• No se han encontrado resultados

Da declaração de inconstitucionalidade de lei em ação civil pública

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Da declaração de inconstitucionalidade de lei em ação civil pública"

Copied!
70
0
0

Texto completo

(1)

CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BRASÍLIA

Instituto CEUB de Pesquisa e Desenvolvimento – ICPD

MARIANA SILVA CAMPOS DUTRA

DA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI

EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA

BRASÍLIA

2007

(2)

Mariana Silva Campos Dutra

DA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI

EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA

Trabalho apresentado ao Centro

Universitário de Brasília

(UniCEUB/ICPD) como

pré-requisito para obtenção de

Certificado de Conclusão de Curso

de Pós-Graduação

Lato Sensu

na

área de Direito processual Civil,

sob a orientação do Professor

Mestre Adriano da Nobrega Silva

Brasília

2007

(3)

Mariana Silva Campos Dutra

DA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI

EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA

Trabalho apresentado ao Centro

Universitário de Brasília

(UniCEUB/ICPD) como

pré-requisito para obtenção de

Certificado de Conclusão de Curso

de Pós-Graduação

Lato Sensu

na

área de Direito processual Civil.

Orientador: Adriano da Nóbrega

Silva

Brasília, 28 de junho de 2007.

Banca examinadora

______________________________

Prof. Dra. Tânia Cristina Cruz

__________________________________

Prof. José Augusto Pinto da Cunha Lyra

(4)

RESUMO

Este trabalho tem por objetivo analisar a possibilidade de juiz com competência não-constitucional de declarar a innão-constitucionalidade de lei em uma ação civil pública como questão incidental. Nessa espécie de ação, a sentença possui efeitos erga omnes e tal declaração poderia impedir que outros tribunais viessem a apreciar tal questão no futuro, o que parece ferir a competência do Supremo Tribunal Federal, instância máxima do controle de constitucionalidade brasileiro.

(5)

ABSTRACT

The present study intends the analysis of the following question: one judge with non-constitutional jurisdiction may declare that one law is unnon-constitutional in the decision of one Public Civil Action (Ação Civil Pública – one kind of process in the Brazilian System of Law that protects collective rights)? That is a relevant question because this kind of decision has

erga omnen effects and – if this is the case – this judge may be violating the possibility of the Supremo Tribunal Federal (the Supreme Court of Brazil, which has the final word in the judicial review in the Country to review the sentence of this judge).

Palavras-chaves: Public Civil Action (Ação Civil Pública). Constitutionality Control. Judicial review.

(6)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO... 7

1. AÇÃO CIVIL PÚBLICA... 9

1.1. Natureza jurídica... 9

1.2. Terminologia... 10

2.3. Objeto e bens protegidos... 11

2.3.1 Meio ambiente ... 11

2.3.2 Direitos do consumidor... 12

2.3.3 Ordem urbanística e bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico ... 15

2.3.4 Interesses difusos e coletivos ... 16

2.3.5 Interesses individuais homogêneos... 18

2.3.6 Ordem econômica e economia popular... 20

2.3.7 Pedido imediato ... 21

2.4 Legitimidade de agir... 22

2.4.1 Ministério Público ... 23

2.4.2 Defensoria Pública... 23

2.4.3 União, Estados, Distrito Federal e Municípios... 24

2.4.4 Autarquia, empresa pública, fundação, sociedade de economia mista e associação ... 24 2.4.5 Entes despersonalizados... 26 2.5 Coisa julgada... 27 2. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE... 32 2.1. Conceito... 32 2.2. Origem histórica... 33

2.3. O controle judicial de constitucionalidade das leis no Brasil... 36

2.3.1. Sistema difuso ... 37

2.3.2. Sistema concentrado ... 39

3. AÇÃO CIVIL PÚBLICA E CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE... 50

3.1. Da impossibilidade de se argüir inconstitucionalidade de lei, por intermédio do sistema difuso, em sede de ação civil pública ... 51

3.2. Da possibilidade de se argüir inconstitucionalidade de lei, por intermédio do sistema difuso, em sede de ação civil pública... 55

3.3. Análise crítica quanto ao tema ... 58

(7)

INTRODUÇÃO

Com o advento do Estado Moderno e a consolidação do capitalismo como ordem econômica vigente, instaurou-se uma nova sociedade na qual os costumes foram, ao longo dos anos, assumindo feições diferentes das até então vistas.Os capitalistas no afã de aumentar seus lucros desenvolveram práticas que proporcionavam o aumento das desigualdades sociais e, em quase todas as relações, passou a ser notória a existência de vulnerabilidade da classe trabalhadora em face dos detentores do capital, o que fez com que os trabalhadores viessem a lutar pela conquista de novos direitos, que os protegesse dessa vulnerabilidade.

Associando-se a isso, nasceram novas demandas, a exemplo da defesa do meio ambiente, do consumidor, da infância e da juventude, a dos idosos, dentre outras. Fica evidente, assim, que surgiu uma terceira geração de direitos cuja titularidade já não cabia ao indivíduo isoladamente, nem regiam uma relação entre este cidadão e o Estado. Com essa nova gama de direitos buscava-se proteger objetos jurídicos de interesse comum e que diziam respeito à sociedade como um todo.

Um dos mecanismos criados para não deixar à míngua esta nova sorte de direitos foi a ação civil pública, instrumento que visa a tutelar e garantir a efetivação e cumprimento dos chamados direitos difusos e coletivos.

Tendo em conta a importância da Lei n.º 7.347/85, este trabalho busca, em linhas gerais, discutir um dos pontos mais polêmicos que envolve a ação civil pública: a possibilidade de juiz de primeira instância ou tribunal infraconstitucional declarar a inconstitucionalidade de lei em sede de ação civil pública, ou seja, a admissibilidade de,

(8)

incidentalmente, prolatar-se uma sentença que declare que uma lei ou ato normativo fere a Carta Magna de 1988.

No primeiro capítulo, busca-se traçar as principais características da ação civil pública, apresentando-se seu conceito, os objetos jurídicos por ela tutelados, a legitimidade ativa para ajuizá-la e os efeitos que a decisão dessa espécie de ação pode obter.

No segundo capítulo, tendo em vista que não se pode introduzir a discussão da declaração de inconstitucionalidade de lei em ação civil pública sem analisar as formas de controle judicial adotados pelo ordenamento pátrio, busca-se, em linhas gerais, traçar os principais contornos do controle difuso e do controle concentrado, apresentando-se as características mais relevantes da ação direta de inconstitucionalidade.

Por fim, no terceiro capítulo, ingressa-se no objeto específico desta monografia, trazendo os entendimentos dos doutrinadores mais expressivos na matéria, bem como a forma pela qual o assunto é tratado pelos Tribunais Regionais Federais, Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal.

(9)

1. AÇÃO CIVIL PÚBLICA

1.1.

Natureza jurídica

A matéria concernente à ação civil pública está regulada pela Lei n.º 7.347, de 24 de setembro de 1985, diploma de iniciativa do Poder Executivo. Trata-se de estatuto de natureza essencialmente formal, ou seja, busca a regular questões processuais, sendo a doutrina uníssona a respeito deste ponto. Carvalho Filho, sobre este tema, traz o seguinte ensinamento (1999, p. 02):

Diante da classificação que as leis são materiais ou formais, pode afirmar-se que a Lei nº 7.347/85 é de natureza eminentemente formal, visto que se destina a regular a ação protetiva dos vários direitos subjetivos e deveres jurídicos relativos ao meio ambiente, ao consumidor e a outros interesses coletivos e difusos. Na verdade, só acidentalmente a lei exibe normas de direito material.

Mancuso (2004, p. 32) também sustenta a mesma tese, in verbis:

Também nos parece que a lei em questão é de índole predominantemente processual, visto que, basicamente, objetiva oferecer os instrumentos processuais hábeis à efetivação, em juízo, da tutela são interesses difusos reconhecidos nos textos substantivos. Ainda que nos dois aspectos antes ressalvados (arts. 10 e 13) a Lei 7.347/85 apresente colocação de direito material, estamos em que, no mais, trata-se de lei de natureza processual.

Em resumo, a Lei n.º 7.347/85 é formal, sendo, além disso, lei de aplicação nacional, mas de caráter ordinário1. Não poderia ter natureza jurídica diversa. Embora por vezes verse sobre direito material, a sua essência é servir como instrumento processual e a esta função dedica-se quase todo diploma. Evidentemente, também não poderia ter aplicação local porque os direitos por ela tutelados - e que serão estudados em tópico específico – são de suma importância. Se a lei fosse local, não se conseguiria êxito na tutela de tais direitos. Por fim, é ordinária pelo rito legislativo de criação que seguiu.

1 No direito brasileiro, há duas espécies de leis: as complementares, que visam a regular matérias especificamente a elas destinada pela Constituição Federal, e as ordinárias, que regulam qualquer outra matéria que não tenha sido objeto de reserva por parte da Carta Magna.

(10)

1.2.

Terminologia

O termo ação civil pública não revela a pretensão deduzida nesta espécie de ação, ao contrário do que ocorre com boa parte das constantes no Código de Processo Civil. Assim, quando em contato com o termo ação civil pública, não se deve esperar uma ação cujo petitum

seja para assegurar exclusivamente um direito público, sob pena de ingressar-se em erro grosseiro. Por vezes, pode ocorrer da ação civil pública versar sobre direito privado, por exemplo, quando seu objeto seja a tutela de interesses individuais homogêneos. Assim, o sentido atribuído ao vocábulo “pública” no nomen juris da ação revela apenas a sua natureza, ou seja, é uma ação cuja titularidade, na quase totalidade das hipóteses de legitimação ativa, cabe ao Poder Público2, além do fato de que não são apenas os titulares dos interesses particulares os legitimados para a deflagração desta espécie de ação (CARVALHO FILHO, 1999, p.2-3). Além disso, é importante destacar não ser objeto único do processo a tutela exclusiva de interesses públicos, pois é cabível a tutela, por meio desta ação, dos direitos individuais homogêneos como se analisará em tópico específico (MANCUSO, 2004, p. 21-23). Já o vocábulo “civil”, constante do nomen juris, pretende apenas identificar que este tipo de ação possui natureza não penal e, por conseguinte, não terá por escopo a condenação pela prática de ilícito penal.

Interessante notar que os bens tutelados quando da criação da Lei n.º 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública – LACP) eram mais restritos, isto é, não era abarcada por tal ação uma gama tão extensa de direitos. Contudo, como na prática esta ação revelou-se instrumento hábil no combate às práticas que atormentavam a sociedade e que não encontravam na legislação processual instrumento de defesa correspondente, aos poucos, foi crescendo o rol de direitos tutelados. Esse foi um fenômeno bastante interessante, sobretudo ao se levar em conta que o texto da LACP da forma como foi publicado em 1985 não contemplava os

2 Observa-se que são legitimados para propor a ação civil pública não só o Ministério Público, como também outros órgãos públicos e mesmo entidades de natureza privada.

(11)

interesses difusos, coletivos, individuais homogêneos, a ordem econômica nem a economia popular.

2.3. Objeto e bens protegidos

Obtém-se a tutela do objeto, ou seja, do bem jurídico pretendido, por intermédio do pedido constante na inicial da ação. Na lição de Santos estes podem ser classificados em duas espécies que interessará neste trabalho:

o pedido imediato consiste na providência jurisdicional solicitada: sentença condenatória, declaratória, constitutiva ou mesmo providência executiva, cautelar ou preventiva. O pedido mediato é a utilidade que se quer alcançar pela sentença, ou providência jurisdicional, isto é, o bem material ou imaterial pretendido pelo autor. Aqui será o recebimento de um crédito: ali, a entrega de uma coisa, móvel ou imóvel ou o preço correspondente (Apud MANCUSO, 2004, p. 33).

Carvalho Filho expõe que:

O pedido divide-se em duas partes, sendo uma relativa à providência jurisdicional que busca do órgão julgador para proteger o seu direito (pedido imediato), e a outra pertinente à utilidade que a parte intenta obter com a decisão (pedido mediato). Este último é o que consiste no bem material ou imaterial pretendido pelo autor.

A ação civil pública também não poderia deixar de servir à tutela de determinada categoria de direitos, razão por que constituirá sempre objeto mediato da ação a utilidade decorrente da proteção ao direito invocado, a ser alvo de desfrute pelo autor. Esses bens jurídicos protegidos pela Lei nº 7.347/85 se encontram nos incisos I a V do art. 1º (1999, p. 14).

No caso da ação civil pública, esta tem por objeto, conforme arrolado no art. 1º de referida lei, a responsabilização por danos morais e patrimoniais causados ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem urbanística à ordem econômica e à economia popular, bem como a qualquer outro interesse difuso ou coletivo.

2.3.1 Meio ambiente

O art. 3º, I, da Lei n.º 6.938/81 traz conceito amplo para meio ambiente, definindo-o como: “conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”.

(12)

a) meio ambiente natural (os bens naturais, como o solo, a atmosfera, a água, qualquer forma de vida);

b) meio ambiente artificial (o espaço urbano construído);

c) meio ambiente cultural (a integração do homem ao ambiente, como o urbanismo, o zoneamento, o paisagismo, os monumentos históricos, assim como os demais bens e valores artísticos, estéticos, turísticos, paisagísticos, históricos, arqueológicos etc), neste último incluído o próprio meio ambiente do trabalho.

A Constituição Federal assegura a todos o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Reserva a esta matéria um capítulo inteiro (Capítulo VI, artigo 225), disciplinando, até mesmo, as incumbências do Poder Público.

A Constituição atribuiu competência concorrente para União, Estados e Distrito Federal (art. 24, VI, CF) legislarem sobre a matéria. Sendo assim, compete à União estabelecer normas gerais e amplas de preservação do meio ambiente (art. 24, § 1º, CF) enquanto aos Estados e ao Distrito Federal está reservada competência suplementar (art. 24 § 2º).

A Constituição é omissa no que tange à competência legislativa dos Municípios para tratarem da matéria. Todavia, não se pode olvidar que a Carta Magna atribuiu competência aos Municípios para legislarem sobre assuntos de interesse local (art. 30, I, CF) e sobre matéria suplementar a legislação federal e municipal no que couber (art. 30, II, CF).

Sendo assim, conclui-se que é de responsabilidade da União, Estados, Distrito Federal e também dos Municípios criarem normas de proteção ao meio ambiente e zelarem pela sua proteção e preservação. É nesta perspectiva que surge a ação civil pública. Esta veio como meio de instrumentalizar esta tutela ao meio ambiente.

2.3.2 Direitos do consumidor

A proteção ao consumidor está inserida na Constituição Federal: “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor” (art. 5º, XXXII). Apesar de o art. 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias estabelecer o prazo de 120 dias para a

(13)

elaboração do Código de Defesa do Consumidor, este só foi instituído em 11 de setembro de 1990, com o advento da Lei n.º 8.078.

Os direitos do consumidor não estão inseridos apenas no rol dos direitos fundamentais dentro do texto constitucional. Também estão inseridos dentro dos princípios da ordem econômica e financeira. É o que revela o art. 170, inciso V, da Constituição Federal de 1988.

Há compatibilidade entre o artigo 170 e artigo 5º, XXXII, da Constituição Federal, pois as relações de consumo estão dentro do campo da ordem econômica, constituindo-se em pilar desta (CARVALHO FILHO, 1999, p.20).

Não se pode olvidar que o art. 150, § 5º, da CF impõe o esclarecimento dos consumidores no que concerne aos impostos incidentes sobre mercadorias e serviços. Este não deixa de ser mais um direito do consumidor amparado pela Carta Magna.

Neste caso, a competência legislativa é concorrente. À União compete a produção de normas gerais e amplas, ao passo que aos Estados e Distrito Federal está reservada a competência suplementar ao moldes do ditado no art. 24, VIII e art. 24, § 2º, ambos da CF.

O Código de Defesa do Consumidor conceitua consumidor como sendo toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final, equiparando-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.

Todavia, para corrente doutrina, esta definição é insuficiente, sendo necessária a observação de outros critérios. Filomeno esclarece: “Consoante já salientado, o conceito de consumidor adotado pelo Código foi exclusivamente de caráter econômico, ou seja, levando-se em consideração tão-somente o personagem que no mercado de consumo adquire bens ou então contrata a prestação de serviços como destinatário final, pressupondo-se que assim age

(14)

com vistas ao atendimento de uma necessidade própria e não para o desenvolvimento de uma outra atividade negocial” (GRINOVER, et al, 2005, p. 27). Para o mesmo autor (idem, p. 31-32):

Abstraídas todas as conotações de ordem filosófica, psicológica e outras, entendemos por ‘consumidor’ qualquer pessoa física ou jurídica que, isolada ou coletivamente, contrate para consumo final, em benefício próprio ou de outrem, a aquisição ou a locação de bens, bem como a prestação de um serviço.

omissis

Prevaleceu, entretanto, a inclusão das pessoas jurídicas igualmente como ‘consumidores’ de produto e serviços, embora com a ressalva de que assim são entendidas aquelas como destinatárias finais dos produtos e serviços que adquirem, e não como insumos necessários ao desempenho de sua atividade lucrativa.

Segundo o CDC, fornecedor, por seu turno, é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

Assim, conclui Filomeno (GRINOVER, et al, 2005, p. 43):

“Tem-se, por conseguinte, que fornecedor é qualquer pessoa física, ou seja, qualquer um que, a título singular, mediante desempenho de atividade mercantil ou civil e de forma habitual, ofereça no mercado produtos ou serviços, e a jurídica, da mesma forma, mas em associação mercantil ou civil e de forma habitual”.

O CDC surgiu com o escopo de reestruturar a relação entre consumidor e fornecedor de tal forma que pudesse reequilibrá-la já que, até então, o consumidor era vítima de constantes abusos, dada sua hipossuficiência na relação consumerista. A partir desta concepção, o CDC buscou formas de proteção aos consumidores - parte mais frágil na relação – e de institutos que pudessem assegurar seus direitos.

Um desses institutos foi a ação civil pública3 que, após o advento do CDC, passou a ser ainda mais utilizada como instrumento processual para se assegurar a proteção dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos4.

3 Embora a Lei de Ação Civil Pública – Lei n.º 7.347/85 – seja anterior a publicação do Código de Defesa do Consumidor – Lei n.º 8.078/90, este reafirmou a utilização da ação civil pública como forma de tutela dos direitos do consumidor na medida em que não revogou o art. 1º, II, da LACP, tendo, tão somente, ratificado este artigo.

(15)

2.3.3 Ordem urbanística e bens e direitos de valor artístico, estético, histórico,

turístico e paisagístico

5

A Constituição Federal, ao tutelar esta espécie de bens e direitos, utilizou-se de expressão mais genérica da qual estes são apenas espécies. Assim, em seu art. 129, III, a Carta Magna empregou a expressão “patrimônio público e social” enquanto a Lei n.º 7.347/85, quando de sua publicação, recorreu a termos mais particulares: valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. Entende-se acertada a terminologia utilizada pelo constituinte quando da elaboração da Constituição Federal, porque a noção de patrimônio público e social é mais ampla do que a de patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. Esta imperfeição do texto da LACP foi corrigida, com o advento da Lei n.º 10.257, de 10/07/01. O Estatuto da Cidade, como esta lei é conhecida, alterou o inciso III do art. 1º da Lei n.º 7.437/85, dando nova redação. Agora ao invés de “valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico”, a proteção é dado à “ordem urbanística”, termo mais genérico, que tem alcance mais apropriado aos propósitos da lei.

No contexto em que patrimônio público e social é empregado do texto constitucional, não se deve entender patrimônio em sua definição clássica do direito civil, uma vez que na Constituição Federal dá-se a este termo também o cunho não-econômico. Logo, constitui patrimônio não só os bens que possam ser convertidos em pecúnia, mas também aqueles que não possam representar expressão monetária e exteriorizem alguma forma de interesse quer por seu valor de estimação, quer por seu valor científico, quer por seu valor histórico etc. Mazzilli (GRINOVER, et al, 2005, p. 43) ensina:

Patrimônio público é o conjunto dos bens e direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico, arqueológico ou turístico, ou ainda de caráter ambiental. O próprio meio ambiente é considerado patrimônio público de uso coletivo.

4 A distinção entre interesse ou direito difusos, coletivos e individuais homogêneos será dada mais adiante quando estivermos analisando o inciso V do art. 1º da LACP.

5 Ainda que a Lei n.º 10.257/01 tenha dado nova redação ao inciso III da Lei n.º 7.347/85, será explicado, neste tópico, a acepção dos termos ‘valor estético cultural, histórico e paisagístico, para que se possa ter noção do que a ordem urbanística abrange, já que é gênero do qual aqueles são espécies.

(16)

A competência para legislar sobre a matéria é concorrente entre a União, Estados e Distrito Federal (art. 24, VII e VIII, CF). Já para os Municípios, ao contrário do verificado sobre meio ambiente e direito do consumidor, a competência é expressa, estando assegurada no art. 30, IX, CF.

2.3.4 Interesses difusos e coletivos

O inciso V do art. 1º da LACP dispunha sobre a proteção de “qualquer outro interesse difuso”. Contudo, tal dispositivo foi vetado. Observou-se aqui grande equívoco do Presidente da República porque importantes interesses ficaram sem a tutela da ação civil pública como, por exemplo, a defesa do contribuinte, os direitos dos participantes de programa habitacional em massa, minorias étnico-sociais, pequenos acionistas em sistemas populares de captação de poupança e pessoas lesadas por grandes conglomerados financeiros (MANCUSO, 2004, p. 44-45).

Esta situação modificou-se com a Constituição Federal de 1988, pois o constituinte fez inserir no texto maior (art. 129, inciso III) que é função institucional do Ministério Público, dentre outras, promover ação civil pública para proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.

O art. 1º da LACP só teve sua redação alterada com o advento do Código de Defesa do Consumidor, ocasião em que o art. 110 deste diploma deu nova redação ao art. 1º daquele. Importante destacar que referido artigo foi alterado novamente pela Lei 10.257/01, tendo sido este inciso renumerado.

Apesar das definições de direitos difusos e coletivos estarem insertas no artigo 81 do Código de Defesa do Consumidor, sua aplicação não se restringe às lides consumeristas, sendo recorrente seu emprego em outras áreas. Assim, consideram-se interesse ou direitos difusos aqueles de natureza indivisível e que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas

(17)

por circunstâncias de fato. São interesses ou direitos coletivos, os de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base. Por fim, são interesses ou direitos individuais homogêneos os decorrentes de origem comum. Sobre a matéria, Grinover (1984, p. 30-31) leciona:

É metaindividual também o interesse público, exercido com relação ao Estado. Mas esse interesse (à ordem pública, à segurança pública) constitui interesse de que todos compartilham. E o único problema que pode suscitar ainda se coloca na perspectiva clássica do conflito indivíduo contra Estado.

Já por interesse coletivo entendem-se os interesses comuns a uma coletividade de pessoas e apenas a elas, mas ainda repousando sobre um vínculo jurídico definido que as congrega. A sociedade comercial, o condomínio, a família dão margem ao surgimento de interesses comuns, nascidos em função da relação-base que congrega seus componentes, mas não se confundindo com os interesses individuais. Num plano mais complexo, onde o conjunto de interessados não é mais facilmente determinável, embora ainda exista a relação-base, surge o interesse coletivo do sindicato, a congregar todos os empregados de uma determinada categoria profissional. Mas ainda não estamos no plano dos interesses difusos.

O outro grupo de interesses metaindividuais, o dos interesses difusos propriamente ditos, compreende interesses que não encontram apoio em uma relação-base definida, reduzindo-se o vínculo entre as pessoas a fatores conjunturais ou extremamente genéricos, a dados de fato freqüentemente acidentais e mutáveis: habitar a mesma região, consumir o mesmo produto, viver sob determinadas condições sócio-econômicas, sujeitar-se a determinados empreendimentos, etc. Trata-se de interesses espalhados e informais à tutela de necessidades, também coletivas, sinteticamente referidas à qualidade de vida. E essas necessidades e esses interesses, de massa, sofrem constantes investidas, freqüentemente também de massa, contrapondo grupo versus grupo, em conflito que se coletivam em ambos os pólos.

Ressalta-se que os interesses coletivos são próprios de um número amplo de pessoas, contudo, este número é determinável, e, ademais, estes indivíduos estão unidos por um vínculo jurídico comum que os envolve. Embora os interesses difusos também tratem de direitos de natureza indivisível, seus titulares constituem número indeterminável de pessoas que estão ligadas por mera relação de fato, ou seja, por um acidente do acaso. Não há aqui relação jurídica que sirva de elo entre elas o que torna os interesses difusos mais amplos que os coletivos.

Assim, a pretensão ao meio ambiente hígido, por exemplo, é interesse difuso, na medida em que, compartilhado por número indeterminado de pessoas, não pode ser, entre estes, dividido. Nem mesmo a indenização aferida a partir da reparação a eventual dano pode

(18)

ser repartida entre os habitantes de uma localidade. Estariam incluídos no rol de indivíduos lesados pela degradação ambiental os futuros moradores e gerações futuras. Já como exemplo de interesse coletivo, tem-se a nulidade de cláusula de contrato de trabalho, acordo coletivo ou convenção coletiva. Os atuais trabalhadores formam um grupo determinado de pessoas que se unem por um vínculo jurídico comum: o contrato de trabalho, acordo coletivo ou convenção coletiva (MAZZILLI, 2006, p. 51-53).

2.3.5 Interesses individuais homogêneos

A LACP não prevê os interesses individuais homogêneos como objeto da ação civil pública. Contudo, o art. 91 do CDC, ao utilizar a expressão “ação coletiva” possibilitou a utilização da ação civil pública – que em verdade, não deixa de ser uma ação civil coletiva – para instrumentalizar esta proteção.

O art. 81 do CDC explica que os interesses ou direitos individuais homogêneos são aqueles decorrentes de origem comum. Neste ponto, tal conceituação deixou a desejar, considerando-se que os interesses difusos e os coletivos também têm origem comum. Nos interesses individuais homogêneos, os titulares são determinados ou determináveis e o objeto é divisível. Como exemplo, têm-se os compradores de veículos com o mesmo defeito de série. Há uma relação jurídica comum, o grupo é ao menos determinável, pois será possível identificar quais os consumidores que adquiriram veículo com defeito, e a indenização resultante também será divisível entre eles. (MAZZILLI, 2006, p. 53-55)

Carvalho Filho (1999, p. 30-31) faz importante distinção entre os interesses individuais homogêneos e os interesses difusos e coletivos:

A categoria dos interesses individuais homogêneos guarda distinção fundamental em relação aos interesses coletivos e difusos: enquanto estes são transindividuais, porque o aspecto de relevo é o grupo, e não seus componentes, aqueles se situam dentro da órbita jurídica de cada indivíduo. Por outro lado, os direitos transindividuais são indivisíveis e seus titulares são indeterminados ou apenas determináveis, ao passo que os individuais homogêneos são divisíveis e seus titulares são determinados.

(19)

No que toca aos direitos individuais homogêneos, muito embora haja muitos indivíduos no grupo, cada um deles tem direito próprio, que pode variar sob os aspectos qualitativo e quantitativo. Nesse grupo, por exemplo, é possível que do fato-origem comum surja para A o direito indenizatório de 100 por dano patrimonial, e para B o direito de 200 por dano patrimonial e 50 por dano moral, hipóteses em que este último direito é quantitativa e qualitativamente diverso do primeiro.

Assim, pode-se pensar que esta categoria de interesses seria incompatível com o próprio espírito da ação civil pública, a qual tem por escopo proteger direitos de uma coletividade. Todavia, ela pode buscar uma condenação genérica para os integrantes do grupo de modo a que estes, a posteriori, venham a buscar a individualização da sentença específica. Desta forma, a ação civil pública estaria tutelando os direitos de um grupo e não exclusivamente os de um integrante deste.

Portanto, retornando ao exemplo trazido por Carvalho Filho, a ação civil pública, buscaria a condenação pura e simples, cabendo aos membros do grupo buscarem separadamente, na liquidação, o valor que lhes concerne, ou seja, A o montante de 100 por dano patrimonial e B 200 por dano patrimonial e 50 por dano moral.

É neste contexto que é possível a utilização da ação civil pública, tendo como objeto os interesses individuais homogêneos, uma vez que se preserva a natureza daquela sem se desvirtuar a essência destes.

Apesar da possibilidade de aplicação de ação civil pública para a tutela de interesses individuais homogêneos, a mesma não é cabível como veículo de pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados, por força de alteração promovida na LACP pela Medida Provisória nº 2.180-35, de 24.08.01.

(20)

2.3.6 Ordem econômica e economia popular

A Constituição de 1934, recebendo influência alemã, foi a primeira a trazer em seu bojo a idéia de ordem econômica ao tratar de normas e princípios que regulamentam e servem de fundamento a esta.

A necessidade de tornar constitucional este tema adveio da tentativa de ordenar-se a economia que sofria efeitos negativos gravíssimos atribuídos ao liberalismo econômico clássico. Pregava este, como já é cediço, que a economia não devia sofrer influência estatal, fluindo e crescendo sem intervenção alguma, regulando-se apenas pelos princípios básicos da livre concorrência, da lei da oferta e da procura.

Silva (2006, p. 787) apropriadamente trata deste tema, ensinando que:

Esse embate entre o liberalismo [escrevemos em outro livro] com seu conceito de democracia política, e o intervencionismo ou socialismo repercute nos textos das constituições contemporâneas, com seus princípios de direitos econômicos e sociais, comportando um conjunto de disposições concernentes tanto aos direitos dos trabalhadores como à estrutura da economia e ao estatuto dos cidadãos.

A ordem econômica foi introduzida no universo de proteção da ação civil pública por intermédio da Lei n.º 8.884, de 11/06/1994 – conhecida como Lei do CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). Esta dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica. Posteriormente, a Medida Provisória n.º 1.984-18, de 01/06/2000, alterou novamente o inciso V da Lei de ação civil pública, inserindo neste a expressão economia popular. Com isso, quis o legislador ampliar o âmbito de incidência desta ação. A expressão economia popular refere-se à condição econômica do indivíduo isoladamente, enquanto a expressão ordem econômica é utilizada para designar o sistema econômico global, fiscalizado pelo Poder Público. A primeira é integrante da segunda, mas dela se distingue (CARVALHO FILHO, 1999, p. 34-35).

Nos arts. 20 e 21 da Lei n.º 8.884/94 estão previstas várias práticas que constituem infração à ordem econômica. Mister destacar que as condutas tipificadas em tais artigos não

(21)

prescindem do elemento culpa, o que representa verdadeiro avanço nesta espécie de legislação e na repressão destas práticas abusivas.

Reprimir estes tipos de conduta é dever do Estado que precisa manter o equilíbrio entre os fornecedores e consumidores para assegurar a própria ordem social. Isto só é possível na medida em que o Estado procura medidas efetivas para coibir a dominação dos mercados, a eliminação da concorrência e o aumento arbitrário dos lucros. Infelizmente, o Estado brasileiro não tem se mostrado eficiente nesta árdua missão. Ao contrário, mostra-se cada vez mais dependente de grupos econômicos internacionais, sujeitando os interesses sociais aos interesses estrangeiros, o que tem acarretado o aumento das mazelas sociais.

2.3.7 Pedido imediato

O art. 3º da Lei n.º 7.347/85 revela que o pedido imediato da ação civil pública é condenatório, in verbis: “A ação civil pública poderá ter por objeto a condenação”.

Sendo assim, o requerido, que figura como sujeito passivo na relação processual, pode ser condenado, em sede de ação civil pública, a uma obrigação positiva – fazer ou pagar determinada importância – ou, ainda, a uma obrigação negativa – obrigação de abster-se de determinado ato.

Mister esclarecer que, apesar da obrigação à primeira vista parecer alternativa pela redação dada ao art. 3º da LACP, em verdade, pode haver cumulatividade. Assim, pode haver condenação ao pagamento de multa e o cumprimento de uma obrigação de fazer ou não fazer algo. Desta forma ensina Carvalho Filho (1999, p. 68):

Reza o artigo sob comento que a ação civil pública pode ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer. No texto parece estar, à primeira vista, uma alternativa a ser enfrentada pelo autor: ou formula pedido de condenação em dinheiro, ou pleiteia seja cumprida obrigação de fazer ou não fazer. A alternativa da lei, todavia, não impede a cumulatividade desses tipos de pedido. Dependendo da situação ofensiva ao interesse difuso ou coletivo que o autor pretenda coibir, pode ele pleitear o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer cumulado com o pedido indenizatório.

(22)

Portanto, pode haver a cumulação de uma obrigação de fazer ou não fazer, com o pagamento de dinheiro.

2.4 Legitimidade de agir

A legitimidade ad causam é uma das condições da ação, mediante a qual se busca a demonstração da pertinência subjetiva da parte para a causa. A sua ausência acarreta a extinção do processo sem resolução do mérito (CÂMARA, 2004, p. 122-124)

Todavia, tal conceituação é insuficiente para se precisar os legitimados para a ação civil pública. Isto porque, como visto anteriormente, esta espécie de ação tem como objeto direitos metaindividuais, tornando-se quase impossível determinar quem exercerá o direito de ação e estará devidamente legitimado para isso, dado o caráter indivisível do direito e, muitas vezes, dos titulares. Apropriadas para o tema, as palavras de Mancuso (2004, p. 130-132):

Esse esquema, porém, não pode ser trasladado perfeitamente à legitimação para agir nas ações ‘coletivas’, onde o objeto tutelado é metaindividual, como se dá na ação civil pública da Lei 7.347/85. E isso porque, simplesmente, não se vai encontrar o ‘titular’, o ‘dono’, do interesse objetivado, dada a inviolabilidade de sua ‘partição’ ou ‘fracionamento’ (a chamada ‘indivisibilidade do objeto’) e, de outro lado, dada a impossibilidade de sua atribuição a certos ‘titulares’ (a chamada indeterminação dos sujeitos’) Basta pensar, v.g., nos consumidores de certo produto (lei 7.347/85, art. 1º, II; do CDC, art. 2º) quantos são? Quais são? Ou ainda, no caso da tutela ao meio ambiente a quem concerne o interesse pela preservação do pantanal matogrossense: aos ‘pantaneiros’ somente? Aos habitantes do Estado? Aos brasileiros? Ou já a toda a humanidade, já que se trata de um santuário ecológico cuja defesa extravasa os lindes meramente geográficos?.

Assim, já antevendo as possíveis complicações no campo doutrinário e antecipando a sua solução, o legislador fixou a legitimação ativa na ação civil pública no próprio corpo da lei. Pela própria intenção do instituto da ação civil pública não se pode conceber que aqui haveria um único interessado, um único titular da pretensão deduzida, já que originalmente tal instituto foi criado para proteger interesses amplos, pertencentes a toda uma coletividade, interesses sociais.

(23)

2.4.1 Ministério Público

Além do artigo 5º da LACP, a legitimação do Ministério Público para propor a ação está prevista nos artigos 129, III, da Constituição Federal, 25, IV, Lei n.º 8.625/93 - Lei Orgânica Nacional do Ministério Público - e 6º, VII, Lei Complementar n.º 75, de 20/5/93.

O Ministério Público tem organizado os seus membros em promotorias especializadas para a tutela dos interesses protegidos na LACP. No caso do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios foram criadas promotorias de defesa do meio ambiente e patrimônio cultural (PRODEMA); promotoria de defesa do patrimônio público e cultural (PRODEP); promotoria de defesa da ordem urbanística (PROURB); promotoria de defesa do consumidor (PRODECON) etc. Já o Ministério Público Federal divide a atuação dos procuradores em grupos temáticos. Logo, determinados procuradores atuam exclusivamente em área relativa ao meio ambiente e proteção dos povos indígenas; outros, no combate à improbidade e à fraude em procedimentos licitatórios etc.

O que se pretende com a especialização do serviço é habilitar profissionais cada vez mais capacitados e com áreas de atuação especifica, viabilizando, desta forma, a melhor tutela dos interesses metaindividuais.

Imperioso ressaltar, todavia, que o Ministério Público não detém legitimidade exclusiva para propor a ação civil pública, pois a legitimação é concorrente podendo ajuizá-la qualquer das pessoas tratadas a seguir.

2.4.2 Defensoria Pública

A Lei n.º 11.448/07 inovou ao acrescentar a Defensoria Pública como legitimada ativa para a propositura da ação civil pública. Entende-se acertada a alteração legislativa na medida em que referida instituição é essencial à função jurisdicional do Estado, com previsão constitucional nos artigos 134 e 135 da Carta Magna. Somado a isso, destina-se ela à

(24)

orientação jurídica e defesa dos necessitados na forma do artigo 5º, LXXIV, da Constituição Federal o que coincide muitas vezes com as pessoas atingidas pelas violações aos objetos jurídicos tutelados pela Lei n.º 7.347/85, viabilizando, por conseguinte, o efetivo acesso ao Judiciário.

2.4.3 União, Estados, Distrito Federal e Municípios

O legislador atribuiu à União, Estados, Distrito Federal e Municípios legitimidade para, em juízo, ingressar com a ação civil pública. Por serem integrantes da federação, têm interesse na tutela de direitos coletivos e difusos da coletividade que representam. Além disso, tais entidades são dotadas de capacidade de auto-administração, razão porque podem dedicar-se à proteção dos interesdedicar-ses de toda a coletividade (CARVALHO FILHO, 1999, p. 130). Acertada a lei quando coloca os entes da federação como legitimados para a ação civil pública porque estes podem representar a coletividade de pessoas que os integram quando o direito é claramente de interesse de todos. Mais do que figurarem como legitimados ativos ou meramente passivos, há, ainda, a possibilidade de um ente figurar no pólo ativo enquanto o outro figurará no pólo passivo em uma mesma lide, ainda que a população interessada pertença a ambos. Assim, o Estado pode ajuizar ação civil pública contra a União porque um prédio federal foi construído em área estadual em desacordo com a ordem urbanística local.

2.4.4 Autarquia, empresa pública, fundação, sociedade de economia mista e

associação

As autarquias, as empresas públicas, as fundações públicas e as sociedades de economia mista integram a Administração indireta. Realizam atividades de interesse do Estado e, por isso, o Estado ainda detém certa participação nestas instituições quer na sua administração interna ou mesmo na sua criação. Contudo, estas atuam no mercado de forma indireta e descentralizada.

(25)

Já as fundações privadas e as associações têm natureza essencialmente privada e pertencem à iniciativa particular. A grosso modo, são formas de particulares organizarem-se.

Assim, o art. 5º da Lei. 7.347/85 assegurou aos entes da Administração indireta legitimidade ativa para ajuizar ação civil pública, sem condicionar tal exercício. Estes entes podem propor referida ação, ainda que atuem exclusivamente em interesse próprio, desde que o litígio verse sobre direitos tutelados pela ação civil pública.

Antes da alteração promovida pela Lei n.º 11.448/07, parte da doutrina entendia que mesmo os entes da Administração indireta deveriam obedecer ao requisito institucional, ou seja, para propor ação civil pública deveriam provar finalidade institucional compatível com o objeto da ação. A jurisprudência, contudo, havia firmado entendimento em sentido contrário, como se percebe a partir de decisão, por maioria, do Superior Tribunal de Justiça, sobre o tema: “Processual - Legitimidade - Ação civil pública - Requisitos – Lei 7.347/85 (art. 5º, I, e II). A empresa pública está legitimada para o exercício de ação civil pública. Para tanto, não necessita adimplir os requisitos enunciados no art. 5º, I e II da Lei 7.347/85”6.

6 Superior Tribunal de Justiça, RESP 236499/PB; Recurso Especial (1999/0098554-0), Fonte DJ data: 05/06/2000, pg: 00125, Relator Min. Garcia Vieira (1082), Relator p/ Acórdão Min. Humberto Gomes de Barros (1096), Data da Decisão: 13/04/00, Órgão Julgador: T4, Quarta Turma, Por maioria (3 x 2). Merece destaque o seguinte trecho do voto do Exmo. Sr. Min. Humberto Gomes de Barros: “Parece-me que o caput

faz duas referências autônomas. A primeira delas é relativa à autarquia, empresa pública, fundação, sociedade de economia mista. E vem um ou; essa conjunção é alternativa, refere-se à associação e, continuando esse complemento – referindo-se somente à associação – dispõe: que seja constituída há pelo menos um ano, nos termos da lei civil. A outra referência coloca as duas condições para o exercício da ação civil pública. Estas condições referem-se estritamente às associações, não inseridas no arrolamento anterior, quais sejam, as autarquias, as sociedades de economia mista e fundações, ou empresas públicas. Para as empresas públicas, estas duas exigências – de serem constituídas há pelo menos um ano e de inserir entre as suas finalidade a proteção ao meio ambiente, etc -, não se aplicam: basta que a empresa pública, como no caso, tenha acesso à ação civil pública e à ação cautelar, independentemente de estar constituída há pelo menos um ano, ou de incluir entre as suas finalidade institucionais, especificamente a proteção a esses bens de vida”. O Exmo Sr. Min. José Delgado (presidente) acrescenta que: “A meu ver, há um choque, se interpretarmos que só será possível interpor ação principal e ação cautelar para a defesa desses direitos aqui mencionados: autarquias, empresas públicas, fundações, sociedade de economia mista, por exemplo, que estejam constituídas há pelo menos um ano, nos termos da lei civil. Primeiramente, as autarquias e empresas públicas não são constituídas nos termos da lei civil, mas sim, no termos da lei de direito público. Aqui também não se estabelece se fundação de direito público ou privado, mas percebe-se, pela mensagem da lei, tratar-se de fundação de direito público porque está dentro de um conjunto. Peço vênia ao Sr. Ministro Garcia Vieira para entender que, neste caso, os incisos I e II só estão se referindo à associação. Se o legislador pretendesse dar esta interpretação, primeiramente, ele não teria colocado nos termos da lei civil no inciso I e, no lugar do ‘ou’ teria colocado ‘e poderão também ser propostas por autarquia, empresa pública, fundação, sociedade de economia mista e associação que esteja constituída há pelo menos um ano’ teria parado aí”.

(26)

Nesse sentido foi a alteração legislativa, restando claro não haver necessidade de as autarquias, as empresas públicas, as fundações e as sociedades de economia mista demonstrarem finalidade institucional compatível com o objeto da ação.

No que tange à legitimidade das associações, mister esclarecer que esta é condicionada à presença dos requisitos contidos nas alíneas “a” e “b”, do inciso V do art. 5º da Lei n.º 7.347/85, quais sejam: estarem constituídas há pelo menos um ano, nos termos da lei e terem por finalidades institucionais a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. Logo, é necessário preencher uma condição formal – estar constituída nos termos da lei, uma condição temporal – estar constituída, no mínimo, há um ano – e uma condição institucional – ter finalidade conforme com o estabelecido na alínea b.

Imperioso acrescentar que o interstício mínimo de um ano pode ser dispensado pelo magistrado quando houver manifesto interesse social, em razão da dimensão ou característica do dano, ou, ainda, se o bem jurídico protegido for relevante, consoante parágrafo 4º do artigo 5º da Lei n.º 7.347/85 e entendimento jurisprudencial7.

2.4.5 Entes despersonalizados

É regra no Código de Processo Civil que, para postular em juízo, a parte deva possuir capacidade processual e, para tanto, deve ter personalidade jurídica. Excepcionalmente, foi atribuída a entes despersonalizados a capacidade processual, como

7 Neste sentido: Superior Tribunal de Justiça, RESP 121067/PR; Recurso Especial (1997/0013320-6), Fonte DJ data: 25/06/2001, pg: 00182, Relator Min. Barros Monteiro (1089), Data da Decisão: 17/04/2001, Órgão Julgador: T4 - Quarta Turma, Por Unanimidade, Ementa: Caderneta de poupança. Diferença de rendimentos. Legitimidade de parte ativa de associação de defesa do consumidor. Dispensa do requisito da pré-constituição. Relação de consumo. Defesa dos direitos individuais homogêneos. Presente o interesse social evidenciado pela dimensão do dano e apresentando-se como relevante o bem jurídico a ser protegido, pode o juiz dispensar o requisito da pré-constituição superior a um ano da associação autora da ação. O código de defesa do consumidor é aplicável aos contratos de depósito em caderneta de poupança firmados entre as instituições financeiras e seus clientes. A ação civil pública é o instrumento adequado para a defesa dos interesses individuais homogêneos dos consumidores. Orientação imprimida pela C. Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (RESP Nº 106.888-PR). Recurso Especial conhecido e provido para afastar a extinção do processo sem conhecimento do mérito.

(27)

acontece com a massa falida, o espólio, a herança jacente e o condomínio. Mas estes casos constituem verdadeiras exceções à regra processual.

O CDC inovou ao contemplar em seu art. 82, III a possibilidade de órgãos da Administração direta ou indireta, sem personalidade jurídica, ajuizarem ação em defesa de direitos dos consumidores.

Como o art. 82 do CDC está inserido dentro do Título III que deve ser usado como legislação complementar à LACP (art. 24 da Lei n.º 7.347/85), entende-se que, por força do CDC, os órgãos despersonalizados da administração estão legitimados a ajuizar a ação civil pública. Assim, por exemplo, pode um departamento de proteção ao consumidor ou de defesa do meio ambiente, integrantes de determinada secretaria de governo estadual, ajuizar ação civil pública (CARVALHO FILHO, 1999, p. 138-139).

Acrescente-se, ainda, que não estarão legitimados apenas para ir a juízo defender direitos do consumidor, mas todos os bens tutelados pela ação.

A atribuição de legitimidade ativa para órgãos despersonalizados da Administração representa grande avanço na legislação pertinente a ação civil pública. Desta maneira, desburocratizou-se o acesso de órgãos que por estarem mais próximos das dificuldades dos cidadãos podem, com mais eficiência e celeridade, combater as infrações ao meio ambiente, à legislação consumerista e à ordem econômica.

2.5 Coisa julgada

A Lei nº 9.497/97 (resultante da conversão da Medida Provisória nº 1.570/97)8 deu nova redação ao art. 16 da LACP, fazendo inserir neste a expressão “nos limites da competência territorial do órgão prolator”.

8 Foi ajuizada a ADIN 1.576-1 contra a Medida Provisória 1.570/97, onde o Rel. Min. Marco Aurélio negou medida liminar. Contudo, houve perda de objeto em tal ADIN.

(28)

Parte da doutrina critica tal alteração. Neste sentido Nery Junior e Nery (Apud

MAZZILLI, 2006, p. 249) ensinam:

Confundiram os limites subjetivos da coisa julgada erga omnes, isto é, quem são as pessoas atingidas pela autoridade da coisa julgada, com jurisdição e competência, que nada têm a ver com o tema. Pessoa divorciada em São Paulo é divorciada no Rio de Janeiro. Não se trata de discutir se os limites territoriais do juiz de São Paulo podem ou não ultrapassar o seu território, mas quem são as pessoas atingidas pela sentença paulista.

Excessiva foi a intervenção do Poder Executivo na redação do art. 16 da LACP. As críticas devem ser severas e incisivas para que se possa evitar a perpetuação de equívocos desta categoria.

É absurdo imaginar que se pretendia limitar os efeitos de uma decisão judicial. Não se trata de limitar a competência do ajuizamento, nem a competência para conhecer da matéria. A questão é relativa aos efeitos da decisão prolatada. Se não se pode conceber que em lides “convencionais”, onde o efeito é apenas entre as partes envolvidas no litígio, este seja limitado, muito menos nas demandas coletivas, sob pena de se legitimar decisões incongruentes e absurdas.

Assim, por exemplo, se uma determinada área de preservação ambiental está localizada em dois municípios limítrofes e está sendo degradada, eventual decisão do Juízo do município A só produzirá efeitos sobre a parte da área ambiental que ocupar estritamente o território de A e não toda a área da reserva. Concordar com isso é equivocado porque o provimento judicial seria, na prática inócuo, haja vista que a área sofreria dano sério e irreversível que se estenderia ao território do município A. Isto ocorreria porque o art. 16 da LACP prescreve que os efeitos serão produzidos apenas na extensão onde incide a competência territorial do órgão. Logo, pode-se concluir que a alteração realizada pelo legislador foi bastante infeliz, representando verdadeiro atraso na matéria.

A coisa julgada tem o condão de tornar imutável a parte dispositiva da decisão. Nery Junior e Nery definem a coisa julgada material como sendo “a qualidade que torna

(29)

imutável e indiscutível o comando que emerge da parte dispositiva da sentença de mérito não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário (CPC 467; LICC 6.º §3.º), nem à remessa necessária do CPC 475” (2006, p. 593).

A regra no processo civil é que a coisa julgada atinja exclusivamente as partes que estão envolvidas na lide, tendo força de lei entre as partes – art. 468 e 472 do CPC. Todavia, na ação civil pública, em função da natureza dos direitos tutelados, o legislador ampliou o efeito da coisa julgada que não mais atingirá apenas as partes envolvidas na questão, pois passou a atribuir à coisa julgada efeito erga omnes. Significa dizer que a coisa julgada incidirá não só sobre as partes, mas também atingirá terceiros que não figuram como partes no processo.

Segundo a regra do art. 16 da Lei nº 7.347/85, a coisa julgada erga omnes não incidirá quando o pedido for julgado improcedente por deficiência de provas.

Contudo, necessário esclarecer que a regra não é tão simplória, pois se deve lê-la em consonância com o art. 103 do CDC. Assim, se for interesse difuso, a sentença transitada em julgado será abarcada com efeitos erga omnes, já que o direito tutelado pertence a um número indeterminado de pessoas, é indivisível e referidas pessoas estão ligadas por um vínculo fático. Se houver improcedência por falta de provas, a sentença não será abarcada pelo efeito erga omnes quando do trânsito em julgado, viabilizando o ajuizamento de nova ação quando se reunir material probatório suficiente para tal. De outro modo não poderia ser, pois pertencendo o interesse difuso a pessoas indetermináveis, os efeitos externos da coisa julgada naturalmente beneficiarão qualquer terceiro e não apenas as partes do processo.

Se for interesse coletivo, a sentença terá efeitos ultra partes, isto é, os efeitos só atingirão o grupo, categoria ou classe, pois neste caso o interesse pertence a um número determinável de pessoas, integrantes de um mesmo grupo, categoria ou classe que se encontram unidas com a parte contrária ou entre si por um vínculo jurídico. Neste caso, os

(30)

efeitos externos da coisa julgada estarão restritos ao grupo, categoria ou classe, pois a este pertence o interesse tutelado. Apesar de não atingirem exclusivamente as partes processuais, também não atingirão número indeterminável de pessoas como ocorre no interesse difuso, podendo-se identificar quem serão os terceiros afetados pela coisa julgada.

Todavia, se o pedido for julgado improcedente por falta de provas, a decisão não produzirá efeito ultra partes. Já se a improcedência for amparada em qualquer outro motivo, a sentença também será atingida pela eficácia ultra partes, mas em razão do disposto no art. 103, § 1º, do CDC, entende-se que apenas os legitimados para a propositura da ação civil pública é que sofrerão o efeito ultra partes e, assim, não poderão ajuizar nova ação. A eficácia externa, seja ultra partes, seja erga omnes, não pode prejudicar interesses e direitos individuais dos integrantes da coletividade, grupo, categoria ou classe.

Se for interesse individual homogêneo, a sentença produzirá efeitos erga omnes

somente se for procedente. Assim, os lesados poderão ajuizar ação individual por dano mesmo em havendo improcedência do pedido na ação civil pública.

A sentença que julgar procedente o pedido formulado na ação civil pública, quer gere efeitos erga omnes ou ultra partes, dependendo do interesse coletivo tutelado, facilitará o acesso do particular à postulação de seu direito individual que tenha sido lesionado em decorrência do evento comum. Isto porque este não precisará ingressar em juízo movendo um processo de conhecimento com o escopo de ter seu direito reconhecido, pois tal desiderato já terá sido ultimado por meio da sentença obtida em ação civil pública. Caberá ao particular mover a devida liquidação, se necessária, e a execução (SOUZA, 2003, p. 209).

Se, por exemplo, for ajuizada ação civil pública para retirar do mercado produto nocivo à saúde pública e esta for julgada procedente, reconhecendo a sentença os danos, reais ou potenciais, decorrente do fato do produto, as vítimas poderão obter a devida reparação ingressando em juízo apenas para liquidar ou executar o julgado, sem necessidade de mover

(31)

um processo de conhecimento em que se teria que rediscutir a conduta lesiva, o nexo de causalidade etc (GRINOVER, 2005, p. 827).

Ocorre na ação civil pública, em razão dos efeitos previstos no art. 103 do CDC, a extensão subjetiva do julgado e a ampliação do objeto do processo ope legis. Assim, o dever de reparar as vítimas passa a integrar o pedido, tal como ocorre na ação civil ex delicto.

Percebe-se que o legislador inovou sobre as características da coisa julgada para as ações civis públicas. O Código de Processo Civil estatui no artigo 472 que a coisa julgada dá-se apenas entre as partes do processo – fenômeno inter partes – quer seja o pedido julgado procedente, quer improcedente. Todavia, o CDC passou a condicionar o efeito atribuído à sentença de acordo com o resultado obtido na sentença, passando a subordinar a eficácia da coisa julgada segundo o evento da lide – secundum eventum litis.

Por conseguinte, pode-se concluir que em caso de direito difuso, a sentença de procedência terá eficácia erga omnes. Se o pedido for improcedente por falta de provas, não terá tal eficácia, mas se for improcedente por qualquer outro motivo terá eficácia erga omnes. Em sendo o direito coletivo, a sentença de procedência terá eficácia ultra partes - limita-se ao grupo, classe ou categoria. Se a sentença for improcedente por falta de provas, não haverá eficácia ultra partes. Contudo, se for improcedente por qualquer outro motivo terá tal eficácia. Por fim, versando sobre direito individual homogêneo, a sentença de procedência terá eficácia erga omnes, enquanto que a sentença de improcedência não terá.

(32)

2. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

2.1.

Conceito

A razão da existência do controle de constitucionalidade reside na adoção da Constituição como a lei suprema do Estado. Entende-se que a Constituição, como fruto dos anseios populares, deve ocupar posição hierarquicamente superior às demais legislações e, por isso, esta supremacia deve ser protegida.

Moraes (2005, p. 625-626) explica que:

a existência de escalonamento normativo é pressuposto necessário para a supremacia constitucional, pois, ocupando a Constituição a hierarquia do sistema normativo é nela que o legislador encontrará a forma de elaboração legislativa e o seu conteúdo. Além disso, nas constituições rígidas se verifica a superioridade da norma magna em relação àquelas produzias pelo Poder Legislativo, no exercício da função legiferante ordinária. Dessa forma, nelas o fundamento do controle é o de que nenhum ato normativo, que lógica e necessariamente dela decorre, pode modifica-la ou suprimi-la.

[Omissis]

O controle de constitucionalidade configura-se, portanto, como garantia de supremacia dos direitos e garantias fundamentais previstos na constituição que, além de configurarem limites ao poder do estado, são também uma parte da legitimação do próprio Estado, determinando seus deveres e tornando possível o processo democrático em um Estado de Direito.

Silva (2006, p. 46) sustenta:

Nossa Constituição é rígida. Em conseqüência, é a lei fundamental e suprema do Estado brasileiro. Toda autoridade só nela encontra fundamento e só ela confere poderes e competências governamentais. Nem o governo federal, nem os governos dos Estados, nem os dos Municípios ou do Distrito Federal são soberanos, porque todos são limitados, expressa ou implicitamente, pelas normas positivas daquela lei fundamental. Exercem suas atribuições nos termos nela estabelecidos.

Por outro lado, todas as normas que integram a ordenação jurídica nacional só serão válidas se se conformarem com as normas da Constituição Federal.

Assim, ao adotar o modelo proposto por Kelsen de escalonamento das normas, a Constituição de 1988 trouxe em seu bojo mecanismos para assegurar a supremacia da norma constitucional e, por consentâneo, abolir as normas com ela incompatíveis.

(33)

2.2.

Origem histórica

A origem mais remota do controle de constitucionalidade remonta à Grécia antiga (POLETTI, 2000, p. 9-12). Acreditava-se até então em Atenas que as leis tinham origem divina e que cabia ao Areópago, tribunal com atribuições religiosas, a guarda e preservação de tais leis. Em 462 a.C., o sistema político instaurado em Atenas foi modificado por intermédio de uma reforma chefiada por Efialtes, chefe do partido democrático. Os poderes conferidos ao Areópago foram transferidos para a Assembléia popular e para os tribunais.

Contudo, referida reforma trouxe, em verdade, um grave perigo: a instabilidade das normas. Com a mudança do sistema e a transferência de poderes de um órgão para o outro, surgiu uma grande instabilidade. Pairava a idéia de que as leis haviam perdido seu caráter permanente, podendo sofrer mudanças a qualquer hora, de acordo com a opinião popular, extremamente volúvel, já que o Areópago não mais velava pela proteção das leis.

Percebendo o perigo iminente, Péricles, sucessor de Efialtes, na ocasião já falecido, criou o graphé paranomón para assegurar a estabilidade das normas e preservar a nova ordem surgida.

Segundo tal instituto, cabia a qualquer cidadão a guarda das leis, bastando deduzir, por escrito, sua pretensão e indicar o dispositivo que estava sendo infringido. Sua intenção devia, ainda, ser anunciada na Assembléia do povo antes ou depois da votação do dispositivo a seu ver ilegal. A simples declaração ante a Assembléia era suficiente para suspender a eficácia da norma e o pedido era julgado no tribunal composto por, no mínimo, mil jurados. A ilegalidade suscitada podia ser relativa a algum aspecto formal – vício no processo adotado para a criação do dispositivo – ou material – vício no conteúdo da norma. Se fosse comprovado que o vício era material, o autor da moção, e todos que tivessem votado de forma favorável a esta ficavam sujeitos a graves sanções e, uma vez condenado pela terceira vez, o cidadão perdia o direito de propor moção. Interessante notar que o prazo prescricional

(34)

para punição do autor da moção ilegal era de um ano, mas para anular-se a moção não havia prazo.

Após a experiência ateniense, merece destaque o controle experimentado no ordenamento inglês. Na Inglaterra, o controle de constitucionalidade surgiu como forma de limitar o poder do Parlamento e da Monarquia. Merece destaque a atuação do jurista Sir Edward Coke9, procurador público, quando em 1610, no caso Bonham10 emitiu pronunciamento no sentido de que o common law controla os atos do Parlamento, pois quando um destes atos vai contra o direito comum, torna-se impossível sua execução, dada a sua nulidade. Outros juristas também se posicionaram neste sentido em outras oportunidades. Todavia, a experiência parece constituir exceção no sistema inglês, ou seja, a iniciativa foi pouco prestigiada e o controle no direito inglês mostrou-se fraco e ocasional (POLETTI, 2000, p. 19).

Apesar destas duas ocorrências históricas, uma em Atenas e a outra na Inglaterra, foi no sistema americano que o constituinte brasileiro buscou inspiração. Baseado em julgados americanos que defenderam a tese do controle de constitucionalidade, o constituinte brasileiro de 1891 fez introduzir no ordenamento pátrio o controle. Frise-se que nos Estados Unidos o controle de constitucionalidade surgiu a partir de construção jurisprudencial, onde havia a discussão exaustiva do instituto sem haver a positivação deste11, enquanto que no Brasil o controle ocorre por força normativa, uma vez que o constituinte fixou no texto da Carta Magna tudo aquilo que importou do aclamado precedente americano.

A tese de que as Cortes Federais deveriam examinar a constitucionalidade dos atos do Congresso é anterior ao célebre caso Marbury v. Madison, origem do controle

9 Nascido em 1552 e falecido em 1634.

10 No original por Coke: “it appears sometimes in our books, that in many cases, the common law will control Acts of Parliament, and sometimes adjudge them utterly void.” (Apud POLLETI, Ronaldo. Ob. Cit., p. 18) 11 Isto ocorre em função da herança inglesa de construir o direito de forma não-escrita.

(35)

brasileiro. Já em Convenções como a realizada em 1787 e mesmo em artigos como o Federalista, anterior à decisão do Juiz Marshall cerca de quinze anos, já se defendia a tese do controle de constitucionalidade consagrada na decisão de 1803 (POLETTI, 2000, p. 23-30).

Entretanto, o controle de constitucionalidade das leis só deixou de habitar o mundo das idéias a partir do caso Marbury v. Madison e, por isso, a importância da decisão prolatada nos autos deste processo. Para entendê-la, mister se faz a análise do contexto histórico. Adams era o Presidente dos Estados Unidos e acabara de ser derrotado nas eleições por Jefferson. Adams decidiu nomear seus correligionários para os cargos do Judiciário, como meio de lhes assegurar vitaliciedade e irredutibilidade de vencimentos. John Marshall, então Secretário de Estado, foi nomeado Presidente da Suprema Corte. Marshall exerceu seu cargo de Secretário até as vésperas da posse do novo governo e, enquanto isso, entregou o maior número possível de títulos de nomeação dos correligionários, não tendo, contudo, conseguido entregar todos, dentre eles o que dava a William Marbury o direito ao cargo de Juiz de Paz no condado de Washington. Quando Jefferson assumiu a Presidência, determinou a James Madison, seu Secretário, que estes títulos, embora assinados e selados com o selo dos Estados Unidos, não fossem mais entregues.

Marbury notificou Madison para que apresentasse as razões pelas quais não fizera a entrega do título, tendo este se quedado inerte. Marbury, então, impetrou writ of mandamus. A Suprema Corte omitiu-se no julgamento da causa durante dois anos, o que desencadeou forte reação popular, chegando-se a cogitar em impeachment dos juízes daquele tribunal.

Marshall decidiu o causa reconhecendo o direito de Marbury a assumir o cargo de Juiz de Paz e, assim, tornando pública a opinião da Suprema Corte sobre o ato ilegal de Jefferson. Contudo, com receio de que o Presidente não cumprisse a ordem e desmoralizasse as decisões da Suprema Corte, Marshall não concedeu a ordem em face de uma preliminar: a incompetência da Corte para conhecer da causa. Segundo ele, a lei que dava suporte jurídico

(36)

ao mandamus era inconstitucional, porque atribuía competência à Suprema Corte para conhecer do mandamus, mas, tendo em vista que a competência da Corte fora fixada pela Constituição, só por ela poderia ser alterada, sendo inconstitucional a atribuição prevista na lei, mas não na Constituição.

Ronaldo Poletti explica que, com isso, Marshall “denegava o mandamus, pela preliminar de incompetência, ao mesmo tempo em que cristalizava uma doutrina incômoda para o Governo e favorável para os federalistas, que, afinal, estavam no Poder Judiciário” (POLETTI, 2000, p. 33).

Marshall, em tradução feita por Rui Barbosa (Apud POLETTI, 2000, p. 36), argumenta que:

Não há meio-termo entre estas alternativas. A Constituição ou é uma lei superior e predominante, e lei imutável pelas formas ordinárias; ou está no mesmo nível conjuntamente com as resoluções ordinárias da legislatura e, como as outras resoluções, é mutável quando a legislatura houver por bem modifica-la.

Se é verdadeira a primeira parte do dilema, então não é lei a resolução legislativa incompatível com a Constituição; se a segunda parte é verdadeira, então as constituições escritas são absurdas tentativas da parte do povo para delimitar um poder por sua natureza ilimitável.

Certamente, todos quantos fabricaram constituições escritas consideram tais instrumentos como lei fundamental predominante da nação e, conseqüentemente, a teoria de todo o governo, organizado por uma constituição escrita, se resume em que é nula toda a resolução legislativa com ela incompatível.

Assim, Marshall resolveu o problema sem ventilar a hipótese de a Suprema Corte ficar desprestigiada com o descumprimento de uma decisão sua e, por fim, abriu precedente histórico para o Judiciário americano, que acabou inspirando também o direito brasileiro.

2.3.

O controle judicial de constitucionalidade das leis no Brasil

O controle de constitucionalidade brasileiro é considerado misto porque envolve tanto a forma difusa de apreciação de inconstitucionalidade, quanto à forma concentrada. Aquela esta prevista no art. 97 da Carta Magna e traz no próprio texto do artigo uma ressalva sobre a apreciação no sistema difuso. Esta, inscrita no art. 102, I, “a” e art. 125, ambos da

Referencias

Documento similar

A educadora Natércia (nascida em 1966), em regime profissional de nomeação definitiva, era responsável pelo berçário e pela sala de crianças com um ano. A educadora realizou

Se houvesse uma carreira única para todo o Brasil, a exemplo do que ocorre nas Universidades e ou Institutos Federais, o poder de organização e negociação pela valorização

E) 5.ª fase: Reafirmação do sistema jurisdicional misto, porém com acen- tuada tendência para o predomínio da jurisdição constitucional concentra- da e a redução da aplicação

En cumprimento do acordo sexto do Plan de Financiamento do Sistema Universitario de Galicia en relación co disposto no artigo 81.4 da Lei orgánica 6/2001, do 21

Referente à primeira pergunta da entrevista, pode-se dizer que houve uma preponderância de concepções associadas ao que há de mais recente em termos de teoria sobre

11 “A emancipação voluntária, diversamente da operada por força de lei, não exclui a responsabilidade civil dos pais pelos atos praticados por seus filhos menores” (STJ, AgRg

Os casos aqui mencionados demonstram que a repressão contra esses espanhóis advinha de sistema que congregava ação da polícia política (Departamento de Ordem Política e Social),

Em Portugal foi a reforma da Intendência Geral da Polícia, iniciada em janeiro de 1780, completada com a nomeação de Pina Manique e com a criação da Casa Pia de Lisboa, em Maio