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Artigo
Original
Tratamento
cirúrgico
do
pé
equinovaro
mielodisplásico
夽
Alexandre
Zuccon
∗,
Sérgio
Inácio
Cristiano
Cardoso,
Fábio
Peluzo
Abreu
e
Antonio
Carlos
Fernandes
Associac¸ãodeAssistênciaàCrianc¸aDeficiente(AACD),SãoPaulo,SP,Brasil
informações
sobre
o
artigo
Históricodoartigo: Recebidoem19dejulhode2013 Aceitoem29deoutubrode2013 On-lineem27dejunhode2014 Palavras-chave: Mielomeningocele Pétorto Deformidadesadquiridasdopé
r
e
s
u
m
o
Objetivo:Analisarosresultadosentre1984e2004emnossainstituic¸ãodotratamento cirúr-gico de 69 pésequinovaros em 43 pacientes portadores de mielodisplasia segundo os critériosclínicoeradiográfico.
Métodos:Estudoretrospectivocomanálisedeprontuário,radiografiaseconsultacom paci-entesportadoresdemielomeningocelequeforamsubmetidosacorrec¸ãocirúrgicadepés equinovaros.Atécnicacirúrgicafoialiberac¸ãoposteromediolateral(LPML)radicalassociada ounãoatalectomia.
Resultados: Amédiadeidadenaépocadacirurgiafoidequatroanosedoismeseseo segui-mentomédiopós-operatório,de seteanosedoismeses.Foramencontrados resultados satisfatóriosem73,9%dospéseinsatisfatóriosem26,1%(p<0,0001).
Conclusão:Adeformidaderesidualnopós-operatórioimediatoestárelacionadacom resul-tadosinsatisfatórioseaaberturadoângulodeKite(talocalcaneano)nospéssubmetidos somenteaLPML,alémdoposicionamentoadequadodocalcâneo,noscasosemquefoifeita atalectomia,éoparâmetroradiográficorelacionadoaosresultadossatisfatórios.
©2014SociedadeBrasileiradeOrtopediaeTraumatologia.PublicadoporElsevierEditora Ltda.
Surgical
treatment
for
myelodysplastic
clubfoot
Keywords:
Myelomeningocele Clubfoot
Acquireddeformitiesofthefoot
a
b
s
t
r
a
c
t
Objective:Toanalyzetheresultsfromsurgicaltreatmentof69casesofclubfootin43 pati-entswithmyelodysplasiaaccordingtoclinicalandradiographiccriteria,atourinstitution between1984and2004.
Methods:Thiswasa retrospectivestudy involvinganalysisofmedicalfiles,radiographs andconsultationsrelatingtopatientswhounderwentsurgicalcorrectionofclubfoot.The surgicaltechniqueconsistedofradicalposteromedialandlateralreleasewithorwithout associatedtalectomy.
夽TrabalhodesenvolvidonaAssociac¸ãodeAssistênciaàCrianc¸aDeficiente(AACD),SãoPaulo,SP,Brasil.
∗ Autorparacorrespondência.
E-mail:alezuccon@hotmail.com(A.Zuccon).
http://dx.doi.org/10.1016/j.rbo.2013.10.014
0102-3616 ©2014SociedadeBrasileiradeOrtopediaeTraumatologia.PublicadoporElsevierEditoraLtda.
Este é um artigo Open Access sob a licença de CC BY-NC-ND
Results: Thepatients’meanageatthetimeofthesurgerywasfouryearsandtwomonths, andthemeanlengthofpostoperativefollow-upwassevenyearsandtwomonths. Satisfac-toryresultswereachievedin73.9%ofthefeetandunsatisfactoryresultsin26.1%(p<0.0001). Conclusion: Residualdeformityintheimmediatepostoperativeperiodwasassociatedwith unsatisfactoryresults.OpeningoftheKite(talocalcaneal)angleinfeetthatonlyunderwent posteromedialandlateralrelease,alongwithappropriatepositioningofthecalcaneusin casesthatunderwenttalectomy,wastheradiographicparameterthatcorrelatedwith satis-factoryresults.
©2014SociedadeBrasileiradeOrtopediaeTraumatologia.PublishedbyElsevierEditora Ltda.
Introduc¸ão
Existem diversas formas de apresentac¸ão dos defeitos de fechamento dotubo neural, como mielomeningocele, mie-locele, meningocele elipomeningocele.Essasafecc¸ões têm emcomumodefeitonafusãodoselementosposterioresda colunavertebral,associadoàdisplasiamedular.1
A incidência mundial de mielomeningocele é de
1:1000nascidosvivos,emmédia.1
Adisplasiamedular, oumielodisplasia,podeocorrerem diversos graus e comprometer vários órgãos e sistemas, como musculoesquelético, geniturinário, digestivo e neu-rológico, e cursar com hidrocefalia em 90% dos casos de mielomeningocele.1,2
Ainervac¸ãodosmembrosinferioresécomprometidaegera paralisiamotoraesensitiva,desequilíbriomusculare defor-midades.
Opé,nessaafecc¸ão,ésedefrequentededeformidades.3–6 EmestudofeitonaClínicadeMielomeningoceledenosso hos-pital,adeformidade maisprevalentefoi oequinovaro, que totalizou31%dos480pésavaliadosaleatoriamente.1
O pé equinovaro mielodisplásico é uma das alterac¸ões associadasmaisfrequentes,dedifíciltratamentoecomaltas taxasdecomplicac¸ões.3–5
O tratamento conservador com gessos seriados pelo
métododePonsetiempésmielodisplásicostemaumentado suapopularidade entreos ortopedistas pediátricos, porém ainda não existe evidência científica, até o momento, em relac¸ãoàmanutenc¸ãoemlongoprazodacorrec¸ãoobtidae, portanto,éotratamentocirúrgicoaindausado.1,7–9Na litera-turahárelatosdesdeprocedimentosqueenvolvemliberac¸ões departesmoles comalongamentostendíneosatécirurgias ósseasmaisagressivas,comoatalectomia.3,10–13
O objetivo do presente estudo foi avaliar os resultados dotratamentocirúrgicodopéequinovaromielodisplásicona nossainstituic¸ãodeoutubrode1984aoutubrode2004e rela-cionarasdeformidades, atécnica cirúrgica eosresultados obtidos.
Material
e
método
Foi feito um estudo retrospectivo e foram analisados os prontuáriosdospacientesportadoresdepéstortos mielodis-plásicos.Aseguir,foramconvocadosparaavaliac¸ãoclínicaos
pacientessubmetidosemnossoservic¸oaotratamento cirúr-gicodepés,deoutubrode1984aoutubrode2004,deacordo comnossobancodedados.
Nãofoifeitaclassificac¸ãonoquedizrespeitoàgravidade dasdeformidades.
Os critérios de inclusão foram: 1) pacientes portadores demielodisplasiacompésequinovarosdesdeonascimento e sem tratamento cirúrgico prévio; 2) seguimento pós--operatóriomínimodedoisanos.
Foram excluídos os pacientes com os quais não
con-seguimos contato, com dados insuficientes ou que não
compareceramàavaliac¸ãoclínica.
A técnica cirúrgica usada foi a liberac¸ão posteromedio-lateral (LPML) associada ou não a talectomia eem alguns pés tambémfoi feitooencurtamentodacolunalateral.As incisões usadas foram a dupla via (uma posteromedial e outra lateral) e foi usada a via de Cincinatti nos pés que tinham equino≤ 30◦ (24,6%). Foram efetuadas tenotomias comressecc¸ãodecercade2cmdostendõescalcâneo,flexor longohálux,flexorcomumdedos,tibiaisposterioreanterior eabdutordohálux.Fizeram-seentãoascapsulotomias pos-teromediolateraisdatibiotársicaedosubtalar,incluindoos ligamentosinterósseo,talonavicular,calcaneocuboídeo, navi-culocuneiforme e cuneometatársico. Quando areduc¸ão da deformidade doretropé,após essesprocedimentos, nãofoi possívelouquandootálusestavamuitodeformado, optou--se pela talectomia. Noscasos emque a deformidade em aduc¸ão persistiu após os procedimentos, foi feitoainda o encurtamentodacolunalateral(36pés).Olocalfoiaoníveldo cuboide em33 casos eemtrês aoníveldo calcaneocuboí-deo.Foifeitaafixac¸ãocomfiosKirschnerapósacorrec¸ãoda deformidade,comacolocac¸ãodeumfioretrógradonoretropé (calcâneo-tálus-tíbia),umfionacolunamedial,paramanter abertasasarticulac¸õesmediais,eoutronacolunalateral,para fecharasarticulac¸õesdessacoluna.Osfiosforamrosqueados, poisaofazeraliberac¸ãoeascapsulotomiasereduzira defor-midadehánecessidadedemanterasarticulac¸õesdaregião medialabertas.
Noseguimentopós-operatório,ospacientesforam imobi-lizadospor12semanas.Osfiosforamretirados, ambulatorial-mente,emseissemanas.Apósesseperíodo,foramprescritas órteses suropodálicas em polipropileno para uso diurno e noturno,portempoindeterminado.
Aanálisedoscasosfoifeitaporcritério clinicorradiográ-fico.Segundooscritériosclínicos,dividimososresultadosem satisfatórioouinsatisfatório,comovemosaseguir:
Tabela1–Distribuic¸ãogeraldospacientes
no Lado Idade Técnicacirúrgica Resultado Pós-operatório
1 D/E 1A LPML +/+ 19A+3M
2 D/E 6A LPML+TAL+ECL +/+ 6A
3 E 2A+8M LPML+ECL + 18A 4 D/E 2A+2M LPML +/+ 16A 5 D/E 3A+2M LPML +/– 11A 6 E 5A+7M LPML+TAL – 9A 7 D 6A LPML+TAL + 10A+10M 8 E 4A LPML+TAL – 10A 9 E 2A+9M LPML+TAL+ECL – 7A 10 D/E 3A LPML+ECL –/+ 7A+6M
11 D/E 2A+5M LPML+TAL+ECL +/– 7A
12 D/E 1A+8M LPML+TAL+ECL +/+ 6A+4M
13 D/E 3A+1M LPML –/– 5A
14 D 1A+9M LPML+TAL+ECL +/+ 4A+1M
15 D/E 9A+8M LPML+TAL+ECL +/+ 6A
16 D/E 3A+2M LPML +/+ 8A+6M
17 D/E 7A+3M LPML+TAL+ECL +/+ 3A
18 D 6A LPML+TAL+ECL + 4A+11M
19 D/E 7A+4M LPML +/+ 3A+8M
20 D/E 5A+8M LPML+TAL+ECL +/+ 7A
21 D/E 1A+6M LPML+ECL +/+ 5A
22 D/E 1A+7M LPML+TAL+ECL +/+ 3A+10M
23 E 3A+9M LPML+ECL – 8A+9M
24 D/E 2A+6M LPML+ECL –/– 8A
25 D/E 2A+1M LPML+TAL+ECL-D +/+ 8A+10M
26 D 1A+2M LPML – 7A 27 D/E 2A LPML +/+ 3A 28 D/E 1A+6M LPML+TAL +/+ 2A 29 E 11A+5M LPML+TAL – 2A+2M 30 D 4A+6M LPML+TAL+ECL + 2A 31 E 6A LPML+ECL + 9A 32 E 2A LPML+TAL+ECL + 19A 33 D/E 4A+3M LPML+TAL-D +/– 7A 34 E 1A+5M LPML + 2A 35 D/E 2A+6M LPML +/– 8A 36 D/E 2A LPML +/+ 2A 37 D/E 3A LPML +/+ 2A+4M 38 E 13A LPML+ECL + 2A+1M 39 D 6A LPML+TAL+ECL + 3A+6M 40 D 7A LPML + 3A 41 E 7A+2M LPML+ECL + 2A
42 D/E 2A LPML+TAL+ECL +/– 3A+6M
43 D/E 5A+8M LPML+ECL –/– 4A+2M
Resultados:(+)=satisfatório;(–)=insatisfatório;ECL,encurtamentodacolunalateral;TAL,talectomia.
• Resultado satisfatório – pés queapresentam os critérios abaixorelacionados:
1. Pésplantígrados;
2. Compatíveiscomusodeórteseemposic¸ãoneutra; 3. Semlesõesdepeleouúlcerasdepressão.
• Resultadoinsatisfatório–nomínimoumdosseguintes cri-térios:
1. Pésnãoplantígrados;
2. Nãocompatíveiscomusodeórteseemposic¸ãoneutra; 3. Comlesõescutâneas(úlceras)porpressão;
4. Quenecessitaramdeprocedimentocirúrgicoposterior. Ospacientesforamagrupadossegundoordemnumérica, iniciaisdonome,ladodocorpoacometido,idadenaépocada cirurgia,técnicacirúrgicausada,resultadoobtidoetempode seguimentopós-operatório(tabela1).
Avaliamos as complicac¸ões imediatas (ocorridas no pós-operatórioimediatoouatéduassemanasapóso proce-dimentocirúrgico)etardias(apósduassemanasdacirurgia), quantoàfrequênciaeaostipos.
Com relac¸ão à análise radiográfica, obtivemos
documentac¸ão de 45 pés e desses avaliamos o ângulo
talocalcaneano na incidência em anteroposterior (AP) ou o ângulo de Kite no pré-operatório. Também avaliamos o mesmoângulonopós-operatóriodospésquenãoforam sub-metidos atalectomia, pelaimpossibilidade de mensurac¸ão nessaúltimasituac¸ão.Esse ângulomedeaaberturaentreo táluseocalcâneoetemcomovalordenormalidadeentre20◦ e40◦.Ébastanteusadonaliteraturaparaavaliac¸ãodotalipes equinovaro, que frequentemente se apresenta diminuído (<20◦)nessa deformidade.5 Analisamosaindaaposic¸ãodo calcâneo nospés submetidos a talectomia econsideramos
resultado radiográfico adequado quando o calcâneo ficou posicionadoabaixodatíbia,emposic¸ãoneutraelevemente posteriorizado em relac¸ão a ela, além de não identificar qualquerfragmento residual dotálus entreo calcâneoe a tíbia.
Nossahipóteseinicialéqueseasdeformidadesnãoforam completamentecorrigidascomoprocedimentocirúrgico,isto é,sehouvedeformidaderesidualapósacirurgia,achancede obterresultadoinsatisfatórioémaior.
Paraestudarseadeformidaderesidualestavarelacionada com os resultados,usamoso testeexato de Fisher. Consi-deramoscomo discordânciao resultado satisfatório com a presenc¸adedeformidaderesidualouoresultadoinsatisfatório semdeformidaderesidual.
Asanálisesradiográficaseseusvaloresestatísticosforam feitoscomotestedeMcNemar.
Emtodososcasos,onívelderejeic¸ãoparaahipótesede nulidadefoifixadosempreemumvalor≤0,05(5%).
Quando aestatística calculada apresentou significância, usamosumasterisco(*)paracaracterizá-la.Caso contrário, istoé,nãosignificante,usamosasiglaNS.
Resultados
Analisamos90prontuáriosetentamoscontatoviatelefonea fimdeconvocarparaavaliac¸ãoclínicaeradiográficafinal.Dos 90pacientes,conseguimosdadosecomparecimentode43.
Incluímosnoestudo69pés(43pacientes).Logo, encontra-mosdeformidadeemambosospésem26pacientes(60,4%). Emrelac¸ãoaogênero,houvediscretapredominânciado femi-nino,com22pacientes(51,1%).
Amédiadeidadenaépocadacirurgiafoidequatroanose doismeses.Aidademínimafoideumanoeamáxima,de13.
O tempo de seguimento mínimo pós-operatório foi
dedoisanoseomáximode19anosetrêsmeses.Amédia foideseteanosedoismeses.
Dos69 pés avaliados, encontramos resultados satisfató-riosem51(73,9%)einsatisfatóriosem18(26,1%),segundoos critériosclínicosmencionadosnométodo(p<0,0001).
Em31pés(44,9%)foifeitaliberac¸ãoposteromediolateral associadaatalectomia eem38 (55,1%)foi feitaaliberac¸ão posteromediolateralisolada.
Complicac¸õesimediatas(I)etardias(T)foramobservadas em34pés(49,2%).Foimaisfrequenteadeiscênciadesutura(16
Tabela2–Frequênciadascomplicac¸õespós-operatórias Complicac¸ão Númerodepés Porcentagem Deiscênciasutura* 16 39,1% Infecc¸ãosuperficial* 6 14,6% Infecc¸ãoprofunda* 3 7,3%
Migrac¸ãofios 3 7,3%
Sofrimentopele*(circulatório) 3 7,3%
Hipercorrec¸ão 9 22%
Necroseassépticatálus 1 2,4%
TOTAL 41 100%
*Obs:Emsetepésocorreumaisdoqueumacomplicac¸ão.
Tabela3–Relac¸ãodosresultadoscomadeformidade residual
Deformidaderesidual Presente Ausente Total Resultado
Insatisfatório 8pés* 10pés 18pés Satisfatório 1pé 50pés 51pés Total 9pés 60pés 69pés (p=0,00004)*(TestedeFisher).
Tabela4–Relac¸ãodoângulodeKitenopós-operatório comoresultadofinal
Kite Aberto Fechado Total Resultado
Satisfatório 21pés 1pé 22pés Insatisfatório 1pé 5pés 6pés Total 22pés 6pés 28pés p=0,7500NS.Concordância=92,8%(TestedeMcNemar).
Aberto:ângulodeKitenormalizadoapósacirurgia.
Fechado:ângulodeKitepermaneceudiminuídoapósacirurgia.
pés)etardiamenteahipercorrec¸ão,queexibiuadeformidade emvalgo(novepés)(tabela2).
Recidivaparcialoutotalocorreuem12pés(17,4%doscasos). Reoperac¸ãofoirealizadaem12pés(17,4%).
Aoanalisarospésquetiveramdeformidaderesidual,isto é,queapresentavamdeformidadenopós-operatório imedi-ato (nove), identificamosresultados insatisfatórios emoito (88,9%). Quando analisamos os pés sem deformidade resi-dual(60),identificamosresultadossatisfatóriosem50(83,3%) eapenas10insatisfatórios(16,7%)(tabela3).
Constatamos recidiva da deformidade em 12 pés. Oito (66,6%)tinhamdeformidaderesidualnopós-operatório ime-diatoequatro(33,3%)nãoaapresentavam.
Com relac¸ão à avaliac¸ão radiográfica, obtivemos
documentac¸ão completa de 45 pés e desses identifica-mos no pré-operatório ângulo de Kite AP fechado (< 20◦) em 41 (91,1%). Nos pés submetidos à LPML que tiveram resultados satisfatórios (22), o ângulo de Kite aumentou em 21 casos (95,4%), enquanto que nos pés com resulta-dos insatisfatórios submetidos à LPML (seis), o ângulo de Kite aumentou em apenas um (16,6%) (tabela 4). Nos pés submetidos à LPML + talectomia que obtiveramresultados satisfatórios(15),14(93,3%)tiveramocalcâneocomadequado posicionamentoeapenasumnão.Enquantoquenospés sub-metidosàLPML+talectomiaecomresultadosinsatisfatórios (dois),umapresentouposicionamentoadequadodocalcâneo eum,posicionamentoinadequado(tabela5).
Discussão
A deformidadeemequinovarodospés namielodisplasiaé dedifícilmanejo,comaltastaxasdecomplicac¸õese recidi-vas,porcausadasprópriascaracterísticasdapatologia,que apresentaparalisia,desequilíbriomuscular,insensibilidadee rigidez.3–5,8
Tabela5–Relac¸ãodaposic¸ãodocalcâneocomo resultadofinal
Radiografia Posic¸ão+ Posic¸ão– Total Resultado
Satisfatório 14 1 15
Insatisfatório 1 1 2
Total 15 2 17
p=0,7500NS.Concordância=88,23%(TestedeMcNemar). Posic¸ão+:posic¸ãoadequadadocalcâneo.
Posic¸ão–:posic¸ãoinadequadadocalcâneo.
Otratamentopreferencialdessadeformidadeé historica-mentecirúrgico. Assim,atécnicausada éimportante, pois podeinfluenciaroresultadofinal.7
Apesarde o tratamento conservador ser consagrado na literaturaparaospéstortosidiopáticos,issoaindanãoé com-pletamentereprodutíveleaindasemestudosemlongoprazo paraospésmielodisplásicos.
Atualmente,maisestudoseensaiosclínicossurgemcom ousodetratamentogessado,especialmentecomos princí-piosdométododePonsetiparacorrec¸ãodessasdeformidades, porém com taxas ainda elevadas de recidiva nos pés não idiopáticos.14Eaoanalisarmosanossacasuística, principal-mentenoqueserefereàidadenaocasiãodotratamento,a opc¸ãopelotratamentocirúrgicofoiamaisviável.
Aidadedospacientesnaocasiãodacirurgiafoiumfator decisivo,jáqueencontramoscomomédiaquatroanosedois meses.Éumaidadejáavanc¸adaparaotratamentodessa pato-logia,jáqueospésapresentammaiorrigidez, alterac¸ãono formatodosossoseincongruênciaarticular(figs.1e2).
Asincisõesusadasnotratamentocirúrgicodopé equino-varovariamamplamente.Turcodescreveuumaincisãoreta dabasedoprimeirometatarsoatéotendãodeAquiles,sem dissecc¸ãosubcutânea.15Crawfordetal.descreveramaincisão idealizadaporGiannestraseconhecidacomoviadeCincinnati emhomenagemaolocalonde trabalharam.16 Nesseestudo foifeitaaduplavia(umaposteromedialeaoutralateral)na grandemaioriadospacientesefoiusadaaviadeCincinnati nospésqueapresentavamcomponenteequinomenordoque 30◦; dessaforma,nãohouve dificuldadenofechamento da pele.
Algunsautoressalientamaimportânciadatécnica
cirúr-gica adequada, com o uso de ressecc¸ão tendinosa em
detrimentodosimplesalongamento,eessatambémfoinossa preferência.1,4,12Dessaformareequilibramosasforc¸as atuan-tesnopéeevitamosarecidiva.
Aliberac¸ãoposteromediolateraléfeitanotratamentodopé equinovaroesãoimportantesascapsulotomiasamplas,além daliberac¸ãotendinosacomressecc¸ão,comojámencionado.2,3 Outroponto citadonaliteraturaéacorrec¸ãoda rotac¸ão dotálus.12Emnossoestudohouveincrementonoângulode Kiteemtodosospésdocumentados radiograficamenteque evoluíramsatisfatoriamenteequenãosofreramtalectomia,o quesugereaimportânciadessedetalhetécnico.
Atalectomiaéumprocedimentofeitohámuitotempona práticaortopédica,com relatosdesde 1608,com Fabricus.10 Diversosautoresrelatambonsresultadoscomatécnicano tra-tamentocirúrgicodopéequinovaromielodisplásico.6,7,10,17,18
Figura1–Pacienteportadordemielodisplasia,compés equinovaros,rígidosempré-operatóriodeLPML+ talectomia.
Alguns autores salientam a importância do posiciona-mento adequado do calcâneo nos casos talectomizados. Tambémacreditamosqueocalcâneomalposicionadopode levararesultadoinsatisfatório,apesardenãotermos compro-vadoestatisticamenteissoemnossoestudo,provavelmente pelapequenaamostragem.13,19
Nãofoiusadaatalectomiacomoúnicoprocedimentopara correc¸ão das deformidades, pois corrigea deformidade do retropé, mas não atua sobre as alterac¸ões do médiopé e antepé.Logo,nãoproporcionacorrec¸ãototaldas deformida-deseaumentaapossibilidadederecidiva.
Iniciou-se a correc¸ão cirúrgica das deformidades pelo retropé por meio das liberac¸ões tendinosas e capsulares (LPML).Quandoessasnãoforamsuficientesparaacorrec¸ão completadadeformidadedoretropé,foifeitaatalectomia. Comrelac¸ãoàdeformidadeemaduc¸ãodoantepé,foicorrigida pormeio daliberac¸ãocapsular eligamentar.Quando esses procedimentosnãoforamsuficientesparaacorrec¸ãototal,foi usadooencurtamentodacolunalateral.Portanto,aavaliac¸ão intraoperatóriaeoconhecimentodaanatomiapatológicadas deformidadessãodeextremaimportância,poisos procedi-mentoscirúrgicossãofeitosàmedidaquesãonecessários.20
Figura2–Pacientedeambuladorcomunitário,portadordepéequinovaromielodisplásicocomlesãoempeledorsolateral (áreadeapoiodessepé).
Foramefetuadas31liberac¸õesposteromediolaterais asso-ciadas à talectomia e 38 sem talectomia, com associac¸ão
em 36 desses pés (52,1%) de encurtamento da coluna
lateral. Encontramos taxa de resultados satisfatórios
semelhante à da literatura com esses
procedimen-tos.
Asfiguras3e4mostramcasosilustrativosdascorrec¸ões obtidasapósosprocedimentoscirúrgicos.
Complicac¸ões no tratamento dessa deformidade
ocor-rem com frequência, como já salientado por outros
autores.1,3,5,8 Durante o seguimento pós-operatório ocor-reram complicac¸ões em 49,2% dos casos, como pode ser visualizadonoQuadro2.
A deformidade em valgo foi uma das principais
complicac¸ões emlongo prazoe atribuímosisso às amplas liberac¸õesfeitas,inclusivedoligamentointerósseosubtalar. Écontroversosealiberac¸ãodesseligamentodeveserfeita, mesmoqueparcialmente.21,22
Não foi nosso objetivoavaliar nível funcional, deformi-dades em outros seguimentos do corpo e prognóstico de marcha,apesardehavernaliteraturaestudoquecorrelaciona
deformidadeemflexãodojoelhoecorrec¸ãocirúrgicadepés equinovarosempacientescommielodisplasiaeartrogripose.7 Natabela3verifica-se,pelotesteexatodeFisher,ovalorda estatísticacalculadap=0,0004*equedeformidadesresiduais presentes aparecempoucas vezes nosresultados satisfató-rios.Logo,asdeformidadesresiduaisestãorelacionadascom maiortaxaderesultadosinsatisfatórios.Essaconstatac¸ãoéde extremaimportância,poisnofimdoprocedimentocirúrgico, seaindarestamdeformidadesaseremcorrigidas,nãodevem sernegligenciadas,sobriscodemausresultados.
Nossoestudoapresentaváriaslimitac¸ões,iniciandopelo desenhoserretrospectivoesériedecasos.
Não foi possível usarclassificac¸ão degravidade dospés tratadospordadosinsuficientesemprontuário,porémpela altataxadetalectomiasfeitaspodeserinferidaadificuldade encontradanacorrec¸ãodessespés.
Outralimitac¸ãofoianãocorrelac¸ãocomonívelfuncional dessespacientes,jáquepacientesqueapresentammarcha podemestarmaispropensosaresultadosinsatisfatórios,pela maiorprobabilidadedelesõescutâneascomopesodocorpo sobrepécomdeformidaderesidual,mesmoqueessasejaleve.
Figura3–Pós-operatóriodepéequinovaro,rígido,quefoisubmetidoaLPMLetalectomia(pré-operatóriofoimostradona
Figura4–Pacientecompésmielodisplásicossubmetidoaosnovemesesacorrec¸ãocirúrgicapormeiodeLPML.Boa evoluc¸ão,deambuladorcomunitário,pésplantígrados,compatíveiscomórteseesemescaras.Podemosveropré-operatório (pré-op),segundoe17◦anopós-operatório.
Nãousamosdadoscomoamobilidadearticulareadore, portanto,nãofoi tambémusado métodoou escalajá exis-tentenaliteraturaparacaracterizarosresultados,poisnão conhecemosmétodosespecíficospara essa análiseempés associadosadoenc¸asneuromusculares,comoa mielomenin-gocele,comtodasascaracterísticasintrínsecasàpatologia, como jámencionado anteriormente. Sabemos que empés submetidosaliberac¸õesextensasetalectomiaoarcode movi-mentodiminuibastanteecomoamaioriadospacientescom mielomeningocelenecessitadeórtesesuropodálicapara mar-cha,essecritérionãofoilevadoemconsiderac¸ão.
Já salientamos a dificuldade técnica encontrada para a correc¸ãodasdeformidadesnospésdessespacientescom mie-lodisplasiaeoprocedimentocirúrgico éextenso.Durantea cirurgia,àmedidaquesãonecessáriosprocedimentoscomo atalectomiaeoencurtamentodecolunalateral,devemser feitosnomesmotempocirúrgico,afimdenãodeixar deformi-dadesresiduaise,assim,diminuirapossibilidadedarecidiva.
Conclusão
Otratamentocirúrgicoinstituídonessespésmielodisplásicos depacientesacompanhadosemnossainstituic¸ãofoiefetivo nacorrec¸ãodasdeformidades,comresultadossemelhantes aosencontradosnaliteratura.
Ascomplicac¸õespós-operatóriassãofrequentes.
Adeformidaderesidualapósoprocedimentocirúrgicoéum fatorquecontribuiparaoinsucessonotratamentodesses pése,portanto,devemosevitá-la.
Quandofeitaliberac¸ãoposteromediolateralsemtalectomia, pareceserimportanteaaberturadoângulotalocalcaneano.
Conflitos
de
interesse
Osautoresdeclaramnãohaverconflitosdeinteresse.
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