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O protagonismo social e o governo de jovens

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Academic year: 2020

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Rev.latinoam.cienc.soc.niñez juv 7(1): 37-57, 2009 http://www.umanizales.edu.co/revistacinde/index.html

O protagonismo social e o governo de

jovens

*

Zuleika Köhler Gonzales**

Professora colaboradora da Faculdade de Tecnologia no Transporte FATTEP e do Instituto de Pastoral de Juventude Porto Alegre.

Neuza Maria de Fátima Guareschi***

Professora/Pesquisadora do Programa de Pós – Graduação em Psicologia da PUCRS, Coordenadora do Grupo de Pesquisa “Estudos Culturais e Modos de Subjetivação”.

• Resumo: Neste artigo, buscamos problematizar a noção de protagonismo juvenil através do Plano Nacional de Juventude, um documento oficial elaborado em formato de Projeto de Lei no âmbito Estatal. Esta noção surge como efeito de discursos inscritos em saberes que descrevem e pensam esta categoria juventude e sustentam políticas, ações, programas voltados à população juvenil e no caso deste estudo, com vistas a produzir um determinado jovem “protagonista – e inserido nos processos sociais”, que por outras vias pode se mostrar “problema” ou mesmo escapar a uma forma de subjetivação que se apresenta hegemonicamente na contemporaneidade. Para tanto, nos valemos da noção de governamentalidade em Foucault para discutir as questões relativas ao “protagonismo juvenil”.

Palavras-chave: protagonismo juvenil, políticas sociais, governamentalidade, processos de subjetivação.

El protagonismo social y el gobierno de los jóvenes

• Resumen: En este artículo, buscamos problematizar la noción de protagonismo juvenil a través del Plan Nacional de Juventud (PNJ-Brasil), documento oficial en formato de Proyecto de Ley en el ámbito estatal. La noción de protagonismo juvenil emerge como efecto de discursos inscritos en saberes que describen y piensan la categoría juventud sustentando políticas, acciones, programas orientados a la población juvenil. Para el caso de este estudio, nos detenemos en la producción de un determinado joven “protagonista” inscrito en procesos sociales, pero que por otro lado

* Este artigo remete ao estudo “Protagonismo: Formas de Governo da População Juvenil”, dissertação de mestrado

realizada no grupo de pesquisa Estudos Culturais e Modos de Subjetivação, do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS, com apoio da Coordenação de Aper-feiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES.

** Mestre em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS. E-mail:

zulei-ka3012@yahoo.com.br

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se puede mostrar como “problema”, al escapar de formas contemporáneas y hegemónicas de subjetivación. En tal sentido, nos apoyamos en la noción de “gubernamentalidad” de Foucault para discutir las cuestiones relativas al “protagonismo juvenil”.

Palabras clave: protagonismo juvenil, políticas sociales, gubernamentalidad.

The social protagonism and the government of youth

• Abstract: In this article, we have attempted to problematize the notion of youth protagonism presented in the National Youth Plan, an official document written in the form of a State Draft Law. This notion emerges as an effect of discourses inscribed in types of knowledge that both describe and conceive the youth category and support policies, actions, and programs directed to the young population. In this study, these discourses are seen as intended to produce a certain young person that is “protagonist and inserted in social processes”, something that can become a “problem” or even escape from a form of subjectivation that has been hegemonic in contemporaneity. We have used Foucault’s notion of governamentality to discuss issues related to “youth protagonism”.

Keywords: youth protagonism, social policies, governamentality, process of subjectivation.

Primera versión recibida marzo 26 de 2008; versión final aceptada septiembre 22 de 2008 (Eds.)

I –Introdução

Neste texto procuramos problematizar a noção de protagonismo juvenil a partir da questão que objetiva o desenvolvimento da cidadania e a organização dos jovens colocada no Plano Nacional de Juventude, um documento oficial elaborado em formato de Projeto de Lei no âmbito estatal. Para discutir a noção de protagonismo social da juventude como um investimento das políticas públicas e sociais na produção do jovem protagonista – inserido nos processos sociais –, fundamentamo-nos no conceito de governo/governamentalidade, a partir da perspectiva foucaultiana. Com isso, pretendemos mostrar que as formas como as ações de políticas públicas inscrevem os jovens no protagonismo social também produzem modos de ser e viver, criando maneiras de governar essa população (Gonzales, 2007).

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discurso da inserção dos jovens nos processos sociais, o qual intenta demarcar e posicionar sujeitos jovens no campo das Políticas Públicas e sociais. Nesta seção, iniciamos por situar o que constitui e como vem a ser composto o PNJ1 e as relações deste com o ECA2, para problematizarmos a questão da

juventude protagonista na sociedade contemporânea. Para isso, utilizamos o conceito de governamentalidade proposto por Foucault para fundamentar a discussão, no sentido de visibilizarmos como a população juvenil vem a ser governada por diretrizes oficiais, fazendo com que esta passe a ser vivida e pensada pelos próprios jovens e pelas práticas dos programas sociais derivados dessas Políticas.

II - O Plano Nacional de Juventude e a Construção do Protagonismo Social

Visualizar o documento PNJ é deparar-se com um conjunto de estratégias políticas, éticas e sociais das quais o aparato estatal se vale para investir na juventude. No Projeto de Lei nº4530/2004, propõe-se o Plano Nacional de Juventude, um documento elaborado a partir da Câmara Federal dos Deputados numa discussão envolvendo organizações estatais e privadas vinculadas ao segmento juvenil. A intenção neste documento é traçar as diretrizes para a formulação de políticas públicas dirigidas à população jovem nos dez anos subseqüentes.

Retomando um pouco a história relatada pelo próprio texto do documento apresentado pela Câmara dos Deputados sobre o surgimento do Plano Nacional de Juventude, observa-se que a idéia de sua criação nasceu junto com a instituição da Comissão Especial de Juventude - CEJUVENT3. O plano foi se

consituindo para oferecer à juventude brasileira marcos legais que definissem os direitos dos jovens, registrassem as suas aspirações, reunissem os temas correlatos e, finalmente, sinalizassem realidades possíveis. Foram realizadas 33 audiências públicas em que os parlamentares dessa Comissão Especial – CEJUVENT - ouviram 5.200 pessoas, segundo o texto institucional, a maioria de jovens. Foi estabelecido um conjunto de diferentes temas considerados correlatos à juventude a serem abordados em todos esses encontros, tais como trabalho, emprego, renda e empreendedorismo; saúde, sexualidade e dependência química; cultura; desporto e lazer; cidadania e organização juvenil; capacitação e formação do jovem rural e eqüidade de oportunidades para os jovens que fazem partes de minorias, como os afro-descendentes,

1 PNJ – Plano Nacional de Juventude. Todas as vezes que aparecer a sigla PNJ neste texto, será referente ao Plano

Nacional de Juventude.

2 ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente. Todas as vezes que aparecer a sigla ECA neste texto, será referente ao

Estatuto da Criança e do Adolescente.

3 CEJUVENT- Comissão Especial destinada a acompanhar e a estudar propostas de Políticas Públicas para a

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indígenas, portadores de deficiência e homossexuais. Após o processo de discussão, foram formados grupos temáticos na Comissão Especial – CEJUVENT - com base nas correlações feitas entre os temas abordados durante o processo, o que resultará nas cinco temáticas apresentadas na sessão 2 do Plano Nacional de Juventude. São estas as temáticas: 1. Emancipação juvenil – relativa à Educação e ao Trabalho; 2. Bem-estar juvenil – referindo-se à Saúde e aos Esportes; 3. Dereferindo-senvolvimento da Cidadania e Organização Juvenil – subdividido nos itens de Formação da Cidadania e de Protagonismo e Organização Juvenil; 4. Apoio à Criatividade Juvenil – subdividido em Estímulo à produção cultural e Acesso aos bens da cultura e Desenvolvimento tecnológico e comunicação; 5. Eqüidade de oportunidades para jovens em condições de exclusão, subdivididos em Jovem índio e afro-descendente, rural, portador de deficiência, homossexual e mulher.

O PNJ foi constituído com base em oito objetivos voltados para a construção e demarcação de Políticas Públicas de Juventude, em termos gerais, visando a

1. Incorporar integralmente os jovens ao desenvolvimento do País por meio de uma política nacional de juventude voltada aos aspectos humanos, sociais, culturais, educacionais, econômicos, desportivos, religiosos e familiares; 2. Tornar as políticas públicas de juventude responsabilidade do Estado e não de governos [...]; 3. Articular os diversos atores da sociedade, governo, organizações não-governamentais, jovens e legisladores para construir políticas públicas integrais de juventude; 4. Construir espaços de diálogo e convivência plural, tolerantes e eqüitativos, entre as diferentes representações juvenis; 5. Criar políticas universalistas, que tratem do jovem como pessoa e membro da coletividade, com todas as singularidades que se entrelaçam; 6. Partir dos códigos juvenis para a proposição de políticas públicas; 7. Garantir os direitos da juventude, considerando gênero, raça e etnia nas mais diversas áreas [...]; 8. Apontar diretrizes e metas para que o jovem possa ser o ator principal em todas as etapas de elaboração das ações setoriais e intersetoriais.

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jovens e à garantia de inclusão digital nas escolas e universidades, viabilizando-se o acesso à Internet.

Assim, tendo por base o cenário de oito objetivos e nove prioridades, o PNJ foi elaborado após longo processo coletivo de discussão sobre as questões juvenis, no conjunto de cinco temáticas resultantes do processo de discussão nas audiências públicas e nos grupos temáticos formados na Comissão Parlamentar Especial – CEJUVENT. Foi realizado um diagnóstico e foram pensados objetivos e metas relativos a cada uma das cinco temáticas demarcadas, delimitando-se um campo de saber no âmbito Estatal assentado em relatórios de pesquisa de órgãos governamentais e não-governamentais acadêmicos voltados às questões juvenis.

Por fim, o documento PNJ apresentado à sociedade foi composto de três seções. Na primeira seção, constam os objetivos e prioridades levantados; na segunda seção, encontram-se as temáticas discutidas e formuladas; e, na terceira seção, estão a avaliação e o acompanhamento do Plano. Apresentamos abaixo (quadro 1) um esquema geral dos tópicos da primeira e da segunda seção do documento, com o objetivo de focalizar a terceira temática, relativa ao Desenvolvimento da Cidadania e Organização Juvenil, onde vem inscrito o item do Protagonismo e Organização Juvenil, foco de nosso estudo.

Quadro 1 – PLANO NACIONAL DE JUVENTUDE – Esquema de tópicos da primeira e segunda seção do PNJ.

1. Incorporar integralmente os jovens ao desenvolvimento do País por meio de uma política nacional de juventude voltada aos aspectos humanos, sociais, culturais, educacionais, econômicos, desportivos, religiosos e familiares;

2. Tornar as políticas públicas de juventude responsabilidade do Estado e não de governos [...]; 3. Articular os diversos

SEÇÃO 1 SEÇÃO 2

OBJETIVOS PRIORIDADES TEMÁTICAS

1. Erradicar o analfabetismo da população juvenil nos próximos cinco anos, participando o Brasil da Década das Nações Unidas para a alfabetização (2003-2012);

2. Garantir a universalização do ensino médio, público e gratuito, com a crescente oferta de vagas e de oportunidades de educação profissional complementar à educação básica;

2.1. Emancipação juvenil; 2.1.1. Incentivo

permanente à educação; 2.1.2. Formação para o

trabalho e garantia de emprego e renda;

2.2. Bem-Estar Juvenil; 2.2.1. Promover a saúde

integral do jovem; 2.2.2. Incentivar

o desporto, oportunizar lazer e preservar o meio ambiente;

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Delimitamos, assim, como lócus de atenção e reflexão para nosso estudo, o item destinado ao Protagonismo e Organização Juvenil, incluído na terceira temática do Plano. Nele vem expressa uma concepção de protagonismo em que o jovem tem que ser o ator principal em todas as etapas das propostas a serem construídas em seu favor.

Se o PNJ visualiza e dita um determinado jovem como sendo protagonista – ator principal – em todas as etapas de sua elaboração, concebe esse modo de ser jovem inscrito em todas as suas ações, delimitações, classificações, marcações. No documento apresentado, não consta uma relação direta entre os

atores da sociedade, governo, organizações não-governamentais, jovens e legisladores para construir políticas públicas integrais de juventude;

4. Construir espaços de diálogo e convivência plural, tolerantes e eqüitativos, entre as diferentes representações juvenis; 5. Criar políticas

universalistas que tratem do jovem como pessoa e membro da coletividade, com todas as singularidades que se entrelaçam; 6. Partir dos códigos

juvenis para a

proposição de políticas públicas;

7. Garantir os direitos da juventude, considerando gênero, raça e etnia nas mais diversas áreas [...]; 8. Apontar diretrizes e metas para que o jovem possa ser o ator principal em todas as etapas de elaboração das ações setoriais e intersetoriais.

3. Oferecer bolsas de estudo e alternativas de financiamento aos jovens com dificuldades econômicas para o ingresso, manutenção e permanência no ensino superior;

4. Incentivar o empreendedorismo juvenil;

5. Ampliar a cobertura dos programas do primeiro emprego; 6. Promover atividades

preventivas na área de saúde;

7. Criar áreas de lazer e estimular o desporto de participação; 8. Incentivar projetos

culturais produzidos por jovens;

9. Garantir a inclusão digital, disponibilizando computadores nas escolas e nas universidades, oferecendo cursos e viabilizando o acesso à Internet.

e Organização Juvenil; 2.3.1. Formação da

Cidadania; 2.3.2. Protagonismo

e Organização Juvenil; 2.4. Apoio à

Criatividade Juvenil; 2.4.1. Estímulo à

produção cultural e acesso aos bens da cultura; 2.4.2. Desenvolvimento

tecnológico e comunicação; 2.5. Equidade de

Oportunidades para Jovens em condições de exclusão; 2.5.1. Jovem índio

e jovem afro-descendente; 2.5.2. Jovem rural; 2.5.3. Jovem portador de

deficiência; 2.5.4. Jovem

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objetivos, as prioridades ou mesmo as temáticas posteriormente formuladas. Podemos situar, no entanto, no último dos oito objetivos propostos no Plano, uma vinculação direta com a noção de Protagonismo inscrita na terceira temática, que assim versa: “apontar diretrizes e metas para que o jovem possa ser o ator principal em todas as etapas de elaboração das ações setoriais e intersetoriais”. Nas nove prioridades propostas no Plano Nacional de Juventude, consideramos duas delas como sendo articuladas à noção de Protagonismo inscrita na terceira temática, conotando a noção de ser um ator principal. São elas: incentivar o empreendedorismo juvenil e incentivar projetos culturais produzidos por jovens. Já no item da terceira temática, relativo ao Protagonismo, os objetivos ali propostos enfatizam a participação do jovem na formação de políticas públicas para a juventude e direcionam a abertura de espaços referenciais para a juventude no âmbito das atividades esportivas, de lazer e culturais.

No processo de formulação do PNJ, foi articulando a produção de saberes sobre um objeto a ser investido, estudado, delimitado e governado, em que se buscou também conhecer como a legislação de países europeus regem as questões da população juvenil, bem como o funcionamento e estrutura de órgãos representativos da juventude, como o Conselho da Juventude da Espanha e os Institutos da Juventude na Espanha, França e Portugal. A esse conjunto de práticas parlamentares, agregaram-se as intenções colocadas por jovens na Semana Nacional da Juventude, realizada em Brasília no ano de 2003. Disso fez-se um relatório preliminar, levado novamente para discussão em encontros regionais por todo o país, resultando, em junho de 2004, na apresentação do Plano como Projeto de Lei por parlamentares da Comissão de Juventude instituída na Câmara Federal, o Projeto de Lei 4530/2004.

III - Políticas Públicas para a População Juvenil: para além do ECA

O percurso feito na discussão em torno das questões juvenis nas últimas décadas no Brasil envolve a formalização de documentos oficiais, tendo o ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente, lei promulgada em 1990, como um dos documentos regulamentadores. Nesse cenário, também podemos apontar o LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social, em 1993, e, no campo da educação, a LDB - Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional, que, em 1996, surge para regular a reforma do ensino promovida na esteira das normatizações oficiais de governo decorrentes da Constituição de 1988 que incidem direta ou indiretamente na população juvenil.

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como adolescência – categoria regulamentada pelo ECA - e tomar a concepção de que o jovem é um sujeito de direitos (Freitas, 2005). Diversos setores que divulgam a causa juvenil - ONGs, organizações públicas, privadas e religiosas –, segundo a Organização Ação Educativa4, falam na ampliação do

reconhecimento de que a juventude vai além da adolescência, não só do ponto de vista etário, como também pela necessidade de se usarem outras lógicas em ações e projetos voltados aos jovens que ultrapassem os princípios da proteção e da tutela garantidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Como justificativa, sustenta-se o discurso de que as respostas produzidas até então para:

Garantir um desenvolvimento adequado dos sujeitos até atingir a maioridade, se mostraram insuficientes para dar conta das questões emergentes relativas aos processos de inserção e atuação no mundo social pelos que já têm mais de 18 anos (Freitas, 2005, p. 8).

É interessante assinalar a demarcação, feita nesse contexto, de que a juventude seria “um novo problema político no país, demandando novos diagnósticos e respostas no plano das políticas” (Freitas, 2005, p. 7), coadunando-se historicamente, à construção das políticas de juventude na América Latina, que segundo Abad (2002), foi, em grande parte, determinada pelo discurso referente aos problemas relativos à exclusão dos jovens da sociedade e aos desafios de lhes facilitar processos de transição e integração ao mundo adulto.

É nesse contexto que o debate social em torno da juventude, segundo Sposito e Carrano (2003), vem apresentando muitas facetas, predominando, em alguns momentos, orientações dirigidas ao controle social do tempo juvenil, à inserção do jovem no mercado de trabalho e à sua formação como mão-de-obra. Em outros momentos, também coexistem, nesse debate, discussões a respeito da consideração dos jovens como sujeitos de direitos (Sposito & Carrano, 2003).

Em meio a toda essa mobilização, constatamos a instalação da Secretaria Nacional de Juventude em fevereiro de 2005, vinculada à Secretaria-Geral da Presidência, e, por fim, do primeiro Conselho Nacional da Juventude do Brasil, em agosto de 2005. Assim, se fortalece a discussão em voga, sobretudo a partir dos anos noventa, em torno das políticas públicas da e para a juventude.

Com a institucionalização do aparato governamental em torno das políticas públicas para a juventude, em fevereiro de 2006, ocorreu o primeiro Encontro Nacional de Gestores Municipais de Políticas Públicas para a Juventude, com o objetivo de fundar o Fórum Nacional de Gestores Municipais de Políticas

4 Organização não-governamental com sede em São Paulo. Atua nacionalmente nas áreas da educação e da juventude

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para a Juventude e, com isso, ampliar na municipalidade o debate sobre o Plano Nacional de Juventude.

É em meio à instituição de todo um aparato governamental de Estado para a oficialidade e concretização de Políticas públicas para a juventude, que outras organizações promovem, subsidiam e sustentam o discurso estatal com relação às questões juvenis, como no caso da UNESCO. Em parecer emitido pela própria UNESCO (2004) - Instituição central no fomento de pesquisas sobre a juventude –, a trajetória realizada, no que se refere às políticas públicas para a juventude ao longo do século XX, apresenta, por um lado, um enfoque setorial e desarticulado; por outro, limitações dos enfoques pretensamente universais, que acabam por beneficiar apenas os jovens integrados – segundo termo da própria UNESCO – nos estratos medianos e altos da sociedade. Com um discurso que institui o jovem mais preparado e o mais apto, o documento da UNESCO (2004) ao mesmo tempo justifica a inoperância das políticas públicas universais, já que delas só se beneficiariam os jovens mais preparados a entrarem no mercado de trabalho ou os mais aptos, que tiveram acesso à educação, para aproveitarem os serviços oferecidos por tais políticas. E é assim que se vê atualmente a recomendação, por parte de organismos públicos, de que as políticas sejam voltadas e elaboradas diretamente e em conjunto com a juventude, ao mesmo tempo em que se ressalta a importância de que o enfrentamento dos dilemas vividos pelos jovens deve ser feito pelo conjunto da sociedade (Freitas, 2005).

Nas ações destinadas à população juvenil, Sposito e Corrochano (2005, p. 143) apontam três eixos que simultaneamente orientam e questionam o que vem sendo desenvolvido em termos de Brasil. O primeiro eixo remete à questão de políticas específicas para a juventude. Questiona-se se são necessárias políticas específicas ou se elas já não estariam contempladas em políticas universais, como saúde, educação, transporte e moradia. Nesse mesmo eixo, haveria também aqueles que defendem políticas da juventude apenas em ações com foco específico e, dessa forma, destinadas “apenas aos jovens em ‘situação de exclusão social’ ou em condições de ‘vulnerabilidade’”. O segundo eixo constituiria um espaço de intervenção pública de forma transversal e periférica, já que estaria inscrito no campo do lazer, de demandas culturais e “de ações que possibilitassem a real participação dos jovens, ampliando a esfera de sua cidadania”. Nesse eixo, políticas de juventude não fariam parte de políticas públicas setoriais, tais como saúde, educação, trabalho e habitação. Já no terceiro eixo, as orientações correriam por conta do “tipo de institucionalidade mais apropriado à ação nas diversas esferas do Poder Executivo”. Assim que, tanto na perspectiva das concepções de políticas de juventude a serem elaboradas, quanto na perspectiva do espaço ou foco de ação a serem instaurados, os processos percorridos com relação à elaboração das políticas têm sido múltiplos e compostos, podendo incidir sobre um ou mais eixos de discussão e orientação.

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jovens no Brasil, há uma interconexão entre aquilo que tende a se tornar uma regulação normativa da idade e dos próprios jovens na sociedade e o próprio impacto das ações políticas. Dito de outra forma, a conformação das ações e programas públicos não apenas sofre os efeitos de concepções, mas pode, ao contrário, provocar modulações nos modos hegemônicos pelos quais a sociedade produz sujeitos jovens. Assim, as políticas públicas de juventude não seriam apenas o retrato passivo de formas dominantes de conceber a condição juvenil, mas poderiam agir ativamente na produção de novos sujeitos jovens (Sposito & Carrano, 2003).

A criação de instituições públicas e de uma estrutura governamental é o lado mais visível da repercussão das questões juvenis no âmbito do governo e da regulação social voltados à população juvenil. O que se vê nesse contexto é uma convocação sobre o jovem, chamando-o a falar de si, para si e para a sociedade – na construção das políticas públicas. A questão se impõe: se o discurso relativo à juventude, no decorrer do século XX, foi em grande parte relativo a problemas sociais que afetam a juventude ou aos próprios jovens como problemas – sobre os quais era “necessário intervir para salvá-los e reintegrá-salvá-los à ordem social” (Abramo, 1997, p. 26) –, não seria agora este chamamento a que o jovem protagonize os debates e projetos voltados à juventude só mais uma faceta da normatização e regulação da vida juvenil, entremeada por práticas reificadoras e dicotomizantes de inclusão/exclusão social por via do integrado-não-integrado; normal-anormal; inserido-desviante; protagonista-vilão?

IV - O Estado e o Governo de Populações

O Plano Nacional de Juventude, dessa maneira, vem inscrito em relações de poder, numa rede de dispositivos e mecanismos que utilizam tecnologias próprias aos saberes produzidos e investidos sobre a população, como, em nosso caso, a população juvenil. É nesse sentido que o Plano se sustenta em um conjunto de operações e procedimentos, como, por exemplo, pesquisas de órgãos governamentais, relatórios e pesquisas acadêmicas sobre a juventude, instaurados como mecanismos de poder em uma relação de imanência à demarcação de um campo de saber; ou seja, na medida em que se pensa no funcionamento e controle dos corpos, já se está produzindo um determinado jovem a quem esse controle será endereçado. Ao falar-se de um determinado jovem, já se está estabelecendo certo modo de controlar os corpos. O que podemos visualizar no PNJ em seus objetivos, prioridades e temáticas é uma demarcação em torno de algumas racionalidades práticas, a saber: a escolarização dos jovens, o exercício da cidadania nesta população e a delimitação das identidades juvenis.

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se comportar e agir visando a um ideal ético e a um modelo de jovem a ser prescrito e praticado. Tais modos podem ser, muitas vezes, considerados como naturais e não passíveis de discussão. O Estado, no entanto, é constituinte de um campo de racionalidades, saberes que resultam em intervenções que visam à regulação da vida de populações, em um claro exemplo de produção de saberes relacionada ao exercício de poderes.

No PNJ, com a prescrição nos seus objetivos de uma forma de escolarização para os jovens, se institui através de artefatos de governo, mas não apenas através destes, pois também se vivenciam práticas e arranjos sociais, pelos quais se determinam o que é o verdadeiro e o não verdadeiro modo de constituição deste sujeito – jovem e daquilo que lhe é dado saber. Assim também, em práticas divisórias e em seus modos de subjetivação é que vão se instituindo categorias pelas quais esta população vai se reconhecendo, se classificando as pessoas através do sexo, da cor, raça, etc., conformando deste modo identidades a cada uma delas. Reconhecer-se em um coletivo e dele participar no exercício da cidadania também é prescrito em um modo de ser – jovem protagonista, o ator principal em todas as etapas de elaboração das ações setoriais e intersetoriais do Plano Nacional de Juventude.

Assim, o direcionamento da análise, principalmente para o campo que, de alguma forma, visibiliza uma confluência de forças, movimentos, opções que disputam espaços de poder em formulações de políticas públicas, fala sobre práticas sociais tomadas como necessárias para uma determinada população, ao mesmo tempo em que produzem formas de governo, práticas a partir de si, de se reconhecerem de tal modo, numa clara constituição de sujeitos. Essas práticas não são inventadas pelo próprio indivíduo. Elas são esquemas encontrados na sua própria cultura, que “lhe são propostos, sugeridos, impostos (pela) sua cultura, sua sociedade e seu grupo social” (Foucault, 2006a, p. 276) em jogos de verdade nos quais o “ser humano ‘problematiza’ o que ele é, o que faz e o mundo em que vive” (Foucault, 2006b, p. 198), apresentando-se “como podendo e devendo ser pensado, e em práticas a partir das quais estas problematizações se formam” (Foucault, 2006b, p. 199).

Assim, tomar o PNJ como uma estratégia de governo, no sentido dado ao governamento por Foucault (1995, p. 244), implica considerar não apenas “as estruturas políticas e de gestão dos Estados”, mas a “maneira de dirigir a conduta dos indivíduos ou dos grupos: governo das crianças, das almas, das comunidades, das famílias, dos doentes...”, o que significa situar esse governo de pessoas na ação de “estruturar o eventual campo de ação dos outros”. É tomar o documento como uma prática que prescreve diretrizes para o modo como os jovens se conduzem na vida e se experimentam nessa trajetória, demarcando-os em áreas específicas de ação articuladas numa relação profícua entre o exercício de poderes que se embatem e saberes que se produzem a respeito da população juvenil.

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podendo relacionar-se ao espaço estatal ou não, mas não é predomínio deste, tendo-se em vista que as relações de poder se disseminam por toda a rede social e se encontram em uma multiplicidade de formas e de objetivos, buscando, sobretudo, agir sobre a conduta do outro.

Nessa perspectiva, é importante pensar o Estado não como o ponto central de onde emana todo o poder – “o poder está em toda parte; não porque englobe tudo e sim porque provém de todos os lugares” (Foucault, 1988, p.89). O Estado situa-se em uma analítica do poder que passa, atravessa e investe em tudo o que se dispõe na sociedade, com mobilidade e dispersão, apoiando-se em pontos que se deslocam no momento mesmo em que o poder os alcança. É um poder que produz verdades, conhecimento, e que se multiplica em uma positividade que investe na população, melhorando a duração de vida, aumentando riquezas, melhorando a saúde, etc.

É desse modo que, para Foucault (2003), a arte de governar não é algo que se dá somente nos altos níveis do Estado, mas também em todos os aspectos da vida social. Na perspectiva foucaultiana, o poder também se exerce no Estado, mas não deriva dele; ao contrário, o poder estatizou-se ao abrigar-se e legitimar-se sob a tutela das instituições estatais para dirigir o modo de vida de pessoas ou populações. É um poder que se efetua no corpo, nos gestos e movimentos. É por meio de mecanismos e técnicas de poder diretamente articulados à produção de determinados saberes que, tanto no plano do indivíduo – corpo individual – quanto no das populações – corpo social –, o governamento de pessoas é exercido em políticas que compõem um campo delimitado de ação, situando a população em categorias visíveis, como é o caso da juventude, descrevendo e delimitando os seus modos de viver como foco de investimentos do Estado. Trata-se de políticas que são práticas, no sentido de exercício de luta, tensionamento de forças, resistências e afrontamentos que atuam como ação produzindo outras ações.

De acordo com Veiga-Neto (2003), Foucault nos mostra que o estreitamento do significado de governo5 decorreu do fato de as relações de poder terem sido

progressivamente governamentalizadas, ou seja, elaboradas, racionalizadas e centralizadas na forma ou sob a caução das instituições do Estado.

Ao discutir a arte de governar, Foucault (2003, p.280) diz:

Os governantes, as pessoas que governam, as práticas de governo são, por um lado, práticas múltiplas, na medida em que muita gente pode governar: o pai de família, o superior do convento, o pedagogo e o

5 Veiga-Neto (2003) faz uma distinção entre “governo” e “governamento”: quanto a governo, chama a atenção para o

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professor em relação à criança e ao discípulo. Existem, portanto, muitos governos, em relação aos quais o do príncipe governando seu Estado é apenas uma modalidade. Por outro lado, todos esses governos estão dentro do Estado ou da sociedade. Portanto, pluralidade de formas de governo e imanência das práticas de governo com relação ao Estado.

Para Foucault, desde o século XVIII, vivemos a era da governamentalidade, em que são as táticas de governo que permitem definir a cada instante o que deve ou não competir ao Estado, o que é público ou privado, o que é ou não estatal. Assim, o Estado, em sua sobrevivência e em seus limites, deve ser compreendido a partir das táticas gerais da governamentalidade (Foucault, 2003).

O governamento se exerce por meio da criação de um tipo de racionalidade na mente de pessoas, como forma de ver e entender o mundo e, assim, pensar a existência humana. Pode-se, então, pensar nas políticas sociais em busca do protagonismo juvenil como modos de governo para dirigir a vida dessa população e também como formas pelas quais a sociedade deve passar a entendê-la. Dessa maneira, modos de governo buscam, ainda, regular a sociedade na produção de sentidos para discursos hegemônicos que darão sustentação e legitimação à forma de a sociedade lidar com essa população.

Nesse sentido, podemos entender, a partir de uma perspectiva foucaultiana, o modo como se produzem os sujeitos jovens como sendo “o resultado de uma gama de tecnologias humanas, de tecnologias que tomam modos de ser humano como seu objeto” (Rose, 2001, p.38). É aqui, possivelmente, no que concerne à analítica das tecnologias humanas, que todo esse movimento de forças conflui para a visibilidade do jovem, relacionando-o ao protagonismo social. Sobre as tecnologias utilizadas, Rose (2001, p.38) diz que são “qualquer agenciamento ou qualquer conjunto estruturado por uma racionalidade prática e governado por um objetivo mais ou menos consciente” que, de alguma forma, produz e enquadra os humanos como certos tipos de seres cuja existência é simultaneamente capacitada e governada por sua organização no interior de um campo tecnológico. Surge a questão: sob que racionalidades se sustentam as tecnologias voltadas à produção do sujeito protagonista juvenil?

No percurso feito em relação às políticas públicas para a juventude no Brasil para a concretização de elementos constituintes do governo das populações jovens, destaca-se a prescrição de ser protagonista.

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V - Protagonismo Juvenil e o governo da população jovem

As práticas discursivas sobre juventude se articulam com a produção do protagonismo pela participação dos jovens na sociedade, situando um determinado modo de estes se reconhecerem como tal, e apresentando várias interpretações e ambigüidade na forma em que este conceito – protagonismo juvenil - é utilizado. Os autores Ferretti, Zibas e Tartuce (2004, p. 412) apontam essa indefinição ao dizerem que o conceito de protagonismo juvenil se mostra “fluído e multifacetado, carregado de significado pedagógico e político, tornando-o um potencial catalisador de conflitos e um objeto fértil para estudos”. O conceito apresenta diversos modos de compreensão, dependendo das formas e processos de abordagem e do contexto dos jovens para quem é endereçado pelos projetos e programas sociais.

Se buscarmos na sua forma grega – considerando as condições e práticas sociais de uma época – a composição do termo protagonismo, encontraremos as palavras: proto, que sinalizaria o primeiro, o principal, e agon, que indicaria luta. Por essa via, o termo protagonista atualmente poderia ser tomado pelo sentido de lutador principal ou primeiro, ou, como correntemente é veiculado, com o sentido de personagem ou ator principal. No entanto, a focalização do jovem como ator principal vem sendo utilizada com múltiplos interesses, podendo-se, inclusive, perguntar a que serve ou em que lógica de organização social se inscreve esta noção. A concepção de protagonismo juvenil nos documentos oficiais, sobretudo nos projetos destinados aos jovens, é questionada por Sposito e Carrano (2003, p.21), que indicam que ela aponta mais para o caráter de apelo social do que para uma análise reflexiva sobre o tema da juventude e de seu diagnóstico social. Segundo os mesmos autores, a expressão “estimular o protagonismo juvenil”, nos textos dos projetos, parece ser auto-explicativa até o momento em que nos perguntamos sobre o significado incorporado.

De modo geral, a concepção de protagonismo juvenil leva a pensar que este se concretiza quando o jovem é envolvido por iniciativa própria na busca de solução de problemas e que, em decorrência desse envolvimento, venham a ser formuladas e construídas ações relevantes e significativas no campo social (Bruel, 2003; Magro, 2002).

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O jovem, para ser protagonista, segundo Costa (1999, 2002), deve atuar como fonte de iniciativa, na medida em que é dele que parte a ação de liberdade, uma vez que, na origem das ações, está uma decisão consciente de um compromisso manifesto. Ainda, a disposição de responder a interesses na resolução de problemas sociais deve se apresentar como um quadro de participação genuína no contexto escolar, social e comunitário.

É possível dizer, perante a tessitura de sentidos que confluem para a noção veiculada de protagonismo, que a idéia de participação social é um dos eixos centrais colocados para a convocação dos jovens a serem protagonistas. No âmbito da Educação, a noção de protagonismo juvenil, desde 1998, vem sendo enfatizada pelos órgãos oficiais de governo na reforma curricular do ensino médio, por meio das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio – DCNEM, como um dos elementos centrais para se implementarem as inovações sugeridas, sobretudo no que se refere à educação para a cidadania.

Escámez e Gil (2003), em seu livro La educación en la responsabilidad, tratam da relação entre a educação e a responsabilidade, ou ação responsável, entendida no campo da participação cidadã para jovens. É interessante observar que, na tradução para a língua portuguesa, o livro recebeu o título de O protagonismo na educação, possivelmente pela equivalência que o conceito de protagonismo vem adquirindo no contexto brasileiro, com ênfase na inclusão social, na participação ativa na busca de alternativas para problemas sociais, na autonomia intelectual e moral, na solidariedade e no respeito às diferenças. Um alerta, no entanto, é feito pelos autores Ferreti, Zibas e Tartuce (2004) para que tais concepções não se dêem considerando os grupos juvenis como homogêneos em relação às questões culturais e de maturidade. Da mesma forma, o alerta aponta para a condição política e histórico-social da produção de um modo de ser – ser protagonista – que vem a se tornar uma marca, posição instituída com relação aos jovens, ressaltando o risco de naturalizar-se, algo que vem sendo veiculado de forma ampla e generalizada como um modo de ser juvenil.

Diante disso, a reflexão sobre as condições e possíveis efeitos traçados no texto do documento PNJ para a governabilidade da população jovem se impõe. Encontramos grafado no documento um determinado jovem com a marca do protagonismo, que deve:

Ser reconhecido como ator social estratégico. A esta condição, articulam-se as noções de integração social, participação, capacitação e a transferência de poder para os jovens como indivíduos e para as organizações juvenis, de modo que tenham a oportunidade de tomar decisões que afetam as suas vidas e o seu bem-estar (PNJ, item. 2.3.2).

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no sentido de uma intervenção da sociedade visando uma segura passagem do jovem para a vida adulta, integrando-o em uma determinada ordem social para que não seja ameaça aos modos de vida instituídos pela norma e regulação vigentes. Um outro viés de análise para o recomendado protagonismo de jovens no âmbito social são as condições que se colocam para demarcá-los em um determinado lugar que os conecta ao de ator estratégico do desenvolvimento. Se, dentro de uma determinada ótica, visibilizou-se a categoria juventude como um problema, parece que, a partir de novos arranjos sociais, se busca visibilizar e denominar a categoria juventude como uma solução. Em uma lógica que divide as pessoas e a população em incluídos e excluídos, da “formação de capital humano e social” (Freitas, 2005, p. 21) para enfrentar os problemas gerados por exigências de desenvolvimento assentadas em padrões econômicos globalizados e em uma racionalidade neoliberal de conformar e fomentar ações para esse objetivo, toma-se uma parte da população – os jovens – como possibilidade de solução para a exclusão social que, de outra parte, os abarca eminentemente.

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tida como natural, concebeu, em termos naturais e espontâneos, a sociedade e o mercado capitalista constituído nesse período, assentando-se na utopia do progresso humano presente na ordem natural das coisas.

Em tempos contemporâneos, a lógica do liberalismo atualiza-se com o indivíduo, unidade básica da ordem social espontânea, aquela professada já na modernidade pelos liberais de então. O indivíduo deixa a tarefa de melhor descobrir quais são seus verdadeiros interesses para encarregar-se de um processo social em que todos podem igualmente participar e tentar o melhor resultado. Nessa lógica, surge uma participação social que converge para o desenvolvimento social, sem prescindir dos avanços tecnológicos. Visibiliza-se a ação de um indivíduo em face da ação dos outros indivíduos, Visibiliza-sendo, assim, aprovado, reprovado, corrigido ou confirmado. E o arranjo que permite que pequenas esferas individuais entrem em contato umas com as outras para a produção de efeitos sociais de longo alcance é o mercado, apoiado na propriedade privada e na troca. Sustenta-se, desse modo, o mercado como a melhor forma de assegurar o suposto aumento progressivo do conhecimento, a estabilidade da ordem e o progresso econômico e social, ao permitir que as informações adquiridas no processo de trocas econômicas sejam incrementadas por via das trocas e necessidades forjadas no mercado.

É na lógica do desenvolvimento e das ações inscritas num modelo de mercado de trocas que se investem forças políticas e econômicas na população juvenil, um possível capital a ser incrementado nesse lócus de ação. Segundo análise realizada pela Organização Ação Educativa (Freitas, 2005), o enfoque de tomar os jovens como capital humano e social para a solução de problemas sociais tem sido bastante difundido nos últimos anos no Brasil, principalmente por agências de cooperação internacional, organismos multilaterais e fundações empresariais que vêm apoiando ações para jovens. O que se postula nessas ações é que os jovens devem ser direcionados a um protagonismo do desenvolvimento local mediante seu engajamento em projetos de ação social e pelo voluntariado. Ora, se essa concepção reconhece nos jovens potencialidades e visibilidade quanto ao seu lugar político em ações que possam gerar novas condições e arranjos em termos de sociedade, coloca-os, no entanto, na responsabilidade de resolver problemas sociais instaurados em redes e estratégias de poder por meio de práticas sociais que sustentam uma hegemonia, sobretudo nos arranjos de inclusão/exclusão, de acordo com uma lógica de governamento regida pelo capital. Em crítica feita a tal concepção pelos pesquisadores da Ação Educativa6, é ressaltada a pouca

discussão feita sobre o modelo de desenvolvimento no qual os jovens são inseridos e a ausência de menção às dimensões de força e disputa presentes em tais modelos, fazendo com que jovens sejam incorporados numa dedicação gratuita em prol do bem comum, sem problematizar os objetivos das ações instituídas. Com ações nas áreas da saúde, educação, cultura e esportes, muitos

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programas governamentais vem sendo implantados em parcerias com ONGs e fundações empresariais, tomando o jovem como foco de investimentos sob a marca de ações de responsabilidade social, no apoio a programas voltados principalmente para jovens pobres, em ações de intervenção que buscam integrá-los ao mundo do trabalho. Se considerarmos que muitas dessas ações trazem novas perspectivas e possibilidades de vida para muitos jovens, importa também problematizar o apoio de muitas Fundações Empresariais a ONGs nessas ações, no sentido de que tal apoio porta em si um direcionamento com princípios e valores das empresas financiadoras, interferindo nas ações em seu aspecto de gestão, estipulando diretrizes e metas a serem alcançadas nos parâmetros da lógica da eficiência de mercado, conectando-se a um novo termo que se agrega em tempos atuais à formação de jovens para o trabalho, que seria o empreendedorismo juvenil, e moldando, assim, um capital humano a ser utilizado de forma mais útil e disciplinada nas instituições sociais.

É dessa forma que se fala, segundo Freitas (2005, p. 21), em “incorporar os jovens em situação de exclusão não pela ótica do risco e da vulnerabilidade, mas numa perspectiva includente”, o que aconteceria vinculando-se essa incorporação “à formação educacional e de competências no mundo trabalho”, numa clara produção de capital humano e social com fins estratégicos de incorporação numa ordem social vigente.

No Brasil, em análise realizada por Sposito e Corrochano (2005), as iniciativas governamentais em relação aos jovens estariam centradas predominantemente na constituição de um modelo de ação para jovens pobres, buscando a sua integração social ou inserção no mundo do trabalho, vinculando-se às duas prioridades voltadas ao trabalho redigidas no PNJ. Por esse viés, segundo as autoras, surgiram programas como o Projeto Agente Jovem de Desenvolvimento Social e Humano e o Serviço Civil Voluntário no final da década de 90 no âmbito do governo federal.

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Conectando-se a essas noções, reitera-se, por um lado, uma concepção de que jovens pobres podem ser um problema social, visto estarem pouco integrados na sociedade; por outro, uma concepção de que, imbuindo-se da tarefa de intervir na sociedade, eles tornam-se atores sociais estratégicos ao ajudarem a resolver questões sociais em suas comunidades. Uma crítica contundente é feita ainda por Sposito e Corrochano (2005) a essas duas formas produzidas – do jovem problema e do jovem solução – a partir das ações governamentais em relação aos jovens. Reconhece-se, nesses programas, uma lógica da naturalização dos aspectos juvenis ao pressupor-se, em seus discursos, que todo e qualquer jovem em qualquer momento histórico e social seria naturalmente predisposto a provocar mudanças; de outra forma, opera-se na condição de que jovens apenas serão agentes de mudança, com voz e ações que tenham relevância na sociedade, se estas forem viabilizadas ou autorizadas por intervenção primeira dos adultos no direcionamento dos jovens.

Encontram-se, nas ações pensadas e incrementadas, certo reconhecimento e promoção social de todo o potencial juvenil, mas questionam-se a forma e os objetivos por que são constituídas ao encarregarem-se os jovens de transformações em suas comunidades, que, na maioria das vezes, se apresentam desprovidas de recursos para viabilizar alguma melhoria e relegadas a um lugar não investido nas atuações conjuntas entre Estado e sociedade civil para o bem-estar da coletividade. Seria, então, responsabilidade desse grupo populacional a condução para uma vida melhor nas comunidades?

É dessa forma que problematizamos a noção de protagonismo juvenil inscrita no PNJ. Com uma racionalidade ou regimes de pensamento centrados em autonomia, liberdade, iniciativa e participação dos jovens no meio social sustentando o Plano Nacional de Juventude, conectado à lógica liberal da economia e do mercado, a noção de protagonismo pode tornar-se muito mais um apelo à adaptação a uma ordem socioeconômica vigente do que um conceito problematizador das questões juvenis e de uma ação política frente às condições de existência que se colocam a cada tempo. É nesse sentido que Rose (1999, p. 147) aponta para a utilização dos ideais de liberdade, autonomia e desenvolvimento em modelos de programas, intervenções sociais e projetos administrativos revestidos de aspirações sociopolíticas e sonhos que objetivam a “qualidade da população, a prevenção da criminalidade, a promoção da autodependência e da capacidade de empreendedorismo”. É também nesse sentido que os humanos são governados por práticas regulatórias conectadas a um pensamento político centrado na lógica do mercado de trocas e da formação de capital.

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direitos e reivindicações legítimas, como um ator que busca empresariar a vida e o eu como atos de sua própria escolha. É desse modo que jovens são produzidos sujeitos de políticas públicas: protagonistas na forma de ser na vida e na comunidade, em busca de mudanças sociais.

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