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Educação do campo e pedagogia Paulo Freire na atualidade: um olhar sobre o currículo do curso de Pedagogia da Terra da UFRN

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Academic year: 2021

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(1)UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO. LUIZ GOMES DA SILVA FILHO. EDUCAÇÃO DO CAMPO E PEDAGOGIA PAULO FREIRE NA ATUALIDADE: UM OLHAR SOBRE O CURRÍCULO DO CURSO PEDAGOGIA DA TERRA DA UFRN. Orientadora: Professora Drª Rita de Cassia Cavalcanti Porto. JOÃO PESSOA – PB ABRIL-2014.

(2) LUIZ GOMES DA SILVA FILHO. EDUCAÇÃO DO CAMPO E PEDAGOGIA PAULO FREIRE NA ATUALIDADE: UM OLHAR SOBRE O CURRÍCULO DO CURSO PEDAGOGIA DA TERRA DA UFRN. Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Educação da Universidade Federal da Paraíba como cumprimento de requisito para a obtenção do título de MESTRE em Educação na linha de pesquisa em Políticas Educacionais. ORIENTADORA:. Professora. Rita de Cassia Cavalcanti Porto. JOÃO PESSOA – PB ABRIL-2014. Doutora.

(3) S586e. UFPB/BC. Silva Filho, Luiz Gomes da. Educação do campo e pedagogia Paulo Freire na atualidade: um olhar sobre o currículo do curso de Pedagogia da Terra da UFRN / Luiz Gomes da Silva Filho.-- João Pessoa, 2014. 90f. : il. Orientadora: Rita de Cassia Cavalcanti Porto Dissertação (Mestrado) - UFPB/CE 1. Educação. 3. Educação do campo. 4. Pedagogia Paulo Freire. 5. Pedagogia da Terra. 5. Currículo.. CDU: 37(043).

(4) 4. LUIZ GOMES DA SILVA FILHO. EDUCAÇÃO DO CAMPO E PEDAGOGIA PAULO FREIRE NA ATUALIDADE: UM OLHAR SOBRE O CURRÍCULO DO CURSO PEDAGOGIA DA TERRA DA UFRN. Aprovado em ____/____/2014. Banca examinadora. ______________________________________________________ Professora Drª. Rita de Cassia Cavalcanti Porto – Orientadora (PPGE/UFPB). ______________________________________________________ Professor Dr. Severino Bezerra da Silva (PPGE/UFPB). ______________________________________________________ Professora Drª. Glória das Neves Dutra Escarião – Examinadora externa (PPG-CR/UFPE).

(5) 5. AGRADECIMENTOS. Agradeço a Deus pelo dom da vida, por guiar meus passos e me conduzir pelo caminho do certo, ao lado dos oprimidos. À minha mãe Francisca Maria Terto (Dona Tê) e ao meu pai, Luiz Gomes da Silva (Seu Lucas), pelo incentivo constante e ajuda frequente. Aos meus irmãos e irmãs pelo simples fato de existirem e colorirem o mundo. À minha companheira Linda Carter, pela presença constante ao meu lado, e sua família, por me fazerem sentir-se em casa mesmo longe dos meus parentes. À minha orientadora, Professora Doutora Rita de Cassia Cavalcanti Porto, por ser antes de tudo humana, tão raro hoje em dia, por acreditar neste trabalho, orientar de forma profícua, ética, com rigorosidade, mas, sobretudo, com amorosidade. Serei sempre grato! Ao Grupo de Estudos da Pedagogia Paulo Freire (GEPPF) pelas conversas, orientações e, sobretudo, pelo humanismo. Ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal da Paraíba e aos professores que em muito contribuíram com minha formação, em especial ao Professor Doutor Severino Bezerra Silva, que detém meu respeito e grande admiração. À banca examinadora como um todo, pelas contribuições ao trabalho e seriedade. À Universidade Federal da Paraíba pelo acolhimento em um momento tão adverso e pela oportunidade de realização do curso de Mestrado. Aos educandos e educandas do Curso de Pedagogia da UFRN, com quem tive o prazer de conviver, dialogar e que de forma direta ou indireta contribuíram com este trabalho. A todos os meus amigos e amigas que de forma sempre positiva me apoiaram..

(6) 6.

(7) RESUMO Esta dissertação tem como objetivo geral compreender as contribuições da Pedagogia Paulo Freire no atual debate da Educação do Campo, como recorte analítico temos o Currículo do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Analisa assim, as aproximações que se tem hoje entre o Movimento Por Uma Educação do Campo e a Pedagogia Paulo Freire. Entre as técnicas de pesquisa optamos por uma aprofundada revisão bibliográfica e análise documental cujo objetivo reside na busca pelo entendimento amplo de questões complexas e abrangentes de nossa época. Como resultado alcançado, apresentamos algumas reflexões sobre a formulação da Estrutura curricular do curso supracitado e a presença de princípios da Pedagogia Paulo Freire nesse currículo. A temática pesquisada se insere nos objetivos do Grupo de Pesquisa da Pedagogia Paulo Freire da Universidade Federal da Paraíba (GEPPF/UFPB) que busca dialogar sobre as contribuições da pedagogia freireana em diversos espaços.. Palavras-chaves: Educação do Campo. Pedagogia Paulo Freire. Pedagogia da Terra. Currículo..

(8) 4. RESUMEN. Esta disertación tiene como objetivo general comprender las contribuciones de la Pedagogía de Paulo Freire en el actual debate de la Educación del Campo. Como guía analítico, tenemos el currículo del Curso de Pedagogía de la Tierra de la Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Se analiza así, los acercamientos que se tiene hoy entre el Movimiento Por Una Educación del Campo y la pedagogía Paulo Freire. De las técnicas de pesquisa optamos por una profundizada revisión bibliográfica y análisis documental cuyo objetivo reside en la búsqueda por el amplio entendimiento de cuestiones complejas y extensivas de nuestra época. Como resultado alcanzado, presentamos algunas reflexiones acerca de la formulación de la Estructura Curricular del curso anteriormente citado y la presencia de principios de la Pedagogía Paulo Freire en ese currículo. La temática pesquisada se inserta en los objetivos del Grupo de Pesquisa de la Pedagogía Paulo Freire de la Universidade Federal da Paraíba (GEPP/UFPB) que busca dialogar sobre las contribuciones de la Pedagogía freireana en diversos espacios.. PALABRAS CLAVE: Educación del Campo. Pedagogía Paulo Freire. Pedagogía de la Tierra. currículo..

(9) 5. QUADRO DE ILUSTRAÇÕES. Figura I: Região do Seridó/RN. 8. Figura II: Lagoa Nova/RN. 9. Figura III: Entrelaçamento entre Educação do Campo e Pedagogia Paulo Freire. 59. Figura IV: Angicos nos dias de hoje (2014). 62. Figura V: Angicos/RN. 64. Figura VI: Experiência de Angicos/RN. 65. Figura IIV: Turma Florestan Fernandes – Pedagogia/UFRN. 85.

(10) LISTA DE SIGLAS ANFOPE - Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação COMPERVE – Comissão Permanente de Vestibular CONAE - Conferência Nacional de Educação CONSEPE – Conselho Superior de Ensino Pesquisa e Extensão CNBB - Conferência Nacional dos Bispos do Brasil CPT - Comissão Pastoral da Terra DCE - Diretório Central dos Estudantes DCN – Diretrizes Curriculares Nacionais ENERA - Encontro Nacional de Educadores e Educadoras na Reforma Agrária GEPPC - Grupo de Estudos e Pesquisas em Políticas Curriculares GEPPF - Grupo de Estudos e Pesquisas da Pedagogia Paulo Freire IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística INCRA - Instituto Nacional de Colonização na Reforma Agrária IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada MEPF - Ministério Extraordinário da Política Fundiária MSC – Movimentos Sociais do Campo MST - Movimento dos Trabalhadores Sem Terra PNE - Plano Nacional de Educação PROBÁSICA - Programa de Qualificação Profissional para Educação Básica PRONERA - Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária PSDB - Partido da Social Democracia Brasileiro PT - Partido dos Trabalhadores SUDENE - Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste SUPRA - Superintendência da Política da Reforma Agrária TRAMSE - Trabalho, Reforma Agrária, Movimentos Sociais e Educação do Campo.

(11) 4. UFC – Universidade Federal do Ceará UFG – Universidade Federal de Goiás UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais UFPB - Universidade Federal da Paraíba UFRN - Universidade Federal do Rio Grande do Norte UNB - Universidade de Brasília UNE - União Nacional dos Estudantes UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura UNICEF - Fundo das Nações Unidas para a Infância.

(12) SUMÁRIO. 1. O QUE ME MOVE, MINHAS RAÍZES, MEU PERCURSO, UMA VEREDA... O ENCONTRO COM O OBJETO DE ESTUDO ..............................................................................7 1.1 O LUGAR DE ONDE FALO... ....................................................................................................7 1.2 OS SUJEITOS COM QUEM FALO; MINHA FAMÍLIA, MINHAS RAÍZES.........................11 1.3 ENCONTROS COM O OBJETO DE ESTUDO: A FORMAÇÃO DO PESQUISADOR ........16 1.4 VEREDAS DA METODOLOGIA: O MATERIALISMO HISTÓRICO DIALÉTICO COMO SUPORTE PARA ESSE ESTUDO E A PRÁXIS FREIREANA ....................................................18 2. DA EDUCAÇÃO RURAL À EDUCAÇÃO DO CAMPO: UM NOVO TEMPO PRA PLANTAR, PRA SONHAR E PRA COLHER ............................................................................24 2.1 A REFORMA DO ESTADO E SUAS IMPLICAÇÕES NO CENÁRIO EDUCACIONAL .....24 2.2 EDUCAÇÃO RURAL: PONTOS DE UMA EDUCAÇÃO PAUPERIZADA ..........................29 2.3 EDUCAÇÃO DO CAMPO: NO MEIO DAS PEDRAS TINHA UM CAMINHO ...................37 2.4 PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA COMO VIDA ITINERANTE E MÚLTIPLOS CONHECIMENTO ...........................................................................................................................43 2.5 DAS MUITAS LUTAS VIERAM AS CONQUISTAS: FUNDAMENTOS JURÍDICOS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO ...............................................................................................................47 3. A PEDAGOGIA FREIREANA COMO CONTRIBUIÇÃO À EDUCAÇÃO DO CAMPO ...........................................................................................................................................................51 3.1 CONTRIBUIÇÕES. DA. PEDAGOGIA. FREIREANA. AO. ATUAL. DEBATE. DA. EDUCAÇÃO DO CAMPO: CAMINHOS QUE SE CRUZAM ......................................................53 3.2 EXPERIÊNCIA DE ANGICOS: UM EXEMPLO DA MATERIALIZAÇÃO DA. PEDAGOGIA. PAULO. FREIRE. NO. RIO. GRANDE. DO. NORTE............................................................................................................................58.

(13) 4. 4. RECORTES E RETALHOS DE UMA EXPERIÊNCIA DE EDUCAÇÃO DO CAMPO NA UFRN:...........................................................................................................64 4.1 CONTRIBUIÇÕES DA PEDAGOGIA PAULO FREIRE AO CURRÍCULO DO CURSO DE. PEDAGOGIA. DA. TERRA. DA. UFRN...................................................................................................................................70 5. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE ESTE TRABALHO..........................................81 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................................................85 7.. ANEXOS. .........................................................................................................................92.

(14)

(15) 7. 1. O QUE ME MOVE, MINHAS RAÍZES, MEU PERCURSO, UMA VEREDA... O ENCONTRO COM O OBJETO DE ESTUDO. É preciso por outro lado salientar a situação incômoda em que se encontram intelectuais do Terceiro Mundo que, contemporâneos de seus colegas do Primeiro Mundo, com eles discutem a pós-modernidade ao mesmo tempo em que convivem em seus países com a espoliação desenfreada de um capitalismo dependente, perverso e atrasado. (FREIRE, 2012, p. 68). 1.1 O LUGAR DE ONDE FALO... A vontade e a necessidade de transgredir é sem dúvida um dos maiores motivos que me leva a formular estes escritos. A busca pela construção de um pensamento autêntico, ainda que reconhecendo todos os riscos de o fazer, é parte do que nos move. Nesse sentido duas questões fundamentais nos orientam, quais sejam, primeiro: qual a contribuição da Pedagogia Paulo Freire para o atual debate da Educação do Campo? Segundo: é possível evidenciar no currículo do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do Norte “recorte e retalhos” da Pedagogia de Paulo Freire? Partindo desses pressupostos inquietadores e, sabendo que a educação deve ser tratada com extrema seriedade, nos debruçamos nesse artesanato intelectual (MILLS, 2009) com o objetivo de colaborar com o Movimento Por Uma Educação do Campo, sobretudo naquilo que se refere à contribuição da Pedagogia Paulo Freire a esse movimento. Conseguindo avançar o pouco que seja nesse debate tão salutar e tão caro, estaremos, em boa medida, contemplados. Nesse primeiro momento trago algumas experiências que me foram tanto singulares como significativas. Por isso mesmo, escrevo em primeira pessoa do singular. Nessas primeiras palavras busco a boniteza da expressão de Paulo Freire (2012, p. 25) para iniciar a tessitura desta autobiografia; ―de uma geração que cresceu em quintais‖, nasci na cidade de Lagoa Nova, Região do Seridó, no Estado do Rio Grande do Norte, no mês de outubro do ano de 1986..

(16) 8. Figura I – Região do Seridó/RN Lagoa Nova é uma cidade com características tipicamente de interior onde as ―esferas da existência humana1‖ se inter-relacionam de forma mais segregada. Com uma população de 13.983 habitantes de acordo com o último censo, de 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE, 2010), essa população divide-se quase que simetricamente entre zona rural e zona urbana. Isso tanto tem influência na identidade da Cidade como representa um fenômeno social que, por si, já merece uma reflexão, entretanto, não é nessa temática que reside nosso foco.. Figura II – Lagoa Nova/RN. 1. As esferas da existência humana‖ é um esquema pensado por Antônio Joaquim Severino (1994) em sua obra ―Filosofia”, em que ele apresenta a Prática Social, a Prática Simbolizadora e a Prática Produtiva como uma engrenagem que gira na freqüência diretamente proporcional a dinamicidade da sociedade ou grupo social..

(17) 9. Com um clima extremamente agradável a cidade tem como base econômica a Agricultura Familiar2, que por sua vez, aquece um importante mercado interno, sobretudo no período de novembro a março, período em que se evidencia a colheita do caju e da castanha ou simplesmente ―safra do caju‖. Além da agricultura e do comércio, o emprego público garante a complementação e a manutenção da economia dessa cidade. Embora haja outros modos de complementação à economia, a agricultura desempenha papel ímpar no que diz respeito ao desenvolvimento da cidade. O clima propício e a terra fértil são propulsores de uma agricultura baseada na pequena propriedade e na diversidade de culturas. Com o lema ―se plantando tudo dá‖ a região serrana apresenta uma prova mais que concreta de que o desenvolvimento de uma região e o bem estar da população camponesa passa diretamente por uma distribuição de terras para os trabalhadores e trabalhadoras, a rotatividade de culturas, e a preservação do meio ambiente3, princípios que claramente se aproximam da economia solidária, francamente enfatizada por Singer (2002) assim como pelos movimentos sociais, uma vez que esse caminho é uma alternativa para o atual modelo predatório de produção agrícola tradicional. A possibilidade de cultivar vasta diversidade de sementes e frutos que o solo orgânico, rico em húmus, permite é admirável: feijão, fava, milho, encabeçam os cereais; caju, pinha, jaca, maracujá, manga, fazem parte do grupo das frutas; além da mandioca, que é matéria prima na fabricação da farinha e outros derivados. Outra abrangência de gêneros alimentícios como as hortaliças irrigadas e a pecuária complementam a economia de Lagoa Nova. Quanto às questões políticas, essa cidade goza dos vícios e vicissitudes que a grande maioria da população brasileira enfrenta. Aqui não tenho interesse em detalhar passa a passo essa questão, pois isso seria uma tarefa demasiadamente enfadonha e desnecessária ao nosso objetivo. Ainda assim é salutar ressaltar a grande herança oligárquica que é flagrante, quando remeto aos nossos representantes políticos. Pequenos grupos se revezam à frente da. 2. De acordo com Neves (2012) no Dicionário da Educação do Campo, esse é um termo de múltiplas conotações, aqui ficamos com a definição de um forma de se fazer agricultura diferenciando-se da agricultura patronal. Ou seja, uma forma mais política e solidária de se trabalhar a terra. 3. Nos últimos anos um fenômeno vem contrariando essa afirmativa, a derrubada dos cajueiros tem ocasionado preocupações quanto ao equilíbrio do ambiente..

(18) 10. administração pública como se aquela lhes fosse inerente. Como se aquele fosse um direito advindo do berço. Entretanto, aos poucos, grupos de pessoas, ainda que de forma muito incipiente, começam a se organizar no sentido de propor uma alternativa que fuja à díade partidária dantesca a qual parece não haver saída. São os sabores e dissabores de se gostar de um lugar, esse lugar me compõe, é síntese de muitas e complexas relações. Quando penso na minha cidade, resgato Paulo Freire (2012) quando falava do Recife e sua relação de saudade para com esta cidade quando estivera no exílio. Faço minhas tais palavras; Quando penso nela penso quanto ainda temos de caminhar, lutando, para ultrapassar estruturas perversas de espoliação. Por isso quando longe dela estive, dela a minha saudade jamais se reduziu a um choro triste, a uma lamentação desesperada. Pensava nela e nela penso como um espaço histórico, contraditório, que me exige como a qualquer outro ou outra decisão, tomada de posição, ruptura, opção (FREIRE, 2012, p.34). Essa breve descrição acerca do meu lugar tem como propósito trazer à pesquisa o cenário que me foi familiar durante meus primeiros 20 anos (1986-2007) e como essa vivência implica na minha formação enquanto pesquisador. Como bem estudou Vygotsky – durante sua curta, porém brilhante carreira como pesquisador dos processos de desenvolvimento humano – o meio é um fator preponderante para a formação do sujeito. Portanto, é inegável que essa cidade é parte importante daquilo ―que me move‖ algo que me constituiu e ainda me constitui. Muito do que hoje penso, sou, ou quero ser, tem ligação direta com esse período, com as experiências e vivências que me foram comuns àquela época. Isso alude ao pensamento marxista, ao qual nos filiamos em entender o sujeito como sendo ele, o resultado de múltiplos e complexos processos históricos e sociais. Paulo Freire, ao trazer à tona a importância do lugar das pessoas, suas vivências e experiências como parte integrante da formação humana do sujeito, assim como apontar para o lugar como produtor de conhecimentos e conteúdos, me é fulcro de compactuação e arcabouço teórico e metodológico. Ao me referir ao termo lugar, gostaria que o entendimento fosse aquele trabalhado pelo movimento da Educação do Campo na contemporaneidade, ou seja, como postula (CALDART Et Al., 2012) o lugar como sendo constituinte do sujeito e de sua historicidade, não como lugar de moradia tão somente..

(19) 11. 1.2 OS SUJEITOS COM QUEM FALO; MINHA FAMÍLIA, MINHAS RAÍZES De uma família composta por oito pessoas, pai, mãe, três filhos e três filhas, certa vez li em uma dessas revistas que o filho mais novo, chamado caçula, tem mais probabilidade de se destacar e vir a ser um grande sujeito socialmente falando, e ainda trazia algumas provas de grandes nomes, sobretudo da ciência que se tornaram pessoas conhecidas mundialmente pelas suas façanhas e descobertas. Entretanto, sigo outra linha de raciocínio, coloco-me numa posição mais racional e frontalmente de encontro a uma visão platônica, determinista e meritocrática de sucesso. ―A ‗igualdade de oportunidade‘ é ponto importante da ideologia capitalista, pois garantiria, aos mais capazes, aos mais esforçados, aos que ‗trabalham duro‘ o acesso às melhores posições‖. (ROSSI, 1980, p. 71). Ora, no meu caso, ser o mais novo me eximiu de uma época não muito remota, na qual a condição social da população brasileira era bastante precária e o Ensino Superior privilégio restrito à classe dominante. Depois do esgotamento da Ditadura Militar, inicia o período chamado Nova República ou Transição democrática, porém, Saviani (2008) chamou ―transição conservadora”, pois o período resguardou a velha formação social advinda da classe dominante do período ditatorial. A transição que se operou no Brasil se iniciou com a ―distensão lenta, gradual e segura‖ formulada em 1974, no Governo Geisel; e prosseguiu com a ―abertura democrática‖ a partir de 1979 no Governo Figueiredo, desembocando na Nova República em 1985, que guindou a posição de presidente da República o ex-presidente do partido de sustentação do regime militar (SAVIANI, 2008, p. 414).. Assim, o período esperançoso que se desenhara com o fim da Ditadura acabou mantendo grande parte de sua formação anterior, uma vez que continuou a relação opressor e oprimido e a interminável exploração e expropriação dos trabalhadores, ainda que, numa relação mais decantada e disfarçada, com outras formas de dominação e violência. Esse cenário, explica em boa medida as grandes dificuldades econômicas perpassadas no cotidiano da população brasileira no período de redemocratização. Voltando às minhas experiências, entendo que se durante minha infância não enfrentei grandes dificuldades, devo isso à batalha de um agricultor que ―trabalhava alugado‖ ou ―de meia‖ e a uma ―dona de casa‖ lavadeira, que depois passa a funcionária pública, ou seja, meu pai e minha mãe. Se fui o primeiro da minha família a adentrar os altos e quase impenetráveis.

(20) 12. muros da universidade pública brasileira, não é porque sou o melhor dos meus irmãos, sou na verdade parte de uma estatística que aponta para a sensibilidade de um governo cujo foco principal foi a área social e a educação. Uma vez coadunada essas duas áreas eu fui um dos muitos jovens, negros, advindo da classe trabalhadora que foi contemplado por uma importante política sócio-educacional do então Governo Luís Inácio Lula da Silva (2002-2006 e 2006-2010) que tem como uma de suas bases a abertura e expansão das universidades públicas. Obviamente que a força de vontade e os esforços pessoais foram reais, mas nunca fui partidário do discurso meritocrático e do Estado democrático de direito que prega a igualdade de oportunidade para todos, transferindo às pessoas o ônus pelo seu fracasso social, como se a ascensão dependesse exclusivamente da vontade individual do sujeito. O pensamento liberal afirma que a escola é igual para todos e que, portanto, cada um chega onde suas capacidades e seu trabalho pessoal lhes permite (SACRISTÁN; GÓMEZ, 1998). Ainda com o objetivo de entender ―o que me move‖ e ―o que me constitui‖ gostaria de voltar ao relato da minha infância. Ainda pequeno moramos no Sítio4 Humaitá, próximo à zona urbana, espaço que foi tomado pelo rápido crescimento que a cidade adquiriu. Na época em que moramos no Humaitá, que remete aos idos de 1987, devido a fase de vida ainda muito incipiente, poucas são as lembranças desse período, salvo raras imagens esmaecidas pelos anos que passaram. Desse período, restou-me muito mais histórias relatadas por meus pais e irmãos mais velhos do que lembranças propriamente minhas. No entanto, dois fatores fazem com que essa estadia tenha curta duração, fazendo a família retornar à cidade, a saber: os terremotos5 que foram frequentes nesse período e o medo de um bandido chamado João Barauna que oprimia a população local.. 4. O sítio é o lugar do trabalho por excelência. Mas ele é igualmente o resultado do trabalho, pois é um espaço construído; melhor dizendo, um conjunto de espaços articulados entre si, que lhe permite organizar-se como um sistema de insumos e produtos. Esse espaço é o resultado, também, de um processo histórico secular em que o ambiente foi alterado, com a gradativa eliminação da cobertura vegetal original e de todo o ecossistema que lhe era associado (WOORTMANN, 1997, p. 27) 5. No ano de 1986, grandes abalos sísmicos apavoraram moradores do Rio Grande do Norte, o epicentro era João Câmara, no entanto, todo o Estado fora atingido com maior ou menor intensidade, por falta de informações e explicações muitas pessoas entraram em pânico e deixaram suas casas. (Arquivo Tribuna do Norte).

(21) 13. Meu pai sempre repete que ―naquela época tinha que votar e vir pra casa, não podia ficar em turminhas na rua depois da votação‖, isso nos mostra que embora estivéssemos no processo de redemocratização do País ainda havia a sombra dos ―anos de chumbo‖ que por mais de vinte anos garantiu a perpetuação de um regime autoritário e ditatorial em nosso país, que causou feridas cujas cicatrizes ainda são visíveis. Em 1987, voltamos para a rua6. Minha mãe Francisca Maria (Dona Tê) dividia seu tempo entre lavagens de roupa ―de ganho‖, tarefas do lar, além de assumir emprego de funcionária pública do município, na função de zeladora da igreja católica da cidade. Meu pai, Luiz Gomes, (Seu Lucas), trabalhava nas atividades da agricultura e desempenhava a arte da caça como poucos. Como não detinha posses de terras ele ―alugava‖ sua força de trabalho em sucessivas ―diárias‖ em terras alheias. Quando não era alugado, ele trabalhava em terras de outros, não por dinheiro, mas numa relação que em muito lembra as relações feudais do período Medieval na Europa, ou seja, a troca de trabalho por trabalho. Erik Wolf trabalha o termo ―aluguel‖ como um processo no qual ―esse camponês estava sujeito à relação assimétrica de poder, o que lhe acarretava um ônus permanente em sua produção‖ (WOLF, 1976, p. 22). Assim, em um modelo bastante parecido com o desenhado por Wolf, meu pai trabalhava a terra de um grande proprietário a troco de uma porcentagem que girava em torno de 30 a 50% (terça e meia, respectivamente) do que era produzido, isso acarreta uma relação de exploração contínua e demasiadamente nociva para o trabalhador. Em meio a essa batalha que meus pais travavam diariamente para manter a família, inicio minha trajetória escolar. No meu percurso não frequentei creches ou pré-escolas. Ingressei na antiga 1ª Série do Ensino Fundamental já com algumas habilidades na leitura e na escrita, isso devido à dedicação da minha irmã Ana de Fátima (Aninha) que sempre reservara um tempo para ensinar aos irmãos mais novos. Mesmo sendo reprovado na 2ª Série do Ensino Fundamental não tive grandes dificuldades nas séries seguintes. Salvo uma ou outra aula de reforço que muito mais constrangia do que auxiliava no processo de aquisição da língua escrita.. 6. Rua é termo francamente usado por populações do campo para designar cidade..

(22) 14. É importante refletirmos sobre o quão marcante pode ser a escola na vida de uma criança. Varela e Alvarez-Uria, (1996) no texto ―a maquinaria escolar‖ afirmam que embora seja uma instituição recente, a escola detém grande influência sobre a sociedade. Assim foi comigo, as marcas e as lembranças do processo educacional escolar que ainda hoje são evidentes. Já no Ensino Médio o desempenho foi mais consciente, comecei a desenvolver um gosto muito grande pelas ciências humanas e História, Geografia e Português eram as disciplinas as quais eu dedicava grande parte do meu tempo. Nesse momento, estávamos morando no Sítio Figueira, o ano é 2003, ano que passei a trabalhar tanto nas atividades da roça com o meu pai, – a condição já não era mais de tamanha exploração como outrora, a terra ainda era arrendada, no entanto, esse tratado agora se passava através de laços de parentesco – como nas atividades da construção civil com meu irmão mais velho, Ary Gomes. Apesar da grande quantidade de pessoas que imigram do campo à cidade, não há nenhuma profissão segundo os estudos comparados, nas quais maior porcentagem de filhos siga a profissão dos pais do que entre agricultores (MARTINS apud SOLARI, 1986). Minha caminhada mostra que fugi a regra, entretanto, hoje, resguardo grande admiração e respeito àqueles e aquelas que labutam e vivem na/da terra. Mesmo em atividades bastante adversas sempre reservara um horário do dia às atividades de leitura e redação. Em 2004, prestes a terminar o Ensino Médio, simplesmente não sabia o que significava fazer vestibular. Hoje a situação tem mudando, mas isso era recorrente nas classes mais pobres da população, uma vez que a universidade não é um desejo almejado pela classe trabalhadora, não por desinteresse, mas pela falta de informação e visualização dessa possibilidade que parece distante aos filhos das classes populares. Pelo contrário, se propaga o discurso que ao término do 3º ano do Ensino Médio o sujeito ―terminou os estudos‖. Além disso, historicamente se praticou uma educação cujo foco está diretamente relacionado à classe social a qual o sujeito pertence, ou seja, às classes trabalhadoras uma educação elementar, uma vez que essa basta àqueles que irão desempenhar funções manuais, ao passo que, às classes ricas desenhou-se uma educação para o Ensino Superior. Essa lógica é facilmente evidenciada no Governo de Fernando Henrique Cardoso quando ―prioriza‖ o Ensino Fundamental em detrimento do Médio, técnico e superior..

(23) 15. Entre 2005 e o início de 2007 trabalhei incessantemente na construção civil, ainda assim continuei a reservar pequenos horários para me dedicar às leituras. Ao realizar o vestibular da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN não tive dificuldade em ingressar no Curso de Pedagogia daquela instituição, o que atribuo, principalmente, à prática dessas leituras. O motivo da escolha do curso até hoje me é uma incógnita, porém, uma hipótese considerável pode ter ligação com a baixa concorrência. No mesmo ano 2007, fui morar em Natal, para dar início ao Curso. Morador de Residência Universitária, me dediquei, logo na chegada, às atividade de militância estudantil em prol dos estudantes de origem popular que, moradores do interior do Estado, necessitavam da Residência em Natal. Assim, durante toda a minha estadia na Residência Universitária me dediquei à organização dos estudantes na busca por mais vagas nas Residências e melhorias estruturais naquelas existentes. Devido a essa atuação, concorri à gestão do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da UFRN e logramos êxito. Uma responsabilidade que resolvi encarar enquanto possibilidade de fazer algo mais. A experiência indubitavelmente me foi rica, durante um ano estive a frente do DCE buscando mais uma vez organizar os estudantes coletivamente. Os cinco anos de graduação passados na Residência me foram de grande importância, primeiramente do ponto de vista econômico, já que eu não possuía condições financeiras de me manter fora dela. Outro ponto importante foi a convivência com a complexidade das diversas áreas dos conhecimentos, isso me garantiu uma formação que em muito me ajudou na vida, após minha saída daquele recinto. Com a aproximação do término da graduação, logo veio o desejo de continuar galgando os degraus do conhecimento, buscando aprofundar-me através do Mestrado. Tal propósito confirmou-se com a abertura do processo seletivo da Universidade Federal da Paraíba. No mestrado da UFPB encontrei na figura da Professora Doutora Rita de Cassia Cavalcanti Porto incentivo e orientação pra continuar os estudos na área da Educação do Campo, porém, enfatizando nessa reflexão o pensamento e a contribuição de Paulo Freire. Ainda é de grande importância destacar a atuação no estágio docente junto a turma de Pedagogia da UFPB, participação no Grupo de Estudos e Pesquisas em Políticas Curriculares.

(24) 16. (GEPPC) desta mesma universidade e a vitória de vivenciar a criação do Grupo de Estudos e Pesquisas da Pedagogia Paulo Freire (GEPPF)7.. 1.3 ENCONTROS COM O OBJETO DE ESTUDO: A FORMAÇÃO DO PESQUISADOR Imbuído de relativa consciência político-social, no ano de 2008 me aproximei da militância do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) do Rio Grande do Norte. Segundo Miguel Carter (2010) o surgimento do MST pode ser dividido em diferentes momentos, para ele: O primeiro período é a gestação do MST (1979-1984). Esse período que precede a fundação oficial do Movimento, é fundamental para compreender as bases de seu processo de formação. O segundo período é o de consolidação (1985-1989) que se caracteriza pela ampliação das ações do movimento em escala nacional, por meio de seu estabelecimento em todas as regiões do país e a configuração de sua estrutura organizativa. O terceiro período é de institucionalização (1990 até o presente). Nesse tempo, o MST se torna o principal interlocutor do governo federal a respeito da reforma agrária e é reconhecido internacionalmente. (CARTER, 2010, p. 163). Quando conheci o Movimento no RN fiquei muito animado. Conhecer o Centro de Capacitação Patativa do Assaré em Ceará - Mirim/RN, e contribuir em algumas atividades teve significativa importância para minha formação. Entre 2010-2011 ingressei no Grupo de Estudo Trabalho, Reforma Agrária, Movimentos Sociais e Educação do Campo (TRAMSE). Esse grupo, coordenado pelo Professor Alessandro Augusto de Azevedo, desenvolveu a organização do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, em parceria com o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA, DECRETO Nº 7.352 de 2010). O curso se destina a formação de assentados da Reforma. 7. O Grupo de Estudos e Pesquisas Pedagogia Paulo Freire (GEPPF) Coordenado pela Professora Drª Rita de Cassia Cavalcanti Porto, procura identificar e analisar a contribuição da Pedagogia Paulo Freire , na perspectiva da reinvenção, nas políticas e práticas emancipadoras curriculares de formação de professores nos sistemas públicos de ensino, bem como socializar com gestores, pesquisadores e educadores o legado freireano para a educação..

(25) 17. Agrária. Minha atuação no grupo compreendia a monitoria da turma durante as aulas e estudos teóricos nos intervalos do curso. O MST surge no Rio Grande do Norte em decorrência do 5º Encontro Nacional do Movimento, realizado em 1989, que definiu a continuidade de sua expansão pelo Brasil em pressionar o governo pela realização da reforma agrária. A primeira ocupação do MST no Rio Grande do Norte ocorreu no Vale do Assu, com 20 famílias, na Fazenda Bom Futuro, que fica localizada no Município de Janduís/RN, (RIBEIRO, 2002). Desde aquela época até hoje, muita coisa aconteceu e muita coisa mudou. O Movimento se tornou fundamental no enfrentamento das grandes questões acerca da terra no Rio Grande do Norte. O interesse pela temática da Educação do Campo tornou-se evidente devido a aproximação com o MST e com a monitoria do curso de Pedagogia da Terra. No MST, percebi que muitos dos termos da educação e das práticas educativas eram ressignificadas pelo Movimento e que este tinha forte influência da Pedagogia Freireana, o que, indubitavelmente, tornou-se porta de entrada para aprofundar meus estudos e interesses sobre a temática a Educação do Campo. Investigar a relação entre os sujeitos do campo e a universidade passou a ser meu principal interesse e, por conseguinte, tema da minha monografia: ―Veredas da Pedagogia da Terra: análise reflexiva de um percurso‖ (SILVA FILHO, 2011). Nesse trabalho procurei refletir sobre o Curso de Pedagogia da Terra enquanto uma educação voltada às populações do campo e sua relação com a Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Esses relatos de experiências e autobiografia, como entende Antônio Chizzotti (2006), representam em boa medida um caminho trilhado, as relações afetivas, os desejos, a história, são partes que nos atravessam e que nos constitui também. A academia costuma nos dissecar, tornar o pesquisador mais pesquisador do que gente, quando a relação é justamente o contrário. Os sujeitos aparecem como a-históricos, não têm família, não têm amores, não têm lugares. Esses escritos iniciais têm justamente essa finalidade, situar o pesquisador antes de tudo como gente, como sujeito, que, como escrevera Freire (2012), está no mundo, mas também com o mundo e com os outros..

(26) 18. 1.4 VEREDAS DA METODOLOGIA: O MATERIALISMO HISTÓRICO DIALÉTICO A PRÁXIS FREIREANA COMO SUPORTE PARA ESSE ESTUDO. Para garantirmos a consubstancialidade deste estudo, a contextualização dos fatos, tanto no tempo histórico como no espaço, foi ponto de constante atenção. Não queremos jamais cair no equívoco de excluir essas categorias da nossa pesquisa, sobretudo preocupamonos em não perder o homem como inventor da história, como produto e produtor dessa narrativa. Nesse mesmo sentido Ball (2011, p.38) critica a pesquisa cujo sentido esteja desvinculado dos fenômenos sociais e históricos de que é resultado; ―Há, é claro, aspectos temporais adicionais nos processos políticos e nas análises desses processos, mas, na prática, muitas pesquisas sobre políticas educacionais não tem nenhum sentido de tempo. O aspecto negligenciado mais óbvio é um extravagante a-historicismo‖ . Gatti (2007, p.11) afirma que a pesquisa em educação no Brasil vem se configurando como um campo em consolidação. ―Nos últimos anos pode-se observar um aumento significativo de pesquisas, publicações, grupos de pesquisa, linhas de pesquisa em programas de pós-graduação e eventos específicos sobre políticas sociais e educacionais‖. No século XIV, Agrícola havia aconselhado aos seus contemporâneos que ―Considerem suspeito tudo o que lhes havia sido ensinado até então‖ e o mesmo aconselhava , já no século XVI, Bacon, Descartes, e Pascal. ―O primeiro afirmara que a verdade muda com o tempo, o segundo, que só a evidência poderia convencer alguém, ao passo que o terceiro insistia em que a experimentação era o único critério seguro no campo científico. (PONCE, 2010, p.126, grifo do autor). As pesquisas e suas configurações variaram muito até os tempos de hoje, alguns pesquisadores se filiam às novas tendências, outros permanecem crentes da consistência da corrente teórica a qual são simpáticos e acreditam que essa linha de pensamento ainda dá conta de forma satisfatória do entendimento e da crítica necessária às questões que a realidade enseja..

(27) 19. Desse modo, continuamos nos filiando à corrente histórico-crítico de analisar a realidade com base no materialismo histórico-dialético e na práxis educativa de Paulo Freire, uma vez que nessa perspectiva ―o estudo ontológico do ser social, não prescinde o estudo da gênese histórica da especificidade da sociedade‖ (SAVIANI; DUARTE, 2012, p. 37). ―A pesquisa não é, de modo algum, na prática, uma reprodução fria das regras que vemos em alguns manuais. O próprio comportamento do pesquisador em seu trabalho é-lhe peculiar e característico‖ (GATTI, 2007, p. 11). Isso se deve indubitavelmente a um complexo de múltiplos condicionamentos que constituem o pesquisador enquanto ser histórico. Enquanto gente. Este conhecimento como objeto de dado, alheio a qualquer traço de subjetividade elimina qualquer perspectiva de colocar a busca científica ao serviço das necessidades humanas, para resolver problemas práticos. O investigador estuda os fatos, pela própria ciência, pelo propósito superior da alma humana de saber. Não está interessando em conhecer as conseqüências de seus achados. Este propósito de espírito positivo engendrou uma dimensão que foi defendida com muito entusiasmo e ainda hoje em alguns meios, se levanta como bandeira verdadeira: a da neutralidade da ciência (TRIVIÑOS, 1987, p. 37).. Para nós, a busca pelo conhecimento é ponto nevrálgico para contribuir com o atual debate da Educação do Campo e com a Pedagogia Paulo Freire. Nessa perspectiva estudar esse fenômeno sem fim, nem finalidade, seria ignomínia da nossa parte. Pensando numa perspectiva teórica que atenda aos interesses almejados e tendo em vista a realidade social e concreta na qual estamos imersos, assim como as disputas inerentes ao tênue e conflitante tecido social, temos como metodologia, o materialismo histórico dialético e a práxis educativa de Paulo Freire, pois esta perspectiva vincula de forma satisfatória as questões abordadas nesse estudo à dinâmica da realidade material dos sujeitos envolvidos, e, reflete a construção histórica dos fenômenos com destaque para as transformações sociais que esta construção enseja. A compreensão da práxis educativa em Paulo Freire se encontra diluída em toda a sua pedagogia, como essa pedagogia é bastante ampla, abordaremos os principais elementos que se encontram ligados ao materialismo histórico dialético, procurando dialogar as interfaces dessas teorias e como elas contribuem para o entendimento da realidade. Na práxis educativa de Freire, assim como no materialismo histórico dialético a mera especulação filosófica não.

(28) 20. garante subsídio, não basta apenas interpretar o mundo, é preciso tratar de transformá-lo (FREIRE, 1983). A história da dialética é demasiadamente longa, por isso não pretendemos aprofundar essa temática, esclarecemos apenas que, nesse trabalho, adotamos aquela cujo viés é marxista, em que pese haver uma vasta gama de outras possíveis compreensões da dialética. A concepção marxista encontra suporte no materialismo e na história para a explicação dos fenômenos; Na produção social da sua existência, os homens estabelecem relações determinadas, necessárias, independente da sua vontade, relações de produção que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forças produtivas materiais. O conjunto destas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política, e à qual correspondem determinadas formas de consciência social. O modo de produção da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social, política e intelectual em geral. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser; é o seu ser social que, inversamente, determina a sua consciência. (MARX, 1973, p. 28-28).. Esforçamo-nos em compreender como a história da Educação do Campo bebe da Pedagogia Paulo Freire, onde se intercalam e como dialeticamente se aproximam. Cheptulin (1982) aponta para dialética como sendo formas gerais de estudar o ser, os aspectos e os laços gerais da realidade, as leis do reflexo desta última na consciência dos homens, pensamento fortemente presente na pedagogia freireana, em que o ponto de partida da história e da realidade são os sujeitos reais (FREIRE, 2011). Gadotti (1983) nos ajuda a situar a dialética materialista dentro de uma concepção metodológica; Não se trata de pensar toda a história da educação, pois o que teríamos seria o ponto de vista da dialética, ou melhor, uma leitura dialética do que foi a educação até hoje. É o que já fez, por exemplo, o grande filósofo e historiador argentino Anibal Ponce, mostrando como a educação, enquanto fenômeno social ligado a superestrutura, só pode ser compreendida através da análise sócio-econômica da sociedade que a matem [...] O mérito de Anibal Ponce está justamente em colocar em evidência o princípio da dialética da relação entre a consciência e a estrutura econômica, mostrando como a luta pelo direito a educação e à cultura acompanhou a luta pelos demais direitos, enfim, a educação não está separada da luta de classe (GADOTTI, 1983, p. 39-40)..

(29) 21. O Materialismo histórico-dialético é a ciência filosófica do marxismo que estuda as leis sociológicas que caracterizam a vida da sociedade, de sua evolução histórica e da prática social dos homens no desenvolvimento da humanidade. O Materialismo histórico significou uma mudança fundamental na interpretação dos fenômenos sociais, que até o nascimento do marxismo se apoiava na concepção idealista de sociedade humana (TRIVIÑOS, 1987). Quando é adotada a perspectiva materialista histórico-dialética, o desenvolvimento da humanidade é analisado como um processo histórico contraditório, heterogêneo, que se realiza por meio das concretas relações sociais de dominação que tem caracterizado a história da humanidade até aqui (SAVIANI; DUARTE, 2012, p. 39).. Karel Kosik, autor da ―Dialética do concreto‖ publicado em 1963, um dos mais eminentes expoentes do marxismo, trabalha a realidade em sua totalidade, não se limita as análises das partes, mas procura estabelecer o caráter dialético entre as partes e o todo. Ele analisa a ―realidade como um todo estruturado, dialético, no qual ou do qual um fator qualquer (classes de fatos, conjunto de fatos) pode vir a ser racionalmente compreendido‖ (KOSIK, 2010, p. 44), o que configura uma compreensão bastante satisfatória para nossa análise, cujo objetivo é entender como as diferentes partes de uma realidade formam o fenômeno abordado. Na pedagogia freireana, cujo assento é a práxis educativa, a compreensão da realidade é ponto chave para a tomada de conscientização dos sujeitos. Para Freire (1987) a realidade é construída historicamente, sendo passiva de mudança, nega-se assim, o determinismo de uma realidade estática, pronta, imutável. Para ele a superação do estado de opressão é uma tarefa ontológica do homem. Esta superação não pode dar-se, porém, em termos puramente idealistas. Se faz indispensável aos oprimidos, para a luta por sua libertação, que a realidade concreta de opressão, já não seja para eles uma espécie de ―mundo fechado‖ (em que se gera o seu medo da liberdade) do qual não pudessem sair, mas uma situação que apenas os limita e que eles podem transformar, é fundamental, então, que, ao reconhecerem o limite que a realidade opressora lhes impõe, tenham, neste reconhecimento, o motor de sua ação libertadora. (FREIRE, 1987, p. 19). Nesse sentido nos aproximamos de um materialismo prático, cujo princípio não se pretende a captar a realidade sob forma de objeto ou como mera contemplação. Isso rompe com a oposição estanque sujeito/objeto e concebe, alternativamente, a atividade humana como.

(30) 22. uma atividade objetiva e transformadora ao mesmo tempo. Desse modo o homem é simultaneamente, fruto das circunstâncias históricas e agente de mudança das mesmas. Na contribuição deste estudo, optamos por uma investigação no campo da pesquisa qualitativa, realizando um levantamento bibliográfico e uma análise documental. Segundo Gil (2002, p.46), O desenvolvimento da pesquisa documental segue os mesmos passos da pesquisa bibliográfica. Apenas cabe considerar que, enquanto na pesquisa bibliográfica as fontes são constituídas, sobretudo por material impresso localizados nas bibliotecas, na pesquisa documental, as fontes são muito mais diversificadas e dispersas.. A par disso, realizamos uma busca em documentos da Universidade, do Curso de Pedagogia e também da Comissão Permanente de Vestibular (COMPERVE), e nos ocupamos em analisar os documentos norteadores do Curso de Pedagogia da Terra, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, uma vez que este constitui nosso recorte analítico. Devido à dificuldade de realizarmos uma pesquisa com todos os estudantes do Curso, espalhados por todo o Estado do Rio Grande do Norte, concordamos com Gil (2002, p.46), quando afirma que ―Outra vantagem da pesquisa documental é não exigir contato com os sujeitos da pesquisa. É sabido que em muitos casos o contato com os sujeitos é difícil ou até mesmo impossível. Em outros, a informação proporcionada pelos sujeitos é prejudicada pelas circunstâncias que envolvem o contato‖. Para dialogar com essa perspectiva metodológica, trabalhamos com autores cujo assento, é, tanto a resistência como na transformação do status quo social, como a organização coletiva na busca por direitos historicamente negados. Nesse sentido, Aroyo (2011; 2009), Caldart (2012; 2010), Freire (1983; 1991; 2011; 2012), Gadotti (1983, 1996, 2000), Ribeiro (2010), Saviani (2008), Apple (2012), Giroux (1986) entre outros. Além disso, a análise dos marcos legais que norteiam a Educação do Campo também foi de grande importância para a formulação da nossa base de sustentação. Por fim, entendemos que na pesquisa social há uma relação definitiva entre o pesquisador e o seu campo de estudo. ―A visão do mundo de ambos está implicada em todo.

(31) 23. processo de conhecimento, desde a concepção do sujeito, aos resultados do trabalho e à sua aplicação‖ (DESLANDES, et al., 1994, p. 14). Seguindo essa linha, percebemos o quão próximos estamos de todas essas questões trabalhadas e, na verdade, que nossas escolhas, nosso objetivo, nossa metodologia não é, nem poderia ser, obra do acaso, é na verdade fruto da nossa formação social enquanto o sujeito, mas, sobretudo, enquanto gente..

(32) 24. 2 DA EDUCAÇÃO RURAL À EDUCAÇÃO DO CAMPO: UM NOVO TEMPO PRA PLANTAR, PRA SONHAR E PRA COLHER. Não quero dizer, porém, que, porque esperançoso, atribuo a minha esperança o poder de transformar a realidade e, assim convencido, parto para o embate sem levar em consideração os dados concretos, materiais, afirmando que minha esperança basta. Minha esperança é necessária mas não é suficiente. Ela, só, não ganha a luta, mas sem ela a luta fraqueja e titubeia. Precisamos da esperança crítica, como o peixe necessita da água despoluída. Paulo Freire, Pedagogia da Esperança, 1992. 2.1. A. REFORMA. DO. ESTADO. E. SUAS. IMPLICAÇÕES. NO. CENÁRIO. EDUCACIONAL. A Reforma do Estado e a reestruturação produtiva das décadas de 1980 e 1990, assim como a consolidação das políticas neoliberais no campo econômico e social, representam um divisor quando nos referimos à atuação do Estado frente à garantia de políticas (SADER; GENTILI. 1995). Essas transformações têm significativa influência no campo educacional, e é disso que trataremos agora. Luiz Fernandes Dourado, em palestra no X Encontro Estadual da ANFOPE-PB e IX Encontro Regional - NE ANFOPE realizado em Campina Grande – PB em 2012, afirma que não se pode compreender as políticas educacionais se não fizer isso de maneira contextualizada, quais sejam as condições objetivas em que elas são produzidas. Obviamente a economia tem papel de destaque na determinação dessas condições. Silva (2011), tratando a questão à luz do pensamento de Michael Apple, afirma que as características da organização da economia na sociedade capitalista afeta tudo aquilo que ocorre em outras esferas sociais, como a educação e a cultura, por exemplo. Para tanto, antes de adentrarmos a reforma do estado e suas implicações na educação é salutar voltarmos ao entendimento do principal pilar de sustentação dessa reforma; o.

(33) 25. neoliberalismo. Sader e Gentili (1995) e Neves (2005) afirmam que o neoliberalismo nasceu logo depois da II Guerra Mundial, na região da Europa e da América do Norte onde imperava o capitalismo. Foi uma reação teórica e política veemente contra o Estado intervencionista de bem-estar. O pensamento neoliberal, foi difundido inicialmente no Reino Unido no trabalho do economista austríaco Frederich Hayek (BALL, 2011; SADER; GENTILI, 1995). O surgimento do neoliberalismo após a Segunda Guerra e sua posterior consolidação a partir da década de 1980, trazem consigo um formidável ataque contra o igualitarismo e a ‗solidariedade coletivista‘ em quaisquer de suas formas: desde a aparentemente mais benigna, o ‗Ministério do Bemestar‘ das sociais-democracias européias, até a mais virulenta (a juízo dos ideólogos neoliberais) corporificada no ‗modelo soviético‘ vigente na União Soviética e nos países do Leste Europeu. Ambas as variantes, nas palavras de Hayek, se movimentavam em prol de um mesmo objetivo: a construção de uma sociedade de iguais. Eram, por isso mesmo, rotas alternativas que desembocavam em um mesmo desastre civilizatório: a servidão moderna (BORON, 2000, p.55).. Ainda para Sader e Gentili (na mesma obra) a chegada da grande crise do modelo econômico do pós-guerra, em 1973, quando todo o mundo capitalista avançado caiu numa longa e profunda recessão, combinando, pela primeira vez, baixas taxas de crescimento com altas taxas de inflação, mudou tudo. ―A rigidez do fordismo tornou-se um obstáculo para o crescimento do capitalismo. A crise da década de 1970 foi a expressão do esgotamento de um modelo baseado na produção em massa, de um lado, e no chamado Estado de Bem-Estar social de outro‖ (DEL PINO, 2011, p. 67). A partir daí as ideias neoliberais passaram a ganhar terreno. Expoente fundamental na difusão do neoliberalismo, Margaret Thatcher 8 encontra-se não tanto na negativa da existência de sociedade, mas em sua radical e desoladora reimaginação da sociedade civil. Ela se apoia em um renascimento do individualismo competitivo e em um novo tipo de cidadão-consumidor (BALL, 2011). As reformas econômicas de ―Ajuste estrutural‖, implementadas na América Latina estão baseadas no que ficou conhecido como ―Consenso de Washington‖ (NASCIMENTO; QUAIOTTI, et al.,1997). São medidas que visam à abertura de economias nacionais,. 8. 13 de outubro de 1925 — 8 de abril de 2013.

(34) 26. desregulação dos mercados, cortes nos gastos sociais, flexibilização dos direitos trabalhistas, privatização das empresas públicas e o controle do déficit fiscal. No Brasil, após a constituição de 1988, várias emendas constitucionais vêm sendo aprovadas com o objetivo de desregulamentar a relação capital/trabalho (DEL PINO, 2011). Ball (2011,p. 23) explica que ―durante os últimos quinze anos, temos testemunhado no Reino Unido, e também na maioria das outras sociedades do mundo ocidental e das sociedades desenvolvidas, uma profunda transformação nos princípios de organização da provisão social, especialmente no setor público‖. Del Pino (2011) citando Borón e Hobsbawm, afirma que essas transformações, também chegaram a países do hemisfério norte e sul, em especial na América Latina. Afirma ainda que o século XX que iniciou como o século das massas, se despede ―como século do desemprego em massa‖ (DEL PINO, 2011, p.65). Essa breve cronologia tem como objetivo mostrar de onde vem a discussão. A reforma tem início na década de 80, mas como vimos, tem sua gênese bem antes. ―Na verdade, há uma tendência notável a um ―pós-1988‖ (BALL, 2011, p. 38). Isso significa que muitos pesquisadores utilizam a reforma de 1988, como ponto zero, excluindo em boa medida o que a antecedeu. Essa introdução também tem como objetivo mostrar as implicações da reestruturação produtiva no campo educacional. Quais as consequências da reforma pra nós pesquisadores, estudantes, professores e trabalhadores na educação em geral? De início, vale salientar que a reestruturação tem como uma de suas finalidades a adequação dos modelos produtivos ao novo modelo econômico insurgente, chamado por Ball (2011) ―pós-fordismo‖, que ―caracteriza-se pelo aparecimento de setores produtivos inteiramente novos‖. Isso já nos remete à implicação de que a educação passa a ser vislumbrada como um campo fértil e rico em potencial a ser explorado pelo mercado capitalista em sua faceta neoliberal. Essas mudanças não se restringem ao campo produtivo, mas de forma muito concisa ao campo da individualidade dos sujeitos, das subjetividades. ―De este modo, no sólo nos encontramos en un momento de imposición de un determinado modelo de producción y distribución de la riqueza, sino además en un proceso de resocialización, de reorganización de los sentidos con los cuales convivíamos‖ (ALMANACID; ARROYO, 2011, p. 264). Essa.

(35) 27. posição é ratificada por Ball (2011, p. 32) quando afirma que ―outro aspecto da reestruturação é a formação de novas subjetividades ‗profissionais‘. Não simplesmente o que fazemos mudou; quem nós somos, as possibilidades de quem deveríamos nos tornar também mudaram‖. Nesse momento, assistimos a educação brasileira experimentar as consequências danosas dessa nova dinâmica advinda do capitalismo em uma fase neoliberal, como por exemplo, a ênfase na supervalorização de índices de qualidade e eficiência. Essa construção teve como assento o pensamento hegemônico de que esse seria não somente o melhor caminho, mas também o único, para fugir da falência estatal. Sob a ideologia da globalização, os governos dos países dependentes, entre eles o Brasil, acenam com a necessidade de integração à economia mundial, dentro dos padrões propostos por esta integração, como único meio de afastar a degradação social e o aprofundamento da condição de pobreza destes países. Todavia essa hipótese é falsa. A integração através do atual padrão de desenvolvimento é impossível (DEL PINO, 2011, p.66).. A ideologia neoliberal ganha ênfase, sobretudo, com a derrocada dos governos socialista, principalmente com o fim da União Soviética e do comunismo na Europa Oriental (SADER; GENTILI, 1995). Na contramão desse processo emerge uma crítica tanta ao novo modelo de sociedade, como ao paradigma vigente de educação. Com o esgotamento da Ditadura Civil Militar os movimentos sociais emergem e desempenham papel fundamental na busca de uma pedagogia alternativa e de um modelo de sociedade no qual o fatalismo ou o discurso pós-moderno de ―[...] obstáculos insuperáveis‖ (FREIRE, 2012, p. 48) não predomine. A pedagogia histórico-crítica e contra-hegemônica, fruto tanto de uma opção ideológica de sociedade como do período de reabertura política de meados da década de 1980, desempenha papel central nesse momento histórico. É importante destacarmos a colocação da expressão ―contra-hegemônica‖, pois ela costura este texto por vários momentos. Ainda que Gramsci não tenha trabalhado o conceito de contra-hegemonia, sendo esse uma formulação de Carlos Nelson Coutinho9 estamos. 9. Carlos Nelson Coutinho é um dos maiores tradutores da obra de Gramsci no Brasil..

(36) 28. amparados no inverso desse termo, ou seja, a hegemonia, termo exaustivamente pensado por Gramsci. A hegemonia seria a capacidade de um grupo social unificar em torno de seu projeto político um bloco mais amplo não homogêneo, marcado por contradições de classe. Desse modo, hegemonia é algo que se conquista por meio da direção política e do consenso e não mediante a coerção. Pressupõe, além da ação política, a constituição de uma determinada moral, de uma concepção de mundo, numa ação que envolve questões de ordem cultural, na intenção de que seja instaurado um ―acordo coletivo‖ (GRAMSCI, 1991). Para Coutinho (1999), é a busca de uma classe particular para impor seus interesses comuns como interesse geral da sociedade. Nesse sentido, a colocação da expressão contra-hegemonia está intrinsecamente ligada ao conceito de resistência, de luta. Dourado (2012) afirma que se a tradição do estado brasileiro é ainda marcada por um estado patrimonial, em que pese ser este país a sexta economia do mundo, para Fernandes (1995), é um estado ―desigual e combinado‖. Nós temos desde o maior avanço tecnológico a condições de miserabilidade, é nesse tensionamento, é nesse caldeirão cultural, social, político e racial que vão se traduzindo o horizonte das políticas públicas. Dourado (2011) nos mostra que a história da educação brasileira é marcada por disputas entre diferentes projetos de educação e sociedade. O atual debate acerca do Plano Nacional de Educação (PNE) apesar de parecer recente, data da década de 1930, quando os Pioneiros elaboraram o primeiro esboço de Plano, arquivado logo em seguida pelo Estado Novo e totalmente negligenciado pelo Regime Militar. Ainda conforme Dourado (2011, p. 23) ―A Constituição Federal de 1988, resultante de amplo processo constituinte, avança consideravelmente no campo dos direitos sociais‖. A Constituição determina que o Senado crie planos e programas nacionais. O primeiro PNE (Lei nº 10.172, de 09 de janeiro de 2001) foi aprovado no governo Itamar Franco e teria duração no Governo Fernando Henrique Cardoso, no entanto, o Governo do PSDB não considerou o plano como referencial para suas ações. Em 2010, com o prazo de vigência do PNE prestes a expirar a sociedade civil, organizada pelo Fórum Nacional de Educação (FNE) realiza a I Conferência Nacional de.

(37) 29. Educação (2010) com o objetivo de intervir propositivamente no novo Plano a ser lançado pelo Congresso Nacional em 2011. O novo Plano Nacional de Educação (PL 8035) se configura dentro de um complexo campo de disputas de forças. Nesse sentido a sociedade civil está mais uma vez realizando conferências de educação municipais, intermunicipais, distrital e estadual, que culminarão na Conferência Nacional de Educação de 2014, cuja finalidade é garantir a aprovação de um plano articulado nacionalmente, democrático e popular (CONAE, 2014). Nesse contexto de efervescência é de fundamental importância a atuação dos movimentos de resistência do campo na luta por educação. Esse movimento contra hegemônico é importante para fazer frente às políticas neoliberais que avançam na contemporaneidade. Nesse sentido, a Educação do Campo passa a ser vista enquanto propositiva de uma educação que escapa tanto à pedagogia da hegemonia, como ao modelo rural de educação, que vem sendo destinado aos sujeitos do campo ao longo da história (ARROYO, 2009). Mesmo com todas as contradições e ressalvas que são necessárias, estamos, pois, vendo emergir um contraponto fundamental, uma pedagogia politizada, assentada em princípios críticos que tem como foco o sujeito. Feita essa breve retrospectiva histórica, iniciamos nesse momento o debate sobre a Educação Rural e como a superação desse paradigma é essencial para alcançar a Educação do Campo, cujos princípios têm forte afinidade com a Pedagogia Paulo Freire e questões que reclamam mudanças estruturais no seio da sociedade brasileira.. 2.2 EDUCAÇÃO RURAL: PONTOS DE UMA EDUCAÇÃO PAUPERIZADA Apesar de evidenciarmos avanços importantes no campo educacional, o analfabetismo ainda é um empecilho para a construção de uma sociedade mais autônoma, tanto do ponto de vista do desenvolvimento econômico do país, como da emancipação humana dos seus cidadãos. Ainda há uma barreira demasiadamente alta que impede os sujeitos de construírem melhores condições sociais de vida. Esse problema se intensifica quando tomamos como foco de investigação a zona rural brasileira. Segundo dados do último estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2009) os índices referentes ao analfabetismo das populações do campo, por exemplo, são sempre superiores quando comparados com as populações residentes na zona urbana..

(38) 30. Ainda segundo o estudo, no meio rural há uma grande desigualdade de renda entre os ricos e pobres, uma vez que os primeiros são os ―donos‖ das terras e os segundos, são sempre aqueles que trabalham nela. Sabe-se que em sociedade como a nossa, a posse da terra é condição primária para ascensão social, política e econômica de um povo; Nas sociedades predominantemente agrícolas a propriedade da terra é a principal fonte de poder econômico, político e social. Como uma regra simples, podemos afirmar que quanto maior for a quantidade de terra possuída maior será o poder de seu proprietário (FEDER apud SHALIN 1976, p. 73, tradução nossa). A citação acima nos ajuda a entender, por um lado, a posição social privilegiada que as classes detentoras de terras ocupam até os dias de hoje. A concentração da terra tem causado ao longo da história grandes prejuízos às populações do campo, a falta de escolas e o consequente analfabetismo é uma marca desse fenômeno de privação. Nesse momento é necessário resgatar a urgência de uma Reforma Agrária popular no Brasil como forma de atenuar esse grande déficit histórico. Freire (2012, p. 65) mostra que a não realização de uma reforma agrária séria é mais uma forma de manutenção de privilégios da classe dominante:. [...] Ao mesmo tempo, contudo arquivam a realização de reforma agrária sem a qual se estrangula qualquer transformação séria nesse país. Nenhuma sociedade capitalista moderna deixou de fazer sua reforma agrária, absolutamente indispensável à criação e a manutenção de um mercado interno. É por isso que já não falam em Reforma Agrária e não porque seja o seu processo uma velharia e sua realização um desrespeito à propriedade privada, como afirmam os donos do mundo e das gentes. ( FREIRE, 2012, p. 65). O monopólio da terra causou feridas profundas, cujas cicatrizes ainda estão abertas no seio da sociedade brasileira, e que, portanto, ainda são condicionantes que a sociedade precisa enfrentar para alcançar a melhoria de vida das classes trabalhadoras da cidade e do campo. Tomando o analfabetismo como exemplo ―Para a categoria localização, observa-se que, na população rural, a taxa de analfabetismo é de quase 22,8%. Já para a população urbana/metropolitana esse índice é de 4,4%‖ (IPEA, 2009, p. 10). Esses dados nos auxiliam na explicitação de uma realidade extremamente desigual, marcada por preconceitos e esquecimento. Não é um dado estatístico tão somente, mas antes de tudo é um flagrante, uma prova da exclusão secular que os sujeitos do campo brasileiro vêm passando. Freire (2011).

Referencias

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