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Corpo-memória, discursividade e processos criativos em dança.

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Academic year: 2020

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Corpo-memória, discursividade e processos criativos em dança.

Juliana Cunha Passos (Doutorado em Artes da Cena, UNICAMP)

Existem diversas formas de linguagem, algumas são linguagens verbais (oral e escrita) e outras são não verbais. Uma determinada linguagem artística pode apresentar elementos de diversas linguagens. A dança, por exemplo, se apresenta como linguagem visual (as imagens dos corpos dos

artistas, figurino, cenário, iluminação, objetos cênicos), linguagem sonora (a música ou os sons produzidos / emitidos na cena), linguagem gestual e cinestésica (dos movimentos).

A dança pode também utilizar-se da linguagem verbal (oral e escrita), tanto na apresentação da obra quanto no seu processo de criação e divulgação: textos falados, cantados ou projetados durante o espetáculo; textos utilizados para a elaboração do espetáculo ou textos sobre o espetáculo (release, críticas, comentários, reportagens).

Segundo Navas (2008), Maria Lúcia Santaella1 define três matrizes que estruturam a linguagem e o pensamento humano: a matriz verbal, a matriz visual e a matriz sonora. Cada uma das matrizes é fundamentada por seu princípio de origem: discursividade, visualidade e sonoridade, respectivamente. As linguagens artísticas são sempre híbridas de matrizes, porém em cada uma delas é possível identificar uma matriz mais emergente.

O princípio da visualidade refere-se àquilo que toma forma, que se presentifica à frente de nossos olhos, como algo que se impregna de matéria, mesmo que onírica, podendo portanto apresentar-se diante dos “olhos da espírito”. O princípio da sonoridade pode ser definido como aquele da evanescência, da passagem do tempo, da desaparição. O princípio fica patente naquilo que é feito para passar, como o som, que acontece no tempo, para passar com ele e com ele ser levado.

O princípio da discursividade está fundamentado na inscrição ou na intenção de imprimir

um traço, mesmo quando este é mera garatuja.

Um traço que permita o transporte para outras fronteiras do aqui e agora, do concomitante, apontando-se para o passado e futuro, preconizando, dentro de um registro poético do tempo, uma separação entre ‘pré-história’ e uma das histórias possíveis. (NAVAS, 2008, p. 5).

Das artes visuais (como a pintura, escultura, fotografia, arquitetura) emerge prioritariamente

a matriz visual. Em obras cinéticas ou que marcam de alguma forma a passagem do tempo aparecem traços da matriz sonora. Da música emerge a matriz sonora, porém quando é executada em um concerto ou um show, a matriz visual está presente nos corpos dos intérpretes e nos instrumentos musicais.

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Da literatura emerge fortemente a matriz verbal, a matriz visual pode se fazer presente pela imaginação do leitor ou nas imagens ou ilustrações que acompanham os textos. O teatro e o cinema adicionam à matriz verbal do texto uma materialidade (matriz visual) e uma temporalidade (matriz sonora). Na dança, as matrizes visual e sonora são as mais emergentes: a dança se apresenta e passa diante dos olhos do público.

Como podemos detectar, por exemplo, o princípio da discursividade em obras de dança? É facilmente identificado em obras (prioritariamente uma linguagem não-verbal) que utilizam textos

(orais ou escritos) como dramaturgia de origem2 (libreto, poema, romance, entrevistas, canções), que servem de estímulos para a criação coreográfica. Nestas obras é possível perceber um fio

condutor narrativo e o princípio discursivo está bastante claro.

Como perceber a discursividade presente em obras de dança onde o criador aparentemente não tem “nada a dizer” e mostra movimentos encadeados em cadeias de significação sem fim? A

discursividade da obra está presente também na imagem das formas dos movimentos, dos figurinos, iluminação, cenários e objetos cênicos, na passagem do tempo nas cenas, nas músicas, nos sons executados ou emitidos na apresentação da obra. E acima de tudo, a discursividade está nos corpos que se movimentam ou que se silenciam nas cenas.

Na dança afastada da intenção de comunicar conteúdos que não sejam aqueles de sua própria estrutura, está impresso o traço primordial, a grafia que cada bailarino escreve com sua presença, simplesmente por estar em cena, grafia escrita em seus corpos, fruto de articulação entre o herdado e o adquirido, entre natureza e cultura. (NAVAS, 2008, p.5)

Para se compreender melhor esta questão é necessário perceber que em um espetáculo de dança estão presentes elementos da “cultura coreográfica”3 em si (que abrange gêneros e técnicas corporais, além de elementos composicionais da obra e elementos estilísticos do artista-criador) e também elementos da “cultura do corpo” e da “cultura da dança” presentes nos corpos dos intérpretes. Todos estes elementos se unem à música, ao cenário, figurino e iluminação para construir os sentidos e significados da obra.

Os corpos dos intérpretes estão impregnados de traços culturais. Os hábitos cotidianos (dormir, comer, vestir, sentar, movimentar) e as práticas / técnicas corporais realizadas (esportes, artes marciais, ginástica, danças) moldam os corpos. Esta bagagem corporal ou “cultura do corpo” dos intérpretes fornece sentidos para o público que os assiste e também influência diretamente os processos criativos e as qualidades dos movimentos que estão presentes no espetáculo.

O termo “cultura da dança” se refere às manifestações da dança social ou ritual, sem

intenção de apresentação para um público. São práticas de dança que também exercem influência sobre os corpos dos artistas e sobre suas formas de se movimentar e de criar, o que

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Ver NAVAS, Cássia. Dança: escritura, análise e dramaturgia. In Anais do II Congresso da Abrace. Salvador: UFBa. 2002.

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consequentemente influencia a percepção e a criação de sentidos pelo público. Por exemplo, em uma obra de dança, intérpretes que possuem experiências ou vivências com um tipo específico de manifestação de dança, como por exemplo, samba, frevo ou capoeira trazem elementos e qualidades de movimento diferentes de outros intérpretes que possuem experiências com hip hop ou participam de rituais de candomblé.

Estes elementos da “cultura do corpo” e da “cultura da dança” podem estar inseridos na

cultura coreográfica de maneira não intencional, por exemplo, quando é possível identificar

elementos da cultura do corpo (técnicas, hábitos ou forma de se movimentar) dos intérpretes ou da cultura da dança (práticas corporais organizadas) presente em seus movimentos e qualidades

expressivas.

Os artistas da dança e de outras linguagens artísticas podem também intencionalmente buscar estes elementos para inseri-los em suas obras. Por exemplo, quando são inseridos movimentos do cotidiano ou de outras práticas corporais (“cultura do corpo”) como elementos de composição na cultura coreográfica ou quando são inseridos elementos e movimentos de danças sociais (“cultura da dança”) no espetáculo.

Corpo- memória (ou existência) na criação artística

A questão central que aflige todo artista é como se libertar dos padrões, do senso comum, do óbvio e deixar livre o fluxo de criação e a inspiração? Tudo que nós vivemos, todas as experiências, sensações corporais, emoções, sentimentos, relacionamentos (consigo, com o outro, com o mundo) marcam nossa vida e nos faz ser quem somos (fisicamente e psicologicamente). Não é a genética que nos defini, são nossas vivências.

Dois irmãos gêmeos idênticos não apresentam personalidade e comportamentos iguais. Nem mesmo seus corpos (fenótipos) são necessariamente iguais: um pode ser gordo e o outro mais magro (diferentes relações com a alimentação), um pode ser corcunda e o outro não (diferentes relações com a postura), um pode ser musculoso e o outro flácido (diferentes relações com o tônus muscular).

A forma como nos movimentamos, sentamos, deitamos, caímos, ficamos em pé, pegamos objetos, nos vestirmos ou nos despirmos, comemos, recebemos e damos carinho, conversamos, respiramos, choramos ou beijamos, entre tantas outras atividades humanas, marca nossa aparência

física, nossa personalidade, nosso comportamento, nossa história de vida. Nós somos nossas vivências e nossas memórias.

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vivi e o que eu vivo. Esta “bagagem”, em alguns aspectos, está presente no nosso consciente e em grande parte, guardada no inconsciente, podendo ser ou não acessada, vir ou não vir à tona dependendo de fatores externos ou internos.

Nas artes corporais, cujo material do artista é ele próprio, isto se torna mais evidente. O artista é objeto de pesquisa, de criação e a própria obra. Criador e criatura. Sujeito e objeto. Forma e conteúdo. O corpo se expressa e comunica sentidos e significados mesmo quando não há intenção ou desejo.

Existem certos padrões de movimento específicos de cada pessoa, que muitas vezes estão relacionados com sua cultura corporal (experiências e técnicas de uso do próprio corpo). Rudolf

Laban4, grande teórico da dança do século XX, desenvolveu uma metodologia de análise do movimento humano e distinguiu quatro fatores: espaço (direto e flexível), tempo (rápido e lento), força/peso (forte/pesado e leve/fraco) e fluência (livre e controlada).

Em cada movimento é possível analisar cada um dos fatores. Assim ao observarmos, por exemplo, pessoas andando livremente numa rua, percebemos qualidades específicas e combinações: algumas andam rápido, firme, direto e controlado, outras pessoas andam devagar, suave, de maneira flexível e livre (sem definir uma trajetória específica).

Às vezes estes fatores são determinados por fatores externos ao indivíduo: estar atrasado para um compromisso nos força a andar mais rápido; muitas pessoas na rua nos forçam a andar de maneira mais flexível (desviando dos obstáculos) ou mais devagar (tendo dificuldade de mobilidade). Porém se retirarmos toda influência externa e colocarmos uma pessoa numa sala vazia e pedirmos para caminhar livremente, cada pessoa utilizará os fatores de movimento a sua maneira, de acordo com suas próprias vivências e personalidades.

Assim também acontece quando solicitamos que artistas improvisem livremente através de movimentos. Alguns irão fazer movimentos pequenos, lentos e contidos. Outros poderão fazer movimentos mais amplos, rápidos e fluentes. Alguns se deslocarão pelo espaço, outros se

movimentarão sem deslocamentos horizontais. Alguns farão movimentos mais curvos, outros movimentos mais retos. Alguns se movimentarão em pé, outros sentados ou deitados.

O que define as escolhas, as decisões? Estas escolhas são conscientes ou regidas por fatores inconscientes? A memória (consciente ou não, voluntária ou não) de todas nossas vivências. Memória não somente no sentido do retorno do sujeito ao passado (“lembranças de situações ou

fatos passados”) ou como uma atitude, uma intenção (“vou fazer determinado movimento que eu já fiz ou já vi alguém ou algo fazendo”). Memória que nos diz quem somos, que nos define como

somos.

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Se apenas podemos usar nossa (s) memória (s), ou seja, o que somos, como ferramenta para criar, como deixar de ser o que nós somos e sermos outro (s)? Como nos libertarmos das amarras que nos prendem a nossa existência, que nos prendem ao que somos?

Muitos artistas e pesquisadores das artes cênicas têm se debruçado sobre estas questões há muitos séculos, refletindo sobre a expressividade e a capacidade de interpretação do homem. Noverre (1727-1810), no século XVIII, buscava a expressividade na dança e realizava pesquisas sobre interpretação de gestos e pantomimas. Delsarte (1811-1871) realizava pesquisas dos

mecanismos pelos quais o corpo traduz os estados sensíveis interiores. Sua premissa era de que a intensidade do sentimento comandava a intensidade do gesto.

No século XX, com o início da Dança Moderna, surgem novas teorias e pensamentos sobre dança: Laban (1879-1958) e o estudo das qualidades do movimento; Isadora Duncan (1878-1927) e a dança livre (“dança da alma”); Ruth Saint-Denis (1878-1968) e as pesquisas sobre os gestuais

ritualísticos. Mary Wigman (1886-1973) com sua dança expressionista buscava libertar o dançarino de seu vocabulário corporal, atribuindo-lhe total responsabilidade sobre a expressão.

No teatro vemos surgir o trabalho de Stanislavski (1863-1938) e as pesquisas no Teatro Arte de Moscou (TAM) sobre técnicas de preparação de ator. Inicialmente estas técnicas consistiam na tentativa de desconstruir o corpo convencional do ator, através do relaxamento físico e da imobilidade.

Esse princípio conduziria a etapa inicial de suas investigações: a supressão do movimento inexpressivo e a observação dos processos internos que conduzem à verdade da cena. O corpo é o ponto de observação: suas tensões físicas são a imagem corporal das tensões psíquicas que deformam o ator interna e externamente em certos padrões, e precisam ser suavizados antes de se construir os novos padrões fictícios de comportamento que caracterizam a personagem. (LEONARDELLI, 2008, p.160)

No método de Stanislavski, o sentimento é a principal força motiva, mas deve ser “despertado” e pressionado pelos mecanismos da mente (intelecto, razão) e da vontade para evitar os “clichês” de expressão. O ator deve entender a lógica da conduta da personagem e levantar suas

emoções e somente depois incorporar este comportamento. Para isso dispõe de duas ferramentas: o “se” mágico (imaginar como reagiria se a cena fosse real) e as circunstâncias dadas (contexto,

enredo, situações da cena). Assim, imaginação e memória são essenciais para o ator, além das capacidades de concentração, atenção e observação.

Posteriormente o método avançou para o Método das ações físicas, para facilitar a fixação e recuperação dos materiais expressivos. A realização de um movimento com concentração e consciência pode resgatar as circunstâncias dadas e seu sentido. Não somente os processos internos conduzem à ação. Stanislavski buscava atingir a organicidade dos atores em cena. “Tratava-se de se

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que conforme o diretor, escapa ao ator no instante em que se convenciona a entrada em cena.” (LEONARDELLI, 2008, p.174)

Já nas pesquisas de Grotowski (1933-1999) e seu Teatro Laboratório, podemos ver um avanço neste pensamento: “o objetivo maior de sua busca foi precisamente atingir a ´grande e

genuína alma´ da humanidade escondida por trás das máscaras individuais cotidianas através do acesso a essa memória coletiva, perdida pelas armadilhas do ego” (LEONARDELLI, 2008, p.149).

Como conseguir este desnudamento, esta vivência pura das ações? Para Grotowski, o homem é “podado” por práticas educativas coercitivas e máscaras sociais deformadoras e sua

libertação só é possível pelo despojamento de tudo que impede o fluxo dos impulsos internos e sua

manifestação no corpo, jamais através do acúmulo de conhecimentos e virtudes expressivas.

Gelewski (1930-1988), artista da dança alemã que atuou na Escola de Dança da Universidade Federal da Bahia (Salvador-BA, Brasil) nas décadas de 1960 e 1970, desenvolveu métodos de improvisação estruturada para despertar a criatividade e expressividade de seus alunos, para que eles pudessem de alguma forma se desprender das amarras, das máscaras, dos clichês, da educação, das técnicas, das vivências. Segundo ele, passando pela experiência de realizar uma improvisação estruturada, o artista pode conseguir um enriquecimento da sua movimentação corporal e do seu vocabulário de movimento que se refletirá depois nas improvisações mais livres.

Artistas da dança têm utilizado improvisações em processos de criação há muito tempo. No contexto da dança contemporânea, há uma grande valorização dos processos criativos individuais dos intérpretes, que deixaram de ser “apenas” executores de movimentos elaborados por outras

pessoas e passaram a ser também criadores e propositores. Neste contexto, uma proposta que desenvolva improvisações estruturadas pode encontrar certa resistência nos meios de ensino e de pesquisa em dança, muitas vezes sendo apontada como inimiga da criatividade e da capacidade expressiva dos intérpretes-criadores.

O princípio de improvisação estruturada, que parte de estruturas mais diretivas para

estruturas mais livres, pode propiciar ao intérprete-pesquisador uma maior experimentação das possibilidades de movimentação e de expressão de seu corpo. O dançarino sempre tem a tendência

de realizar os mesmos movimentos e não explorar novas possibilidades, quando há muita liberdade de movimentação.

A improvisação estruturada é um método para a realização de uma movimentação corpórea espontânea e criativa que procura conduzir a pessoa gradativamente a uma experiência do corpo, que deve culminar com sua libertação das limitações e desconfianças que a educação, a convenção e as vivências inserem nele.

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escolhas e possibilidades e neste caso, as improvisações estruturadas podem ter também um caráter formativo e libertador, sendo uma ferramenta para desenvolver suas potencialidades criativas e expressivas.

As improvisações estruturadas, tendo uma preocupação maior com a reflexão, conscientização e integração do raciocínio com o trabalho corporal, também podem ser entendidas como uma etapa preparatória para as improvisações livres, onde aspectos mais inconscientes do intérprete poderão vir à tona, além de elementos da imaginação e memória.

A improvisação nos processos criativos artísticos

A improvisação no ato de criar pode ser utilizada como método ou como fim em si mesmo, como a obra em si. A improvisação pode ser motivação, etapa preparatória ou campo experimental para as criações em dança. Seu valor está no desenvolvimento da capacidade de criação espontânea e de sua expressão. A improvisação pode ser um método de experimentação de movimentos que posteriormente poderão ser selecionados e organizados numa composição coreográfica ou ser uma forma de expressão em si, quando improvisações (livres ou estruturadas) compõem a obra.

Segundo Gelewski (1973, p.16), as improvisações são um importante recurso didático objetivando o treino das capacidades de reação, concentração e sensibilidade, além das qualidades expressivas, imaginativas e criativas dos artistas. O objetivo indireto situa-se na dimensão do humano, no sentido do crescimento do artista como indivíduo, consistindo na ligação dinâmica do consciente com o inconsciente.

Este processo se efetua, principalmente, através de uma solicitação e treinamento de poderes mentais (da concentração, percepção e distinção, em especial) e sua direta interligação com atividades rítmicas, físicas, expressivas e espontâneas, acrescentando-se ainda a este processo, como fator insubstituível, a presença do acontecimento sonoro. (GELEWSKI, 1973, p.16)

Gelewski (1974) afirma que o meio para o amadurecimento e para a libertação numa espontaneidade jamais será uma queda nas regiões da inconsciência e sim uma aquisição de graus mais complexos e mais intensos de consciência. Realizações espontâneas executadas numa profunda concentração e entrega à intuição não significam a extinção da capacidade mental do artista, mas uma superação dela.

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(...) dançar não significa abolir o intelecto – significa, ao contrário, desenvolvê-lo e fazer dele um componente do instrumental completo do qual o dançarino deveria dispor. (...) Admitir o intelecto não quer dizer, naturalmente, ser dominado por ele. A sua admissão e inclusão no trabalho de dança, visa apenas seu uso consciente como recurso, nada mais. A entronização do intelecto como princípio absoluto, equivalente à rejeição da espontaneidade e dos poderes intuitivos e expressão, seria um engano absoluto. (GELEWSKI, 1971, p.2)

Nachmanovitch (1993, p.82) ressalta que a existência de regras ou de estrutura na improvisação desencadeia a espontaneidade do artista pois elas estimulam a intensidade do processo criativo. O compromisso com um conjunto de regras liberta nossa criação e a faz atingir uma profundidade e um vigor que de outra forma seriam impossíveis. Trabalhar dentro dos limites impostos pelo meio nos obriga a mudar nossos próprios limites.

Às vezes as regras e os limites são impostos pelo próprio material a ser trabalhado, como as leis físicas do som, da cor, da gravidade ou do movimento. Outras regras são inerentes ao estilo ou às convenções sociais adotadas pelo artista. Na dança e no teatro, por exemplo, onde o corpo do artista está presente na obra, os limites são mais óbvios já que o corpo é ao mesmo tempo o motivo, o instrumento, o campo de atuação e a própria obra de arte.

A improvisação pode ter o mesmo sentido de estrutura e totalidade de uma composição planejada. Em espetáculos de dança quase sempre vemos coreografias, composições elaboradas de dança e raramente as improvisações estão presentes como parte planejada do espetáculo. Num certo sentido, coreografia e improvisação podem ser equivalentes, o que decide o valor da criação é o seu sentido e não a forma que utiliza para expressar seu significado.

BIBLIOGRAFIA

GELEWSKI, Rolf. Dança espontânea. In: Teatro Marília. Programa das Danças Espontâneas. Belo Horizonte–MG, maio de 1974.

_________ Estudo básico de Formas: distinções elementares de formas aplicados em exercícios de movimentação. Salvador: Escola de Dança UFBA, 1971.

_________ Ver ouvir movimentar-se: dois métodos e reflexões referentes à improvisação na dança.

Salvador: Nós Editora, 1973.

_________ Ver, ouvir, movimentar-se Versão II: um método para uma movimentação espontânea. São Paulo: Casa Sri Aurobindo, 1980.

LEONARDELLI, Patricia. A memória como recriação do vivido - um estudo da história do conceito de memória aplicado às artes performativas na perspectiva do depoimento pessoal. Tese (Doutorado em Artes Cênicas) – Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008.

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Referencias

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