até às 18 horas e das 20 até às 23 horas. Isso porque o fluxo de helicópteros era tão grande que comprometia a segurança do voo e da cidade. Não esquecendo que os voos panorâmicos são negócios, cabe mencionar os protestos das empresas de taxi aéreo, uma vez que as restrições impactaram diretamente nos seus lucros.

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Além do quadrilátero, os helicópteros voam em rotas específicas. Essas rotas são denominadas de Rotas Especiais de Helicóptero e buscam garantir a segurança do voo, como também organizar o tráfego aéreo. Essas rotas são traçadas privilegiando as áreas em que é possível o estabelecimento de um pouso de emergência, por exemplo, sobre aas margens dos rios Pinheiros e Tietê, sobre avenidas do entorno da cidade ou sobre regiões de mais baixa densidade construtiva. Os helicópteros seguem essas rotas devendo obedecer a duas disposições: a primeira, a de voar, no mínimo, a uma altura superior a 150 metros de altura do pico mais elevado. Para ter uma ideia dessa altura, um edifício de 30 andares, tem em média 110 metros de altura. A segunda, é a de que essa altura mínima deve ser obedecida num raio de 600 metros em torno do helicóptero quando este estiver voando sobre área habitada, salvo, claro, nos momentos de pouso e decolagem.

Na Figura 1 pode-se ver o quadrilátero contornado em linha rosa. As aerovias estão representadas pelas linhas grossas verdes. Elas contém um nome, que é o nome da rota. Por exemplo, Rota Ferrovia, Rota Santo André, Rota Oeste, Rota Pinheiros, Rota Tancredo, Rota Anchieta .... Os círculos amarelos representam referências visuais importantes; os vermelhos, referências visuais perigosas, os vermelhos cortados ao meio, área onde é proibido sobrevoar ou área com presídio, os círculos azuis cortados ao meio, aeroportos públicos e os círculos brancos cortados ao meio, os aeroportos privados. O triângulo vermelho representa os pontos de notificação com o nome de cada posição e os azuis os heliportos.

Mas os helicópteros não trafegam apenas no quadrilátero rigidamente controlado e nem pelas rotas estabelecidas. O piloto pode definir sua própria rota se atentar para duas condições: a primeira, a de seguir a legislação, como, por exemplo, obedecendo à norma de voar a uma altitude mínima permitida para o voo e; a segunda, de garantir a capacidade de ver e de ser visto por outras aeronaves, ou seja, por outros helicópteros e aviões.

Figura 1

Rotas Especiais de Helicópteros

Fonte: Resende, F. Cartas Aeronáuticas de São Paulo, 2013.

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Esse controle do espaço aéreo da cidade pode parecer rígido, mas não é se comparado ao de outras metrópoles. Em Paris, o tráfego aéreo de helicópteros é proibido e em Nova Iorque eles só podem voar ao longo do rio Hudson e pousar nos helipontos ao longo do rio. Os helipontos no alto dos edifícios foram proibidos de operar devido um acidente em 1997 que vitimou passageiros de um helicóptero e um pedestre. Além do mais, os helicópteros não podem ter apenas um motor. Devem ter dois, pois caso um deles falhe é possível ainda se utilizar o outro.

Não caso de São Paulo predomina o uso do Robinson 44, UM helicóptero de pequeno porte e monomotor.

As normas de uso do espaço aéreo nem sempre são seguidas. Não é raro que jovens pilotos sob pressão dos que encomendaram o voo ou, ainda, dos proprietários dos helicópteros, cedam a pressões para fazerem manobras ilegais de aterrissagem ou voando mais baixo do que o permitido, ou pousando no campo de futebol da casa de um amigo de quem contratou o voo.

Para que o helicóptero não seja localizado pelos controladores de voo, os pilotos utilizam do expediente de desligarem o transponder, que é um aparelho que permite informar à torre do comando a localização do helicóptero. Assim se constrói a cegueira do mal feito, a custa de riscos. Falando dos milionários que utilizam helicópteros, Cleber Teixeira Mansur, comandante há 29 anos e presidente da Associação Brasileira de Pilotos de Helicópteros, disse: “o milionário é, antes de tudo, um cara prepotente, que acha que você tem que pousar onde ele quiser”.

O controle do espaço aéreo tem a finalidade de garantir a segurança do voo. Mas esse controle não existe e nem tem razão de ser porque o helicóptero é uma máquina de voar. Assim posto, o helicóptero se reduz a um objeto técnico, mas o que dá vida e sentido a um helicóptero é a fluidez. Sem a possibilidade de fluir ele não se realiza enquanto helicóptero. Tem que voar, tem que fluir, atravessar os céus.

A fluidez, como insistiu Milton Santos, é uma categoria sociotécnica, pois opera segundo normas de ação. Esse é um dos ensinamentos de Milton Santos que afirma que os novos sistemas de objetos se relacionam ao novos sistemas de ações e exigem um sistema de normas6. Portanto, as normas são intrínsecas ao objeto e à ação. No caso do objeto técnico, helicóptero, ele só tem sentido de ser, se ele voar, se tiver fluidez. Essa fluidez se constitui numa dimensão sociotécnica com normas estabelecidas socialmente. Em São Paulo, essas normas vão do controle do espaço aéreo, às normas de pouso e decolagem, até às normas relacionadas aos horários permitidos de voos. São normas relacionadas ao controle do espaço aéreo. Mas são mais do que isso, são normas, também, urbanas que dizem respeito à cidade.

A insubordinação dos helipontos

Voar de helicópteros tem inúmeras vantagens em relação aos voos de aviões, em especial quando se está falando de distâncias menores. Em primeiro lugar, comparativamente, são muito mais flexíveis. Os helicópteros podem pousar ou decolar em qualquer lugar, diferente dos aviões que requerem uma estrutura de apoio muito mais complexa. Eles aterrissam em apenas 2 minutos e decolam em apenas 4. Tudo muito rápido e em coerência com o ritmo de tempo desse século.

6 Santos, 2006, p. 186.

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São Paulo é a cidade dos helicópteros. São Paulo é uma verdadeira helicopterópolis a exigir infraestrutura específica para os helicópteros. Em primeiro lugar, cabe mencionar os aeroportos que atendem às aeronaves em geral. São 3 aeroportos para servir a cidade. O de Campo de Marte, situado na zona Norte da cidade; o de Congonhas, na zona Sul e o de Guarulhos/Cumbica. O aeroporto de Guarulhos é o mais recente e o maior aeroporto internacional do país. Situa-se no município de Guarulhos, conturbado à cidade de São Paulo.

A tabela a seguir contém dados sobre a movimentação de helicópteros, aviões a jato e aviões convencionais. Outros tipos, como aviões anfíbios, não foram considerados, o que justifica a nominação da tabela que não incorpora todos os tipos de aeronaves. Vale dizer que

“movimentação” entende-se o pouso e a decolagem de aeronaves, ou seja, a soma de ambas as operações.

Tabela 1

Movimentação de helicópteros, jatos e aviões convencionais nos aeroportos de São Paulo. (2013)

Aeroportos Helicópteros Aviões a jato Aviões

convencionais

Campo de Marte 91.364 2.337 31.747

Congonhas 16.974 24.602 1.421

Guarulhos 7.807 4.622 890

Total 116.145 31.567 34.058

Obs.: Aviões convencionais são aeronaves com monomotor ou bimotores movidos a pistão.

Fonte: Anuário Brasileiro de Aviação Geral, 2013.

Sem sombra de dúvidas, é o Campo de Marte, o mais antigo da cidade, inaugurado em 1920, o aeroporto dos helicópteros. Nele, a movimentação de helicópteros correspondeu a cerca de 80% dos pousos e decolagens, precisamente, a 78,6% da movimentação desse aeroporto. Em segundo lugar, temos o aeroporto de Congonhas com 21,2% e, Guarulhos, com menos de 1%

(0,8). O Campo de Marte também se caracteriza como aeroporto de onde partem vários taxi- aéreos e onde há escolas de pilotagem.

Para o estacionamento dos helicópteros, São Paulo está dotado de hangares. Há hangares específicos nesses aeroportos, mas há, também, hangares privados na região metropolitana, em municípios próximos e conturbados à cidade de São Paulo. Esses hangares são providos de infraestrutura para atender aos helicópteros, seus usuários e pilotos. Possuem oficina de manutenção, área de abastecimento, de manobras e, claro, heliponto, ou seja, local de embarque e desembarque. Ainda, estacionamento de automóveis, estação meteorológica, restaurante, sala de reunião, suítes para descanso... tudo definido para ratificar o uso corporativo do helicóptero.

Em São Paulo e adjacências temos o Helipark situado em Carapicuíba, a oeste; o Helicidade, a sudoeste; o Helicentro, no bairro do Morumbi, a sudoeste; o Hangar ABC, em São Caetano, a sudeste e o Helicentro, no município de Arujá, a nordeste. O Helipark é o maior heliporto da cidade, a “entrada lembra o saguão de um hotel cinco estrelas. Através de uma grande porta de vidro, aberta por meio de um sensor de presença, vê-se a pista de decolagem e nove pontos de

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pouso. Ao fundo, avistam-se as centenas de casebres em tijolo aparente de uma das favelas de Carapicuíba”7.

Um helicóptero pode se aproximar de um hangar se orientando pelo endereço por terra, ou pelo endereço do espaço aéreo. Vejamos o seguinte exemplo, o hangar Helicidade situa-se na Avenida Onófrio Milano, 186, Jaguaré, São Paulo. A localização no espaço aéreo é bem diferente. Como exemplo, estamos dando o endereço aéreo do Helicidade, mas que só é compreensível aos pilotos. São Paulo / Helpn Helicidade, SP SIBH 23 32 48S/046 44 13W
 PRIV UTC-3 VFR L26 737 (2418)
 CMB – PF, TF.

Esses hangares constituem heliportos e não devem ser confundidos com os helipontos que são, simplesmente local de pouso e decolagem, sem equipamentos específicos para atendimento dos helicópteros, como os mencionados anteriormente.

Os helipontos podem ser de dois tipos: de solo ou elevados. Os de solos são poucos, predominando na cidade de São Paulo os helipontos em altura, os helipontos em elevação situados nos topos dos edifícios. Todos eles, independentemente se de solo ou de altura, tem dimensões e formas controladas. No caso específicos dos helipontos em altura possuem uma área central denominada área de toque usada para aterrissagem e decolagem, além de uma área de segurança no entorno da área de toque que deve ter um muro de, pelo ao menos, 1 metro de altura. São esses os helipontos de referência nesse texto, os helipontos em elevação, pois a quase totalidade deles está voltada para o atendimento das empresas. O que permite dizer que são helipontos corporativos.

Os helicópteros se constituem numa forma de escapar do estrangulamento do trânsito da cidade, de escapar de uma cidade à beira de sua imobilidade com seus 7 milhões de veículos, que se digladiam pelas ruas. 8 Essa frota não para de crescer. Sem transporte público adequado, para dizer o mínimo, e com arruamento em forma de espinha de peixe, onde várias vias desembocam numa via dorsal, seu trânsito é um verdadeiro inferno. Metrópole contemporânea, com torres arquitetônicas por onde quer que se olhe, anda a passos de tartaruga. Aprisionada no emaranhado de carros, com uma imensa frota de motos, de quase 1 milhão, que fazem verdadeiras audácias homicidas e autodestrutivas. Isso, a nível do solo, onde a sensação é de caos.

Ao contrário, pelo espaço aéreo a sensação é de deleite pela paisagem de uma imensa paisagem urbana com contrastes do vermelho e do cinza dos telhados das casas. A observação frequentemente é surpreendente porque sempre se revelam ângulos novos da cidade, quando se tem uma “visão de helicóptero”. Percebe-se o perto, o longe e a totalidade da cidade se presentifica. Cada fragmento urbano não é em si. Cresce um mercado específico na cidade, o de voos panorâmicos. A título de exemplo, há uma empresa na cidade que faz 4 roteiros: o circuito Ibirapuera/Paulista, o circuito Memorial/Palmeiras; o Pacaembu/Corinthians e o Circuito Centro da Cidade.

Os helicópteros de uso corporativo são privilégio de poucos. Revelam a imensa desigualdade social dessa helicopterópolis, desse país. Falando de São Paulo, o repórter Tom Phillips, do jornal inglês The Guardian, disse que os milionários circulam pelo céu, moram em

7 Mena, 2008.

8 Departamento de Trânsito do Estado de São Paulo, 2011.

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condomínios de luxo, frequentam resorts luxuosos e vivem em reuniões de negócios enquanto que os pobres mortais da cidade se montam numa orgia de congestionamentos e desastres de motos9.

É isso mesmo. O uso de helicópteros significa ganho de tempo. Mais do que argumentos, a fala de um empresário é bastante significativa. Diz ele: “Uso o helicóptero para ganhar tempo...

É uma equação realmente simples, na cidade em que o tempo – portanto, o dinheiro – é sempre imperativo”. Acrescenta, “ A verdade é que nunca pensei que ia precisar de um helicóptero para meu trabalho. Mas, com ele, consigo visitar 12 das minhas lojas por dia, em vez de quatro”10.

Infelizmente o olhar do jornalista do The Guardian está correto. Milionários, corporações, homens e mulheres de negócio se inserem de forma privilegiada na cidade de São Paulo, o que inclui vivenciar o espaço aéreo como parte da cidade. Utilizam os helipontos da cidade e vale lembrar, helicópteros é coisa mesmo de rico. A manutenção de um helicóptero pode chegar a 1 milhão de reais ao ano, pois há que se pagar o aluguel do hangar, os dispêndios com combustível que é 150% maior que os dos carros, as revisões periódicas, o seguro, o salário do piloto... Muitas vezes a propriedade dos helicópteros é compartilhada e seus proprietários têm direito a uma cota de horas de uso por mês. Mas, como sabemos, administrar coisa de rico é muito difícil é sempre um problema na medida em que o exclusivo e privado devem conviver com o corriqueiro e o público. E em terra de privilegiados o mal feito se faz presente com ares de impunidade.

De forma taxativa afirmamos que os helipontos da cidade de São Paulo são insubordinados às normas do poder público. Contrasta-se assim, a subordinação dos fluxos aéreos dos helicópteros com a insubordinação dos helipontos onde eles pousam e decolam. Esse fato revela que a normatização dos helipontos se constituem grave problema urbano. Em primeiro lugar, porque os ruídos são ensurdecedores, muito embora desde 2009 haja interdição de voarem entre 23 e 6 horas da manhã. Essa interdição foi duramente criticada, inclusive pela Associação Brasileira de Pilotos de Helicópteros. Um antigo presidente dessa associação assim se expressou a respeito em entrevista ao jornalista Bernardo Gutierrez “Quem quiser ouvir passarinho tem que viver fora de São Paulo. Aqui é preciso se acostumar com a modernidade”11.

A insubordinação dos helipontos se revela na dificuldade em se saber seu número exato.

Segundo diferentes fontes, temos diferentes números. Há helipontos homologados, helipontos não homologados, helipontos clandestinos, etc. Para funcionarem, para que entrem em operação, os helipontos devem obter autorização na ANAC e na Prefeitura de São Paulo. Com licença para operarem a ANAC, para o ano de 2013 (abril), listou 274 helipontos.

O que é importante assinalar é que o número de helipontos não para de crescer. Em duas áreas da cidade, com muitos edifícios corporativos, os helipontos se destacam na paisagem urbana.

Na Vila Olímpia há mais helipontos do que pontos de ônibus. São 75 helipontos para 65 pontos de ônibus. Absurdo? Talvez uma monstruosidade.

9 (Phillips: 2008)

10 (Gutiérrez; 2010, 98).

11 Gutierrez, 2010, p. 102.

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Figura 2

Aglomeração de helipontos no Bairro da Vila Olímpia.

Uma recomendação do Comando da Aeronáutica é totalmente desconsiderada, a de que um heliponto deve manter distância de outro, pelo ao menos, de 500 metros. Segundo levantamento da Prefeitura de São Paulo, as duas regiões da cidade que mais tem helipontos, a Vila Olímpia e a Avenida Paulista têm vários helipontos colados um ao lado de outro. Na Vila Olímpia são 12 helipontos nessas condições e na Avenida Paulista são 9.

Em 2009, também por normativa, se baixou de 500 para 300 metros a distância de um heliponto em relação a alguns equipamentos urbanos, tais como, faculdades, universidades, escolas, estabelecimentos hospitalares, maternidades, prontos-socorros, creches, asilos, orfanatos, sanatórios, casas de repouso e geriátricas e, ainda, de equipamentos públicos relevantes. Essa diminuição se deu pela pressão do setor imobiliário. Funcionou. Dois anos depois, em 2011 essa distância ainda abaixou mais. Passou a ser de apenas 200 metros.

Também, nesse mesmo ano, o recuo mínimo de 10 metros em relação a todas as divisas do lote para a instalação de um heliponto foi alterado, passando para apenas 5 metros.

Em 2013 houve tentativas de novas flexibilizações na lei pela Câmara Municipal, inclusive aprovadas pela Câmara municipal. Mas dessa vez, o prefeito usou o seu poder de veto, impedindo alterações. Uma vitória que não se sabe até quando vai durar. Vale mencionar ainda que isso é uma recomendação, não um fato. Há regiões da cidade em que os helipontos estão colados um ao lado do outro.

Um imóvel voltado para uso corporativo alcança maior preço se tiver heliponto. Assim, multiplicam-se os helipontos no topo dos edifícios, numa época em que o setor imobiliário é um setor de grandes inversões de capital procedentes dos quatro cantos do mundo e mesclado com o setor financeiro. A pressão desse setor sobre o poder público é enorme e faz desacreditar os esforços de construção de uma cidade para todos. A pressão das empresas de helicópteros, quer para aluguel, venda ou mesmo as empresas de taxi aéreo, dizendo respeito aos helicópteros, é enorme e foram um lobby poderoso.

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O céu de São Paulo, seu espaço aéreo que não é mercantilizado e não é objeto de negócios possui um controle que objetiva preservar a segurança do voo, que procura assegurar a vida.

Ao contrário, os helipontos, necessários para o pouso e decolagem dos helicópteros se inserem na cidade como negócios imobiliários e são fortemente insubordinados a qualquer ideia da cidade como bem coletivo.

País rico, país de privilegiados num mar de desigualdades sociais, o Brasil apresenta uma helicópteropolis que é a sua cara.

Considerações Finais

O espaço aéreo da cidade faz parte da cidade. Calvino disse que os homens nos seus helicópteros com binóculos e telescópios apontados para baixo, não se cansam de examinar a cidade. Não se cansam de examiná-la folha por folha, pedra por pedra, formiga por formiga, contemplando fascinados a própria ausência. Diríamos que não, com seus binóculos e telescópios, examinando folha por folha, pedra por pedra e formiga por formiga, não estão ausentes da cidade. Estão presentes no espaço aéreo que pertence à cidade. Estão, sim, ausentes do chão, mas pairam nas alturas, no espaço urbano que as contém. Foram-se os tempos em que para se ver a cidade de cima, das alturas, se subia o Pico do Jaraguá ou se sobrevoava a cidade de avião, coisa que era para poucos. Aos poucos, São Paulo foi se transformando numa verdadeira helicopterópolis e a visão de helicóptero não é tão inusual, embora seja privilégio de poucos, em especial dos homens e mulheres de negócios que se utilizam dos helicópteros para se locomoverem, num ritmo frenético imposto pelo adágio:

tempo é dinheiro.

Como dissemos, só aparentemente e como figura de linguagem podemos dizer que os helicópteros voam sobre o céu. De fato, eles fluem sobre o espaço aéreo que se constitui num espaço socialmente produzido. Esse espaço aéreo é parte constitutiva do espaço urbano da cidade de São Paulo, com normas e regras de uso.

Sem ser mercantilizado e objeto de negócio, o espaço aéreo de São Paulo é controlado buscando prevenir acidentes e controlar os fluxos das aeronaves. Preserva-se, assim, a vida dos que voam, a vida dos que estão na superfície do terreno, as edificações e a cidade.

Diferentemente, os helipontos, expressão de construção imobiliária, são, antes de tudo, negócios imobiliários. Subvertem o poder público e são de difícil controle nessa sociedade que ainda ensaia os primeiros passos de uma democracia. Controle rígido de um lado, descontrole de outro. Revela-se, assim, que ambos espaços, o aéreo e o da superfície do terreno por serem ou não mercadorias constituem facetas opostas de uma mesma unidade, pois constituem o espaço urbano.

Revela-se, assim, que o espaço urbano é mais amplo do que comumente é tratado, ele contém o espaço aéreo, normatizado socialmente, que difere como a água do vinho do espaço terrestre por uma condição, ele não é uma mercadoria. Não é uma mercadoria de troca, no sentido econômico. Mas, se pesarmos em termos mais amplos, pode se colocar como uma moeda de troca política, que é o que vimos assistindo no caso de um país ceder seu espaço aéreo a outro.

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Referencias

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