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Eje 2: Las concepciones filosóficas de la educación en la historia

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Academic year: 2020

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EJE 2: LAS CONCEPCIONES FILOSÓFICAS DE LA EDUCACIÓN EN

LA HISTORIA

Nietzsche e a suspeita ao projeto de esclarecimento ... 9

Vicente Zatti ... 9

Marx e Foucault: aportes para pensar a educação contemporânea ... 18

Kelin Valeirão ... 18

Avelino da Rosa Oliveira ... 18

Locke e a formação do gentleman ... 31

Christian Lindberg Lopes do Nascimento ... 31

Interpretação, leitura e Formação Humanista em Nietzsche ... 40

Antonio Carlos Lopes Petean ... 40

Doutor em Sociologia pela UNESP/Araraquara ... 40

La cuestión educativa en el Descartes del “Discurso del método” ... 44

Eduardo Álvarez Mosquera ... 44

Hegel: El concepto de formación (Bildung) ante los retos y fines de la educación. ... 56

Andrés Felipe Hurtado Blandón ... 56

Instituto de Filosofía ... 56

Universidad de Antioquia... 56

Medellín, Colombia ... 56

La libertad de conciencia en la reforma escolar durante el Siglo XIX en Francia ... 65

Louise Ferté, ... 65

Educar para una estética de la existencia ... 72

Prof. Marina Camejo ... 72

A importância do conhecimento histórico para compreensão do pensar filosófico ... 83

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HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA NO BRASIL: ... 96

UM OLHAR NA EDUCAÇÃO ESCOLAR INDIGENA TAPUIO. ... 96

Silvania Maria Sandoval Borges ... 96

Pedagogía anarquista y estética de la existencia. Siete ejercicios espirituales para docentes. ... 110

“Las ideas filosóficas y pedagógicas de Amadeo Jacques. La conferencia en el Círculo Literario” .... 119

Petrucci, Liliana Cecilia. ... 119

A respeito de uma concepção filosófica da educação no advento da modernidade: um estudo sobre o lugar da filosofia no ensino jesuítico do século XVI ... 132

Marcos Roberto de Faria ... 132

Platão e o debate educativo sobre as concepções de paideia na Grécia clássica ... 146

Lidia Maria Rodrigo ... 146

La educación de las mujeres en la obra de Flora Tristán ... 155

Carolina Clavero White ... 155

REVISITANDO O CEJA A PARTIR DE MICHEL FOUCAULT ... 165

Luciana Bandeira Barcelos ... 165

PROBLEMATIZANDO O CURRÍCULO NA PERSPECTIVA DELEUZIANA ... 177

LIMA NETTA, Ranúzia Moreira ... 177

HERÁCLITO ... 190

Prof. Dr. Fausto dos Santos Amaral Filho ... 190

HISTÓRIA E MEMÓRIA DO ENSINO DE FILOSOFIA NO CEARÁ-BRASIL ... 198

Profa. Dra. Cristiane Maria Marinho ... 198

Contribuições da imaginação criadora na formação da criança nas fases iniciais de escolarização .. 216

Meire Luci Bernardes Silva Machado ... 216

La construcción del sujeto veraz desde una mirada cínica. ... 228

Máximo Núñez ... 228

Bettina Curbelo ... 228

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Pasado-Presente en la Educación ... 239

Héctor Fernando López Acero. ... 239

A educação pulsional de Nietzsche ... 251

FILOSOFIA E EDUCAÇÃO: A ATUALIDADE DO ANTIGO ... 277

Filipi Vieira Amorim ... 277

Mauro Grün ... 277

A autonomia do educando na paideia grega ... 287

Armando Lourenço Filho ... 287

Samuel Mendonça... 287

“A formação ética na história da filosofia: entre projetos de educação por modelos e projetos de educação pela razão.” ... 299

Liliane Sanchez. ... 299

Natureza, infância e ciência no Brasil escolanovista: a pedagogia moderna na formação de bioidentidades escolares ... 309

El ideal moral en Kant vs. el ideal del deseo en sade ... 318

Una lectura de "Kant con Sade" de Lacan ... 318

Josefina Magaña Solís ... 318

Epistemocracia teocrática y paideia en Platón ... 327

Rodolfo Isaac Cisneros Contreras. ... 327

Las metas de la educación... 337

Dr. René Rogelio Smith... 337

Universidad Adventista del Plata ... 338

El debate en torno a la distinción entre educación y adoctrinamiento en la tradición analítica del siglo XX. ... 348

Manuel Amado ... 348

Laura Mesa ... 348

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La aporía como razón y violencia en la formación humana ... 371

María Cristina Rico León ... 371

Discursos de Crotona y el ideal de formación pitagórico ... 381

María Cristina Rico León ... 381

A concepção crítica de educação em Álvaro Vieira Pinto ... 392

Rodrigo Marcos de Jesus ... 392

Schiller, el juego y el arte en la formación del hombre ... 405

Luis Miguel Hernández Pérez ... 405

Educação e liberdade no Mercosul ... 413

André Gustavo Ferreira da Silva ... 413

O pensamento marxista-gramsciano ... 428

A Educação e o Ideal Libertário: história das experiências pedagógicas do movimento anarquistas. 437 Luiz Renato Dias Gomes Padilha – UNIRIO. ... 437

A educação de platão como antecedente do totalitarismo e do racismo segundo Karl Popper ... 444

Bernardo Alfredo Mayta Sakamoto ... 444

Hermenêutica filosófica e educação: do estranhamento de si ao diálogo. (ii) ... 452

Dr. Almir Ferreira da Silva Junior ... 452

Educação, liberdade e interligação na filosofia do diálogo Martin Buber ... 465

Maria Betânia do Nascimento Santiago ... 465

Montaigne: conversação e formação do julgamento ... 477

Maria Cristina Theobaldo ... 477

O jornalismo como uma filosofia radical: uma análise dos enunciados sobre educação nos periódicos brasileiros do século XIX ... 490

Gisela Maria do Val ... 490

A concepção de hábito na paideia aristotélica ... 500

Prof. Dr. Giovane do Nascimento ... 500

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6

A balança eu-nós na teoria antropológica de Rousseau: ... 516

Michelle Larissa Gandolfo Pansarelli ... 516

Educação formal e não-formal no pensamento pedagógico de hoje e de outrora: ... 530

ecos genealógicos ... 530

Elisa Vieira ... 530

Encontros insólitos: ressonâncias filosóficas em experiências mal sucedidas ... 540

Lisete Bampi ... 540

Fabricio Tourrucôo ... 540

Kant: la filosofía y la educación o de la importancia del arte en el primer movimiento romántico ... 553

Luis Miguel Hernández Pérez ... 553

A Escolástica como Filosofia e Método de Ensino na Universidade Medieval: uma reflexão sobre o Mestre Tomás de Aquino ... 563

OLIVEIRA, Terezinha ... 563

O hábito das virtudes morais em Ética a Nicômaco: uma possibilidade de refletir sobre a Arte a Educação ... 575

Nunes, Meire Aparecida Lóde ... 575

Oliveira, Terezinha ... 575

Paidéia platônica: da paidiá à ideia ... 587

Daniel Figueiras Alves ... 587

a filosofia agostiniana na educação do cavaleiro medieval presente em o livro da ordem de Cavalaria, de Ramon Llull ... 595

Paula Carolina Teixeira Marroni ... 595

Lei e justiça como elementos que ordenam para o bem comum: um olhar da história da educação 604 Sandra Regina Franchi Rubim ... 604

Terezinha Oliveira ... 605

A produção intelectual de Theobaldo Miranda dos santos e suas reflexões no manual de filosofia da educação: breves apontamentos ... 617

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Armindo Quillici Neto – UFU ... 617

Um estudo sobre os manuais de filosofia da educação publicados durante o Século XX ... 627

Armindo Quillici Neto (UFU)... 627

Jaqueline de Andrade Calixto (UFU)... 627

Ensino e prática musical nas missões jesuíticas no ... 644

Novo Reino de Granada (1604 – 1767) ... 644

Zuley Jhojana Duran Peña ... 644

Silvio Ancizar Sánchez Gamboa ... 644

Enseñanza y aprendizaje en Carlos Vaz Ferreira: una mirada desde el presente. ... 645

Sofía Ache Tricot, ... 645

Nohelia Corbo Quiroga, ... 645

Andrea Gómez Adrover ... 645

Educação, Ética e Diálogo: o papel do Outro na educação ética da alteridade em Martin Buber e Emmanuel Levinas ... 655

Willamis Aprígio de Araújo ... 655

Educação ética: a formação moral na obra “Sobre a Pedagogia” de Immanuel Kant ... 672

Luis Lucas Dantas da Silva ... 672

André Gustavo Ferreira da Silva ... 672

O imperativo pedagógico de John Dewey:... 686

a formação do sujeito na sociedade democrática ... 686

Christiane Coutheux Trindade ... 686

Jean Maugüe: continuidades e descontinuidas do ensino da filosofia no brasil ... 697

Paideia aristotélica, o cómo ser feliz mediante la virtud ... 709

Irazema Ramirez ... 709

Anísio Teixeira: um homem além do seu tempo ... 719

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8

Anísio Teixeira e a defesa da escola de tempo integral a partir dos pressupostos de John Dewey ... 732

Marisa Xavier Coutrim Dalri ... 732

Kant y Foucault: ... 739

Luis Alejandro Domínguez Gutiérrez ... 739

Una revisión de la noción de aprendizaje desde el psicoanálisis ... 753

Ana Ma. Fernández Caraballo ... 753

Raíces socráticas en nuevos paradigmas de la filosofía del lenguaje y de la educación ... 760

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9 NIETZSCHE E A SUSPEITA AO PROJETO DE ESCLARECIMENTO1

Vicente Zatti2

Resumo: A escola surge na modernidade com a função de promover o esclarecimento,

emancipar o homem por meio de uma educação voltada para o desenvolvimento do sujeito racional. O projeto moderno centrava a emancipação na ideia de sujeito, que pela razão chegaria à ação moral e intelectual esclarecidas. Tal concepção tem em Kant seu exemplo mais típico. Nietzsche, ao desconstruir as concepções metafísicas de razão, sujeito, moralidade, conhecimento, que fundamentavam o projeto moderno de esclarecimento, coloca toda essa tradição sob suspeita. O objetivo desse trabalho é demonstrar como a genealogia da cultura ocidental promovida por Nietzsche põe sob suspeita o projeto pedagógico moderno. Mas, qual a extensão dessa suspeita? Ela encerra as possibilidades emancipatórias de tal projeto? Ou abre possibilidades para uma reconstrução mais fecunda? Nosso trabalho demonstra que a suspeita de Nietzsche se volta aos fundamentos metafísicos do projeto moderno de esclarecimento, desse modo, há possibilidades de reconstrução a partir de uma perspectiva pós-metafísica. Para Nietzsche, o sentido da vida, da história, os valores morais, não se estabelecem por um suprassensível, por um a priori, mas, se estabelecem como perspectivas humanas. Tanto o conhecimento quanto a moral são tentativas do homem em impor ordem ao mundo. Desse modo, sua investigação genealógica demonstra que elementos que sempre foram postos como verdades metafísicas, são produtos de uma história de interpretação humana. Tal desconstrução muito mais põe em questão a metafísica do que as possibilidades emancipatórias do projeto de esclarecimento. No entanto, obriga o seu

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O presente artigo resultou das pesquisas e discussões que integraram o Curso de Extensão “Discussões Filosóficas: Nietzsche e a suspeita ao projeto de esclarecimento”, por mim desenvolvido em 2012 no Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS) – Câmpus Canoas.

2 Professor de Filosofia do IFRS – Câmpus Canoas, Brasil. Doutor e Mestre em Educação pela UFRGS,

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repensar, sua reconstrução a partir de uma perspectiva pós-metafísica, o que abre espaço para a pluralidade pedagógica que visualizamos na educação contemporânea.

Palavras-chave: 1. Nietzsche; 2. Esclarecimento; 3. Emancipação

O projeto moderno de esclarecimento tem em Kant seu representante mais típico. Para ele, a finalidade da educação é a emancipação, é a maioridade, que é atingida através de um processo de esclarecimento que envolve a libertação das visões dogmáticas e imagens religiosas do mundo. Liberto dessas e de outras heteronomias, o sujeito racional se torna responsável pelo seu próprio destino. No texto Resposta à pergunta: o que é esclarecimento?

Kant (2005, p. 64-65) define o esclarecimento como a saída do homem da menoridade da qual ele próprio é culpado. É preciso coragem para servir-se do próprio entendimento, ou seja, o sujeito racional é a possibilidade da maioridade.

Essa compreensão que Kant possui do esclarecimento expressa com muita força o ideal de homem emancipado que a modernidade funda: o esclarecimento significa mais que conhecer simplesmente, acima de tudo, significa a realização de sua filosofia prática, que busca a moralização da ação humana através de um processo racional. O lema Sapere aude

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Kant com sua concepção de sujeito, maioridade, esclarecimento, é uma das principais influências ao projeto pedagógico moderno que traz uma proposta educacional como uma ética aplicada, baseando-se na metafísica aspira à universalidade e pressupõe a ideia de aperfeiçoamento moral.

Nietzsche com sua desconstrução é o filósofo que põe sob suspeita os fundamentos a-históricos de qualquer projeto humano, demonstra os fundamentos não racionais da razão metafísica. Desse modo, os alicerces do projeto de esclarecimento são abalados naquilo que era posto como seu fundamento. Para Nietzsche, o sentido da vida, da história, os valores morais, não se estabelecem por um suprassensível, por um a priori. “Não há assim um poder

transcendental que dê sentido à vida, nem a religião, nem a moral legitimada pelo suprassensível, pelo a priori, pelo princípio causal”.(HERMANN, 2001, p. 71). Como a tradição pedagógica moderna está alicerçada em uma metafísica racionalista, a desconstrução nietzschiana deixa a tradição pedagógica “sem solo”. Tal desconstrução é realizada por meio do método genealógico que demonstra a origem histórica daquilo ao qual sempre foi atribuído um princípio, um fundamento com status metafísico. Isso provoca instabilidade, o repensar, pois o horizonte que era certo, agora desaparece ou torna-se problemático. Tal abertura de horizontes provocada pela desconstrução de Nietzsche é representada na obra A Gaia Ciência

com o anúncio da morte de Deus:

Não ouviram falar daquele homem louco que em plena manhã acendeu uma lanterna e correu ao mercado, e pôs-se a gritar incessantemente: ‘procuro Deus! Procuro Deus?! [...] Nós o matamos – vocês e eu. Somos todos seus assassinos! Mas como fizemos isso? Como conseguimos beber inteiramente o mar? Quem deu a esponja para apagar o horizonte? (NIETZSCHE, 2011, p. 147).

Não havendo uma metafísica que fundamenta e dá sentido à realidade, o destino do homem é algo indefinido, é algo que cabe a ele definir, ou seja, o mar está novamente aberto e o horizonte é algo indeterminado, é algo por se fazer. A inexistência de uma origem metafísica remete às origens históricas do mundo humano. Nesse sentido, Nietzsche demonstra que tanto o conhecimento quanto a moral são tentativas do homem em impor ordem ao mundo. A força da qual deriva tanto a capacidade de conhecer quanto a capacidade de produzir valores é denominada por Nietzsche de vontade de poder.

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encontrei vontade de potência, e até mesmo na vontade daquele que serve encontrei vontade de ser senhor”.(NIETZSCHE, 1996a, p. 222). A vontade de poder está em obra em todo vivente. Os seres vivos não procuram apenas se manterem vivos, querem dar vazão à sua força. “Os fisiólogos deveriam refletir antes de estabelecer o impulso de autoconservação como o impulso cardinal de um ser orgânico uma criatura viva quer antes de tudo dar vazão a sua força – a própria vida é vontade de poder-: a autoconservação é apenas uma das indiretas, mais frequentes consequências disso”.(NIETZSCHE, 2005, p. 19). Na vontade de poder se encontra a explicação para a geração, nutrição, para o estabelecimento do bem e do mal. Essa chave da existência compreende também a atividade racional que se estabelece a partir da necessidade de autoconservação. “O mundo visto de dentro, o mundo definido e designado conforme o seu caráter inteligível – seja justamente vontade de poder e nada mais”. (idem, p.40).

Mas em Nietzsche a vontade de poder não é uma força absoluta que a tudo domina, não é um princípio universal. Ela é uma força operante em todo o acontecer e é composta por uma pluralidade de forças. Segundo Müller-Lauter (1997), a vontade de poder é a multiplicidade das forças emcombate umas com as outras. Nietzsche enxergou que o poder não é algo substancial, mas relacional. É o jogo e o contrajogo dessa multiplicidade de forças. As unidades de poder são mutáveis, a unidade é apenas organização, sob a ascendência transitória de vontades de poder dominantes. Dessa forma: “A unidade de formação de domínio, nas quais está inserida a multiplicidade de quanta de força, não tem nenhum ser”.(MÜLLER-LAUTER, 1997, p. 75). Para Nietzsche a unidade é uma tentativa de nosso intelecto para compreender e simplificar a realidade, o que leva ao engano e à ilusão. “De fato, nada até agora teve mais ingênua força persuasiva do que o erro do ser,...” (NIETZSCHE, 1996b, p. 375). Por isso, na tentativa de auto-afirmação, de criar, de querer mais, a vontade de poder cria um número infinito de verdades.

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forças criativas, um processo que culmina em figuras e ideias acabadas, poderosas, vitais. O que afirma dessa maneira então é chamado de verdade. Nesse processo a verdade é um poder que se torna verdadeira na medida em que se impõe”.(SAFRANSKI, 2002, p. 262-263). A ordem, a clareza, o caráter sistemático não são necessariamente inerentes às coisas em si. Elas são colocadas pelo intelecto nas coisas para que elas possam ser compreendidas. Por isso os acontecimentos têm para o homem um caráter interpretativo. O interpretador agrupa fenômenos selecionados e reunidos. Então ocorre uma antromorfização, introdução de nossos modos de avaliar e compreender nos acontecimentos. “Introduzimos os nossos valores dentro das coisas como interpretação. Todo sentido é vontade de poderio”. (MARQUES, 1989, p. 87).

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Portanto, conhecer foi uma forma que nossa espécie encontrou para afirmar sua vontade de poder, já que não possuía chifres ou presas para tal. Dessa forma, a verdade perde seu status tradicional. Passa a ser resultado de uma designação da realidade como metáfora, em que o homem na tentativa de afirmar sua vontade de poder produz tais verdades. “A nossa capacidade de produzir verdades não passa de impulso do intelecto, como uma ramificação da vontade de potência. O mundo inteligível e suas verdades são produzidas por essa vontade”.(HERMANN, 2001, p. 78). No entanto, penso que a teoria nietzschiana não suprime o conceito de verdade. O filósofo, ao desenvolver sua teoria, ao colocar sua perspectiva, possui a pretensão que ela encerre em si alguma verdade. Por isso, Nietzsche abre espaço para a aceitação da pluralidade, das diferenças, mas não necessariamente nos leva ao relativismo, caminho adotado por muitos de seus estudiosos.

Nietzsche exclui a validade incondicional de uma construção que impõe o conhecer e o agir como fundamento absoluto e vai falar que o único fundamento é o ato de fundar, impor, valorar, ato criativo que aprecia ou deprecia. Esse ato criativo é uma forma de interpretação que impõe sua perspectiva, também no campo moral. “A interpretação instituidora de novos valores, por parte dos futuros poderosos só pode ser, do mesmo modo, perspectivas”.(MÜLLER-LAUTER, 1997, p. 132). Na Genealogia da Moral, Nietzsche procura mostrar que os conceitos de bom e mau não são conceitos que se estabelecem de acordo com uma razão prática universal. Esses conceitos são expressões do modo de ser daqueles que avaliam. Quem avalia estabelece um valor, portanto, não há fato moral e sim uma interpretação moral. Para Nietzsche o conceito ‘bom’ inicialmente foi estabelecido pelos mais fortes: “Foram os bons mesmos, isto é, os nobres poderosos, superiores em posição e pensamento, que sentiram e estabeleceram a si e a seus atos como bons, ou seja, de primeira ordem, em oposição a tudo que era baixo, de pensamento baixo, e vulgar e plebeu”.(NIETZSCHE, 1998, p. 19). Então os mais fortes que tiveram condições de afirmar sua vontade de poder fizeram valer sua interpretação e estabeleceram como bons seus próprios atos e pensamentos. Já os “plebeus” que tinham menos força de afirmação, tiveram seu modo de vida posto como sinônimo de ruim. A origem do conceito de ruim está próxima a comum, a baixo. Bom era a afirmação da aristocracia, do mais nobre, do guerreiro mais forte.

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seus valores a partir de sua impotência. “Na sua impotência, o ódio toma proporções monstruosas e sinistras, torna-se a coisa mais espiritual e venenosa”.(idem, p. 25). Para Nietzsche a vingança sacerdotal gerou a inversão dos valores aristocráticos e estabeleceu que bons seriam os pobres, impotentes, sofredores, necessitados, feios, doentes. Para esses últimos, caberia toda bem-aventurança e, para os nobres e poderosos, a desventurança, o castigo eterno. Essa ‘revolta de escravos’, como fala Nietzsche, perpassa o pensamento judaico-cristão.

“A rebelião escrava na moral começa quando o próprio ressentimento se torna criador e gera valores: o ressentimento dos seres aos quais é negada a verdadeira reação, a dos atos, e que apenas por uma vingança imaginária obtêm reparação”.(ibidem, p. 28-29). Foram esses homens ressentidos que estabeleceram o conceito de ‘mau’ para seu inimigo, o homem nobre. Nota-se que o homem nobre se estabelece como bom e cria o conceito de ruim para aquilo que é diferente e inferior. Já os ressentidos atribuem a seu inimigo, o conceito de mau. Então, com a rebelião escrava ocorre uma transvaloração que cria novo sentido aos valores. O ‘bom’ da moral do nobre se torna o ‘mau’ e o ‘ruim’ se torna o ‘bom’. Segundo a teoria de Nietzsche, a impotência dos fracos em reagir contra o inimigo, fez a vingança tomar roupagem de virtude que cala, renuncia, espera e remete a vingança a Deus e a um reino imaginário, o Reino dos Céus. Isso também é fruto do instinto de autoconservação, auto-afirmação, é uma tentativa doente de exercício de poder. Com isso, o autor não pretende justificar qualquer poder aristocrático, mas demonstrar a origem histórica de uma moral que era dita universal. Assim, Nietzsche mostra os fundamentos não-morais da moral. Eles são resultado das relações de luta e de força. Não há moral como atributo da natureza humana, moralidade a priori. “Para os genealogistas da moral, nos moldes de Nietzsche, entretanto, ela

se revela apenas como uma espécie de moral humana entre inúmeras outras possíveis, ou que deveriam sê-lo”. (GIACOIA-JUNIOR, 2005, p. 38).

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possibilidade para várias interpretações, para as perspectivas, para a pluralidade, para as diferenças.

Com Nietzsche tem início a desconstrução, pela crítica à moralidade e ao conhecimento, dos nossos profundos hábitos mentais e pressupostos metafísicos. Ele põe em suspeita a tradição e a educação que pretendam ter universalidade ética e levar ao aperfeiçoamento moral. Sendo o sujeito constituído por relações de poder e não por normas objetivas, não havendo um mundo em si, não havendo um absoluto (Deus) que garanta a universalidade; só o sujeito pode constituir-se e constituir o mundo como forma de autoconservação e expressão de sua vontade de poder. Nietzsche demonstra a origem histórica da moral e do conhecimento, demonstra como cada perspectiva se coloca como verdade de acordo com o poder que possui para se estabelecer como tal, com isso, o autor abala o conceito de verdade e a visão unitária da metafísica, em favor das questões referentes à pluralidade.

Por isso autodenomina sua filosofia como filosofia do meio dia, a filosofia dos homens que são capazes de olhar para trás e perceberem as origens históricas do mundo e, desse modo, criar a possibilidade de olhar para frente de um modo inaudito, como quem tem todo um horizonte a ser construído:

Minha tarefa de preparar para a humanidade um instante de suprema tomada de consciência, um grande meio-dia, em que ela olhe para trás e para adiante, em que ela escape ao domínio do acaso e do sacerdote, e coloque a questão do por quê?, do para quê? pela primeira vez como um todo - , essa tarefa resulta necessariamente da compreensão de que a humanidade não segue por si o caminho reto, sob as suas mais sagradas noções de valor, foi o instinto de negação, de degeneração, o instinto de décadence que governou sedutoramente. (NIETZSCHE, 2008, p. 76).

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mas, para isso, é preciso denunciar os mais de dois mil anos de negação à vida incrustada no pensamento ocidental.

Desse modo, a desconstrução nietzschiana provoca um imenso repensar em toda a cultura ocidental que desde Sócrates e Platão esteve alicerçada em uma metafísica. A suspeição à metafísica provoca o repensar da ideia de esclarecimento, põe em suspenso seu otimismo e crença no progresso humano. Isso gera imensas transformações em educação, pois a suspeição de tal fundamentação metafísica abre a possibilidade para o advento de múltiplas formas de compreensão do para quê? educar. Enfim, a suspeita de Nietzsche ao projeto de esclarecimento possui um valor terapêutico ao desmascarar os pressupostos metafísicos ocultos em tal projeto. No entanto, a desconstrução de tais bases metafísicas não representa o esgotamento do projeto de esclarecimento.

BIBLIOGRAFIA:

GIACOIA JUNIOR, Oswaldo. Sonhos e pesadelos da Razão esclarecida: Nietzsche e a modernidade. Passo Fundo: Editora UPF, 2005.

HERMANN, Nadja. Pluralidade ética em Educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.

MARQUES, António. Sujeito e perspectivismo: seleção de textos de Nietzsche sobre teoria do conhecimento. Lisboa: Dom Quixote, 1989.

MÜHL, Eldon. MÜHL, Eldon Henrique. A criança e a educação para a maioridade: considerações a partir de Walter Benjamin. In: DALBOSCO, Claudio Almir; FLICKINGER, Hans-Georg (org). Educação e maioridade: dimensões da racionalidade pedagógica. São Paulo: Cortez; Passo Fundo: Ed. da Universidade de Passo Fundo, 2005.

MÜLLER-LAUTER, Wolfang. A doutrina da vontade de poder em Nietzsche. Trad. Oswaldo Giacoia Junior. São Paulo: Annablume, 1997.

_____. Nietzsche: sua filosofia dos antagonismos e os antagonismos de sua filosofia. São Paulo: Ed. UNIFESP, 2009.

NIETZSCHE, Friedrich. Além do bem e do mal: prelúdio a uma filosofia do futuro. Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

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_____. Crepúsculo dos ídolos ou como filosofar com o martelo. In. Os Pensadores. Trad. Rubens Rodrigues Torres Filho. São Paulo: Nova Cultural, 1996b.

_____. Sobre Verdade e Mentira no sentido extra-moral. In. Os Pensadores. Trad. Rubens Rodrigues Torres Filho. São Paulo: Nova Cultural, 1996c.

_____. Genealogia da Moral: uma polêmica. Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

_____. A gaia ciência. São Paulo: Companhia das letras, 2011.

_____. Ecce homo. São Paulo: Companhia das letras 2008. KANT, Immanuel. Textos seletos. Petrópolis: Vozes, 2005.

SAFRANSKI, Rüdigger. Nietzsche: biografia de uma tragédia. Trad. Lya Luft. 2ª ed. São Paulo: Geração Editorial, 2002.

Marx e Foucault: aportes para pensar a educação contemporânea

Kelin Valeirão3

Avelino da Rosa Oliveira4

Resumo: O presente trabalho objetiva propor uma reflexão para problematizar a Educação

Contemporânea que se declare, ao mesmo tempo, de Marx e de Foucault. Para Marx a sociedade capitalista se estabiliza, sendo concebida, na vida cotidiana, como a única sociedade possível. Como se não bastasse, para legitimar ainda mais a ideia da naturalidade, de que uns têm os meios de produção e outros sua força de trabalho, há o poder da ideologia dominante que faz um certo ocultamento da realidade social, permitindo a legitimação e a dominação. Por isso, Marx afirma que a ideologia dominante numa dada época histórica é a

3 Doutoranda em Filosofia e História da Educação na Universidade Federal de Pelotas – UFPel.

4 Doutor em Educação e Professor Titular na Faculdade de Educação da Universidade Federal de Pelotas –

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ideologia da classe dominante. Foucault, ao contrário, vê o próprio sistema educacional não como transformador e reprodutor ao nível das ideologias, mas, antes, aos condicionamentos que a escola produz nos indivíduos ao nível da postura espaço-temporal. Assim, propondo uma crítica à ideia de (in)consciência Foucault defende que o poder não contém um pensamento do mundo, não é uma representação do modelo real. A educação assujeita, sim, mas não ideologicamente. De modo resumido, parece-nos que Marx e Foucault não são filósofos para todas as estações. Embora seja sabido que o pensamento de ambos foi e é utilizado em longa escala, eles não servem para tudo! Na área da Educação, podemos afirmar que os filósofos trazem contribuições inegáveis. Mesmo sabendo que não propusseram nenhum tratado educacional, os filósofos apresentam pistas que contribuem na problematização de questões que, embora atuais, constituiram-se historicamente e trazem arraigadas um modelo moderno, questionado e discutido incansavelmente sob diferentes aspectos: econômicos, sociais, culturais e demais possíveis.

Palavras-chave: Marx, Foucault, educação contemporânea

Introdução

A crítica que Foucault faz ao Estado moderno poderia ser vista como algo próximo à crítica, ao mesmo Estado que recebeu a denominação pejorativa de burguês, executada por um grupo de intelectuais denominados marxistas. Sob esta lógica argumentativa, Foucault aparece como um possível marxista destinado a destrinchar o fenômeno do poder, mas a crítica ao poder é também uma crítica ao conceito de ideologia. Assim, o filósofo francês, teve grandes impasses com o marxismo e, principalmente, com o pensamento de diferentes pensadores e militantes, ditos marxistas.

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uma grande quantidade de marxistas que apresentam diferentes posições teóricas e políticas, inclusive, às vezes, antagônicas. Neste contexto, talvez o próprio Marx acabaria se assustando com o leque de possibilidades que o marxismo acabou abrindo, uma vez que o autor não esteve vivo para ver o que o marxismo do século XX se tornou.

Foucault e a relação com Marx, o marxismo e os marxistas

Com essas poucas palavras, iniciais e necessárias, adentramos propriamente na relação existente entre Marx e Foucault esse último estava mais próximo do primeiro que muitos pensadores e militantes marxistas. Isso fica implícito e, inclusive, explícito ao longo dos escritos do autor:

Acontece com freqüência de eu citar conceitos, frases, textos de Marx, mas sem me sentir obrigado a ajuntar a pequena peça autenticadora, que consiste em fazer uma citação de Marx, em colocar cuidadosamente a referência em nota de pé de página, e em acompanhar a citação de uma reflexão elogiosa, mediante o que se é considerado como alguém que conhece Marx, que reverencia Marx e que se verá honrado pelas revistas ditas marxistas. Eu cito Marx sem dizê-lo, sem colocar aspas, e como eles não são capazes de reconher os textos de Marx, eu passo por ser aquele que não cita Marx. Será que um físico, quando faz física, sente a necessidade de citar Newton ou Einstein? Ele os utiliza, mas não tem necessidade de aspas, de notas em pé de página ou de aprovação elogiosa que prove a que ponto ele é fiel ao pensamento do mestre (FOUCAULT, 2006, p. 173).

Nesta citação, muitas questões estão presentes. Entre elas, fica claro que Foucault faz uso, sim, do pensamento de Marx, com propriedade. Talvez mais visivelmente quando adere ao Partido Comunista em 1950, por influência de Louis Althusser. No entanto, vinha tentando se engajar desde 1947, mas não era aceito.

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Ainda, cabe salientar que Foucault não fez questão de que sua obra fosse coerente com um método único. Não queria ser situado, resumido a uma perspectiva filosófica. E chegou a declarar infinitas vezes que não pretendia dizer quem era tampouco conservar-se o mesmo. Foucault remodela seu pensamento: ele muda e evolui constantemente, enveredando por novos e diferentes caminhos. Assim, quem venha a se aventurar a ler e a pesquisar o pensamento deste pensador-tipo5 precisa, antes de mais nada, saber lidar com as inconstâncias, com o pensamento nômade de Foucault, com suas idas e vindas que chega a causar um certo constrangimento inicial, pois quando pensamos que estamos começando a entender o que o ele quer dizer viramos a página e nos deparamos com afirmações consistentes que dizem justamente o contrário do que fora antes dito. O pensamento de Foucault é assim: uma caixinha de surpresas! Para Rajchman (1987), Foucault não pretendia deixar como legado uma doutrina, um método ou uma escola de pensamento. E enfatiza:

[...] em discussões norte-americanas, Richard Rorty, o filósofo neo-deweyano, pode criticar Foucault por um despeito recalcado em relação à classe burguesa, enquanto que David Rothamn, o historiador social, pode queixar-se de que Foucault omitiu qualquer menção à classe burguesa em sua análise. Do mesmo modo, na França, Foucault foi acusado tanto de negligenciar o Estado como de fazer sua interferência tão profunda e total que não sobrava espaço para a “sociedade”. Pode-se inferir que a história de Foucault não se harmoniza facilmente com as nossas grandes histórias sobre capitalismo, burocracia e Estado (RAJCHMAN, 1987, p. 45).

Em 1950 Foucault estava ao centro de um grupo de normaliens comunistas chamado “o grupo folclórico” ou “o Saint-Germain-des-Prés marxistas”. O grupo era composto por Paul Veyne, Claude Passeron, Gérard Genette, Maurice Pinguet, Jean Molino e Jean-Louis van Regermoter. Eles eram comunistas embora não seguissem à risca o partido. Ainda nesta época, Foucault era chamado de le Fouk’s e criou um laboratório de psicologia numa antiga discoteca desativada. Ao receber os visitantes mostrava uma caixa de sapato com um rato e exprime com ironia: “esse é o laboratório”. Assim como os demais colegas do “grupo folclórico”,

Foucault adere ao Partido Comunista, ao qual ficará ligado até 1953. Chegou a afirmar em uma entrevista concedida a Ducio Trombadori, em 1978:

5 Expressão utilizada por Paulo Rouanet no texto A gramática do Homicídio para descrever Foucault que,

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Para muitos de nós, jovens intelectuais, o interesse por Nietzsche e Bataille não representava uma forma de se afastar do marxismo ou do comunismo. Ao contrário, era a única via de comunicação e de passagem para o que acreditávamos dever esperar do comunismo (...). Foi assim que, sem bem conhecer Marx, recusando o hegelianismo, sentindo-me mal com os limites do existencialismo, decidi aderir ao Partido Comunista. Estávamos em 1950: nessa época ser “comunista nietzschiano”! Uma coisa no limite do vivível e, se quiser, talvez um pouco ridícula; eu sabia disso (In: ERIBON, 1990, p. 65-66).

Aqui uma questão um tanto curiosa, o encontro de Foucault com Nietzsche se deu, mais tarde, em 1953, justamente no ano em que o filósofo francês sai do Partido Comunista. Como se não bastasse, posteriormente, em 1983, em conversa com Paul Veyne Foucault declara ver no marxismo uma doutrina sensata. Talvez Foucault não esteja sendo muito sincero ao intitular-se um “comunista nietzschiano”, pois ao lermos os seus textos desta época percebemos que o pensamento de Nietzsche não se faz presente.

Independente da sinceridade ou não de Foucault, o fato é que em 1953 se afasta do partido por vários motivos: entre eles, sentia-se extremamente constrangido em participar de um “partido que rejeitava e condenava o homossexualismo como um vício da burguesia e um sinal de decadência” (ERIBON, 1990, p. 69). Todavia, Foucault acabou acrescentando uma outra razão: o caso “dos aventais brancos”6

e, por fim, declara ter saído do PCF depois do famoso complô dos médicos de Stálin, no inverno de 52, e por causa de uma persistente sensação de mal-estar. Mais tarde, ao ser questionado a saída de Foucault, Althusser reforça que Foucault saiu mesmo do partido por causa de sua homossexualidade.

No final de 1966, em setembro, Foucault vai para a Tunísia para lecionar Filosofia na Faculdade de Letras e Ciências Humanas, num antigo Liceu da cidade que se transformou em Universidade, uma espécie de exílio pessoal, se desliga administrativamente de Clermont-Ferrand e assume um contrato com previsão de três anos, mas acaba ficando dois.

6 Em 1952 os médicos de Stálin foram acusados de conspirar contra a sua vida, os membros do Partido

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Na Tunísia os alunos não gostavam de ouvir Foucault citar Nietzsche sobre qualquer pretexto e tampouco a sua hostilidade com relação ao marxismo. Em 1967, Foucault é classificado pelos alunos como “à direita”. Em contrapartida, Foucault, segundo relatos de Eribon (1990), declara que os alunos reivindicam o marxismo, com uma violência, uma intensidade, uma paixão extraordinária. O marxismo era não só uma análise melhor das coisas, como também uma espécie de energia moral, de notável demonstração de existência. Em um passeio com o diretor de Le Nouvel Observateur, Jean Daniel, chega a declarar ao ver um grupo de estudantes pela rua que estes seriam a revolução.

Foucault vai para a Tunísia para, de certa forma, se afastar da vida política. Afinal, estava decepcionado com o PC e o que buscava era justamente uma vida entre os prazeres do sol e a ascese filosófica. Porém, seus dias estavam contados e a política novamente o agarra. Não tardou para Foucault se envolver num movimento político juntamente com os alunos na Tunísia. Chegou, inclusive, a esconder o mimeógrafo do grupo e vários panfletos em seu jardim, assim como não se conforma com a passividade e dá refúgio a estudantes perseguidos pela polícia em sua própria casa; e ao voltar das férias de verão de 1968 tenta depor nos processos a favor dos estudantes, ficando bastante abalado

(...) Devo dizer que esses rapazes e moças que corriam riscos terríveis redigindo um panfleto, distribuindo-o ou fazendo um apelo à greve... que realmente corriam risco de ser privados da liberdade! ... me impressionaram muito, muito. Para mim foi uma experiência política. De minha passagem pelo Partido Comunista, do que pude ver na Alemanha, da maneira como as coisas se passaram com relação aos problemas que eu queria colocar a propósito da psiquiatria, quando voltei à França... de tudo isso guardei uma experiência política um pouco amarga, um pouco de ceticismo muito especulativo, não escondo... Lá, na Tunísia, fui levado a dar uma ajuda concreta aos estudantes... De algum modo tive de entrar no debate político (In: ERIBON, 1990, p. 181).

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Após maio de 68 o governo cria, como medida paliativa, a reforma do ensino superior na França e é constituída uma Comissão de Orientação composta por aproximadamente vinte pessoas, entre elas Jean-Pierre Vernant, Georges Canguilhem, Emmanuel Le Roy Ladurie, Roland Barthes, Jacques Derrida. Eles têm a tarefa de recrutar o corpo docente da nova faculdade. Foucault, por intermédio de Georges Canguilhem, é indicado para dirigir o Departamento de Filosofia. A notícia causa um mal-estar geral entre os esquerdistas, pois além de Foucault não ter participado do maio de 68 ele também é considerado um gaullista.

A questão é que Foucault assume o Departamento de Filosofia e durante os dois anos que fica na Universidade de Vincennes trata de reunir a sua volta o que considera que a Filosofia tem de melhor na França. Inicialmente solicita Deleuze, mas este teve que recusar devido ao seu estado de saúde. Após solicita Michel Serres que atende ao chamado imediatamente. Em seguida, Foucault vai à procura dos alunos de Althusser e Lacan, mas muitos estão prestando serviço militar. A filha de Lacan, Judith Miller, Alain Badiou, Jacques Rancière, François Regnault, Henri Weber, Étienne Balibar, François Châtelet são solicitados, entre outros.

Em dezembro de 1968, a Universidade de Vincennes abre as portas e no dia 23 de janeiro do ano seguinte o comitê de ação do liceu Saint-Louis resolve projetar filmes sobre maio de 68 durante uma reunião. A reitoria proíbe e solicita que seja cortada a energia elétrica para que a reunião não ocorra. Mais de 300 alunos entram com um gerador e o filme é projetado. Em seguida, saem em passeata e um comício é organizado. Uma palavra de ordem é feita: “ocupação da reitoria”. Os estudantes e alguns professores invadem também a faculdade, tudo serve: mesa, cadeira, armários, etc. À noite a polícia intervém e estudantes e professores são levados ao centro de controle da polícia parisiense – Beaujon. Foucault e Daniel Defert estão entre os últimos a serem interrogados, os olhos ainda vermelhos por causa do gás. Como os demais, Foucault é liberado ao amanhecer.

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interrogação: como Foucault pode ser considerado contra Marx, contra o marxismo, contra os marxistas e aprovar um programa de caráter marxista-leninista, a ponto de correr o risco da habilitação nacional do curso ser suprimida? Colocar Marx e Foucault em pólos antagônicos parece-nos, no mínimo, um devaneio falacioso!

Foucault, como diretor do Departamento de Filosofia, defende que sendo o objetivo estudar o mundo contemporâneo, o departamento não poderia deixar de ser uma reflexão sobre a política. Dias mais tarde, na entrevista intitulada Le piège de Vincennes, publicada no dia 9 de fevereiro de 1970, no Le Nouvel Observateur, Foucault questiona como dar cursos desenvolvidos e diversificados com 950 alunos para oito professores e problematiza o que é a filosofia e em nome de que, de que texto, de que critério, de que verdade rejeitam o que fizeram até então. E passando à contra-ofensiva, polemiza que o essencial do discurso do ministro não são as razões que ele apresenta e, sim, a decisão que ele quer tomar. Decisão clara: os estudantes que tiverem cursado Vincennes não terão o direito de lecionar no secundário. E Foucault (1970) faz algumas perguntas: por que esse cordão de isolamento? O que a filosofia (a classe de filosofia) tem de tão perigoso que é preciso tanto cuidado para protegê-la? E o que há de tão perigoso em Vincennes?

E a essas alturas Foucault já estava enfastiado. O diretor do Departamento de Filosofia, que age com desembaraço na contestação esquerdista e nas manifestações diárias, parece estar traumatizado com a experiência em Vincennes. Alguns defendem que Foucault, ora foi visto com barra de ferro prestes a atacar comunistas, ora foi visto atirando pedras em policiais. A questão é que ele várias vezes diz, entre amigos, estar farto e lhe agrada a ideia de sair de Vincennes onde, aliás, sempre soube que teria uma presença transitória. Neste mesmo ano, cumpre os rituais de ingresso no Collège de France, deixando o Departamento de Filosofia nas mãos de François Châtelet.

No mesmo ano de 1970, mais exatamente no dia 2 de dezembro Foucault realiza a aula inaugural7 no Collège de France. Ele tinha 43 anos e, depois de uma carreira8 dividida

7 Aula inaugural significa abertura de um ensinamento, o lugar onde Foucault mostra todos os recursos de seu

saber, trabalho e talento pedagógico diante das multidões sempre numerosas e ardentes que se encontram na sala 8 e nas salas sonorizadas.

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entre cidades e distribuída de um cargo a outro, Foucault liga-se a um glorioso instituto de saber, no coração de Paris. Pouco tempo depois, publica a aula na íntegra sob o título A ordem do discurso. O Collège de France é uma instituição de ensino que se utiliza de uma metodologia própria. Não há uma relação de diálogo entre professor e alunos. Os alunos comparecem à instituição somente num encontro semanal, atuando como ouvintes. Em uma entrevista concedida em 1975, uma reportagem sobre os grandes professores das universidades francesas, Foucault chega a declarar a um jornalista que quando a aula não foi boa bastaria uma pergunta para consertar tudo, mas essa pergunta nunca vem e diz ter uma relação de ator ou de acrobata. E quando termina de falar há uma sensação de completa solidão. A relação teatral que Foucault anuncia advêm da tradição da instituição de ensino a que estava ligado. Neste sentido, é importante salientar que no Collège de France

O professor deve apresentar na aula uma pesquisa, “a ciência se fazendo”, segundo a fórmula de Renan. Com a obrigação de inovar todos os anos. Assim, Foucault expõe o material sobre o qual trabalha, formula as hipóteses sobre as quais reflete. Isso se tornará Surveiller et punir ou La volonté de savoir, ou ainda a parte final de sua Historie de la sexualite. De qualquer forma essa atividade magisterial exige um trabalho de preparação muito grande. E nos últimos anos de sua vida ele muitas vezes falará de sua vontade de acabar com esse fardo que cada vez lhe pesa mais e mais (ERIBON, 1990, p. 207).

Embora Foucault demonstre um enorme cansaço pela dura rotina da instituição, permaneceu nela até sua morte. E justamente no período em que esteve ligado a ela, torna-se uma figura pública, sendo fartamente mencionado por seus livros, suas crônicas e outras produções acadêmicas e extra-acadêmicas. Talvez, daqui, nasça a tão conhecida frase: “Foucault como pãezinhos”9

, ramerrão nas capas de revistas e jornais parisienses.

Na década de 70, Foucault faz acreditar que cada um dos seus interlocutores é o único com quem mantém relação privilegiada, resultando em perspectivas deformadas nas relações

Didier Eribon. Esta constitui-se numa biografia da vida e obras de Foucault, trazendo trechos de livros, fotos, documentários, dentre outras tantas informações pertinentes. A terceira e última parte da obra intitulada

Militante e professor no Collège de France é bastante sugestiva para aprofundar a questão do Foucault professor.

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desta época. Isso acaba justificando que, em Foucault, tudo se confunde, se imbrica, se mistura quando é preciso situar determinado fato no tempo ou numa seqüência que lhe dê sentido.

Ainda nesta mesma época, o filósofo se divide entre as manifestações (militância) e as assembléias, aulas e seminários no Collège de France. As escolhas de Foucault parecem causar uma certa perturbação em alguns colegas professores. Num dia de 1971, uma ligação é feita a Georges Dumézil na qual um professor declara estar apavorado com as atitudes espalhafatosas de Foucault. Dumézil sugere ao professor que se acalme e diz que a recepção de Foucault na instituição de ensino foi uma ação sensata.

Foucault assume uma postura diferenciada da maioria dos demais professores do Collège de France. Isso causa um certo desconforto. Afinal assim como não há um único Marx10, não há apenas um Foucault! O filósofo assume máscaras e sempre as muda. Como se não bastasse, faz de seu próprio pensamento um percurso cheio de idas e vindas, trazendo uma enorme insegurança. Não há como situar Foucault, não há como resumi-lo a uma posição política ou ideológica. Seu pensamento é complexo e mutável, quando pensamos que estamos começando a entender o pensamento do filósofo outro curso é publicado e percebemos, novamente, que não estamos mais no caminho certo. Se adentrarmos o envolvimento político do filósofo

Há um conjunto de problemas comuns à história de Foucault e a sua meta-história que gera um dilema para o seu compromisso intelectual com a esquerda. O dilema pertence a uma situação mais geral dos intelectuais franceses, atribuída ora a uma desvalorização do pensamento marxista, a um declínio no espírito oposicionista simbolizado por 1968, a um “fim da ideologia” ou mesmo à vitória socialista, resultando daí que já não pode ser admitido como ponto pacífico que um intelectual é automaticamente de gauche (RAJCHMAN, 1987, p. 40).

Mais tarde, acerca dos socialistas, Foucault se ressente e silencia. A tal ponto que acaba ironizando entre os amigos que quando quis falar, em dezembro de 1981, disseram para

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calar a boca. E quando ele se cala o silêncio espanta. O que significa, para Foucault, uma única coisa: só concedem o direito à palavra se concorda com eles. No verão de 1983, Foucault publica um livrinho intitulado A cabeça dos socialistas, como resposta às críticas a seu silêncio, defendendo que aos socialistas falta a arte de governar. Isso acaba justificando não somente alguns dos cursos proferidos no Collège de France acerca da arte de governar, mas também o recuo na história proposto nos últimos volumes da História da Sexualidade.

Outra questão bastante curiosa depois que Foucault se distancia da fase esquerdista, é que mantém as amizades feitas naquela época, com exceção de uma, que para Eribon constituia-se em uma das mais antigas e com certeza das mais verdadeiras: a amizade com Gilles Deleuze, que nasce em 1962, em Clermont-Ferrand, à sombra de Nietzsche e não sobrevive à reorganização de suas opções políticas após 1975. Amizade que foi mantida durante anos e, inclusive, muitas vezes manifestada na troca afetuosa de publicações cruzadas e elogios de um ao outro.

Pouco antes de morrer, um dos desejos de Foucault era justamente reconciliar-se com Deleuze. Falava muito com seus amigos, especialmente com Paul Veyne a quem dizia com frequência que Deleuze era o único espírito filosófico da França. Parece que o desejo de reconciliação era recíproco Deleuze acaba recitando um trecho11 do Prefácio da obra O uso dos prazeres, de Foucault no pátio do hospital Pitié-Salpêtrière, onde Foucault foi internado no dia 9 de junho de 1984 e falece no dia 25 do mesmo mês, aproximadamente às 13h 15 min. Na tarde de 29 de junho, horas após a homenagem de despedida de Deleuze, o caixão é sepultado no modesto cemitério de Vendeuvre.

Algumas considerações

Foucault sempre permaneceu atento a Marx, a sua maneira. Com isso, não defendemos que ele foi ou deixou de ser um marxista12 tampouco que não o era. A questão que interessa é

11 Foucault (1984, p. 13): “De que valeria a obstinação do saber se ele assegurasse apenas a aquisição dos

conhecimentos e não, de certa maneira, e tanto quanto possível, o descaminho daquele que conhece?”.

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clara: Foucault fez uso do pensamento de Marx e no fim da vida admite que poderia ter evitado muitos erros através de uma leitura mais precoce da Teoria Crítica, situando seu próprio pensamento numa tradição voltada para a ontologia do presente, saindo de Kant e Hegel, via Nietzsche e Weber, até a Escola de Frankfurt.

Por fim, parece-nos que Marx e Foucault não são filósofos para todas as estações. Embora seja sabido que o pensamento de ambos foi e é utilizado em longa escala, eles não servem para tudo! Na área da Educação, podemos afirmar que os filósofos trazem contribuições inegáveis, como, por exemplo, respectivamente, o conceito de “ideologia” e o neologismo “governamentalidade”. Mesmo sabendo, conforme já anunciado, que não propusseram nenhum tratado educacional, os filósofos apresentam pistas que contribuem na problematização de questões que, embora atuais, constituiram-se historicamente e trazem arraigadas um modelo moderno, questionado e discutido incansavelmente sob diferentes aspectos: econômicos, sociais, culturais e demais possíveis.

No que tange à relação entre Marx e Foucault, percebemos que este último tem uma visão clara da diferença existente entre a pessoa Marx e seu pensamento, o marxismo e os marxistas. Talvez daí venha o espanto, o choque, de Foucault ao perceber que desde o início foi considerado um inimigo pelos marxistas.

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30 Referências:

ALIAGA, L.; AMORIM, H.; MARCELINO, P. Marxismo:Teoria, História e Política. São Paulo: Alameda, 2011.

BOBBIO, N. Nem com Marx, nem contra Marx. São Paulo: Editora UNESP, 2006.

CASTRO, E. Vocabulário Foucault: um percurso pelos seus temas, conceitos e autores. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009.

DIAS, S. Grandeza de Marx: por uma política do impossível. Lisboa: Assírio & Alvim, 2011.

ERIBON, D. Michel Foucault, 1926-1984. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

FOUCAULT, M. Ditos & Escritos, vol IV – Estratégia, Poder-Saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006.

FOUCAULT, M. Ditos & Escritos, vol V – Ética, Sexualidade, Política. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004.

FOUCAULT, M. História da Sexualidade, vol II – O Uso dos Prazeres. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1984.

FOUCAULT, M. Le piège de Vincennes. Paris: Le Nouvel Observateur, 1970.

HARDT, M. O comum no comunismo. IN: Revista Imprópria: política e pensamento crítico. Lisboa: UNIPOP, n. 1, 1º semestre, p. 10-20, 2012.

MARX, K. Les luttes de classes en France (1848-1850). Le 18 Brumaire de Louis Bonaparte. França: Ed. Science Marxiste, 2010.

POSTER, M. Foucault, marxism & history: made of production versus made of information. Oxford: Polity Press, 1985.

RAJCHMAN, J. Foucault: A liberdade da Filosofia. Rio de Janeiro: Zahar, 1987.

ROUANET, P; MERQUIOR, J. G; LECOURT, D; ESCOBAR, C. H. O Homem e o Discurso: A Arqueologia de Michel Foucault. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1996.

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31 Locke e a formação do gentleman

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Doutorando em Educação

FAPESP/PAIDEIA/UNICAMP

E-mail: christian.lindberg76@gmail.com

1 Introdução

O objetivo principal desse texto é analisar o conceito de formação contido na obra de John Locke. Para o cumprimento deste propósito, será feito a descrição do pensamento educacional lockeano, em seguida, será considerada a relação existente entre o método educacional e a formação do indivíduo. Por fim, a argumentação reflete sobre a motivação do filósofo inglês em formar um sujeito virtuoso, como também há a preocupação de relacionar a sua teoria do conhecimento com o educativo.

2 A epistemologia lockeana e o impacto no seu pensamento educativo

Ao publicar o Ensaio sobre o entendimento humano, Locke apresenta sua teoria do conhecimento, que tem como objetivo investigar a origem, certeza e extensão do conhecimento humano. Ao mesmo tempo, combate as ideias inatas formuladas por René Descartes (1596-1650), filósofo francês que exerceu forte influência intelectual no início do XVII. Para este, o conhecimento decorre de uma dúvida metódica, que tem como consequência, não só a garantia da existência de um ser pensante, mas também um ser questionador e investigador das coisas que o rodeiam, estabelecendo uma confiança total na razão para conhecê-las. A partir de uma perspectiva sistemática do saber, Descartes une ciência e filosofia. Isso se dá porque compreendera que não é suficiente pesquisar e resolver problemas científicos se não conseguir justificar a própria legitimidade da ciência, produzindo verdades indubitáveis e universais.

Em contraposição, o filósofo inglês afirma que a maneira pela qual o conhecimento é adquirido, constitui prova suficiente de que não é inato, porque as ideias não se encontram naturalmente impressas na mente das crianças, idiotas:

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33 nenhumas outras máximas especulativas poderão sê-lo. (LOCKE, 1999, p.51).

Assim, é equivocado afirmar que qualquer proposição está na mente sem jamais termos conhecido pela sensações, o que demonstra que as ideias não são inatas ao entendimento. Em relação aos princípios práticos, constata-se que não existe também nada inato na mente humana, não assumindo assim, uma acepção universal. Locke exemplifica esta afirmativa a partir da religião e da justiça, que não são compreendidas por todos os homens como princípios, porque como regras morais necessitam de prova. No caso da virtude, ela é geralmente aprovada não pelo seu caráter inatista, mas porque é proveitosa aos homens, e qualquer que seja a ação humana, ela nos convence que a regra da virtude não consiste em seu princípio interior, mas sim uma ação exterior. No mesmo sentido, os princípios práticos não alcançam um significado universal, porque os homens têm princípios práticos opostos, de acordo com a região que habitam ou a educação que recebem.

Em não sendo inato, qual a proposta do inglês no que se refere à obtenção do conhecimento? Ele advoga que as ideias são adquiridas pela experiência. Em não sendo inato na mente humana, Locke compara-a a uma folha em branco, sem nada preenchido, necessitando que as ideias ocupem os “gabinetes vazios” da nossa mente. Esse preenchimento ocorre através da sensação ou da reflexão. Do mesmo modo, há no homem, o desafio constante de obter mais e mais conhecimento, o que lhe permite a possibilidade de por sempre em movimento e constante transformação o saber adquirido.

No campo educacional, a crítica ao inatismo também teve consequências. A partir da teoria do conhecimento lockeana, observa-se que a criança está em um estágio mais propício à aprendizagem. Desse modo, a educação se transforma em um instrumento essencial para a obtenção do saber. Em Locke é possível à educação desenvolver o entendimento humano como instrumento capaz de almejar o conhecimento, estabelecendo sua autonomia, sendo o homem concebido como um ser ativo e a veracidade dos fatos advindo da experiência individual.

Formar a mente e governar as ações dos menores ainda ignorantes, até que a razão ocupe seu lugar e os liberte deste incômodo – é disso que os filhos precisam e disso que os pais estão obrigados a fazer. Pois Deus, ao conferir ao homem um entendimento para governar suas ações, concedeu-lhe uma liberdade de vontade e de ação como a estas pertinente [...]. Mas, enquanto ele estiver numa situação em que não tenha entendimento próprio para governar sua vontade, não terá nenhuma vontade própria para seguir: aquele que entende por ele deve também querer por ele; deve prescrever sua vontade e governar suas ações; mas, quando chegar à situação que fez de seu pai um homem livre, o filho será um homem livre também. (LOCKE, 2001, p. 434).

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afirma: “Poucos anos requerem poucas regras e com o progresso de sua idade, quando praticá-las bem, pode adicionar outras regras.” (LOCKE: 1996, p.40, tradução nossa). A formação de bons hábitos na criança, através da prática constante, é o procedimento mais apropriado para ensinar ao gentleman, empregando para isso, o exercício de situações que o preceptor queira instruir no educando.

Esta preocupação com a formação das crianças, especialmente com o esforço de divulgar o método educacional mais apropriado para formar jovens virtuosos, tem como resultado primordial constituir neles a máxima: mens sana in corpore sano. No entanto, deve ser considerado mais o aspecto espiritual, por causa da necessidade de formar homens virtuosos, capazes de exercer a liberdade e dominar os desejos, deliberando em função do correto uso da razão.

Dentre os aspectos importantes na proposta lockeana para a educação, destaca-se o fato de que a dimensão mais admirável na educação não é a instrução ou o saber acumulado, mas a formação. Ora, existe então uma distinção no pensamento de Locke entre instrução e formação? Sim, essa diferenciação traz consigo o real objetivo do projeto educativo do filósofo inglês.

Embora a instrução seja o assunto principal quando se disserta sobre educação, já que é através dela que se adquire a capacidade da escrita, da leitura, etc., Locke tem a convicção de que será compreendido como um insano, alguém que não queira constituir um homem virtuoso e prudente mais do que um estudante pedante.

Por formação Locke compreende como a capacidade de dominar as paixões e de empregar apropriadamente a razão por parte do gentleman. Assim, a instrução é necessária, porém deve ser um meio para adquirir qualidades mais nobres. Para tanto, o conteúdo educacional deve ter uma utilidade prática e cada estudo deve encontrar justificativa na contribuição que é dada para a vida, não à atual da criança, mas sim ao seu futuro como homem. Locke compreende que com a utilidade que o currículo exerce para a vida, torna-se possível a constituição do indivíduo virtuoso.

Isso remete a necessidade dos pais procurarem um preceptor capacitado para formar os seus filhos. Como requisito, Locke afirma que ele deve saber não apenas o latim ou a lógica, como era o costume da época, mas que tenha as condições necessárias para ensinar os bons costumes, garantindo a inocência da criança, corrigindo os defeitos e fortaleça as boas inclinações, além de fazê-la adquirir bons hábitos.

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A estreita associação daquela obra com o Ensaio sobre o entendimento humano

possibilita compreender que a educação permite inúmeras oportunidades para que o indivíduo possa conhecer. No entanto, a mesma relação existente entre essas duas obras, remete a um método educacional para a obtenção do saber, que denomina-se empirismo educacional.

A constituição desse indivíduo é um fim em si mesmo? Por estar inserido no contexto político da Inglaterra do século XVII, Locke também associa o seu pensamento educacional à ação, adotando assim uma defesa nítida do caráter prático que os conteúdos curriculares devem ter na formação dos indivíduos.

3 Sobre a divisão do trabalho

O trabalho está dividido em três partes, composto por seus respectivos subitens. No primeiro, estabelece-se o que ficou denominado de as bases do pensamento filosófico e político de Locke. Para tanto, é demonstrado como o conceito de lei da natureza em Locke é fundamental para a compreensão de suas obras mais conhecidas. O estudo é iniciado com a descrição do significado desse termo, frisando que a lei da natureza estabelece uma moralidade no ser humano, antes da constituição da sociedade política e é a partir desta lei que o inglês constrói o esboço de seu pensamento, que se manifestara publicamente a partir do Ensaio sobre o entendimento humano.

O segundo subitem abordado é o conceito de propriedade que é ancorado nos Dois tratados sobre o governo civil. Locke afirma que os homens possuem dois tipos de propriedade: as imateriais (vida, liberdade) e as materiais (meios de subsistência) que é adquirida pelo ser humano a partir do trabalho. Advoga também que a propriedade é ofertada aos homens por Deus, que lhes deu de forma igualitária. Outra propriedade humana que o Criador deu foi a razão, no intuito que dela fizessem uso para maior benefício e conveniência da vida.

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Locke propõe como solução a saída do ser humano deste estado de natureza. Para tal empreendimento, ele sugere a formação de um governo civil, entendido como a solução adequada para as inconveniências do estado de natureza. Assim, o que conduz os homens à união e a estabelecerem livremente entre si o contrato social é a realização da passagem do estado de natureza para a sociedade política. Esta sociedade é formada por um corpo político único, dotado de legislação e tem como objetivo a preservação da propriedade e a proteção de seus membros, pelo consentimento de seus integrantes.

A concepção que Locke apresenta para a constituição desta sociedade política foi expressa também nas Cartas sobre a tolerância, em que ele define sociedade política ou civil, como sendo aquela em que os homens constituem apenas para a preservação e melhoria dos bens civis de seus membros. O poder do governo civil diz respeito apenas aos bens civis dos homens e está confinado para cuidar das coisas deste mundo. Já a Igreja é uma sociedade espontânea, livre, composta por homens que se reúnem por afinidade ao culto de Deus, objetivando assim, sua salvação eterna. Locke faz essas definições para fundamentar a separação entre o Estado e a Religião.

Na segunda parte, inicia-se a análise do pensamento educacional lockeano. No primeiro subitem é observado como a teoria do conhecimento do filósofo repercute na educação. Dessa maneira, a forma como adquirimos o conhecimento constitui suficiente prova de que não é inato, porque podemos adquirir todo o conhecimento que possuímos sem a ajuda de impressões inatas. Em não sendo inato, qual a proposta do inglês no que se refere à obtenção do conhecimento por parte dos humanos? Ele advoga que as ideias precisam ser adquiridas pela experiência, condicionando inicialmente a sua aquisição, à prática. Esse preenchimento ocorre através da sensação ou da reflexão.

Dos impactos da teoria do conhecimento na educação, faz-se necessário abordar também a repercussão do projeto político. Desse modo, quando se afirma que a garantia dos pressupostos da sociedade política passa pelo magistrado, percebe-se que a sua formação deve ser no sentido de manter os direitos de cada membro que compõe uma determinada sociedade. Nas Cartas sobre a tolerância, Locke afirma que é dever do magistrado civil preservar e assegurar, ao povo em geral e para cada um em particular, a propriedade (vida, liberdade e bens materiais). Compete também ao magistrado a imparcialidade na elaboração das leis e a fiscalização do livre convívio entre os homens de diversas religiões.

No entanto, qual o método educacional mais apropriado para formar este indivíduo que irá exercer funções política? Esta é a pergunta que foi respondida no terceiro subitem deste capítulo, considerando as análises expostas pelo filósofo nos Alguns pensamentos sobre a educação, como também em outras obras, a exemplo de Sobre a conduta do entendimento e

Do estudo.

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