REVISTA
PAULISTA
DE
PEDIATRIA
www.rpped.com.br
ARTIGO
ORIGINAL
As
relac
¸ões
da
família
com
os
pediatras:
as
visões
maternais
Simone
de
Carvalho
∗e
José
Martins
Filho
UniversidadeEstadualdeCampinas(Unicamp),Campinas,SP,Brasil Recebidoem8dejunhode2015;aceitoem8deoutubrode2015 DisponívelnaInternetem12dejaneirode2016PALAVRAS-CHAVE Pediatra; Orientac¸ãoda crianc¸a; Grupodemulheres Resumo
Objetivo: Analisarapercepc¸ãodasorientac¸õespediátricaspelasmãesnaocasiãodo atendi-mento emconsultórios particulares,paraconhecer dequemaneira assimilam,processame usamasinformac¸õesrecebidasdeseupediatra.
Métodos: Acoletadedadosfoifeitaporquestionárioenviadoàsparticipantes.Participaram dapesquisa200mãesdeumacomunidadevirtualnasredessociais.Asrespostasforam trans-critaspormeiodométodododiscursodosujeitocoletivo.Asanálisesforamrespaldadasna perspectivaqualitativadepesquisa,sobaóticadateoriadasrepresentac¸õessociais.
Resultados: Obtiveram-se três categorias por meio da análise de dados: (1) avaliac¸ão das orientac¸õespediátricas,(2)confrontodateoriaepráticae(3)desenvolvimentodeumolhar críticoacercadasorientac¸õespediátricas.Taiscategoriaselucidaramqueonívelde conheci-mentodetemaspediátricosporpartedasmãeseasuacapacidadedeusá-losnatomadade decisõessobreoscuidadosdosseusbebêsapresentamumarelac¸ãodiretaentreseguirounão asorientac¸õespediátricas.
Conclusões: Adecisãodasmãesquantoaseguirasrecomendac¸õesdopediatradependededois fatoresprincipais:(a)certificac¸ãodasrecomendac¸õesatualizadasecomprovadas,deacordo comosórgãosoficiaisdesaúde;(b)apoioereconhecimentoporpartedopediatradopapel maternoduranteoprocessodeacompanhamento.A práticadoacessoaoconhecimentodas mãespormeioderedessociaisdificultaoacompanhamentopediátrico.
©2015SociedadedePediatriadeSãoPaulo.PublicadoporElsevierEditoraLtda.Esteéumartigo OpenAccesssobalicençaCCBY(https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/deed.pt).
KEYWORDS
Pediatrician; Childguidance; Women’sgroup
Familyrelationshipswithpediatricians:thematernalviews
Abstract
Objective: Toanalyzetheperceptionofpediatricguidelinesbymothersatthetimeof consul-tationinprivateoffices,inordertoknowhowtheyassimilate,processandusetheinformation receivedfromthepediatricians.
DOIserefereaoartigo:http://dx.doi.org/10.1016/j.rppede.2016.03.015 ∗Autorparacorrespondência.
E-mail:simonecordeiro@hotmail.com(S.Carvalho).
0103-0582/©2015SociedadedePediatriadeSãoPaulo.PublicadoporElsevierEditoraLtda.EsteéumartigoOpenAccesssobalicençaCC BY(https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/deed.pt).
Methods: Datacollection wascarried outbyaquestionnairesenttoparticipantsbyA total of200mothersfromavirtualcommunityinsocialnetworksparticipatedintheresearch.The answers weretranscribedusing theDiscourseoftheCollectiveSubject method.The analy-sesweresupportedbytheresearchqualitativeperspective,fromtheviewpointofthesocial representationtheory.
Results: Threecategorieswereobtainedthroughdataanalysis:(1)assessingthepediatric gui-delines(2)confrontingtheoryandpracticeand(3)developingacriticalviewofthepediatric guidelines.Thesecategorieshaveelucidatedthatthelevelofknowledgeofpediatricissuesby mothersandtheirabilitytousethemwhenmakingdecisionsaboutthecareoftheirbabies, haveadirectassociationbetweenfollowingornotthepediatricguidelines.
Conclusions: Themother’sdecisiononfollowingthepediatrician’srecommendationsdepends ontwomainfactors:(a)certificationoftheupdatedandprovenrecommendations,according totheofficialhealthagencies;(b)supportandrecognitionbythepediatricianofthematernal empowerment duringthe follow-upprocess. The mothers’practice ofaccessing knowledge throughsocialnetworkshindersthepediatricmonitoring.
©2015SociedadedePediatriadeSãoPaulo.PublishedbyElsevierEditoraLtda.Thisisanopen accessarticleundertheCCBYlicense(http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/).
Introduc
¸ão
Emnossasociedade,agrávidaéumafiguradoente,1
neces-sitadecuidadosmédicosfrequentesdesdeaconcepc¸ãoaté
oparto. Ométodoocidentaldamedicinaaindaestá
asso-ciadoaodistanciamento,àimpessoalidade,àobjetividade
e àautoridade do prestadordocuidado. Essa perspectiva
influidiretamentenamaneiracomoessamulherpercebea
simesma,emmuitoscasosafetaasuaautoconfianc¸ae
capa-cidadedegerenciamentodosprocessosmaternos,incluindo
oparto,aamamentac¸ãoeoscuidadoscomobebê.2
Naliteratura,discutem-secadavezmaisosprocessosde
empoderamento3 ea suaaplicabilidadeà maternidade.O
empoderamentomaternopodeserentendidocomoa
con-quistadamulher paraofortalecimento dasuaautonomia
pessoal,que podeocorrer deformaindividualoucoletiva
e torná-la capaz do autogerenciamento dos seus dilemas
maternos.4
Oempoderamentonaáreadasaúdeévistoporseus
pro-fissionaiscomoumaferramentadeapoionosprocessos de
autocontroledasaúdeporpartedospacientes.Éumdado
comprovadoqueasmulheresquegerenciamouse
responsa-bilizamdiretamentepeloscuidadosdeseusbebêsatingem,
comoresultado,umamelhoriasignificativadaqualidadeda
saúdeinfantil.5
Aapropriac¸ãodosconhecimentosrelativosaoscuidados
do bebê pela mãe, com base em suas próprias vivências
maternaseemseussaberesadquiridos,temumefeitodireto
sobre a sua decisão de seguir ou nãoas orientac¸ões que
recebedesseprofissional.6Essadecisãopartede
pressupos-tosinternalizadosapartirdevivênciasesaberesadquiridos
poressamãeaolongodesuaprópriaexistênciaedas
experi-ênciascompartilhadasporoutrasmulheres,especialmente
quandoelasesenteinseguracomasorientac¸õesrecebidas
doseupediatra.Nessesentido,o pediatraquedemonstra
aprec¸oporessasexperiênciasmaternasedessaforma
rea-firmaasconvicc¸õespessoaisdamãeserámaisexitosonoseu
desempenhoprofissional.
Opresenteestudoconsideraoempoderamentomaterno
comotodocomportamentoqueproporcionaàsmãesum
con-trolepositivoeesclarecidonotocanteàssuasdecisõesem
relac¸ãoaoscuidadosdasaúdedoseubebê,queredundam
noquesepoderiadenominardeboaspráticaspediátricas.
Os objetivos do estudo incluem: compreender os
senti-dos dos discursos por meio das práticas maternas, para
relacionarosignificadoatribuídoporelasdesse
comporta-mentoesuaspercepc¸õesdoatendimentopediátrico nessa
interac¸ão.
Portanto, diante da escassez de dados relativos ao
impactodoempoderamentomaternonapromoc¸ãoe
melho-ria da saúde materno-infantil, decidimos conhecer as
percepc¸ões das mães acerca do atendimento pediátrico,
comaprofundamentodefatoresquemotivamessa prática
entreasmães,bemcomooapoiodisponívelnainternet.
Método
Estudodotipoexploratóriodescritivo,quepermitiu inter-pretar os discursos das mães participantes de um grupo virtual de apoio à maternidade, no tocante às suas percepc¸ões do atendimento pediátrico e à consequente tomada de decisões quanto à saúde do seu bebê, que caracterizao tipode comportamentoque sedefine como empoderamento materno (EM). A comunidade virtual no Facebook analisada funciona há cinco anos na forma de gruposdeapoioquediariamenteorientamecompartilham experiênciascom milhares demãespormeiodainternet, aqualcontacomaparticipac¸ãovoluntáriadecercade50 milmãesresidentesem váriascidadesbrasileiras.O obje-tivodacomunidadeéo empoderamentomaternoem rede virtual.
Arazãoprincipalquelevaasmãesabuscarema comuni-dade,emlinhasgerais,éavivênciacomalgumadificuldade nopós-parto,emespecialcomomomentodaamamentac¸ão. Acomunidadegeralmenteacompanhaessamãenadinâmica diáriadoenvolvimentoecuidadodoseubebêeelaparticipa
dosgrupos de apoiodeacordo comassuas necessidades, permanece como membro desses grupos --- acompanha as publicac¸õesdiáriaseparticipaativamentedavidada comu-nidade --- por meio de debates, apoio às outras mães e compartilhamento de experiências pessoais relativas aos seusprocessosmaternos.Ariquezaevariedadedessarede de apoio virtual permite compreender a dinâmica dessa relac¸ãoeseusdesdobramentospráticosnoscuidados infan-tiseatendeaosobjetivosdessapesquisa.
Essapesquisa foiaprovada peloComitêdeÉticae Pes-quisa daFaculdade de CiênciasMédicas da Unicamp, sob oprotocolonúmero793.995.Todasparticipantesenviaram devidamente assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido,apóslereconcordarcomoobjetivodoestudo, pormeiodacartadeanuência.Foigarantidooanonimato dasparticipantes.Asmãesforamselecionadasna comuni-dadeporenquetegeradapeloprópriosistemadaredesocial e as interessadas em participar da pesquisa forneceram seuenderec¸oeletrônicoviamensagemprivada, individual-mente.
Os dados foram coletados de 19 de setembro a 9 de outubro de 2014 por meio de questionário semiestrutu-rado enviado às participantes por correio eletrônico com vistas a qualificar as percepc¸ões das mães acerca das orientac¸ões pediátricas na ocasião da consulta e con-sequente juízo de valor que elaboraram a partir dessa interac¸ão com o médico. A primeira parte do questio-nário continha perguntas para caracterizar a populac¸ão estudada. Na segunda parte, duas categorias foram cria-das para investigar a história do atendimento pediátrico das mães no pós-parto, com seis subcategorias para a explorac¸ãodotema.Naúltimasubcategoria,asmães tive-ramespac¸oparajustificarsuasrespostas,queauxiliaramna análisedos dados obtidos por meiodos 200 questionários preenchidos.
As mães foramabordadaspor convite formalpor meio deenquetepreviamenteelaboradapelaferramentanarede socialFacebook.Asegundaetapafoiacoletados questio-nários respondidospelas mães. Dos350 e-mails enviados, retornaramexatamente200e-mailsdevidamente respondi-doseassinados. Das150mãesrestantes,26 serecusaram aparticipar doestudoe 124nãoretornaram o e-maile o discursodosujeito coletivo foiaplicadonas200respostas recebidasdosquestionários.
Os dados qualitativos foram classificados segundo o estudocompreensivo dos discursos, que indica uma reali-dadedeexperiênciasvividasporessasmães,eoseurigor nãodeixa dúvidas quanto à confiabilidade de reproduc¸ão de variáveis para as quais os leitores são capazes de se reconhecer.7
Resultados
Buscou-se descrever,por meio dasrespostas das mães ao questionário,aspercepc¸õesacercadasorientac¸ões pediátri-casnaocasiãodasconsultaseoconsequentejuízodevalor queelaboramapartirdessainterac¸ãocomesseprofissional de saúde. Este estudo teve como resultado três catego-rias:(1)avaliac¸ãodasorientac¸õespediátricas,(2)confronto teoriae práticae(3)desenvolvimentodeumolharcrítico acercadasorientac¸õespediátricas.
Avaliac¸ãodasorientac¸õespediátricas
‘‘Acateiasrecomendac¸õesdapediatraporqueforam cla-ras e de acordo com minhas convicc¸õese compatíveis com asinformac¸ões que pesquiseinos grupos de mães paraorientac¸ãoexistentesnasredessociais.Eumesenti muito insegura nos primeiros momentos e confio nela pelaexperiência profissionale asorientac¸õescorretas, que considereicoerentes. As orientac¸õesforamclaras, precisasefoimuitoimportantereceberorientac¸õesque iamcontraoquenossafamíliapregava,ecomissoeles tambémaprenderam com asorientac¸ões e passaram a respeitarasorientac¸õesquerecebemos,alémdaajuda dadapelosgruposvirtuais.Hojeelajámeconhecebem esabequaissãominhasprioridades.’’(DSC1)
A avaliac¸ão das orientac¸ões pediátricas para as mães deste estudo baseia-se na figura do pediatra em relac¸ão à sua experiência profissional e credibilidade como espe-cialista na área, mas também na compatibilidade das suas orientac¸ões com seu conhecimento pessoal e suas percepc¸ões maternas. A ac¸ão do pediatra de reconhecer suas prioridades e compartilhar das impressões maternas sustentaatomadadedecisãodamãe,tantonasuaescolha como na decisão da continuidade pelo seu acompanha-mento. A dinâmica doconhecimento cotidiano partilhado por meio da socializac¸ão das mães, fundamentada em leituraseestudosdisponíveisnainterneteemgruposde dis-cussãovirtuais,influenciaseusprocessosdegerenciamento materno.Écombasenessasinformac¸õescolhidase interna-mentesistematizadasqueasmãesfiltramasinformac¸ões,o quepermitedecidirseseguemounãoasindicac¸ões recebi-das.
Confrontodeteoriaeprática
‘‘Nãoacateitodasasorientac¸õesdopediatraporqueeu havialidomuitosobreoassunto,seguisempremeu ins-tinto natural de mãe e optei pelo que achavamelhor. Aquiloqueconsideravadesnecessáriodiantedasminhas pesquisaseexperiênciapessoaleunãoaderia,poisnão coincidiacomoquetinhaaprendidopormeiodosgrupos deque participona internet.Naverdade, eunãodiria todas, masamaioria, e em algunsmomentos recorrià opiniãodeoutrasmães.Euusavaaorientac¸ãodo pedi-atracomoumadendoàsminhas decisões,poisjásabia oqueeuprecisavafazer,ouseja,sabiaquepoderiater outrasopc¸ões,enãosimplesmenteacatarseminvestigar melhor. Acateiasorientac¸õesque considereicoerentes comaspráticasatuaisdapediatriaearecomendac¸ãoda OMS.’’(DSC1)
A busca constante das mães por fontes opcionais de conhecimento nos grupos virtuais de seu interesse pode ser compreendida como um esforc¸o consciente de cote-jar a opinião doprofissional dasaúde, equilibrá-lacom o conhecimentoadquiridoeaspercepc¸õesprópriasda mater-nidade. Nesse sentido, as orientac¸ões pediátricas passam a ser apenas mais umadas muitas fontesde sustentac¸ão para a tomada de decisões acerca dos cuidados de seu bebê.
‘‘Éofatodepensarumpoucodiferentedoprofissional. Achomuitocomplexoelemeorientargeneralizadoepor algumasorientac¸õesiremdeencontroaoqueeuviacomo corretaseoutrasquenãofaziamsentidoparamim.Eles estãotratandoacrianc¸apadrão,enãoomeufilho,eisso mefezbuscarmaisinformac¸õessobreosassuntos relaci-onados à infância e buscar outros profissionais. Depois do grupo, fiquei mais crítica e questionadora. Sendo bemhonesta,paramimédifícilconfiarplenamentena orientac¸ãodeumpediatra,poisnemsempreeleentende minhasescolhas... Valedestacarquefui acinco pedia-trasaté conseguirencontrar aquelequechegasse mais pertodeminhas expectativas, poisnãocondiziam com a minhavisão sobre maternidade,99% dos pediatras a quefuimepassaramcomplementoeindustrializados.’’
(DSC1)
Creditar a importância da prática do empoderamento maternodessasmãessetornaimportanteparaentendero processo detomada de decisõesem relac¸ão aoscuidados dosseusbebêscomsuainterac¸ãoentreseuspareseo pro-fissionaldesaúdequeasatende.Dopontodevistadasmães entrevistadas,estarempoderadasignificateroautocontrole dosseusprocessosmaternoscombasenessecomportamento adquirido.
‘‘Apesardeopediatradartodasasinformac¸ões, preci-samosalgumasvezesseguirnossaintuic¸ãoefazeraquilo quefuncionaemcasa.Porqueeusouamãeeseioque meubebêprecisa,semprepesquiseimuitosobreminhas dúvidas e muitas vezes nãotive a resposta correta do pediatraemquestão.Useibomsensoesensibilidade,na teoriaacreditoserfácilesimples,masnapráticaébem diferente e em alguns momentos preferi seguir minha intuic¸ão. Namaioria das vezes,consultooutrasamigas mães,outrospediatraseainternetantesdeseguir algu-mas orientac¸ões. Tento pesar tudo, o que eu sei e a avaliac¸ão clínica dele. Fac¸o muito o que meucorac¸ão manda.’’(DSC1)
Asmúltiplasimpressõessobreasorientac¸õespediátricas recebidas, quesão partilhadas nogrupo de apoiovirtual, evidenciam um confronto entre teoria e prática, confir-mam a observac¸ão e intuic¸ão materna como ideais para transmitir ao pediatra as necessidades específicas doseu bebê e adequac¸ão do atendimento almejado por essas mães.
Desenvolvimentodeumolharcríticoacerca dasorientac¸õespediátricas
‘‘Nãoconcordocomcertosprocedimentoseorientac¸ões, meinformeieviqueopediatraeradesatualizado.Elas eraminadequadasedesatualizadas dasrecomendac¸ões dos órgãos nacionais e internacionais. Tive grandes enfrentamentos com o pediatra para conseguir man-teraleitamento materno exclusivoaté osseis mesese nãofiz a introduc¸ão precoce de alimentos(aos quatro meses)conforme indicac¸ão.Depoisdessaconsulta, tro-quei.Primeiro pelas recomendac¸ões absurdas,segundo pelafaltadeapoioàamamentac¸ãoeterceiroporque dei-xeideacreditaremtudoqueeleorientava,porqueforam
semprevagasdemais. Procureiinformac¸õesnainternet emaisumavezdesconsidereiaorientac¸ãodopediatra. Tenhoconsciênciadequeoidealéumpediatraemque tenhamosconfianc¸adetirartodasasnossasdúvidas,mas estamosvivendoumaépocanaqualamedicinabrasileira estádemalapior,commédicosmaispreocupadoscom quantidadesdeconsultasdoquequalidade.’’(DSC1)
Adecisãodamãedeseguirasorientac¸õespediátricasé sustentadatantopeloqueelaouvedopediatraquantopelo seuconhecimento com base em suas experiências mater-nas.Umavezqueamãeestáemumexercícioconstantede confrontaraquiloquepediatrafalaeaquiloqueéasua ver-dade,desvela-seapropriac¸ãodoseuautopoderadquiridoea ac¸ãodetomadadedecisõesbaseadasnasavaliac¸õesdessas duasrealidadesdistintasresultadonocomportamento prá-ticodessarelac¸ão,sobretudoquandoháausênciadeapoioe reconhecimentoporpartedopediatra.Taiscategoriasforam entendidascomopeculiaridadesdasfalasdasmães perten-centesaessegrupomaternoinvestigado.Osresultadosdo sentidodasorientac¸õespediátricasnomomentodaconsulta paraasmãesdesteestudo,foramdescritoseexemplificados porfluxograma(fig.1).
Discussão
Osespac¸osvirtuaisvêmsetornandolocaisdeinterac¸ão,nos quaismãespodemexpressarabertamentesuasemoc¸õesem relac¸ão àmaternidade. ParaPorter,8 deforma crescente,
asmães sevoltam paraainternet embusca dessasac¸ões
compartilhadas em rede.9,10 O termo empoderamento11 é
relativamente novo e vem sendo estudado em relac¸ão à
suaaplicabilidade na conquista do autogerenciamentode
pessoas. As representac¸õessociais12 nos quesitos da
inte-ratividade e das falas discursivas das mães evidenciam
a prática de um repertório de empoderamento
contagi-ante entreas mães, por meio de interpretac¸ões próprias
e percepc¸ões da realidade vivida nos consultórios
pediá-tricos,numaac¸ãoconstantedeamadurecimentodevisões
e percepc¸ões para reconstruí-las e modificá-las. Os
gru-pos virtuais de apoio mútuo, conscientizac¸ão e partilha
de experiências e percepc¸ões fornecem os elementos
básicos que permitem o empoderamento materno aqui
descrito.
Em especial na área da saúde, o conhecimento do
empoderamentomaternosetornaimportanteparaos
profis-sionaisalocaremtempoparaqueamãetomesuaspróprias
decisõesemrelac¸ãoaoscuidadosdoseubebêepara
ava-liarem quais informac¸ões são relevantes, como forma de
constatac¸ão da aplicabilidade prática e concordância das
orientac¸õespassadas--- a bioéticadocuidado --- que pode
virainfluenciar adecisãodasmãesdeseguirounãosuas
orientac¸ões.13,14
Noresultado dapesquisa deBonvicini,15 em que foram
gravadas1.800interac¸õesdasfalasde170médicoscomseus
pacientes,constatou-sequeaempatia médicaé essencial
parao pacienteexpressarconfortavelmente preocupac¸ões
e problemas importantes. Tais estudos têm demonstrado
queosmédicos reconhecemumalacuna na comunicac¸ão,
especificamente na gestão das reac¸ões
comportamen-tais e emocionais e a necessidade do envolvimento com
AVALIANDO AS ORIENTAÇÕES PEDIÁTRICAS Processo constante CRÍTICO OLHAR UM DESENVOLVENDO CONFRONTANDO TEORIA E PRÁTICA
Adquirindo seu autopoder Adquirindo uma forma de conhecimento próprio
Tomando decisões escolhas pessoais
Atribuindo sentido às suas
subjetivos Elementos subjetivos Elementos Desejo materno Elementos objetivos Orientações atualizadas PEDIATRA em Apoio suas escolhas Atendimento individualizado do seu bebê
Figura1 Osentidodasorientac¸õespediátricasnomomentodaconsultanoconceitodoempoderamentomaterno.
aconselhamento, o que poderia resultar numa mudanc¸a positiva na expressão de sua empatia. Por outro lado, o pediatraémassificadoporumatendimentobaseadona pro-dutividadeequenãolhedeixatempohábilparaconversar comamãe,parteintegraldasuaconsultapediátrica.
Duranteo períododalicenc¸a maternidade,geralmente os primeiros quatro meses de vida do bebê, as mães participam ativamente dos grupos virtuais em busca de ajuda, orientac¸ão e principalmente apoio imediato pela disponibilidade de tempo e fácil acesso às redes sociais virtuais. As mães também partilham nos grupos constan-tementeo que vários pediatrasorientaram deummesmo assunto;trazemsuasdúvidas,acrescentamconhecimentos adquiridosdapresentequestãopormeiodasbuscasvirtuais, avaliam essas informac¸ões com base em suas experiên-ciaspessoaise,geralmentenapróximaconsulta,discutem comopediatraaquiloquedescobriram denovoouoptam pormudardepediatrae atéabandonaroatendimento,se suapercepc¸ãofornegativaem relac¸ãoaosconhecimentos adquiridos.As mães semostramcapazes deavaliar setal informac¸ãoésegura,sãocadavezmaiscríticascomo con-teúdodisponível, optam por sites confiáveis; e isso sóse tornoupossível por meiodo surgimento das redes sociais virtuais.SegundoBartlett,16 a seguranc¸adamãedo
aten-dimentopediátricoéfortalecidaquandosãoconfirmadose
reconhecidossuas experiênciaspessoais maternas eo seu
empoderamento pessoal. O empoderamento materno em
rede é um poderosoinstrumento facilitador dapromoc¸ão
dasaúdematerno-infantil.
Segundoosdados,háumcomportamentorecorrentena
maioriadasfalasdasmãessobreaconstantereflexãoentre
asorientac¸õespediátricasrecebidaseoconhecimentodas
recomendac¸ões dos órgãos de saúde nacionais e
interna-cionais, por meio do acesso livre a essas informac¸ões na
Internet. No discurso das mães do estudo, a constatac¸ão
damaiorianegativadasrespostas---emqueasorientac¸ões
pediátricas para asmães eram desatualizadas e não
con-dizentescomseuconhecimentoadquirido---dificultarama
relac¸ãodoatendimentoedoacompanhamentodobebê.Isso
sedeveuaofatodesurgirdesconfianc¸aentreasinformac¸ões
quesanaramsuasdúvidaseoconfrontodanãoconfirmac¸ão
dasmesmasnomomentodaorientac¸ãopediátrica,hipótese
sustentadanoestudodeBerkel.17
Por meio do apoio à mãe e de uma escuta sensível
porparte dosprofissionaisdesaúde,pode-seconcluir que
o empoderamentomaterno é umaferramentaimportante
paraqueamãeexerc¸aumamaternidadeatentaàsua
vivên-ciadiárianaobservac¸ãoenocuidadodoseubebê.Ninguém
melhordoqueelaconheceprofundamenteobebê---oseque
passacomeleesuaspeculiaridades.Amãeé,portanto,uma
observadora assídua e fundamental como figura de apoio
paraaqualidadedoatendimentodispensadopelopediatra.
Nesteestudo, foipossível identificaroprocesso do
empo-deramentomaternocomosuportenessarelac¸ão,emqueo
primeiropassoéaavaliac¸ãodasmãesdasorientac¸ões
rece-bidas; o segundo, o confrontoentreteoria e prática com
basenoseuempoderamentopessoale,porúltimo,o
desen-volvimento de umolhar crítico por meioda aquisic¸ão do
conhecimentoagoraadquiridopormeiodosgruposdeapoio
virtuais.
Aslimitac¸õesdesteestudoreferem-seànecessidadeda
elaborac¸ãodeuminstrumentoespecíficoparavalidac¸ãodo
graudeempoderamentomaternoeàfeituradefuturos
estu-dospara reforc¸ar osresultados destapesquisa. Naanálise
de mulheres de oitopaíses,os indicadores de
empodera-mentonãosãotodossemelhantesemtermosmetodológicos,
é necessáriaacriac¸ãodeumaquantificac¸ãodos
indicado-resdoempoderamentoparaumacorretaavaliac¸ão,poisa
incapacidade de uma abordagem meramente estatística
Conhecerocomportamentodoempoderamentomaterno
esuapráticaérelevanteparacompreenderporque,cada
vezmais,asmãestêmusadoasredessociaisparapartilhar
suaspercepc¸ões,vivênciaseseussaberessobrea
materni-dadeeoatendimentopediátrico.Valelembrarqueasaúde
infantilestáintimamenterelacionadaàsdecisõesdasmães
emfunc¸ãodasinstruc¸õespediátricaspercebidas.
Financiamento
Coordenac¸ãodeAperfeic¸oamentodePessoaldeNível Supe-rior(Capes/Setec---n◦33003017054Brasil).
Conflitos
de
interesse
Osautoresdeclaramnãohaverconflitosdeinteresse.
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