REVISTA
BRASILEIRA
DE
ANESTESIOLOGIA
PublicaçãoOficialdaSociedadeBrasileiradeAnestesiologiawww.sba.com.br
ARTIGO
CIENTÍFICO
Endarterectomia
carotídea:
revisão
de
10
anos
de
prática
de
anestesia
geral
e
locorregional
num
hospital
terciário
em
Portugal
Mercês
Lobo
∗,
Joana
Mourão
e
Grac
¸a
Afonso
InstitutoPortuguêsdeOncologiadoPorto,HospitalFranciscoGentil,Porto,Porto,Portugal
Recebidoem13dejaneirode2014;aceitoem10demarçode2014 DisponívelnaInternetem22deabrilde2015
PALAVRAS-CHAVE Endarterectomia carotídea; Anestesiageral elocorregional; Anestesiapara cirurgiavascular; Revisão Resumo
Justificativa: Estudosretrospectivoseprospectivosrandomizadostêmcomparadoaanestesia locorregionalegeralparaendarterectomiacarotídea,massemresultadosdefinitivos.
Objetivos: Avaliaraincidênciadecomplicac¸ões(médicas,cirúrgicas,neurológicase mortali-dadeintra-hospitalar)numcentroterciárioemPortugalerevisãodaliteratura.
Método: Análiseretrospectivadosdoentessubmetidosaendarterectomiaentre2000e2011 comosoftwareconsultahospitalar.
Resultados: Foramidentificados750doentes,masem13foinecessárioconverteraanestesia locorregionalemanestesiageral.Dos737doentesincluídosnestaanálise,74%foramsubmetidos aanestesialocorregionale26%aanestesiageral.Nãoforamencontradasdiferenc¸as estatis-ticamentesignificativasrelativamenteàsvariáveisestudadasnoperioperatórioentreosdois grupos.Ousodeshuntfoimaisfrequenteemdoentessubmetidosaanestesiageral,diferenc¸a estatisticamentesignificativa.Adiferenc¸aentregruposdeacidentesvascularescerebraise mor-talidadenãofoiestatisticamentesignificativa.Otempomédiodeinternamentofoimaiscurto nosdoentessubmetidosaanestesialocorregional,diferenc¸aestatisticamentesignificativa.
Conclusões: Verificamosqueosdadosencontradossãosobreponíveisaosdescritosna litera-tura.Apósrevisãodaliteraturaconstatamosqueonúmerodeestudosquecomparamanestesia locorregionaleanestesia geraleoseuimpacto nodelirium,nasalterac¸ões cognitivasena diminuic¸ãodaqualidadede vidanopós-operatório éaindadiminutoepodefornecer dados importantesparaacomparac¸ãodasduastécnicas.Assim,permanecemalgumasquestõesem abertoqueobrigamàfeituradeestudosrandomizadoscommaiornúmerodedoenteseemnovas áreas.
©2014SociedadeBrasileira deAnestesiologia.PublicadoporElsevierEditoraLtda.Todosos direitosreservados.
∗Autorparacorrespondência.
E-mail:merceslobo@gmail.com(M.Lobo). http://dx.doi.org/10.1016/j.bjan.2014.03.010
KEYWORDS Carotid endarterectomy; Generaland locoregional anesthesia; Anesthesiafor vascularsurgery; Review
Carotidendarterectomy:reviewof10yearsofpracticeofgeneralandlocoregional anesthesiainatertiarycarehospitalinPortugal
Abstract
Background: Retrospectiveandprospective randomizedstudies havecompared generaland locoregionalanesthesiaforcarotidendarterectomy,butwithoutdefinitiveresults.
Objectives:Evaluatetheincidenceofcomplications(medical,surgical,neurological,and hos-pitalmortality)inatertiarycenterinPortugalandreviewtheliterature.
Methods:Retrospective analysis of patients undergoing endarterectomy between 2000and 2011,usingasoftwareforhospitalconsultation.
Results:A totalof750patients wereidentified,andlocoregionalanesthesiahadtobe con-verted togeneralanesthesiain13 patients.Thus, atotal of737patients wereincludedin thisanalysis:74%underwentlocoregianalanesthesiaand26%underwentgeneralanesthesia. Therewasnostatisticallysignificantdifferencebetweenthetwogroupsregarding periopera-tivevariables.Theuseofshuntwasmorecommoninpatientsundergoinggeneralanesthesia, astatisticallysignificantdifference.Thedifferencebetweengroupsofstrokesandmortality wasnotstatisticallysignificant.Theaveragelengthofstaywasshorterinpatientsundergoing locoregionalanesthesiawithastatisticallysignificantdifference.
Conclusions:Wefoundthatourdataareoverlaidwiththeliteraturedata.Afterreviewingthe literature,wefoundthatthenumberofstudiescomparinglocoregionalandgeneralanesthesia anditsimpactondelirium,cognitiveimpairment,anddecreasedqualityoflifeaftersurgery isstillverysmallandcanprovideimportantdatatocomparethetwotechniques.Thus,some questionsremainopen,whichindicatestheneedforrandomizedstudieswithlargernumber ofpatientsandinnewcenters.
©2014SociedadeBrasileiradeAnestesiologia.PublishedbyElsevier EditoraLtda.Allrights reserved.
Introduc
¸ão
A indicac¸ão para a feitura de endarterectomia carotídea
(EC)foidemonstradaemestudosrandomizadoscontrolados
em doentes sintomáticos e assintomáticos com estenoses
superioresa60%e70%,respectivamente.1,2
Apesardaclarezadoscritérioscirúrgicos,aavaliac¸ãodos fatoresde risco pré-operatório mantém-se pouco consen-sual.Fatorescomosexo,idadesuperiora80anos,doenc¸a cardíacaoupulmonarsevera,doenc¸arenalouinsuficiência renal,doenc¸acarotídeasintomática,oclusãocontralateral ECpréviaemotivosanatômicossãoapontadoscomoderisco emalgunsestudos,3-5oquenãofoidemonstradoemoutros
trabalhos.6-8
Adificuldadedaidentificac¸ãodosfatoresderisco, associ-adaàdiminuic¸ãodamortalidade,9temlevadoaumaumento
donúmerodedoentespropostosparaessetratamento6,10e
levantadoquestõessobreaabordagemanestésica.Podea técnicaanestésicaterimpactonooutcomeclínico?
OestudoGALAanalisou3.526doentes,comparoua anes-tesia locorregional (ALR) com a anestesia geral11 (AG) e
encontrouumatendênciaparadiminuic¸ãodamortalidade noOR0,62(95% IC0,36-1,07) quandodousodaanestesia locorregional.Subanálisesdesseestudomostraramtambém umadiminuic¸ão dotempo de internamento e dos custos, masnãoimpactona evoluc¸ão clínica12 (clinicaloutcome).
Essesdadosforamtambémconfirmadosnoutrosestudosnão randomizados,mascomelevadonúmerodedoentes.
Mais recentemente, o estudo NSQIP apontou para um aumentodoriscodeenfarteagudodomiocárdionoperíodo
pós-operatório nosdoentessubmetidos àECsob anestesia geral(OR2,18IC).13
Apesar da existência de vários estudos randomizados controladossobreoimpactodaanestesianosdoentes sub-metidosàEC,onúmerototaldedoentesincluídoséainda demasiadopequeno/underpowered1paraavaliaroimpacto
da técnica anestésica sobre o outcome clínico.14 Se aos
resultados dos estudos prospectivos forem adicionados os estudosretrospectivos,verifica-seumaumentoda tendên-ciaparaadiminuic¸ãodamortalidadeemelhoriadooutcome
emALR,masaindasemnúmerosuficiente.
Objetivos
Avaliara incidênciade complicac¸ões (médicas,cirúrgicas, AVC perioperatório e mortalidade intra-hospitalar até os 30dias)quandousadaALRversusAG.Avaliarosfatoresde risco perioperatóriosnumcentro terciárioem Portugal ao longode10anos.
Métodos
Análiseretrospectiva,apósconsentimentodaComissãode Ética, detodos osdoentes submetidos à endarterectomia carotídeanoCentroHospitalardeS.João,noPorto,de18 dejaneirode2000a19dejulhode2011.
Acoletadonúmerototaldedoentessubmetidosà endar-terectomia carotídea foi feita com o software hospitalar IEG,desenvolvidopeloServic¸odeEstatísticaeInformática
MédicadaFaculdadedeMedicinadaUniversidadedoPorto. Após consulta do processo clínico, excluíram-se todos os doentes erradamente codificados, os doentes submetidos nomesmointernamentoadiferentestiposdeintervenc¸ão cirúrgicaeaquelesem quenãofoipossívelrecolhera téc-nicaanestésicausada.Aexclusãodedoentesfoifeitaapós discussãoentrepares.
Variáveis estudadas: idade, sexo, patologia associada (hipertensão,diabetes,dislipidemia,insuficiênciarenal crô-nicaterminal,tabagismo,doenc¸acoronária,doenc¸aarterial periférica), indicac¸ão cirúrgica (grau de estenose), este-nose contralateral(grau de estenose),estadoneurológico pré-operatório(desconhecido,assintomático,AIT hemisfé-rico,AITretiniano,AVChemisférico,AVCretiniano),técnica cirúrgicaeusodeshunt.
Ainduc¸ãodaanestesiageralfoifeitacompropofol, fen-tanilouremifentanil,relaxamentomuscularparaentubac¸ão orotraquealemanutenc¸ãocomsevoflurano,opioidee rela-xantemuscular.Anestesialocorregionalfoifeitanamaioria dasvezessobbloqueiodoplexocervicalsuperficiale pro-fundo e numa minoria das vezes sob bloqueio superficial superficialcomropivacaínaa7,5%.Quandodaabordagemda bainhacarotídeaocirurgiãoinfiltroucomanestésicolocal. Instabilidade hemodinâmica foi tratada de acordo com a preferênciaindividualdoanestesista.Antesdoperíodode clampagemarterialprocedeu-seporrotinaàheparinizac¸ão. A monitorac¸ão neurológica usada por rotina foi a com odoenteacordado.Nosdoentessobanestesiageralo regis-trodapressãodeStumpfoiusadosegundoapreferênciado cirurgião.Umlimiar30-40mmHgfoiusadocomoreferência paracolocac¸ãodeshunt.
Monitorac¸ão neurológica com eletroencefalograma (EEG),EEGprocessado,potenciaisevocados somatossensi-tivos, doppler transcraniano, saturac¸ão venosa central ou mista,oximetriacerebralnãoforamusadosporrotina.
Presenc¸a de hematoma (com ou sem necessidade de reintervenc¸ão cirúrgica), trombose, lesão de nervos cra-nianos, complicac¸ões médicas, dias de internamento, mortalidade intra-hospitalar aos 30 dias, AVC (acidente vascular cerebral de etiolologia embólica, trombótica ou hemorrágicaassociadoadéficitneurológicoquepersistepor maisde24 horas)e enfarteagudo domiocárdioforamas variáveisestudadasnopós-operatório.
A análisededadosfoifeitacomo softwareSPSS(SPSS Inc.,Chicago,II).Otestequi-quadradoeotesteexatode Fisherforamusadosnaanálisedevariáveiscategóricas.Na análisedevariáveiscontínuasfoiusadootestetdeStudent. Foiconsideradoumníveldesignificânciade0,05.
Resultados
Foramidentificados750doentes quepreenchiamos crité-riosdeinclusão.Dessesfoinecessárioconverteraanestesia locorregionalem anestesiageral em13 doentes,peloque foramexcluídosdarestanteanálise.
Natabela 1encontram-se descritososmotivosde con-versão:emsetedoentes(53,8%)nãofoipossívelidentificar o motivo da conversão nos restantes, deveu-se majorita-riamente a alterac¸ões do estado de consciência (30,8%). Apenasum doente foi incapaz decolaborar durante toda acirurgia(7,7%).Registramostambémumaconvulsãoapós
Tabela1 Conversãodeanestesialocorregionalpara anes-tesiageral
Idade 67,8±7,65
Sexo(masculino) 11(84,6%) Motivodesconhecido 7(53,8%) Faltadecolaborac¸ãododoente 1(7,7%) Alterac¸ãodoestadodeconsciência 4(30,8%)
Convulsão 1(7,7%)
Usodeshunt 6(46,2%)
Lesãodenervoscranianos 4(30,8%) Hematomacervical 2(15,4%) AVC<30dias 5(38,5%) Mortes<30dias 0 Diasdeinternamento 7,7±9,5
a infiltrac¸ão da bainha carotídea (7,7%). Após a
conver-sãodatécnicaanestésicaregistramosumusodeshuntem
seisdoentes(46,2%).Optou-senosrestantesporprosseguir
comacirurgiasemrecorreraousodeshunt.Cincodoentes
(38,5%)sofreramAVCnoperíodoentreacirurgiaeos30dias
pós-operatórios.Nesse gruponãofoiencontradanenhuma
morte.
Foram incluídos nesta análise 737 doentes. Desses,
74% foram submetidos a anestesia locorregional e 26% a
anestesiageral.
Nãoforamencontradasdiferenc¸asestatisticamente
sig-nificativas relativamente à distribuic¸ão de idade, sexo,
diabete,insuficiência renal crônicaterminal, tabagismo e
doenc¸acoronárianosdoisgrupos.Hipertensãoarteriale
dis-lipidemiaforammaisfrequentesnosdoentessubmetidosa
anestesialocorregionalvsgeral (88%vs79%e 72%vs65%;
p<0,05),respectivamente(tabela2).
A avaliac¸ão do status neurológico pré-operatório encontra-sedescrita na tabela2. Cercade 25%dos doen-teseramassintomáticosantesdacirurgia(23%vs25%;AGvs
ALR,respectivamente).Osrestantes75%apresentavam-se sintomáticos.Não foramencontradas diferenc¸as estatisti-camentesignificativasentreosgrupos(p>0,05).
Aindicac¸ão cirúrgica,ograu deestenosecontralateral eatécnicacirúrgicaencontram-sedescritosnastabelas2 e 3 e não foram encontradasdiferenc¸as estatisticamente significativasentregrupos.
O uso de shunt foi diferente entre os dois grupos. Constatou-seo seuuso em 14% dosdoentes submetidos à anestesiageraleem3%dosdoentessubmetidosaanestesia locorregional,diferenc¸aestatisticamentesignificativa.
Registramos uma percentagem semelhante de lesões de nervos cranianos nos doentes submetidos à anestesia gerale anestesialocorregional, 6%e 5%,respectivamente (tabela4).
Hematomas sem necessidade de reintervenc¸ão cirúr-gicativerama mesma expressão nosdois grupos (3%).No entanto, houve necessidade de cirurgia mais frequente-mente no grupo submetido à anestesia geral (4% vs 2%), mas sem significância estatística. Não houve diferenc¸as relativamenteà trombose dolocal dacirurgia. A percen-tagem de complicac¸ões médicas nos dois grupos foi de 4%. A complicac¸ão médicamais frequente foi a instabili-dadehemodinâmicacomhipotensãoehipertensãoarterial, seguidadecomplicac¸õesrespiratóriaseperdadaviaaérea.
Tabela2 Demografiaecaracterizac¸ãodascaracterísticas baselinedaamostra Técnicaanestésica n=737 Anestesiageral n=197(26,7%) Anestesia locorregional n=540(73,3%) Idade 66,5±9,3 69,9±9,4 Homens 152(77,2%) 427(79,1%) Hipertensão arterial 155(78,7%) 475(88%) Diabete 60(30,5%) 202(37,4%) Dislipidemia 128(65%) 390(72,2%) Insuficiênciarenal crônicaterminal 11(5,6%) 31(5,7%) Tabagismo(exou atual) 57(28,9%) 182(33,7%)
Doenc¸acoronária 61(31%) 163(30,2%)
Statusneurológicopré-operatório
Assintomático 44(22,3%) 136(25,2%) AIThemisférico 39(19,8%) 97(18,0%) AITretiniano 9(4,6%) 13(2,4%) AVChemisférico 94(47,7%) 273(50,6%) AVCretiniano 2(1%) 3(0,6%) Desconhecido 9(4,6%) 18(3,3%)
Indicac¸ãocirúrgica
50%-69% 12(6,1%) 45(8,3%) 70%-99% 164(83,2%) 454(84,1%) Outra 0(0) 4(0,8%) Desconhecido 21(10,7%) 37(6,9%) Estenosecontralateral Ausente 25(12,7%) 65(12,0%) <50% 56(28,4%) 146(27%) 50%-69% 9(4,6%) 73(13,5%) 70%-99% 14(7,1%) 50(9,3%) Oclusão 20(10,2%) 36(6,7%) Desconhecida 73(37,1%) 170(31,5%)
Tabela3 Procedimentoanestésicoecirúrgico
Técnica cirúrgica Anestesia geral Anestesia locorregional Encerramento direto 32(16,2%) 62(11,5%) Patch 132(67%) 403(74,6%) Eversão 27(13,7%) 72(13,3%) Enxerto 1(0,5%) 1(0,2%) Missing 5(2,5%) 2(0,4%) Usodeshunt 26(13,2%) 13(2,4%)
ApósECidentificamos12acidentesvascularescerebrais,
seisnogrupoAG(1,1%)eseisnogrupoALR(3%),diferenc¸a
nãoestatisticamentesignificativa.
Nos dois grupos a mortalidade aos 30 dias situou-se à
voltade1%,sendoadecausaneurológicade0,5%e0,35%
e a de causacardíaca 0,2% e 0,5% nos grupos ALR e AG,
Tabela4 Resultados Anestesia geral Anestesia locorregional Hematomacom reintervenc¸ão 8(4,1%) 12(2,2%) Hematomasem reintervenc¸ão 6(3,0%) 18(3,3%) Trombose 2(1%) 4(0,8%) Lesãodenervos cranianos 11(5,6%) 28(5,2%)
Complicac¸õesmédicas 7(3,6%) 21(3,9%)
Hipo/hipertensão 2(1%) 10(2%)
Patologiarespiratória 3(1,5%) 6(1,1%)
Viaaérea 2(1%) 2(0,4%)
Convulsão 0(0%) 2(0,4%)
Nefropatiaporcontraste 0(0%) 1(0,2%)
AVCaos30dias 6(3%) 6(1,1%)
Diasdeinternamento 8,7±34,0 2,4±28,0
Mortalidadeaos30diasapósoatoanestésico
Mortedecausa neurológica
1(0,5%) 2(0,4%)
Morteapósenfarte miocárdio
1(0,5%) 1(0,2%)
respectivamente,diferenc¸anãoestatisticamente
significa-tiva(p>0,05).
Discussão
Apesar dadificuldadedequantificar oimpactodaescolha
datécnicaanestésicanooutcomedosdoentessubmetidosà
EC,14 sãodescritasvantagensedesvantagens.
Assim, as vantagens teóricas apontadas da ALR são a possibilidade de monitorac¸ão neurológica com o doente acordado, preservac¸ão da autorregulac¸ão cerebral, com manutenc¸ãodapressão deperfusãocerebral ediminuic¸ão dousodeshunt;comodesvantagenssãoapontadosa neces-sidade de colaborac¸ão do doente, o acesso remoto à via aérea e potenciaiscomplicac¸ões decorrentes do bloqueio do plexo cervical (como a paralisia do nervo frênico, do laríngeorecorrente, a injec¸ão epidural,subaracnoideaou intravasculardoanestésicolocal).
AAGencontracomovantagensteóricasocontroledavia aérea,apossibilidadedecontroledaPaCO2eaimobilidade docampocirúrgico;noentanto,apresentatambém desvan-tagensteóricas,comoadiminuic¸ãodaatividadesimpática e dapressão arterial,comnecessidademaisfrequentede usodevasopressores.
Apósaanáliseefetuadaverificamosqueafrequênciade usodaALRfoiaumentandoaolongodoperíodoestudadoe foiatécnicamaisusada(73%).A.crescente-sequeaopc¸ão pelo usodaALRnanossaanálise deveu-seprovavelmente ao aumento do conforto daequipe médico-cirúrgica e ao fato de a ALR proporcionar monitorac¸ão neurológica de elevadaqualidadeebaixocusto.
Outras técnicasdeneuromonitorac¸ão,como potenciais evocados somatossensitivos, pressão de stump, eletroen-cefalografia, doppler transcraniano e oximetria cerebral, têm baixa especificidade e/ou sensibilidade, elevado
custo, dificuldade de execuc¸ão e necessidade de treino específicooudapresenc¸adeoutrosprofissionaisdesaúde para a sua correta interpretac¸ão.15-17 Por esses motivos,
a monitorac¸ão com o doente acordado com avaliac¸ão do nível de consciência, do discurso e dos testes motores e sensitivospermaneceopadrãoouro.18
Nãoencontramosdiferenc¸asentreascaracterísticas pré--operatóriasestudadasnosdoisgrupos,excetonosdoentes comhipertensãoarterialedislipidemia;essesforam prefe-rencialmenteanestesiadoscomALR(p<0,05).Apreferência dos clínicos pelo recurso à ALR pode-se justificar pela preservac¸ão da autorregulac¸ão cerebral19,20 e uma maior
estabilidadehemodinâmicanointraoperatórioenoperíodo pós-operatórioimediato.11
Acolocac¸ãoseletivadeshuntfoidiferentenosdois gru-poseverificou-seummenorusonogrupodedoentessobALR (3%vs14%,p<0,05),diferenc¸adescritanoutrosestudos.11
Esse fatoé relevante, umavez que acolocac¸ão deshunt
estáassociadaàocorrênciadecomplicac¸ões:embolizac¸ão gasosa,daplaca,lacerac¸ãoedissecc¸ãocarotídea.21
No grupode doentes em que foinecessário converter ALRparaAGverificamosqueomotivomaisfrequentefoia alterac¸ãodoestadodeconsciênciaeapenasumaconversão foimotivadapelafaltadecolaborac¸ãododoente.Segundo o conhecimentodos autores nãoexiste estudo cujo obje-tivotenhasidoaanálisedooutcomedosdoentesemquefoi necessárioconverteratécnicaanestésica;nonossoestudo observamosumaelevadataxadecomplicac¸õesno periope-ratórionesse grupodedoentes, oquesugere a conversão comoumpossível indicadorderisco paracomplicac¸õesno períodoperioperatório.
Nãoforamencontradasdiferenc¸asestatisticamente sig-nificativas entre grupo ALR e AG no que respeita a complicac¸ões pós-operatórias. Encontramos uma taxa de mortalidade de 0,6% vs 1% semelhante à descrita na literatura.22
O tempomédio deinternamentofoidiferenteentreos grupos(p>0,05),maiscurtonosdoentessubmetidosàALR. Esseresultadodeveserinterpretadocomalgumaprecauc¸ão, umavezqueapesardeadiferenc¸aserestatisticamente sig-nificativa,asmargensdodesviopadrãosãosobreponíveis. Essa diferenc¸a foi também encontrada em vários estudos randomizados.11,12Nonossoestudonãoconseguimos
encon-trar correlac¸ão entre esse fato e as variáveis estudadas. Ficam assim algumas perguntas por responder: poderá o aumentodotempodeinternamentonogruposubmetidoa AGestar associadoa umaumentodaincidência deoutros fatoresnãoavaliadosnonossoestudo,comoodelirium,as alterac¸õescognitivas,adiminuic¸ãodaqualidadedevida,a presenc¸adeAVCrecenteouapermanênciaprolongadapara reabilitac¸ão.Algunsestudosabordaramessetema,mascom pequenasamostraseresultadosdivergentes.23-27
Existemalgumaslimitac¸õesnesteestudo.Trata-sedeum retrospectoe comotal dependeudaconsulta doprocesso clínico par a a identificac¸ão das complicac¸ões periopera-tórias. Nãofez parte dos objetivos doestudo a avaliac¸ão doperíodointraoperatório,apenasavaliamosamortalidade intra-hospitalar,enãodiferenciamosAVCintra-hospitalarde extra-hospitalar,oquepodeterinfluídononúmerodeAVC registrados.
Comafeituradestaanáliseencontramosalgumas ques-tões que permanecem sem resposta e que apontam para
a necessidade de estudos randomizados controlados com inclusão de um elevado número de doentes. Permanece por esclarecer como devem ser usadas as técnicas de neuromonitorac¸ãonaEC,deformaaaumentara sensibili-dadeeespecificidadeemelhorarodiagnósticode ocorrên-ciade eventosadversos.Verificamos tambémque apenas umpequenonúmerodeestudossetemdebruc¸adosobreo impactodatécnicaanestésicanodelirium,nasalterac¸ões cognitivas e na diminuic¸ão da qualidade de vida no pós--operatório,temasquepodemcontribuirparaaclarificac¸ão doimpactodatécnicaanestésicanooutcomeclínico.
Conflitos
de
interesse
Osautoresdeclaramnãohaverconflitosdeinteresse.
Referências
1.Endarterectomyforasymptomaticcarotidarterystenosis. Exe-cutiveCommitteefortheAsymptomaticCarotidAtherosclerosis Study.JAMA.1995;273:1421---8.
2.North American Symptomatic Carotid Endarterectomy Trial. Methods, patient characteristics, and progress. Stroke. 1991;22:711---20.
3.HalmEA, Hannan EL,Rojas M,et al. Clinical and operative predictorsofoutcomesofcarotidendarterectomy.Journalof VascularSurgery.2005;42:420---8.
4.ReedA.Preoperativeriskfactorsforcarotidendarterectmoy: definingthepatientathighrisk.JVascSurg.2003;37:1191---9. 5.KangJL,ChungTK,LancasterRT,etal.Outcomesafter
caro-tidendarterectomy:isthereahigh-riskpopulation?ANational Surgical Quality Improvement Program report. J Vasc Surg. 2009;49,33-18-339.e1---discussion338-9.
6.GasparisAP,RicottaL,CuadraSA.High-riskcarotid endarterec-tomy:factorfiction.JVascSurg.2003;37:40---6.
7.GaseckiAP,EliasziwM,FergusonGG,etal.Long-term progno-sisandeffectofendarterectomyinpatientswithsymptomatic severe carotid stenosis and contralateral carotid stenosis or occlusion:resultsfromNASCET.JNeurosurg.1995;83:778---82. 8.Jackson RS, Black JH III, Lum YW, et al. Class I obesity
is paradoxically associated with decreased risk of postope-rative stroke aftercarotid endarterectomy. YMVA[Internet]. 2012;55:1306---12.
9.GargJ,FrankelDA,DilleyRB.Carotidendarterectomyin aca-demicversuscommunityhospitals:thenationalsurgicalquality improvementprogramdata.AnnVascSurg.2011;25:433---41. 10.LaMuragliaGM,BrewsterDC,MoncureAC,etal.Carotid
endar-terectomyatthemillennium.AnnSurg.2004;240:535---46. 11.GALA Trial Collaborative Group,LewisSC, Warlow CP,et al.
Generalanaesthesiaversus localanaesthesiaforcarotid sur-gery(GALA):amulticentre,randomisedcontrolledtrial.Lancet [Internet].2008;372:2132---42.
12.GomesM,SoaresMO,DumvilleJC,etal.Co-effectiveness analy-sisofgeneralanaesthesiaversuslocalanaesthesiaforcarotid surgery(GALATrial).BrJSurg.2010;97:1218---25.
13.LeichtleSW,MouawadNJ,WelchK,etal.Outcomesofcarotid endarterectomyundergeneralandregionalanesthesiafromthe AmericanCollegeofSurgeons’NationalSurgicalQuality Impro-vementProgram.JVascSurg.2012;56:81---8,e3.
14.RerkasemK,RothwellPM.Localversusgeneralanestheticfor carotidendarterectomy.Stroke.2009;40:e584---5.
15.Hans SS,JareunpoonO. Prospectiveevaluationof electroen-cephalography,carotidarterystumppressure,andneurologic changesduring314consecutivecarotidendarterectomies per-formedinawakepatients.JVascSurg.2007;45:511---5.
16.FriedellML,ClarkJM,GrahamDA,etal.Cerebraloximetrydoes notcorrelatewithelectroencephalographyandsomatosensory evokedpotentialsindeterminingtheneedforshuntingduring carotidendarterectomy.JVascSurg.2008;48:601---6.
17.PennekampCWA,MollFL,deBorstGJ.Thepotentialbenefits andtheroleofcerebralmonitoringincarotidendarterectomy. CurrOpinAnaesthesiol.2011;24:693---7.
18.RajuI,FraserK.Anaesthesiaforcarotidsurgery.Anesthesiaand IntensiveCareMedicine.2013;14:208---11.
19.McClearyAJA,DeardenNMN,DicksonDHD,etal.Thediffering effectsofregionalandgeneralanaesthesiaoncerebral metabo-lismduringcarotidendarterectomy.EurJVascEndovascSurg. 1996;12:173---81.
20.McCarthyRJ,NasrMK,McAteerP,etal.Physiological advanta-gesofcerebralbloodflowduringcarotidendarterectomyunder localanaesthesia.Arandomisedclinicaltrial.EurJVasc Endo-vascSurg.2002;24:21---521.
21.AbuRahmaAF,StonePA,HassSM,etal.Prospectiverandomized trialofroutineversusselectiveshuntingincarotid endarterec-tomybasedonstumppressure.YMVA.2010;51:1133---8.
22.Menyhei G, Björck M, Beiles B, et al. Outcome following carotid endarterectomy: lessonslearned from a large inter-nationalvascularregistry.EurJVascEndovascSurg.2011;41: 735---40.
23.WeberCF,FriedlH,HueppeM,etal.Impactofgeneralversus localanesthesiaonearlypostoperativecognitivedysfunction followingcarotidendarterectomy:GALAStudySubgroup Analy-sis.2009;33:1526---32.
24.DeRangoP,CasoV,LeysD,etal.Theroleofcarotidearyrt stentingandcarotidendarterectomyincognitiveperformance: asystematicreview.Stroke.2008;39:3116---27.
25.HeyerEJ,GoldMI,KirbyEW,etal.Astudyofcognitive dysfunc-tioninpatientshavingcarotidendarterectomyperformedwith regionalanesthesia.AnesthAnalg.2008;107:636---42.
26.Heyer EJ. Neuropsychological dysfunction in the absence of structuralevidenceforcerebralischemiaafteruncomplicated carotidendarterectomy.Neurosurgery.2006;58:474.
27.HeyerEJ,SharmaR,RampersadA,etal.Acontrolled prospec-tivestudyofneuropsychologicaldysfunctionfollowingcarotid endarterectomy.ArchNeurol.2002;59:217---22.