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A escola para além da aprendizagem : Por uma cocepçâo democrática de educaçâo escolar

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Academic year: 2020

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I ENCUENTRO INTERNACIONAL DE EDUCACION

Espacios de investigación y divulgación

29, 30 Y 31 de octubre de 2014

NEES – Facultad de Ciencias Humanas – UNCPBA

Tandil – Argentina

II.3.Teoría crítica de educación: democracia y formación de la ciudadanía.

A ESCOLA PARA ALÉM DA APRENDIZAGEM:

POR UMA CONCEPÇÃO DEMOCRÁTICA DE EDUCAÇÃO ESCOLAR1

MORELLO, Eduardo Universidade de Passo Fundo – UPF/Brasil morelloedu@yahoo.com.br

Introdução

Na linguagem educacional contemporâneo prevalece o conceito de “aprendizagem” como substituto, em grande parte, do conceito de “educação”. Essa substituição resultou em certo ganho educacional, no sentido de que a predominância até então de uma linguagem da educação teria sido um entrave para outras compreensões tornadas possíveis com a “nova linguagem da aprendizagem”. Entretanto, com a ascensão da “nova linguagem da aprendizagem” algo se perdeu em termos educacionais, tais como a questão sobre o conteúdo, objetivo e rumos (finalidade) da educação.

As razões dessa perda referem-se, primeiramente, a dimensão relacional ou

intergeracional da educação, que tende a desaparecer, uma vez que a aprendizagem centra-se

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no aprendente, enquanto indivíduo, configurando-se em um conceito “individualista”. Isto é, a aprendizagem ao centrar-se no indivíduo, faz com que o papel desempenhado pela instituição escolar e professores seja de “facilitar” o máximo possível a satisfação das necessidades do aprendente. Desta forma, há a suspensão da dimensão intergeracional, “entre” as gerações velhas e novas, na medida em que predomina certa unilateralidade: das necessidades do aprendente ao seu “provimento” pela instituição escolar, particularmente, pelo professor.

Em segundo lugar, a aprendizagem denota o termo “processo”, o qual significa algo interminável e sem fim ou sem finalidade. (Isso explica o fato de os indivíduos estarem em época recente sujeitos a aprendizagem ao longo de toda a vida, bem como a importância coloca, a não muito tempo, na expressão “aprender a aprender”). Além do mais, a aprendizagem enquanto processo torna ausente o conteúdo, ou eles passam a ocupar um lugar secundário, em virtude da centralidade em “habilidades” e “competências”, as quais devem estar em consonância com as exigências de uma ordem social vigente ou futuramente projeta. Neste viés, a “nova linguagem da aprendizagem” parece facilmente conectar-se a uma época e sociedade marcadas pelo capitalismo global, o qual, por sua vez, torna uma posição contingente da subjetividade – o sujeito consumidor, como inevitável e única, sem que haja possibilidade para o surgimento de outros sujeitos. Do ponto de vista educacional, as relações entre as gerações convertem-se em “transação econômica”: o professor torna-se “provedor” e os estudantes “consumidores” e “clientes”. Também, a escola converte-se em um “ambiente de aprendizagem”, no qual as novas gerações (crianças, adolescentes e jovens) são “mantidas pequenas”, pois fazem com que elas acreditem ser o “centro das atenções, que suas experiências pessoais são o solo fértil para um novo mundo, e que as únicas coisas que têm valor são as que eles valorizam” (MASSCHELEIN; SIMONS, 2013, p. 107). Isso coincide com o consumidor, em que espera e exige o atendimento imediato de suas necessidades e expectativas. Por outro lado, as velhas gerações (pais e professores) são “minorizados” ou “infantilizados”, uma vez que se desresponsabilizam frente as novas gerações

Diante desse cenário, a “nova linguagem da aprendizagem” conectada ao capitalismo global, converte a escola em “ambiente de aprendizagem”, a qual acaba por “produzir” um tipo particular de subjetividade – o sujeito consumidor, arrancando das mãos das novas gerações a possibilidade de realizarem, conforme sua vontade e desejabilidade, a pluralidade de “humanidades”, nas quais elas são potencialmente portadores. Trata-se de arrancar das mãos das novas gerações a oportunidade de iniciarem novos começos em meio a outros inícios, portando, elas ficam impossibilitadas de agirem. Ocorre que, sem agir, não é possível

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199). Então, uma escola que nega as novas gerações a oportunidade de agir, e, portanto, de ser

sujeito, não nunca poderia ser chamada de democrática.

Se a escola enquanto “ambiente de aprendizagem”, apesar de centrada no estudante, paradoxalmente, impossibilita-o de agir, então que tipo de escola ou de educação escolar faz-se necessário para que os estudantes – crianças, adolescentes e jovens – possam agir, ser

sujeitos? E, que aspectos da condição humana essa escola, que pretende ser democrática, deveria estar sempre atenta?

Em resposta, busca-se compreender, na primeiramente, o novo sentido dado a educação escolar a partir da ascensão da “nova linguagem da aprendizagem” conectada ao capitalismo global, que possibilitaram a transformação da escola em “ambiente de aprendizagem”, apoiando-se, sobretudo, no diagnóstico de Biesta (2013) e Masschelein e Simons (2013). Na segunda parte, procuro argumentar a partir do pensamento de Hannah Arendt, no sentido de que a educação escolar não deve “produzir” um tipo particular de subjetividade, como ocorrera no passado com a educação moderna, baseada em uma concepção “humanista-iluminista” – que sustentava a possibilidade de realizar ou liberar uma “essência” ou “natureza” humana conhecida de antemão, através da educação – nem tampouco como acontece contemporaneamente com a “nova linguagem da aprendizagem”, que tende a “produzir” um tipo particular de subjetividade, a do sujeito consumidor. Trata-se, então, de abordar (hipótese) a educação escolar sem determinar previamente um tipo particular de subjetividade, senão de considerar a vinda de novos seres humanos ao mundo, enquanto seres únicos e singulares, portadores da possibilidade de iniciarem novos começos em meio a outros inícios, portanto, capazes de agirem, tornando-se sujeitos. Mas a ação somente é possível na presença de outros, na “pluralidade de seres únicos” (ARENDT, 2010, p. 220). Essa pluralidade carrega em sim mesma uma pluralidade de “humanidades”, que serão iniciadas ou continuadas com outros inícios conforme a vontade e desejabilidade de cada nova geração, sem que uma posição contingente de ser sujeito – o sujeito consumidor -seja toma como única a ser desejável e realizável. Em última instância, busco indicar que uma concepção democrática de educação escolar deve sempre estar atenta ao fato de que para tornar-se sujeito é necessário não só agir na presença de outros, mas também de espaços para a ação.

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A transformação da escola em um “ambiente de aprendizagem” decorre mais amplamente de uma era da aprendizagem, sendo sua manifestação em uma “nova linguagem da aprendizagem”. Neste sentido, é preciso considerar a importância da linguagem para a educação, no sentido de que ela torna possível algumas maneiras de dizer e fazer, e outras difíceis, ou, até mesmo, impossíveis. Conforme Biesta, “essa é uma razão importante pela qual a linguagem importa para a educação, porque a linguagem – ou as linguagens – existente para a educação influencia em grande medida o que pode ser dito e feito, e também o que não pode ser dito e feito” (BIESTA, 2013, p. 29-30).

Nesta direção, a ascensão da “nova linguagem da aprendizagem”, tornou possível, de um lado, expressar ideias e compreensões antes difíceis de articular por meio da linguagem da educação, mas, por outro lado, tornou igualmente difícil compreender a complexidade dos processos e relações educacionais, assim como a questão sobre o que a educação é ou deveria ser. Desta forma, o declínio da linguagem da educação a ascensão da aprendizagem algo se perdeu (BIESTA, 2013, p. 30, grifo do autor). Diante disso, surgem, ao menos, duas questões: em que consiste essa “nova linguagem da aprendizagem”? O que possivelmente se perdeu na mudança da linguagem da educação para a linguagem da aprendizagem no que se refere a escola?

A ascensão do conceito de “aprendizagem”, segundo Biesta (2013, p. 34), não se origina de um processo particular, nem tampouco de uma única agenda subjacente. Mas antes, necessita ser compreendido como um conjunto de eventos que se seguiram, e que, às vezes, apresentam-se contraditórios entre si. Tais eventos são traduzidos em quatro tendências:

A primeira tendência refere-se as “novas teorias da aprendizagem”, a partir das quais se tem questionado o fato de que a aprendizagem não corresponderia à absorção passiva de informações, mas sim, o conhecimento e a compreensão são ativamente construídos pelo aprendente, quase sempre em cooperação com outros aprendentes. Isso resulta na atenção centrada nas atividades do aprendente, relegando, a um segundo plano, as atividades do professor. Nessa perspectiva, a aprendizagem tornou-se muito mais importante para o entendimento acerca do processo da educação, o que antes não teria sido possível com a predominância de uma linguagem da educação (BIESTA, 2013, p. 34).

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autores argumentaram que o projeto da educação é um projeto inteiramente moderno, intimamente ligado à herança do Iluminismo” (BIESTA, 2013, p. 35). Esse discurso pós-modernista tende a colocar em xeque a educação enquanto um projeto moderno, e, portanto, Iluminista, na medida em que a sua interpretação evidência o fato de que existiria, segundo tal projeto, uma “natureza humana” chamada racionalidade, e a educação seria responsável em emancipar os estudantes, mediante a liberação desse potencial racional intrínseco a cada um. Mas como, os “pós-modernistas” anunciam o fim da educação (moderna-iluminista), restaria somente a aprendizagem (BIESTA, 2013, p. 35).

A terceira tendência consiste na “explosão silenciosa” da aprendizagem adulta, a qual torna possível a “nova linguagem da aprendizagem”, mas agora, não como resultado apenas de mudanças teóricas e conceituais, senão do simples fato de que, cada vez mais, as pessoas gastam tempo e dinheiro em diferentes tipos e formas de aprendizagem, dentro e fora de instituições formais de educação. Nesse sentido, tem ganhado força, sobretudo, os ambientes não formais e o surgimento de um novo nicho de mercado, baseado, em grande medida, na aprendizagem individual (como, por exemplo, os diversos cursos na modalidade EaD, os livros de autoajuda, os variados sites, blogs, vídeos do You Tube, nos quais se pode aprender “sem sair de casa”, com apenas alguns cliques, etc.). Desta forma, a “explosão silenciosa” tem como uma de suas características principais o fato de que a nova aprendizagem é muito mais individualista, tanto na sua forma quanto em seu conteúdo. Segundo Biesta, “a natureza individualista e individualizada das atividades a que os novos aprendentes adultos se dedicam ajuda a compreender por que a palavra “aprendizagem” tornou-se um conceito tão apropriado para descrever essas atividades” (BIESTA, 2013, p. 35-36).

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cultura focaliza, além da prestação de contas, no usuário ou consumidor do serviço educacional, no caso o aprendente.

Essas quatro tendências certamente ajudam a compreender o surgimento da “nova linguagem da aprendizagem”. Mas, o que torna essa nova linguagem mais problemática refere-se ao fato de que ela possibilita com certa facilidade a descrição dos processos educativos, engendrado na escola, enquanto “transação econômica”. Isso significa que, os aprendentes passam a ser considerados consumidores, em razão disso, possuem “necessidades” a serem atendidas, por um lado, e, por outro, o professor e a escola são vistos como provedores ou responsáveis em “satisfazer” as necessidades dos aprendentes; e a própria educação se transformaria em uma mercadoria, uma coisa, a ser fornecida ou entregue facilmente pelo professor e a escola ao aprendente, que a consumiria sem maiores esforços. Com efeito, os professores e a escola devem ser mais flexíveis, devem prestar contas de seu serviço, e responder as “necessidades” do aprendente, visto que enquanto consumidor ele sempre tem razão (BIESTA, 2013, p. 37-38).

Nessa lógica, destaca-se a função requerida ao professor e a escola, de responder as “necessidades” do mundo da vida do aprendente (consumidor), sempre à custa de um mundo público, comum e plural. Isto porque, as “necessidades” predefinidas do aprendente assemelham-se as necessidades dos consumidores, os quais, por sua vez, sempre sabem o que desejam ou querem. (Ocorre que, no caso dos consumidores muitas de “suas” necessidades são criadas pela publicidade, senão também pelas forças do mercado). Da mesma forma, supõe-se que os estudantes saberiam o que desejam e/ou querem aprender, tornando virtualmente impossível propor questão sobre o conteúdo e o objetivo da educação, sendo que as únicas questões a serem propostas são técnicas, isto é, questões sobre a eficiência e a eficácia do processo educacional. Nesse sentido, a questão sobre o conteúdo e o objetivo da educação não só se torna “individualizada”, mas também está sujeita as forças do mercado (BIESTA, 2013, p. 41-42).

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a preocupação com um bem-estar raso e estéril – que preenche todas as necessidades e desejos vitais, mas não deixa mais espaço para as paixões nem para o desejo daquilo que não é alcançável de imediato – tem refletido numa educação que evita, na medida do possível, expor o aluno a eventuais frustrações e, muitas vezes, até tenta resguardá-lo de fazer algum esforço. Assim, por exemplo, entre as metodologias de ensino, as que pregam uma aprendizagem lúdica, fácil e prazerosa têm sido privilegiadas (ALMEIDA, 2011, p. 69).

Então, a questão sobre o conteúdo e o objetivo da educação acaba, quando não impossível de se propor, esvaziada de seu sentido ético-político, “humano”, pois se transforma em uma questão de preferência individual, pertencente ao domínio privado, deixando de ser tratada como questão fundamentalmente política, ou seja, pública e comum a todos. Isto decorre do fato de que a aprendizagem é um conceito “individualista”, isto é,

ele se refere ao que as pessoas, como indivíduos, fazem – mesmo que fundamentado em noções como aprendizagem colaborativa ou cooperativa. Contrapõe-se assim, nitidamente, ao conceito de “educação”, que sempre implica relação: alguém educando outra pessoa e a pessoa que educa tendo uma determinada noção de qual finalidade de suas atividades. O segundo problema é que a aprendizagem é basicamente um termo de processo. Ele denota processo e atividades, mas está aberto – se não vazio – em relação ao conteúdo e aos rumos. Isso ajuda a explicar por que a ascensão de uma nova linguagem da aprendizagem tornou mais difícil fazer perguntas sobre conteúdo, propósito e rumos da educação (BIESTA, 2014 [2012], p. 817).

Primeiramente, a questão sobre o conteúdo e o objetivo da educação são fundamentalmente questões políticas (e, portanto, pública e comum a todos) em sentido arendtiano, pois a educação implica em uma relação intergeracional, isto é, os adultos – no caso os professores – representam e respondem pelas velhas gerações as novas gerações – os estudantes –, por um mundo público e comum. Eles são representantes do mundo, na medida em que o herdaram das gerações precedentes, mas agora eles dão testemunho dele em relação aos recém-chegados. Eles também respondem pelo mundo diante das novas gerações por tudo aquilo que aconteceu nele tanto em seus aspectos desejáveis quanto em seus aspectos indesejáveis. Nesse sentido, os adultos (professores) tornam-se responsáveis pelo mundo, na medida em que tem a tarefa de introduzir os recém-chegados, as crianças, adolescentes e jovens (estudantes) em um mundo comum, legando a eles a herança – conservada e renovada – das gerações passadas.

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Neste aspecto, há sem dúvidas uma suspenção da relação: entre adultos e crianças, adolescentes, jovens; entre as velhas gerações e as novas gerações; entre professores e estudantes.

Em segundo lugar, a aprendizagem ao denotar o termo “processo”, significa algo interminável e sem fim ou sem finalidade, o que pode explicar o fato de os indivíduos estarem em época recente sujeitos a aprendizagem ao longo de toda a vida. Enquanto processo ela também torna ausente o conteúdo, ou em todo caso, os conteúdos acabam ocupando um lugar secundário em relação ao desenvolvimento de certas “habilidades” e “competências”, as quais estão quase sempre conectadas a uma determinada ordem social ou a um futuro projetado, por meio da educação.

A partir desse cenário, a tendência é de substituir a antiga escola como instituição, baseada na transferência e centrada no professor, considerada anacrônica e “fora de moda”, por uma escola convertia em “ambiente de aprendizagem” e centrada nos alunos. A escola como “ambiente de aprendizagem” tende a substituir a crença na tradição e na transferência pela crença no poder criativo do indivíduo e na singularidade do aprendiz (MASSCHELEIN; SIMONS, 2013, p. 107). Porém, ao centrar-se no aluno, esse ambiente de aprendizagem acaba negando a possibilidade de os recém-chegados virem a iniciar novos começos no mundo, de agirem, pois eles são jogados de volta ao seu mundo da vida imediato, sem que alguém (adultos, pais ou professores) possam tirá-los de lá. Aqui, a figura da pessoa adulta, em particular, do professor, quando a sua presença não é dispensada totalmente, resume-se a ser um “facilitador” da aprendizagem. Isso decorre da centralidade na pessoa do aluno – suas necessidades, experiências, talentos, motivações e aspirações, tornam-se ponto de partida e final.

Nesta perspectiva, a relação entre as novas gerações e as velhas gerações, reunidas e separadas outrora por um mundo comum, é rompida, de modo a não haver o confronto entre elas. Na ausência desse confronto, os recém-chegados são mantidos “pequenos”, num “eterna” infância e, portanto, infantilizados. Em tal ambiente, os estudantes tornam-se escravos de suas necessidades imediatas. Em direção semelhante Arendt aponta (e complementa):

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De outro lado, o mesmo parece ocorrer com a pessoa do adulto, isto é, trata-se da “minorização” ou a “infantilização” do adulto – do professor, na medida em que ele se desresponsabiliza frente aos recém-chegados, crianças, adolescentes e jovens. Trata-se do fato dos adultos não assumirem a responsabilidade pelo mundo e pelas novas gerações.

Essa responsabilidade não é imposta arbitrariamente aos educadores; ela está implícita no fato de que os jovens são introduzidos por adultos em um mundo em contínua mudança. Qualquer pessoa que se recuse assumir a responsabilidade coletiva pelo mundo não deveria ter crianças, e é preciso proibi-la de tomar parte em sua educação (ARENDT, 2011, p. 233).

Diante da “nova linguagem da aprendizagem”, em particular, a escola transformada em “ambiente de aprendizagem”, poderia lançar a questão acerca de que tipos de subjetividade são tornadas possíveis em tal ambiente? Uma possível resposta pode ser fornecida na medida em que a “nova linguagem da aprendizagem” parece facilmente estabelecer um tipo de subjetividade conectada como uma ordem social vigente, a saber, o capitalismo global. Conforme Biesta,

Educacionalmente, a característica mais notável do capitalismo global é que ele “produz” um tipo particular de subjetividade ou, para ser mais preciso, está principalmente interessado numa possível posição-do-sujeito, a saber, a do sujeito como consumidor […] O capitalismo global não está interessado em diferenças individuais […] nem está interessado em diferentes modos ou modelos de subjetividade. A esse respeito, o capitalismo global ameaça as oportunidades para que existam maneiras diferentes de ser um sujeito, diferentes modos de levar a vida e ser humano. Tende a transformar uma posição contingente do sujeito – o sujeito como consumidor – em algo que é inevitável e quase se torna natural; um modo de subjetividade para o qual não há alternativa (BIESTA, 2013, p. 139).

Nesta perspectiva, parece impossível da escola abrir-se a outras possibilidades de subjetivação, de tornar-se sujeito, a não ser a de sujeito consumidor. Deste modo, a escola ao assumir tal discurso da aprendizagem tem como pré-definido o que cada indivíduo deve se tornar – “consumidor” – negando a possibilidade de manifestarem quem são, a sua singularidade, pois não há mais espaço para ser sujeito, para agir, nem tampouco a presença de outros seres plurais, apenas a uniformização dos indivíduos em “consumidores” com as mesmas necessidades, expectativas, exigências, ditadas pelo mercado.

Diante disso, cabe retomar as questões do início: que tipo de escola, em particular, de

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2. Para além da aprendizagem: por uma concepção democrática de educação escolar

Antes de qualquer coisa, um concepção de escola, ou mais precisamente, de educação escolar, que pretenda ser democrática, deve ir mais além da aprendizagem, da produção de um tipo bem particular de subjetividade, a do sujeito consumidor. Por outro lado, uma concepção democrática de educação escolar não deve “preparar” os recém-chegados para serem pessoas democráticas, nem tampouco inserir (ou adaptar) eles a uma ordem social existente ou futuramente projetada (uma “sociedade democrática”). Em todo caso, resultaria em uma concepção instrumentalista e “individualista” de educação escolar democrática: instrumentalista no sentido de que a educação torna-se um meio para realizar a democracia; e “individualista” no sentido de que para realizar a democracia é preciso equipar cada indivíduo com um conjunto de conhecimentos, habilidades e competências democráticas (BIESTA, 2013, p. 158-159). Neste viés, cria-se em relação a escola expectativas irrealistas na medida em que ela é responsabilizada e sobrecarregada com o peso do futuro da democracia, eximindo d responsabilidade a sociedade em geral. A esse respeito, “as escolas não podem nem criar, nem salvar a democracia. Só podem sustentar sociedades em que a ação democrática e a subjetividade democrática sejam possibilidades reais” (BIESTA, 2013, p. 160).

Desta forma, as escolas que pretende realizar uma educação democrática devem estar sempre atenta a dois aspectos da condição humana que se relacionam diretamente com a ação, a saber: a natalidade e a pluralidade. A natalidade não corresponde somente ao nascimento, do ponto de vista estritamente biológico, mas, sobretudo, o fato de que novos seres humanos ingressam em um mundo, que existia antes de sua chegada e continuará a existir a sua partida, trazendo consigo a capacidade de iniciar novos começos, de agir. Assim sendo, “o novo começo inerente ao nascimento pode fazer-se sentir no mundo somente porque o recém-chegado possui a capacidade de iniciar algo novo, isto é, agir” (ARENDT, 2010, p. 10). É, portanto: “o fato da natalidade, no qual a faculdade da ação radica ontologicamente” (ARENDT, 2010, p. 308). Neste sentido, cada ser humano que nasce é um início e um iniciador:

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possível porque cada homem é único, de sorte que, a cada nascimento, vem ao mundo algo singularmente novo (ARENDT, 2010, p. 221-223).

Assim, a natalidade não só corresponde ao nascimento de novos sujeitos singulares, portadores da capacidade de agir, de iniciar novos começos no mundo. Mas, esses novos começos dependem também de outros começos. Isto é, para agir, para ser sujeito, faz-se necessário que outros reajam ao início de cada um. Ao reagir sobre outros inícios se é sujeito. Porém, não há como prever a reação dos outros sobre os inicios de cada um, e vice-versa. Caso tentassem, cada um se transformaria em um instrumento para alcançar os objetivos do outro. Nesta direção, cada qual destruiria as oportunidades suas e dos outros de agirem e, portanto, as oportunidades de serem sujeitos. Do ponto de vista educacional, significaria que as gerações mais velhas poderiam, na intenção de preparar os recém-chegados para a democracia, fazê-los um instrumento para alcançar seus objetivos. Conforme adverte Arendt “preparar uma nova geração para um mundo novo só pode significar o desejo de arrancar das mãos dos recém-chegados sua própria oportunidade face ao novo” (ARENDT, 2011, p. 226).

Concomitantemente, a condição humana da pluralidade relaciona-se diretamente com a natalidade e, portanto, com a ação, uma vez que, cada um que nasce é um novo sujeito singular. Neste sentido, “a pluralidade é a condição da ação humana porque somos todos iguais, isto é, humanos, de um modo tal que ninguém jamais é igual a qualquer outro que viveu, vive ou viverá” (ARENDT, 2010, p. 9-10). Deste modo, a ação somente é possível na presença de outros, na pluralidade de seres singulares. Da mesma forma, somente é possível ser sujeito na pluralidade.

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considerar a existência de uma “natureza humana” comum a todos os seres humanos, isto é, na “ausência de mundanidade e realidade, é fácil concluir que o elemento comum a todos os homens não é o mundo, mas a “natureza humana” de tal e tal tipo” (ARENDT, 2008, p. 20). Deste modo, o elemento comum a todos os seres humanos não é uma dada “natureza humana”, mas o mundo, sendo que eles não são um fenômeno natural, mas sim um fenômeno mundano (ou um fenômeno do mundo), pois, o que torna possível a existência propriamente humana é o fato de ela estar relacionada a existência de um mundo comum.

Assim, uma escola que pretende ser democrática deve estar sempre atenta a essas dois aspectos da condição humana, a natalidade e a pluralidade. Condições essas, fundamentais para que seja possível a ação e, portanto, para tornar-se sujeito. Mas também deve estar sempre atenta aquilo que com muita precisão aponta Almeida,

pouco interessa quem é o professor e sua relação com o mundo, se pelo menos souber aplicar os métodos prescritos ou seus alunos obtiverem os conhecimentos necessários para os provões, vestibulares e outras avaliações de larga escala. Quanto aos alunos, sabemos o que são: ricos ou pobres, negros ou brancos, onde moram e os conhecimentos que possuem ou não, mas muitas vezes, ninguém sabe quem são os alunos, já que as condições de trabalho e o modo de funcionamento da escola fazem com que o professor nem sequer saiba o nome deles. Numa educação anônima não há pessoas que se revelam, nem experiências sobre as quais possamos pensar e nas quais possamos encontrar algum sentido para a educação (ALMEIDA, 2011, p. 225).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, Vanessa Sievers de. Educação em Hannah Arendt: entre o mundo deserto e o amor ao mundo. São Paulo: Cortez, 2011.

ARENDT, Hannah. Responsabilidade e Julgamento. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

___. O que é política?7 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007.

___. Sobre a humanidade em tempos sombrios: reflexões sobre Lessing. In: __. Homens em tempos sombrios. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

___. A condição humana. 11 ed. Trad. Roberto Raposo e rev. Adriano Correia. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010.

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ASSIS CÉSAR, Maria Rita de; DUARTE, André. Hannah Arendt: pensar a crise da educação no mundo contemporâneo. Educação e Pesquisa, São Paulo, vol. 36, n. 3, pp. 823-837, set./dez., 2010.

BIESTA, Gert. Para além da aprendizagem: educação democrática para um futuro humano. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013. (Coleção Educação: Experiência e Sentido).

____. Boa educação na era da mensuração. Caderno de Pesquisa [online]. 2012, vol.42, n.147, pp. 808-825. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/cp/v42n147/09.pdf> Acesso em: 13 jan. 2014

LEFORT, Claude. Formação e autoridade: a educação humanista. In:__. Desafios de escrita política. São Paulo: Discurso editorial, 1999. p. 207-223. (Coleção Clássicos & Comentadores)

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