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EVOLUÇÃO DO

ANTITRUSTE

NO

BRASll

Celso Campilongo

Roberto Pfeiffer

Organizadores

EDITORAe

SINGULAR

São Paulo

2018

(2)

COMPLIANCE

E DEFESA DA CONCORRÊNCIA

Ricardo Villas Bôas Cueva

Sumário: 1. Introdução; 2. Compliance como autorregulação regulada; 3. Difusão dos programas de compliance concorrencial; 4. Elementos do programa de compliance; 5. Descompasso entre os efeitos dos programas de compliance anticorrupção e antitruste; 6. Considerações finais.

1. Introdução

Honrado com o convite para participar desta obra coletiva, organizada pelos Professores Celso Campilongo e Roberto Pfeiffer, em comemoração aos cinco anos da nova lei da concorrência, procurarei discorrer brevemente a respeito das caracte-rísticas e da importância dos programas de

compliance

concorrencial, especialmente sobre os incentivos para sua difusão, retomando preocupação, já externada alhures, quanto à possibilidade de o discurso das autoridades da concorrência, não apenas no Brasil, não corresponder a sua prática, sobretudo se a compararmos à relevância dos programas de integridade no combate à corrupção.

2. Compliance como autorregulação regulada

Os programas de

compliance,

também chamados de programas de conformida-de, de cumprimento ou de integridaconformida-de, são instrumentos de governança corporativa tendentes a garantir que as mais diversas políticas públicas sejam implantadas com maior eficiência. Eles se compõem de rotinas e práticas concebidas para prevenir riscos de responsabilidade empresarial decorrentes do descumprimento de obriga-ções legais ou regulatórias. Em contraposição às políticas sancionatórias tradicionais, que se fundam na imputação de uma pena correspondente ao ilícito praticado, os programas de

compliance

voltam-se para a mudança de comportamento, por meio de padrões de conduta a serem observados e monitorados pelas empresas e admi-nistradores e funcionários, a fim de evitar o cometimento do ilícito.

Os programas de cumprimento de normas caracterizam-se como modalidade de autorregulação da atividade empresarial, estimulada pelo Estado, cuja capacidade de regular efetiva e tempestivamente a atividade econômica tem se reduzido, em vista da crescente complexidade social, do incessante desenvolvimento tecnológico e da globalização. A chamada autorregulação regulada ou corregulação consiste

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numa modalidade de regulação que incorpora o ente privado, subordinando-o a

fins

concretos ou a interesses predeterminados pelo Estado, tal como se dá na disciplina dos programas de

compliance.

1

Há, portanto, uma relação de complementaridade entre a implantação e a execução de políticas públicas e a autorregulação. Daí a discussão acerca de ser ou não necessário estabelecer a obrigatoriedade de programas de

compliance

e de saber se a conduta omissiva de deixar de implementá-los deve ser punida como infração administrativa ou como delito. A Alemanha adotou o primeiro modelo, ao prever, no art. 130 da Lei das Infrações Administrativas (

Ordnungswidrigkeitsgesestz),

que tal omissão deve ser punida com multa de até um milhão de euros. 2

O segundo modelo, que se cogitou implantar na Espanha, implica tratar como delito penal a conduta omissiva consistente em não evitar a prática de determinada infração (administrativa ou penal). O projeto que continha essa orientação acabou por não ser aprovado, pois conduziria ao excesso e à desproporção de punir com sanção criminal aquele que deixasse de evitar a prática de ilícito meramente administrativo.3

Na Alemanha, desde 2011, há norma técnica do instituto de auditores, que define princípios para uma auditoria adequada dos sistemas de

compliance

(IDW PS 980 ), com a finalidade de ensejar reação tempestiva dos responsáveis pelo programa de cumprimento, evitando, com isso, a prática de infrações, inclusive a sua própria omissão, punível administrativamente com multa de valor máximo elevado. Essas auditorias, uma manifestação do fenômeno de vigilância do vigilante, contrapõem-se à tendência de adotar o modelo de imputação para cima, que acaba por levar sempre à responsabilização do mais alto administrador ou do titular da empresa. Os melhores

COCA VILA, lvó. Programas de cumplimiento como forma de autorregulação regulada? ln: SANCHEZ, Jesús-María Silva; FERNANDEZ, Raquel Montaner. Criminalidad de empresa y compliance: prevención y reacciones corporativas. Barcelona: Atelier, 2013. p. 45.

2 "(l) Quem, como titular de uma empresa ou negócio, de maneira dolosa ou imprudente, deixar de adotar medidas de vigilância para evitar no negócio ou empresa infrações contra deveres que obrigam ao proprietário e cuja infração se sanciona penal ou administrativa-mente, será sancionado administrativamente quando se houver cometido esta infração e esta se pudesse haver evitado ou dificultado essencialmente através de uma supervisão adequada. Entre as medidas de supervisão necessárias encontram-se também a seleção, nomeação e supervisão dos supervisores; (2) as empresas públicas são também conside-radas negócios; (3) a sanção administrativa pode chegar a um milhão de euros quando a violação da obrigação seja sancionada penalmente. Quando a infração for sancionada com multa administrativa, a multa pode ser igual à multa que se impõe pela infração da obrigação. Isto também vale para a hipótese na qual a infração seja sancionada ao mesmo tempo penal e administrativamente, se a multa administrativa supera um milhão de euros:'

3 TOMILLO, Manuel Gómez. Compliance penal y política legislativa: el deber personal y empresarial de evitar la comisión de ilícitos em el seno de las personas jurídicas. Valencia: Tirant lo Blanch, 2016. p. 15.

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EVOLUÇÃO DO ANTITRUSTE NO BRASIL

resultados são atingidos com a padronização de rotinas e comportamentos, que passam a ser verificáveis por um terceiro e desse modo tornam possível cogitar de uma responsabilidade por infração de deveres, não mais orientada para a proteção de bens jurídicos, mas para a proteção da vigência da norma.4

Além de incrementar a eficiência das políticas públicas, os programas de

com-pliance

tendem a aumentar a transparência e a diminuir, ainda que indiretamente, o déficit democrático em algumas áreas nas quais a atuação do Estado é mais opaca. 3. Difusão dos programas de compliance concorrencial

Políticas de prevenção a infrações à ordem econômica, ou de

compliance

anti-truste, têm sido adotadas em todo o mundo por um número crescente de empresas, preocupadas com as graves consequências de possíveis violações das leis de defesa da concorrência nos diversos países em que atuam.

Por um lado, a internacionalização das normas de defesa da concorrência, hoje aplicáveis em diferentes graus de efetividade em mais de 120 países, tem aumentado significativamente a probabilidade de detecção de infrações. Por outro, a intensa cooperação entre autoridades nacionais antitruste - materializada, por exemplo, em redes como a International Competition Network, cujo foco é a uniformização de normas e procedimentos e a discussão de melhores práticas - tem disseminado o uso de mecanismos sofisticados de investigação, como buscas e apreensões, e de programas de delação premiada, ou leniência. Essas ações conjuntas têm facilitado o combate internacional aos cartéis, levando a considerável aumento das penalidades aplicadas. 5

Com o aumento da detecção de práticas anticompetitivas, aguçou-se a

per-,,.

pção

dos riscos envolvidos com a falta de conformidade às leis de defesa da

con-corrência. Além do risco de multas administrativas elevadas, que correspondem não raro a percentagens significativas do faturamento das empresas, há também o risco de persecução criminal e de penas de prisão para os dirigentes envolvidos.

Caracterizada a infração, há ainda a responsabilidade civil pelos danos cau-sados aos concorrentes e/ou aos consumidores. Tais indenizações podem atingir somas extremamente vultosas, em especial nos EUA, cuja legislação determina a indenização em triplo das perdas e danos causados por infrações à lei concorrencial. O desrespeito às leis de defesa da concorrência acarreta, ainda, o risco de que aJgumas cláusulas contratuais possam ser declaradas nulas. Em algumas jurisdições,

FERNANDEZ, Raquel Montaner. La estandarización alemana de los sistemas de gestión de cumplimiento: implicaciones jurídico-penales. ln: SANCHEZ, Jesús-María Silva;·

FERNANDEZ, Raquel Montaner. Criminalidad de empresa y compliance: prevención y reacciones corporativas. Barcelona: Atelier, 2013. p. 145.

V. FORRESTER, Ian S. To seek leniency or not to seek leniency: that is the general counsel's question.

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sob certas circunstâncias, todo o contrato pode ser anulado se demonstrada a inten-ção de burlar a legislainten-ção antitruste.

Outro risco ponderável diz respeito à reputação da empresa ou grupo. Con-denações, ou mesmo a simples instauração de processos destinados a investigar possíveis violações da lei antitruste, podem prejudicar a imagem da empresa perante acionistas,

stakeholders

e o público em geral. Estudos recentes apontaram correla-ção entre o anúncio de investigações concorrenciais e a queda do preço de a<;ões negociadas em bolsa. De qualquer modo, a simples existência de tais investigações tende a prejudicar a imagem da empresa no tocante à sua aderência aos mais altos padrões de governança corporativa.

A adoção de programa de

compliance

antitruste, dentre outros procedimentos destinados a assegurar o cumprimento da legislação aplicável em várias áreas, como tributária e ambiental, é um dos pilares de uma política de governança corporativa do mais alto nível. A OCDE, em seus princípios de governança corporativa, recomenda que o Conselho de Administração das empresas supervisione tais programas de

compliance,

bem assim que eles sejam estendidos sempre que possível às subsidiárias e que sejam alinhados aos padrões éticos e profissionais adotados pela empresa, de modo que a adesão aos valores veiculados nos programas de conformidade seja premiada e violações da legislação sejam repreendidas.6

No que tange às empresas multinacionais, especificamente, a OCDE recomen-da que conduzam suas ativirecomen-dades de maneira competitiva, devendo, especialmente, abster-se de iniciar ou realizar acordos anticoncorrenciais, conduzir todas as suas atividades de acordo com a legislação de defesa da concorrência, cooperar com as autoridades concorrenciais e sensibilizar os empregados para a importância de observar as leis e políticas concorrenciais aplicáveis.7 Diante dessas inequívocas recomendações, que correspondem aos mais altos padrões éticos e de governamça corporativa, a adoção de um programa de

compliance

antitruste passa a ser um imperativo para os grandes grupos empresariais, em especial quando atuem em setores com grande concentração, nos quais detenham significativa participação de mercado.

Com a implantação de um programa de

compliance

efetivo, a empresa passa a contar com poderoso instrumento de prevenção e detecção de possíveis infra<;ões da legislação concorrencial, que se presta às importantes funções de administração de riscos e de redução de custos de litígio (administrativo, criminal e civil). Além disso, o programa auxilia a manter a boa reputação da empresa.

6 V. Os princípios da OCDE sobre o governo das sociedades, 2004, no site da entidade: <v,,rww. oecd.org/dataoecd/ 1/42/33931148.pdf>.

7 V. Linhas diretrizes da OCDE para as empresas multinacionais: síntese, no site do Ministério

da Fazenda: <http://www.fazenda.gov.br/sain/pcnmulti/downloads/sintese-diretrizes. pdf>.

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EVOLUÇÃO DO ANTITRUSTE NO BRASIL

Outro benefício relevante pode ser, ainda, a mitigação das sanções

aplicá-veis, caso cometida inadvertidamente alguma infração concorrencial. Nos Estados Unidos, por exemplo, as diretrizes federais para a prolação de sentenças criminais

estipulam que a existência de um programa efetivo de

compliance

deve ser levada em

consideração como atenuante na fixação da pena.8

Na legislação brasileira, embora a adoção de um programa de conformidade não seja expressamente definida como

atenuante, a boa-fé do infrator deve ser levada em conta na fixação da multa.9

4. Elementos do programa de compliance

Observadas as orientações normativas e prudenciais aplicáveis no Brasil, 10 nos

Estados Unidos, 11 no Canadá 12 e no Reino Unido, 13 um programa de

compliance

robusto

deve conter, pelo menos, os seguintes elementos: (a) código de conduta concorrencial

com padrões e procedimentos claros quanto à observância da legislação de defesa

da concorrência por parte do quadro de funcionários da empresa; (b) apoio da alta

administração da empresa e indicação de dirigente para coordenar e supervisionar

o programa de

compliance;

(c) ampla divulgação do código de conduta entre os

funcionários e treinamento efetivo quanto aos padrões e procedimentos adotados;

(d) monitoramento da observância dos padrões e procedimentos fixados no código

de conduta; e (e) incentivos para adesão ao código de conduta e consequências para

sua violação. Além disso, convém criar canal de denúncias e mecanismo de proteção

àqueles que se dispuserem a denunciar irregularidades.

A criação de um código de conduta concorrencial deve ser precedida de

análise criteriosa das práticas comerciais da empresa, a fim de que os padrões e

procedimentos a serem definidos possam ser ilustrados com exemplos concretos e

permitam ao funcionário distinguir claramente o que deve e o que não deve fazer. A

importância de os programas de

compliance

serem individualizados é lembrada em

odas os trabalhos sobre o tema. A customização é indispensável não apenas no que

U.S. Federal Sentencing Guidelines, capítulo 8.

Art. 27, II, da Lei 8.884/1994. O art. 9º da Portaria SDE n2 14/2004 autorizava a SDE a

recomendar a redução das penas aplicadas pelo Cade se o programa de prevenção de

infrações à ordem econômica depositado pela empresa naquela secretaria fosse

consi-derado efetivo, mas foi revogado pela Portaria SDE nº 48/2009.

V. art. 42 da Portaria SDE nº 14/2004, revogada. Em janeiro de 2016, o Cade editou o

Guia para Programas de Compliance, disponível no site da autarquia (www.cade.gov.br).

U.S. Federal Sentencing Guidelines, capítulo 8. V. ainda Antitrust compliance programs: the

government perspective, William

J.

Kolasky, Deputy Assistant Attorney General, Antitrust Division, U.S. Department of Justice.

· Competition Bureau of Canada, Competition and compliance framework, information

bulletin, 10 Nov. 2015 .

.1 Office of Fair Trading, How your business can achieve compliance: a guide to achieving compliance with competition law, 2011. Disponível no site da nova autoridade da

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diz respeito à prevenção de cartéis, mas sobretudo no que tange às condutas unilate

-rais, cuja caracterização

é

sempre mais complexa. Assim, o desenho de um programa

de conformidade que leve em conta a prevenção de tais práticas deve enfatizar a criação de cultura interna de permanente reflexão sobre as práticas competitivas da empresa, a inclusão de salvaguardas antitruste nas estratégias competitivas a serem perseguidas pela empresa dominante, bem como o monitoramento constante e a reavaliação periódica dos riscos concorrenciais enfrentados.14

Para que o programa seja efetivo e reconhecido como tal pelas autorida

-des, é indispensável que a alta administração da empresa se comprometa com sua implantação e demonstre vigorosamente seu apoio perante o quadro de funcio

-nários.15 Convém, assim, realizar seminários com os dirigentes da empresa para que se estabeleça consenso quanto à importância do programa de

compliance.

O apoio inequívoco e sincero da alta administração da empresa é apontado em todos os estudos como o elemento-chave de um programa de conformidade. Sem isso. os critérios de governança não são alterados, assim como a política comercial e a

conduta da empresa perante o mercado e seus concorrentes, o que pode levar as autoridades da concorrência a caracterizar tais programas de cumprimento como meramente "de fachadà: ineptos a permitir o abrandamento da sanção em caso de cometimento de ilícito. 16

14 PEREIRA NETO, Caio Mário da Silva; LANCIERI, Filippo Maria. Alguns apontamentos sobre programas de compliance antitruste focados em condutas unilaterais no Brasil. ln:• RODAS, João Grandino; CARVALHO, Vinicius Marques. Compliance e concorrência. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 69-87. Em razão da grande incerteza asso-ciada à caracterização das condutas unilaterais, os autores sugerem que as autoridades da concorrência desenvolvam portos seguros, bem como testes e critérios objetivos de análise de condutas unilaterais.

15 V. Guia para programas de compliance, do Cade, p. 15: "Ao incluir o tema como uma de suas prioridades estratégicas, a alta administração, na prática, garante a própria existência do programa na medida em que: (i) transmite sua relevância para todos os colaborad o-res; (ii) assegura sua inclusão no orçamento, oportunidade em que quaisquer recursos adicionais necessários ao programa deverão ser discutidos; (ili) monitora sua evolução. mediante atualização periódica por parte do(s) responsável(is) pela gestão do programa; (iv) atribui metas, objetivos e itens de controle do programa de compliance concorrencial. que devem ser observados na prática:•

16 V. Guia para programas de compliance, do Cade, p. 14: "A mera adoção formal de um

programa não significa que a organização esteja efetivamente preocupada com o cum-primento da LDC ou que esse programa seja eficaz. Entidades podem adotar programas superficiais e/ou sem preocupação alguma com a manutenção do ambiente competitivo. apenas com a intenção de se valerem deles como circunstância atenuante em caso de condenação. Podem também adotar programas extremamente complexos e em teoria bem estruturados, elaborados por especialistas no tema e que implicam em gastos elevados, mas que não encontram qualquer eco na cultura corporativa e são sistematicamente ignorados por colaboradores:•

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EVOLUÇÃO DO ANTITRUSTE NO BRASIL

A divulgação do código de conduta e o treinamento dos funcionários serão efetuados mediante palestras, cursos e a distribuição de material de apoio, como folhetos, cartilhas e manuais. Contudo:

para que os treinamentos de compliance não sirvam apenas para cumprir uma formalidade, mas para verdadeiramente educar e engajar os participantes, é importante que os treinadores sejam capacitados, influentes e persuasivos. Treinamentos presenciais bem ministrados são provavelmente o segundo elemento de maior impacto em termos de criação da cultura de integridade, antecedidos apenas pelo "tone from the top''.17

A implantação efetiva do programa será acompanhada, ainda, da criação de sistemas de monitoramento da observância do código de conduta e de punição dos responsáveis por eventuais infrações à ordem econômica. Além disso, a criação de canal de denúncias deve significar mais do que disponibilizar um telefone, pois é compreensível e esperado não apenas o temor de retaliações, mas também algum ceticismo quanto à efetividade das denúncias. 18

5. Descompasso entre os efeitos dos programas de compliance anticorrupção

e antitruste

As políticas anticorrupção e antitruste divergem substancialmente no que toca aos efeitos dos programas de

compliance.

19 As autoridades da concorrência,

de modo geral, recusam-se a considerar como atenuante a existência de programa de conformidade. Na Europa e nos Estados Unidos, considera-se que o principal benefício de tais programas é o fiel cumprimento da lei, evitando a prática de ilícito; se alguma irregularidade foi cometida, houve falha do programa de

compliance.

É

bem verdade que as autoridades da França e do Reino Unido podem conceder uma redução máxima de 10% das multas em caso de adoção de medidas efetivas de

com-p

liance,

e que essa redução pode chegar a 15% na Itália. Mas nos Estados Unidos, a

divisão antitruste do Ministério da Justiça (DoJ) exclui a possibilidade de mitigar as penalidades aplicáveis em caso de infração à concorrência, ao entendimento de que,

Cf. PINHEIRO, Claudia Travi Pitta. Criando uma cultura de compliance antitruste. ln:

RODAS, João Grandino; CARVALHO, Vinicius Marques. Compliance e concorrência. 2.

ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 111-120.

V. MURPHY, Joe. Essential elements of compliance programs: cartels. ln: RODAS, João Grandino; CARVALHO, Vinicius Marques. Compliance e concorrência. 2. ed. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2016. p. 188.

V. MURPHY, Joe. Essential elements of compliance programs: cartels. ln: RODAS, João Grandino; CARVALHO, Vinicius Marques. Compliance e concorrência. 2. ed. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2016. p. 185: "Compliance programs matter to governments in fighting corruption. They do not matter to governments in fighting cartels. ln competition law enforcers have abandoned those of us who do this difficult and often thankless task:'

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por definição, infrações dessa natureza remetem ao núcleo da atividade empresarial e têm elevado potencial ofensivo.

Em contraposição, nas mesmas jurisdições, é bem diversa a abordagem dos programas de compliance quando se trata das leis anticorrupção. Admite-se, em primeiro lugar, a possibilidade de não punir a empresa que tenha um programa de conformidade efetivo, até mesmo na hipótese de envolvimento de seus diretores. Além disso, mesmo que se entenda devida a punição, é possível mitigá-la se com-provada a adoção de um programa adequado.

A razão dessa divergência de entendimento não

é

clara. A natureza das infra-ções e os regimes de responsabilidade aplicáveis talvez ajudem a explicá-la, mas a questão realmente importante é verificar quais os incentivos existentes à adoção de programas aptos a prevenir e detectar ilícitos empresariais nas duas áreas.2

°

Como apontado por Shapiro e Marinho,

tanto o DOJ como a Comissão Europeia têm se mostrado céticos com a pos-sibilidade de oferecer incentivos diretos, como descontos punitivos, para a promoção de tais medidas. A aposta dos órgãos parece ser a de uma relação de cooperação entre a regulação concorrencial e os dispositivos privados, procurando assim evitar os riscos de uma relação de predação entre estes. Isto é, embora as autoridades identifiquem no compliance um aliado potencial para mitigar as condutas anticompetitivas e atuem de modo a incentivar a sua profusão, inclusive apresentando guias e parâmetros claros para fomentar a educação concorrencial, evitam substituir o enforcement pela autorregulação privada. Isso fica evidente quando ambas as jurisdições rejeitam a possibi-lidade de premiar empresas pelo simples fato de contarem com programas internos de prevenção. A premissa desta rejeição é evitar a emissão de um contraincentivo, ou seja, a promoção da autorregulação em detrimento do

cumprimento da lei. 21

No Brasil também se reproduz o grande descompasso entre o tratamento dis-pensado aos programas de compliance nas normas anticorrupção e em leis correlatas, de um lado, e na legislação de defesa da concorrência, de outro.

A Lei Anticorrupção expressamente prevê a redução de multas por adoção de programas de integridade,22 cujos parâmetros são definidos no Decreto 8.420/2015. A

20 THÉPOT, Florence. Antitrust v. anti-corruption policy approaches to compliance: why

such a gap?. Competition Policy International (CPI) Antitrust Chronicle, June 2015 (2). 21 V. SHAPIRO, Mario; MARINHO, Sarah. Compliance concorrencial: a experiência

internacional e as lições para o Cade. MURPHY, Joe. Essential elements of compliance programs: cartels. ln: RODAS, João Grandino; CARVALHO, Vinicius Marques. Com-pliance e concorrência. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 249.

22 Cf. art. 7g, VIII, da Lei 12.846/2013: "a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica':

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EVOLUÇÃO DO ANTITRUSTE NO BRASIL

Lei 13.303/2016, que dispõe sobre o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, nos três níveis da federação, determina que tais entidades adotem regras de estruturas e práticas de gestão de riscos e controle interno que abranjam: (a) práticas de controle interno; (b) área de verificação de cumprimento de obrigações e de gestão de riscos e (c) auditoria interna e comitê de auditoria estatutário (art. 92 ). É obrigatório criar código de conduta e integridade que disponha acerca de princípios e valores, instâncias internas de aplicação do código de conduta, canal de denúncias, mecanismos de proteção aos

whistle blowers,

sanções e treinamento (art. 92

, § 12). A área responsável pela verificação de cumprimento será

vinculada ao diretor-presidente e liderada por diretor-estatutário; se houver suspeita quanto ao diretor-presidente, a área de

compliance

poderá reportar-se diretamente ao Conselho de Administração (art. 92, § 22).

A nova lei de defesa da concorrência (Lei 12.529/2011), assim como a

revo-oada Lei 8.884/94, não contempla expressamente os programas de conformidade. A

extinta Secretaria de Direito Econômico chegou a editar norma específica a respeito,

mas depois a revogou. É certo que o Guia de

Compliance

recentemente editado pelo

Cade alude à possibilidade teórica de que um programa de

compliance

robusto possa

_er considerado como evidência da boa-fé do infrator, o que poderia levar a uma

redução da pena ou da contribuição pecuniária, no caso de TCC. Mas o art. 45 da

:..ei da Concorrência, que trata da dosimetria das penas, não prevê expressamente

o programas de conformidade, fazendo referência apenas à boa-fé, em caráter

ge-:-al,

o que torna improvável, na prática, que o agente público, atrelado à legalidade

trita, venha a conceder algum benefício ao infrator que demonstre ter ocorrido a. infração a despeito da existência de sólido programa de conformidade. Não há,

_ ortanto, sinalização clara na legislação que incentive o agente econômico a adotar

_ rograma de prevenção e detecção de ilícito concorrencial.

Shapiro e Marinho sustentam que o guia do Cade está alinhado "com as

2-ireções das políticas do DOJ e da Comissão Europeia, ao assumir o

enforcement

:oncorrencial pela autoridade pública como o primeiro e principal incentivo para a

disseminação do

compliance':

o que "encontra respaldo no aumento da intensidade

:ias

punições do Cade': O guia seria, assim, um instrumento adicional para aumentar

_ observância da lei concorrencial pelos agentes econômicos. A cooperação entre o =:ate público e o privado é valorizada, mas teme-se o risco de predação regulatória,

1ue pode resultar da concessão de benefícios diretos, na forma de descontos

puni-~ ·os para empresas que detêm programas de

compliance".

Se não houver avaliação

_ :.údadosa da robustez do programa e ocorrer redução excessiva da pena, pode-se

:onfigurar estímulo à criação de programas de fachada. Para evitar esse quadro,

_gerem os autores a criação de parâmetros de avaliação integrados a um protocolo

:.e monitoramento dos programas de

compliance

antitruste, de modo que a relação

=tre a defesa da concorrência e a autorregulação seja de mútuo reforço.23

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6. Considerações Finais

Os programas de

compliance

concorrencial são instrumentos de autorregulação que complementam as políticas públicas de defesa da concorrência, tomando-as mais efetivas e transparentes e contribuindo para reduzir a prática de ilícitos con-correnciais mediante a mudança de comportamento dos agentes econômicos, que se veem obrigados a intemalizar os custos de não conformidade à lei.

O Cade, em linha com as autoridades da concorrência americanas e euro-peias, tem procurado estimular a adoção de programas de

compliance,

a despeito de não haver na lei de defesa da concorrência previsão específica de benefício, como a redução da pena para as empresas que pretendam implementar tais programas.

A edição de um guia de

compliance

pela autarquia foi um importante passo para a

criação de critérios objetivos que permitam avaliar a consistência dos programas de

conformidade concorrencial. Espera-se com isso reduzir o risco depredação regula-tória, que consistiria na proliferação de programas de fachada, a criar desincentivo

à observância da lei antitruste.

A lei anticorrupção e a lei de govemança das empresas estatais aderiram en-tusiasticamente aos programas de conformidade como instrumentos centrais para

atingir seus objetivos, em sintonia com o que se vê no mundo todo. Uma reforma

da lei de defesa da concorrência para reconhecer e disciplinar adequadamente os

programas de

compliance

concorrencial poderá contribuir para sua difusão segura

e, consequentemente, para a maior efetividade da defesa da concorrência.

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